As relações inter-regionais em Portugal e o efeito-capitalidade
I. INTRODUÇÃO
Apesar do seu grande desenvolvimento, os estudos territoriais em Portugal
apresentam, no entanto, uma lacuna significativa. As relações inter-regionais '
isto é, as dependências recíprocas e múltiplas entre cada processo regional de
evolução e os restantes ' não têm merecido a devida atenção, não sendo fácil
encontrar estudos nesta matéria. Esse défice regista-se tanto na informação
estatística como na atenção dos investigadores, que têm preferido a análise
comparativa regional ou a simples apreciação das características internas das
regiões e das suas evoluções. Resta, portanto, saber de que modo é que o
desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesas assenta em sinergias
inter-regionais e que forma é que estas assumem. Este é, em si mesmo, um
programa de investigação que, por agora, não pode ter senão aproximações
parciais.
Acresce que os estudos regionais e as análises dos impactos territoriais das
políticas públicas, ao insistirem sobretudo na evolução dos espaços
infranacionais, têm-se preocupado mais com o objectivo de averiguar os
resultados alcançados na coesão ou na competitividade. Esta última dicotomia
tem ganho centralidade ' favorecendo o reforço de uma lógica correspondente de
contraposição do económico ao social ' e esse tem sido um factor de simplismo
ou até de empobrecimento dos estudos regionais, em desfavor de uma perspectiva
territorial complexa e mais exigente. Pouca atenção tem sido dada ao modo como
as trajectórias e a intensidade do desenvolvimento numa dada região influencia
as demais e é, correspondentemente, influenciado por estas.
É sabido que a reconstrução das relações de fluxos e de interdependência
assenta em técnicas bem determinadas (as matrizes inter-regionais ou a
determinação das áreas de influência urbana, por exemplo) e depende
criticamente de informação primária que, apesar do recurso a procedimentos de
estimação, não pode com facilidade ser deduzida. Mas, por outro lado, também é
certo que a existência ou não de lógicas de interdependência entre formas de
desenvolvimento territorial dentro de um espaço nacional pode assumir dimensões
mais amplas e variadas do que as que aquelas técnicas indicariam.
Neste texto vai, assim, ensaiar-se uma avaliação exploratória do modo como
podem ser encaradas as relações inter-regionais em Portugal e a base empírica
que pode ser mobilizada para o efeito.
Admite-se, adicionalmente, que um dos temas a privilegiar na observação das
relações inter-regionais contemporâneas em Portugal é o da existência ou não de
um efeito-capitalidade. Sabe-se que a Grande Lisboa, como região da capital,
tem no país um significado muito particular, reforçado nas últimas décadas, em
virtude do crescimento e da inovação que aí se têm registado, habilitando-
a para uma posição competitiva especialmente forte. Trata-se, assim, de
averiguar se as relações inter-regionais apresentam sinais de que este efeito
se pode consolidar no sentido de produzir também influência positiva noutras
regiões do país.
II. HIPÓTESES, PERSPECTIVAS E INFORMAÇÃO
Para as finalidades enunciadas vamos apontar as seguintes hipóteses: (1) que as
relações inter-regionais se revelam através de processos que assentam
essencialmente na contiguidade espacial, originando sinergias que são a
consequência de um efeito de proximidade; (2) que as relações inter-regionais
podem ser mais amplas e assumir maior liberdade espacial, mas que as
sinergias dependem criticamente do desenvolvimento prévio de estruturas
territoriais compagináveis pela semelhança (efeito de similitude); (3) que as
relações inter-regionais são uma consequência apenas mediatade processos de
desenvolvimento com origens e lógicas dissociadas entre si
(territorializaçãoirredutível).
