Quais os benefícios cardiovasculares de uma intervenção intensiva no estilo de
vida na Diabetes tipo 2?
CLUBE DE LEITURA
Quais os benefícios cardiovasculares de uma intervenção intensiva no estilo de
vida na Diabetes tipo 2?
What are the cardiovascular benefits of Intensive Lifestyle Intervention in
Type 2 Diabetes?
Ana Catarina Henriques
Interna de Medicina Geral e Familiar
USF Cova da Piedade
The Look AHEAD Research Group. Cardiovascular effects of intensive lifestyle
intervention in type 2 diabetes. N Engl J Med 2013 Jul 11; 369 (2): 145-54.
Introdução
O presente estudo pretendeu avaliar se uma intervenção intensiva sobre os
estilos de vida com vista à perda de peso iria diminuir a morbilidade e
mortalidade cardiovascular entre os pacientes com Diabetes tipo 2.
Métodos
Foi realizado um ensaio clínico controlado e aleatorizado, multicêntrico, em 16
centros dos Estados Unidos. Foram seleccionados, aleatoriamente, 5145 pacientes
com o diagnóstico concomitante de excesso de peso ou obesidade e diabetes tipo
2, divididos por dois grupos com características sobreponíveis.
Um dos grupos foi sujeito a uma intervenção intensiva sobre o estilo de vida
que promoveu a perda de peso através da diminuição da ingestão calórica e
aumento da actividade física (grupo de intervenção). Esta intervenção visava
atingir e manter a perda de peso de pelo menos 7%, através da ingestão de 1200-
1800 kcal por dia (com <30% de calorias de gordura e >15% de proteínas), a
utilização de produtos de substituição de refeição e, pelo menos, 175 minutos
de actividade física de intensidade moderada por semana. O segundo grupo (grupo
controlo) contou com três sessões de grupo por ano, durante os 4 primeiros
anos, onde foram abordados temas como dieta, exercício e fornecido apoio
social. Nos anos seguintes, as sessões foram anuais.
Ambos os grupos assistiram a sessões de aconselhamento individual, que
decorreram semanalmente durante os primeiros 6 meses, diminuindo a frequência
ao longo do estudo.
O outcome primário incluiu um resultado composto por morte por causas
cardiovasculares, enfarte agudo do miocárdio não fatal, acidente vascular
cerebral não fatal ou hospitalização por angina, num período de seguimento
máximo de 13,5 anos.
Resultados
A idade média dos indivíduos seleccionados foi de 58,7 anos e 60% dos pacientes
eram mulheres. O índice de massa corporal médio foi de 36,0. A duração média da
evolução da diabetes era de 5 anos e 14% dos pacientes relataram história de
doença cardiovascular anterior.
O estudo foi interrompido precocemente, após o seguimento de 9,6 anos. A perda
de peso foi superior no grupo de intervenção (8,6% vs 0,7% no 1.o ano e 6,0%
contra 3,5% no final do estudo). A intervenção intensiva sobre os estilos de
vida também produziu uma maior redução na hemoglobina glicada, uma melhoria da
condição física e redução dos factores de risco cardiovasculares, excepto para
os níveis de LDL. O outcome primário ocorreu em 403 pacientes no grupo de
intervenção e 418 no grupo controlo, diferença esta que não foi
estatisticamente significativa (1,83 e 1,92 eventos por 100 pessoas-ano,
respectivamente; razão de risco 0,95, intervalo de confiança de 95% 0,83-1,09,
P = 0,51).
Conclusões
Uma intervenção intensiva sobre os estilos de vida focada na perda de peso não
parece reduzir a taxa de eventos cardiovasculares em diabéticos com excesso de
peso ou obesidade.
COMENTÁRIO
Os benefícios do exercício físico e de uma alimentação cuidada vão muito para
além da perda de peso. O melhor controlo metabólico das patologias do foro
cardiovascular não pode ser posto de parte. Este estudo surpreende-nos à
partida pela ausência de diferenças estatisticamente significativas na redução
da morbilidade e mortalidade nos dois grupos estudados.1 Seria de intuir que a
perda de peso se traduzisse em ganhos de saúde tangíveis.
