Projecto BCN: estratégias urbanas - geografias colectivas
Projecto BCN: estratégias urbanas – geografias colectivas [i]
Maria José Aurindo*
*Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do
Território da Universidade de Lisboa. E-mail: m_aurindo@fl.ul.pt
A primeira impressão ao folhear o Proyecto Bcn: estratégias urbanas –
Geografias Colectívasé a de termos à nossa frente um verdadeiro guia para o
conhecimento dos processos de transformação urbana por que tem passado a cidade
e a metrópole de Barcelona. Mas quando o conhecemos melhor, rapidamente
percebemos que é muito mais do que um guia. Como menciona o próprio autor na
apresentação deste livro, ele visa quer estudiosos das diversas áreas do
conhecimento (arquitectos, sociólogos, etc.), quer o visitante que, de modo
interessado ou curioso pela história e formação da cidade, queiram conhecê-la e
explorá-la. E encanta-nos a cada folha que passa, pela forma e estrutura por
que o seu autor optou, em que, desde logo, se destaca uma primeira parte
relativa às ‘Estratégias Urbanas’ e outra segunda parte referente às
‘Geografias Colectivas’, que se complementam e dependem uma da outra para uma
compreensão integrada.
A aposta na ilustração do texto com imagens expressivas, e a apresentação de um
conjunto importante de fichas ilustradas referentes a espaços materializados e
seleccionados, de modo a mostrar projectos que se entendem quando
contextualizados historicamente e enquadrados num sistema de instrumentos
teóricos de referência, são de destacar. Estas e outras componentes são
desenvolvidas de forma sugestiva, com uma mestria que vai além da atitude
expositiva mais tradicional, procurando antes gerar incertezas ou, como o autor
indica, reconhecer curiosidades enquanto valor, conduzindo a que mais do que
experiências estéticas se possam sugestionar confrontos, desassossegos,
sugestões. E consegue-o.
A organização da obra em duas partes dá lugar a uma subdivisão de cada uma
delas, também, de certa forma, original. O livro é introduzido por Jordi Hereu,
então Alcalde de Barcelona, que nos desvenda, como ele próprio refere, a
construção da cidade enquanto um dos processos mais fascinantes gerados pela
actividade humana. Cruza a sua visão de Barcelona enquanto cidade que tem vindo
a sofrer uma evolução significativa, passando brevemente por pontos como a
cidade da ditadura e da democracia, ou a cidade construída e a cidade vivida.
Como complemento a este preâmbulo, o autor introduz-nos a obra, deixando
antever o seu interesse pela cidade de Barcelona, valorizando o ponto de vista
arquitectónico e urbanístico, em que destaca a dinâmica da forma urbana e os
profissionais e instrumentos que com ela lidam, partilhando ainda a estrutura
escolhida para o livro, a que, em seguida, se fará referência.
Após a apresentação, o autor passa ao enquadramento cronológico, mostrando o
que considera serem os antecedentes dos processos de transformação urbana por
que Barcelona passou desde a primeira menção da colónia de Barcino, associada à
origem romana da futura cidade de Barcelona, passando pela cidade medieval, o
Plano Cerda, as Exposições Universais de 1888 e de 1929, para mencionar apenas
algumas das etapas de formação, crescimento e desenvolvimento da cidade.
A partir de 1979 e até à actualidade, Delbere Guidoni opta por organizar a
continuidade dos processos de transformação ocorridos por fases. São elas: O
despertar democrático (1979-1987), a Barcelona Olímpica e a grande reforma
urbanística (19811992), De Rio a Rio (1992-2004), e uma última fase que
denomina Novas Escolas, Novas Estratégias.
Não podendo expor toda a evolução urbana e transformações associadas, entende-
se rapidamente que as fases definidas mostram, desde o título escolhido aos
conteúdos seleccionados para cada uma delas, que se trata de uma tentativa de
oferecer um estudo cronológico das dinâmicas urbanas que configuraram a cidade
contemporânea.
Segue-se a comunicação do que Delbere Guidoni intitula de Kitpara construir a
cidade, Kiteste formado pelas componentes Compacidade, Sustentabilidade,
Hibridação e Multiescalaridade. Tendo em consideração a singularidade da
selecção destes componentes tentemos, de forma sucinta, compreender o interesse
que cada um tem. O autor opta por começar cada explicação realizando uma
enunciação da origem etimológica dos termos escolhidos. Depois, além de uma
breve explanação que resulta de diálogos específicos com diferentes autores
(Oriol Clos, Carme Fiol, Marta Cervelló, Joaquim Español) que contribuem para a
leitura destas características na cidade de Barcelona, procura ilustrar com
casos de estudo concretos.
No que diz respeito à compacidade, o autor procura sobretudo mostrar as
implicações que esta tem no modelo de desenvolvimento urbano, aos mais diversos
níveis, do construído ao funcional, passando pelas redes logísticas e de
transporte, e fá-lo em contraponto ao modelo de cidade dispersa.