Para justificar e testar o primeiro conjunto de hipóteses vamos observar,
primeiro, se há sinais da existência de sinergias de desenvolvimento entre
regiões contíguas, evidenciando o referido efeito de proximidade. Depois,
desenvolve-se uma metodologia que procura essencialmente reconstituir o grau de
similitudedos espaços regionais no Continente português e averiguar, a partir
daí, que tipo de relações inter-regionais é possível pressupor e como é que
elas podem ser interpretadas. Para este fim, assume-se, em particular, que o
que está essencialmente em causa é saber se o desenvolvimento metropolitano
registado na Grande Lisboa pode também ser encarado como um processo que tem
equivalentes e pode produzir impactos relevantes em outros territórios do país,
originando assim interdependências regionais positivas. Finalmente, retoma-se a
discussão que consiste em saber se outros comportamentos regionais,
designadamente os que resultem de ancoragens territoriais do desenvolvimento,
podem ser encarados como uma contra-tendência, oposta à que resultaria de
relações inter-regionais fluidas e positivas originadas num espaço com
dinâmicas de crescimento mais acentuadas.
Como se notará já de seguida, dedicamo-nos neste texto a assegurar um maior
desenvolvimento à análise da hipótese da similitude, tratando as restantes
apenas como elementos de uma contextualização mais ampla da problemática das
relações inter-regionais.
Na análise consideram-se alguns outros pressupostos práticos, embora
eventualmente simplificadores. O primeiro consiste em admitir que as NUTS III
reflectem uma identificação aceitável da diferenciação territorial do país,
isto é, correspondem a delimitaçõesou linhas de fronteira pertinentes e a
constituiçõesou identidades espaciais justificadas (ou seja, interpretam a
diferençaentre territórios e a coerênciade cada espaço).[ii]O segundo destes
pressupostos é que a população, a criação e distribuição de valor, a
especialização produtiva e a qualificação das pessoas são variáveis centrais
para um exercício desta natureza.
Assim, para observar as estruturas territoriais e as relações inter-regionais,
vamos considerar relevante a seguinte bateria de indicadores, para cada NUTS
III:
a) as variações da população, do produto, do emprego e da
produtividade no período 1995-2006[iii];
b) os valores absolutos dos indicadores de urbanidade e de
intensidade técnica informacional em 2005[iv];
c) os índices de qualificações, de habilitações (Reis et al., 2009) e
de poder de compra em 2005[v];
d) o peso na população no PIB e no emprego em 2006;
e) as componentes regionais e sectoriais da variação do VAB no
período 1999-2003 e o peso das actividades de base económica não-
primária na estrutura produtiva regional[vi].
Estes indicadores resumem-se nos quadros I e II que constituem a referência
para as considerações quantitativas que se farão a seguir.
Quadro_I ' Indicadores de evolução económica por NUTS III. / Table I ' Economic
indicators by NUTS III.
Quadro_II ' Indicadores de peso, urbanidade e capacidade económica por NUTS
III. / Table II ' Relative weight, urban population and economic capacity by
NUTS III.
III. CONTIGUIDADES ESPACIAIS E EFEITOS DE PROXIMIDADE
A primeira observação, utilizando os três primeiros conjuntos de indicadores
acabados de referir, é a que nos revele a presença de manchas espaciais, isto é
a presença de características que definam contiguidades territoriais. Procede-
se através de dois passos distintos: o primeiro toma como ponto de partida a
Grande Lisboa e o Grande Porto e procura ver que extensões pertinentes é que
estas duas NUTS comportam; com o segundo passo procura identificar-se a
presença de outras contiguidades significativas.
Com aquele primeiro exercício constata-se que, na proximidade do Grande Porto,
as NUTS do Cávado e do Tâmega (e apenas estas), registam valores significativos
de variação positiva da população, do emprego e da produtividade (e do PIB no
caso do Cávado) e de duas das expressões de urbanidade que usamos. Mas não se
observam valores relevantes dos restantes indicadores (intensidade técnica
informacional e índices de qualificações, de habilitações e de poder de
compra).