No presente estudo existem vários factores, apontados pelos autores, que podem
ter contribuído para a inexistência de diferença significativa nas taxas de
eventos cardiovasculares entre os grupos. Em ambos os grupos houve um
acompanhamento médico intensivo na tentativa de controlo dos factores de risco
cardiovascular em consultas de vigilância. Este facto pode ter reduzido as
taxas de eventos, minimizando assim os potenciais efeitos da perda de peso, que
se pretendiam demonstrar. O aumento do uso de fármacos cardio-protectores (como
as estatinas) e das sessões educacionais promovidas no grupo controlo em
comparação com o de intervenção pode ter contribuído para uma menor diferença
na incidência de eventos adversos entre estes (é sobejamente conhecido o efeito
dos mesmos na redução de risco cardiovascular). Adicionalmente, a perda de peso
no grupo intervenção pode ter sido insuficiente. É de salientar que a diferença
da perda de peso entre os dois grupos em estudo foi em média de 4% durante o
decurso do estudo, apesar de no primeiro ano esta diferença ter sido
substancialmente maior. No final do estudo a diferença foi de apenas 2,5%. O
peso recuperado no grupo de intervenção pode ter contribuído para a
inexistência de diferença estatisticamente significativa nos eventos ocorridos,
confirmando o facto de o efeito da intervenção sobre os factores de risco ter
diminuído após os primeiros anos.2 É também possível que as intervenções sobre
o estilo de vida possam ter um efeito real mas modesto sobre a diminuição do
risco cardiovascular, exigindo mais do que 10 anos para se tornar evidente.
Neste cenário, este ensaio pode ter sido demasiado pequeno para detectar tal
efeito.2
A inclusão de outcomes pouco fiáveis como o resultado de hospitalização por
angina pode constituir um viés importante. Apoiando esta possibilidade
encontra-se o facto de a ocorrência de angina nos dois grupos ter sido quase
idêntica, ao passo que a incidência de todos os outros outcomes favoreceu o
grupo de intervenção, embora as diferenças não tenham sido significativas.
Finalmente, a motivação acrescida dos participantes que integraram o estudo
torna igualmente difícil a generalização destas conclusões a todos os
diabéticos tipo 2.
Este estudo avaliou o impacto da perda de peso na morbi-mortalidade
cardiovascular em indivíduos diabéticos com obesidade e excesso de peso. No
entanto, os benefícios da perda de peso no controlo de outros factores de risco
cardiovascular (como a hipertensão e a dislipidemia) não foram contemplados,
pelo que estas conclusões não devem ensombrar a importância de uma alimentação
regrada associada à prática de actividade física.
Os benefícios da perda de peso após intervenção sobre os estilos de vida foram
já demonstrados noutros estudos, com diminuição da hemoglobina glicada,
triglicéridos, marcadores de inflamação e insulinorresistência, pressão
diastólica e da circunferência da cintura e com um aumento dos níveis de
HDL.3,4,5 O presente estudo, apesar de demonstrar estes benefícios, não
demonstra a redução do risco cardiovascular.
Em Portugal, conforme a mais recente Norma de Orientação Clínica publicada pela
Direcção-Geral de Saúde, a prática de exercício físico e os cuidados
alimentares continuam a constituir as terapêuticas não farmacológicas de base
no controlo da diabetes.6 A American Diabetes Association tem recomendações
baseadas na evidência e cujo nível de recomendação para esta intervenção é A.7
Em conclusão, parece que este estudo demonstra (com as inúmeras limitações que
tem) que a intervenção educacional que fazemos na consulta em utentes motivados
é suficiente para a diminuição do RCV e que fazer um acompanhamento intensivo
pode não trazer benefícios acrescidos, contudo, diminui o consumo de
medicamentos e o controlo metabólico da DM2, contribuindo para o bem-estar dos
pacientes.
O incentivo para a adopção de estilos de vida saudáveis em indivíduos de risco
constituirá sempre a melhor arma dos cuidados de saúde primários.