Já na proximidade da Grande Lisboa apenas a Península de Setúbal revela
contiguidades num conjunto mínimo de dimensões (variação da população e do
emprego, intensidade técnica informacional, indicadores de urbanidade e índices
de qualificação, habilitações e poder de compra), podendo admitir-se que o
Alentejo Litoral revela algum contágio espacial, atendendo às elevadas
evoluções do PIB, do emprego e da produtividade.
As restantes situações em que se observam valores significativos destes
indicadores apenas servem para revelar a posição específica do Algarve (nas
quatro variações indicadas acima, no índice de poder de compra e num dos
indicadores de urbanidade), do Baixo Mondego (urbanidade, índices de poder de
compra, de qualificação, de habilitações e de quadros médios e superiores), do
Pinhal Litoral (variações da população e do emprego e índice de urbanidade) e
de Dão-Lafões (PIB, emprego e produtividade). NUTS como as do Baixo Vouga,
Entre Douro e Vouga ou Serra da Estrela apresentam performancesmuito limitadas.
Trata-se, portanto, de NUTS com débeis relações de contiguidade com as que lhes
estão próximas, não configurando muito mais do que a individualidade de cada
uma delas.
É também neste sentido que aponta um exercício de identificação de clubes
entre as regiões portuguesas como o que foi desenvolvido por Barradas e Lopes
(2007). Ao reunirem-se em clubes aquelas que apresentam estruturas económicas
semelhantes concluiu-se que o crescimento regional revela a existência de
convergência de clube ' isto é, as regiões idênticas seguem idênticas
trajectórias de crescimento.
Podem, assim, considerar-se como primeiras ilações relevantes as seguintes:
' os efeitos regionais positivos decorrentes das contiguidades
espaciais com a Grande Lisboa e com o Grande Porto são
territorialmente bastante limitados (os efeitos de proximidade das
NUTS das duas áreas metropolitanas são escassos);
' apenas a Península de Setúbal parece manifestar uma relação
minimamente intensa com a Grande Lisboa, não sendo notório que o
mesmo aconteça com o Oeste, a Lezíria do Tejo ou o Alentejo Central
(e só limitadamente parece acontecer com o Alentejo Litoral);
' o mesmo se passa relativamente ao Grande Porto, com o qual só o
Cávado e o Tâmega parecem densificar as inter-relações para uma parte
significativa do conjunto de indicadores que considerámos;
' no litoral do país entre as duas áreas metropolitanas, as
contiguidades espaciais não parecem ultrapassar o circunstancialismo
de uma proximidade relativamente frágil, não se observando a
coincidência de dinamismos demográficos, produtivos ou
organizacionais.
Resta agora saber se o pouco dinamismo das relações inter-regionais assentes na
proximidade geográfica abre perspectivas para articulações territoriais não
dependentes desta condição. Nesse caso, elas têm de substituir a contiguidade
por alguma semelhança ou similitude.
IV. AS SIMILITUDES TERRITORIAIS
Um exercício de natureza bastante diferente é, pois, o da identificação de
características estruturais das NUTS III minimamente compagináveis com as da
região-capital (circunscreveremos agora o raciocínio a este aspecto). O
desenvolvimento de natureza metropolitana que estamos aqui a pressupor ' e que
a Grande Lisboa evidencia nos últimos anos ' teria as seguintes
características: condições de partidaem que, para além da massa e do peso
próprios dos territórios metropolitanos, são também relevantes a aglomeração e
a densidade populacional e a diferenciação de recursos humanos e produtivos;
dinâmicas de evoluçãoassentes numa espacial intensidade do crescimento e do
reforço da qualidade do capital social disponível.
Assim sendo, o exercício básico inicial em que esta aproximação assenta é
identificar no território continental os espaços onde ' mesmo sem o padrão
metropolitano ' podemos encontrar elementos de massa e peso, de aglomeração ede
densidade, com tendência para se reforçarem. Isso significaria que estamos
perante territórios com potencialidades para se articularem com os mais
desenvolvidos e beneficiarem de eventuais efeitos de spillover[vii].
Parte-se do pressuposto de que, para avaliar a natureza das relações inter-
regionais, é necessário dispor de dois instrumentos básicos iniciais: um que
defina a estrutura dessas relações em termos sincrónicos, fornecendo uma medida
da estruturae do pesodas diferentes regiões; outro que reconstitua a dinâmica e
a natureza dos fluxosinter-regionais.
Para o primeiro instrumento é essencial compreender os processos de
aglomeração, as economias que daí resultam e a forma como estas evoluem e se
desenvolvem, em cada região. Para o segundo importa tomar em conta os efeitos
de cadeiaque se estabelecem (ou não) entre as diferentes regiões, a partir das
economias de aglomeração estabelecidas.
O terceiro instrumento é uma medida de resultados. O objectivo é obter um
quadro referencial das relações inter-regionais para cada NUTS e para o
conjunto do país. Procurar-se-á essencialmente definir, para cada região, o que
é que pode ser estimado como activos (ou passivos) de consolidação regional, e
activos (ou passivos) de inserção em fluxos territoriaisinter-regionais. A
resultante dará uma representação da qualidade das relações territoriais no
Continente e das dinâmicas inter-regionais de desenvolvimento territorialem
formação, avaliando a sua natureza e a sua estrutura.
1. Massa, pesoe densidadesno território nacional
O exercício desenvolve-se identificando, por NUT III, onde estão, no território
nacional, os espaços que dispõem de um limiar de massae pesorelevante. A
capitalidade desta perspectiva é forte e fácil de identificar. A massaque a
Grande Lisboa representa no território nacional é assaz marcante e evidencia-se
bem nos pesosque tem na criação de riqueza (31%), no emprego (22%), na
população (19%) e no poder de compra (28%). Mas estes números tornam notório
que, para além de massa e do peso, estamos também perante fortes fenómenos de
geração de densidadessocioeconómicas cujo significado revela que as economias
de aglomeração obtidas por estes territórios são intensas: a proporção de
riqueza criada é 60% superior à da população (no poder de compra, 45%; no
emprego, 16%); as qualificações e as habilitações da mão-de-obra distanciam-se
certamente das dos restantes espaços. Como é fácil observar, esta discrepância
positivanão se vai encontrar em mais nenhum território do país.
A questão que importa esclarecer é se há outros territórios para os quais seja
possível admitir uma relação de similitude com a capital. Face aos números
anteriores e ao que é sabido, não é possível que isso aconteça através da
massaque tais territórios constituam. De facto, constata-se que, considerando a
criação de riqueza e a população, podemos estabelecer uma taxonomia do seguinte
tipo:
a) Para além da Grande Lisboa, apenas o Grande Porto pode ser
encarado como outra muito grande unidade sub-nacional(12% da riqueza,
12% do emprego, 12% da população e 14% do poder de compra).
b) Identificáveis com grandes unidades sub-nacionaisencontramos oito
territórios do país: três no Norte (Cávado, Ave e Tâmega), dois no
Centro[viii](Baixo Vouga e Baixo Mondego), dois em Lisboa e Vale do
Tejo (Oeste e Península de Setúbal) e o Algarve. Trata-se de casos
cujo pesono PIB e no emprego está compreendido entre 3% e 5%,
enquanto na população está compreendido entre 3% e 7%. Quanto ao
poder de compra situa-se entre 3% e 8%. Quer dizer, estes os
territórios cuja massase segue às da Grande Lisboa e do Grande Porto,
não são, quando se considera o indicador de criação de riqueza, mais
do que 10% e 17% da primeira destas NUTS e entre 23% e 34% da
segunda. A desproporção é de facto muito grande.
c) São quatro as NUTS que podemos designar como médias unidades sub-
nacionais. Uma no Norte (Entre Douro e Vouga), duas no Centro (Dão-
Lafões e Pinhal Litoral) e uma em Lisboa e Vale do Tejo (Lezíria do
Tejo). Os seus pesosna criação de riqueza e de emprego e na população
do conjunto nacional são inferiores a 3%.
Evidencia-se assim que o território nacional assenta em massasterritoriais
significativamente diferentes. E assume-se o pressuposto de que ' para o que
está aqui em análise ' esta característica é incontornável. Quer dizer, não
parece aceitável que se pressuponham relações virtuosas entre uma região com
uma natureza de capitalidade que se distingue fortemente no conjunto nacional
sem que o parceiro dessa articulação disponha de uma escala mínima, dada pela
sua massa.
Contudo, importa ainda interrogarmo-nos sobre outros elementos da
constituição destes espaços territoriais, quer dizer, características
adicionais dos territórios com massasignificativa. Interessará saber se a sua
natureza interna os dota de condições que viabilizem o peso que alcançam nos
indicadores que usámos. O que aqui se pressupõe é que é também necessário que
esses territórios possuam um mínimo de densidadesocioeconómica (isto é, da
capacidade para intervirem em interacçõesrelevantes com outros territórios).
Considera-se, adicionalmente, que os indicadores de urbanidade e de poder de
compra, assim como as habilitações e as qualificações dos trabalhadores,
associadas à proporção de quadros médios e superiores das empresas constituem,
globalmente, uma aproximação à densidadeque os territórios possuem, no sentido
que acaba de lhe ser dado[ix].
Assim sendo, coloca-se como hipótese provisória que as unidades territoriais
sub-nacionais que revelam condições e capacidades (isto é, massa, pesoe
densidade) para se inserirem em relações inter-regionais com a Grande Lisboa
são o Grande Porto (que classificámos com a outra muito grande unidade), sete
das oito grandes unidades e uma das médias unidades. Exclui-se o Tâmega
que, apesar de ser uma grande unidade, revela escassas urbanidade,
qualificações, habilitações e presença de quadros médios e superiores (para
além de um grande diferencial entre poder de compra e peso demográfico).
Acrescentou-se o Pinhal Litoral, cujo peso no emprego se associa a indicadores
de urbanidade, habilitações, qualificações e quadros médios e superiores
significativos. A lista é assim composta por: Grande Porto, Cávado, Ave, Baixo
Vouga, Baixo Mondego, Pinhal Litoral, Oeste, Península de Setúbal e Algarve.
Juntos, representam 40% da criação de riqueza, 43% do emprego e 45% da
população e do poder de compra.
2. Capacidades relacionais dos territórios e factores de evolução
No ponto anterior já se assumiu que a massa,o pesoea densidadedos territórios
(aqui encarados através das variáveis referidas) são condições importantes para
avaliar o seu posicionamento nas relações inter-regionais e a dotação de
capacidades de que eles dispõem. Agora trata-se de ver se é possível dispormos
de variáveis que representem de modo mais directo as capacidades relacionais
dos territórios e os factores de inserção em sinergias inter-regionais.
Vamos aqui encarar as dinâmicas dos territórios através da conjugação das suas
dinâmicas demográficas e económicas (considerando nestas a criação de riqueza e
de emprego e o aumento da produtividade). Para as identificar seleccionam-se os
casos em que a evolução observada no período 1995-2006 é superior à média
nacional em 10%.
Resulta desta análise que apenas no Cávado e no Algarve se regista a conjugação
destas duas dinâmicas.
' De facto, as dinâmicas demográficas assinalam-se com significado no
Grande Porto, no Cávado, no Tâmega, no Baixo Vouga, no Pinhal
Litoral, no Oeste, na Península de Setúbal e no Algarve. Quer dizer,
o aumento populacional significativo é um fenómeno metropolitano ou
adjacente (as três primeiras NUTS referidas, a Norte, e, a Sul, as do
Oeste e da Península de Setúbal), um fenómeno de alguns sistemas
territoriais litorais associados a uma cidade média (Baixo Vouga e
Pinhal Litoral) ou a um contínuo urbano (Algarve).
' Por sua vez, as dinâmicas económicas medidas através do aumento da
criação de riqueza destacam-se no Cávado, no Dão-Lafões, na Serra da
Estrela, no Alto Alentejo e no Algarve; esta dinâmica é reforçada
pela criação de emprego em todos os casos anteriores com excepção da
Serra da Estrela, mas, no Tâmega, na Península de Setúbal, nas outras
duas NUTS III alentejanas e no Algarve, o aumento do emprego não tem
correspondência num aumento equivalente do produto. O aumento
significativo da produtividade acompanha o crescimento do produto em
todos os casos, com excepção do Tâmega. Estamos assim perante
dinâmicas económicas estruturadas (aumento simultâneo do PIB, do
emprego e da produtividade) no Cávado, em Dão-Lafões, no Alentejo
Litoral e no Algarve, o que configura uma clara situação de dispersão
no território. As dinâmicas extensivas (aumento do emprego sem
aumento significativo do PIB) registam-se tanto nas adjacências das
áreas metropolitanas (Tâmega e Península de Setúbal) quanto no Pinhal
Litoral e no Baixo Alentejo e no Alentejo Central. Isto é, não
correspondem a um padrão territorial definido.
Em suma, estamos perante duas situações contrastadas: uma em que a dinâmica
económica não tem uma base demográfica (quer consideremos a massaou a evolução)
' é o caso do Dão-Lafões, da Serra da Estrela e do Alto Alentejo; e outra em
que a dinâmica demográfica não tem correspondência numa significativa evolução
económica (Baixo Vouga e Oeste) ou em que apenas evolui o emprego, sem evolução
significativa da produtividade (Península de Setúbal e Pinhal Litoral).
Por outras palavras, apenas se regista uma articulação sustentada entre
demografia e economia no Cávado e no Algarve, o que nos deixa perante a
possibilidade de serem bastante estreitas as bases para pressupormos a
existência, no país, de estruturas territoriais consolidadas e dinâmicas que
possam fortalecer um processo de criação de sinergias de desenvolvimento
decorrentes de relações inter-regionais significativas e passíveis de
aprofundamento rápido.
V. A BASE TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO
Observámos, ao longo da análise, que as contiguidades e as similitudes,
entendidas como bases para sinergias territoriais de desenvolvimento, são
relativamente limitadas. Isso parece continuar a deixar um campo bastante amplo
para a persistência do entendimento de que os processos infranacionais de
desenvolvimento assentam em territorializações ' isto é, em lógicas
essencialmente centradas em localizações e determinadas por factores a elas
inerentes.
Não desenvolveremos aqui este ponto de vista. Mas não deixamos de relembrar
alguns argumentos recorrentes nesta matéria. Como se sabe, um exercício
convencional consiste em decompor, para uma dada região, a variação de um
determinado indicador em duas componentes: a que resulta do efeito na região do
crescimento nacional (da influência da estrutura da economia nacional,
portanto) e a que resulta da estrutura da própria região. Tomando como exemplo
os crescimentos regionais (NUTS) do VAB, observa-se que há um largo predomínio
das dinâmicas regionais sobre os impactos regionais das dinâmicas nacionais.
Pode dizer-se que a base territorial da economia compensa, em geral, os efeitos
negativos da influência nacional ou que, quando estes são positivos, os amplia
significativamente. É isso que se passa em 17 das 19 NUTS em que a componente
regional é positiva. Curiosamente, nas seis NUTS III em que esta variável é
negativa, só em duas a componente nacional é positiva ' Grande Lisboa e Alto
Trás-os-Montes.
Em sentido idêntico, constata-se que só sete NUTS III têm a sua economia
assente em actividades exportadoras numa proporção igual ou superior à da
economia nacional (actividade de base económica não primária, no quadro I)[x].
Quer dizer que o dinamismo das regiões (NUTS III; entre 1995 e 2003) dependeu
do efeito de arrastamento da procura local, que por sua vez é muito determinado
pelo sector público (DPP, 2007: 33).
Para além do que as estruturas económicas e a especialização produtiva nos
indicam, há outros argumentos importantes para uma discussão sobre este tópico
das territorializações do desenvolvimento. Certamente que as evoluções
registadas nas componentes do sistema urbano nacional e os processos de
aglomeração das populações à volta dos centros de escala regional ou sub-
regional estão entre estes argumentos. Tal como, no mesmo sentido ou em sentido
inverso, estarão as questões da conectividade territorial, directamente
associadas às infra-estruturas de mobilidade dentro do país, cuja amplitude se
alargou do modo que é sabido.
VI. CONCLUSÕES
O motivo mais substantivo que originou o exercício que aqui se desenvolveu ' e
que deve ser considerado como essencialmente exploratório ' foi o de discutir
se o desenvolvimento mais intenso de uma região pode produzir impactos
positivos noutras, criando assim um processo de sinergias inter-regionais. Mais
especificamente, teve-se em mente apreciar em que sentido é que as formas de
desenvolvimento metropolitano (e especialmente da Grande Lisboa) podem
desencadear um efeito-capitalidade de que beneficiem outros territórios
infranacionais.
Na ausência de informação taxativa, directamente associada a esta questão,
pareceu-nos que não restavam outras soluções que não fosse encarar o problema
em termos metodológicos, mobilizando ao mesmo tempo uma base empírica que se
revelasse pertinente.
Ensaiou-se, assim, se as relações inter-regionais deste tipo representam e
desencadeiam um efeito de proximidade, expressando então os aspectos positivos
que elas contenham predominantemente através da contiguidade espacial; se
assentam num efeito de similitude entre regiões, aproximando então estruturas
similares de diferentes regiões ou, finalmente, se nenhuma destas hipóteses é
muito forte e devemos continuar a lidar com a noção de que a base principal do
desenvolvimento regional é de natureza territorial e, portanto, os resultados
que se alcançam em matéria de qualificação regional devem continuar a dar
prioridade à própria organização de cada região. Neste caso, as relações inter-
regionais seriam o produto apenas mediato de desenvolvimentos territoriais
dotados de alguma autonomia.
Deve ficar claro ' por todas as razões e, repete-se, pela natureza exploratória
do exercício ' que nenhuma destas hipóteses tem aqui confirmação ou negação
clara, sendo os resultados alcançados apenas elementos intelectuais para que se
aprofunde o tema e o conteúdo político que ele também encerra.
Contudo, há uma hierarquia de resultados que se deve assumir e sublinhar. Em
primeiro lugar, os efeitos de proximidade, mesmo quando tomam como origem as
formas mais intensas de desenvolvimento metropolitano, são relativamente
limitados, não havendo razões claras para admitir que tal desenvolvimento é
espacialmente generoso, transbordando para a sua envolvente imediata. Em
segundo lugar, também não parece haver indícios fortes de que, ao contrário do
que aconteceria no caso anterior, se estabelecem relações sinérgicas numa base
de liberdade espacial, envolvendo regiões descontínuas mas similares. A forte
dissintonia das estruturas espaciais não deixa muita margem para encarar uma
perspectiva como esta, a partir da informação existente. Por isso, e
finalmente, se assinalam aspectos que apontam para a persistência das formas
territoriais de desenvolvimento.
A principal conclusão é, no entanto, a que aponta para ensaiar a construção de
metodologias e para a produção de informação que tratem o problema directamente
' e não indirectamente, como aqui se fez. O contributo deste texto procura,
pois, ser duplo. Por um lado desencadear um trabalho de reflexão metodológica
cujo aprofundamento pode partir dos elementos aqui apresentados, mas que tem de
os ultrapassar amplamente. Por outro lado, inquirir sobre os termos em que
importaria organizar um processo de recolha de informação directamente
associada ao tema proposto.
Eventualmente continua a ser bom conselho admitir que a natureza complexa das
relações inter-regionais em Portugal e a forma pouco simplificada como elas
evoluem não nos dispensa de continuar a olhar para o país encarando-o como um
conjunto plural e complexo cuja compreensão tem de atender às partes e ao todo.