A propósito da sustentabilidade urbana, tão presente nas discussões
contemporâneas, volta a sua atenção para o espaço construído, que procura
contrabalançar equilíbrios e conflitos numa intenção clara de acréscimo da
qualidade de vida urbana, e que parece ser uma vitória da cidade de Barcelona
enquanto civitas, com melhorias nítidas ao nível das infra-estruturas, serviços
e urbanidade, de que há muito carecia. Contudo, os diálogos alertam para que a
questão da sustentabilidade continuará a ser actual, com novas perspectivas,
novos problemas, novas soluções.
Já no que se refere à hibridação, quando associada ao ajuste de necessidades
variadas, confere à estrutura urbana, de forma coerente, um carácter não apenas
misto, mas sobretudo flexível, permitindo fazer frente à procura de novas
formas, funções e populações. A continuidade desta dinâmica implica, como é
mencionado no texto, pela arquitecta entrevistada Marta Cervelló, ‘um esforço
colectivo, uma tensão, uma energia, uma diversidade e uma criatividade que
devem ser alimentadas de forma constante’ (p.165).
Por último, mas não menos importante, a multiescalaridade é vista de forma
diversa consoante os problemas e contextos abordados., Quando aplicada ao caso
de Barcelona, e aos últimos 25 anos, esta é vista como um processo de ‘cascata
escalar’, em que diferentes fases de percepção dos problemas resultaram em
distintas aplicações de modelos para a sua resolução, gerando-se novas
espacialidades associadas muitas das vezes à dimensão das intervenções.
Na segunda parte do livro, com as ‘Geografias Colectivas’, começa por nos
mostrar uma visão macro, à escala da Região Metropolitana de Barcelona em que
se podem ver os seus municípios, e em que nos é apresentado um conjunto de
indicadores urbanos (densidade populacional, saldos migratórios, indicadores de
mobilidade, entre outros), através de mapas temáticos, de fluxos, etc.,
bastante esclarecedores, sempre comentados de forma sucinta, mas elucidativa.
Esta breve exposição permite ter uma visão de Barcelona enquanto cidade-
metrópole que facilita, porque contextualiza geográfica, económica e
socialmente, a análise mais detalhada que o autor apresenta, em seguida.
Posteriormente, mas mudando de escala, apresentam-se os sistemas (infra-
estruturas logísticas e de manutenção), por sua vez mostrados numa divisão em
quatro aspectos fundamentais: manutenção e logística da cidade, mobilidade e
inter-modalidade, espaço público, lugares colectivos. São estes que o autor
considera serem os aspectos que melhor revelam o valor comunitário e de
agregação da cidade.
Relativamente ao primeiro destes aspectos, a manutenção e logística da cidade,
o reconhecimento da sua importância e complexidade, bem como da necessidade do
seu funcionamento e interacção articulada, é facilmente compreendido na
apresentação das redes e dos elementos pontuais em que o autor divide este
ponto. Nesta explanação, os elementos considerados tratam as redes básicas de
água, gás, electricidade e telecomunicações, demonstrando a necessidade de lhes
reconhecer uma centralidade no desenvolvimento da cidade, nunca esquecendo o
seu protagonismo espacial.
No que respeita à mobilidade e inter-modalidade, o texto centra-se nos traçados
e nas infra-estruturas inter-modais, e visa compreender como decorreu o
processo de crescimento e desenvolvimento urbanos, com as suas evidentes
ligações à sua formação histórica, não esquecendo as diferentes vias e meios de
transporte, e suas mudanças no espaço e no tempo.
Os espaços públicos, que o autor considera fundamentais no seio da cidade
compacta, mas escassos, dada a falta de espaços urbanos de grandes dimensões,
nomeadamente na cidade centro, são apresentados de acordo com uma organização
que mostra o seu carácter intersticial. São eles: avenidas, ramblas e passeios;
praças e miradouros e zonas verdes, parques e jardins.
Os lugares colectivos foram agrupados tematicamente, de modo a ilustrar o que
Delbere Guidoni considera, de forma original, como o somatório das várias
cidades que formam uma aglomeração urbana. No caso concreto da cidade de
Barcelona, estas várias cidades sintetizam-se assim em torno da cidade da
cultura, do conhecimento, do desporto, do comércio, dos serviços, do
entretenimento, corporativa e da hospitalidade.
Por fim, o autor opta por mudar novamente de escala e guiar-nos por um conjunto
de itinerários (espaços, lugares, paisagens), que vão desde a Ciutat Vella, ao
Eixample, passando por Sants Montjuic, Gràcia, Nou Barrisaté à Área
Metropolitana de Barcelona.
Nestes itinerários, são dados a conhecer exemplos de obras arquitectónicas, em
forma de ficha técnica ilustrada e brevemente comentada. Se alguns dos
itinerários e lugares escolhidos são conhecidos de muitos dos que
potencialmente consultarão esta obra, outros, são-no menos sendo até mesmo um
pouco desenquadrados do que são as áreas privilegiadas por este tipo de
trabalhos; mas resultaram de uma escolha intencional do autor em desviar-se dos
trajectos e estereótipos, para mostrar edifícios e espaços, não apenas do
centro da cidade, mas também situados na periferia e na área metropolitana,
enriquecendo a perspectiva conjunta que o orienta.
Deste modo, além de apresentar e analisar as transformações por que tem passado
a cidade, o autor acrescenta reflexões críticas e testemunhos pessoais, em que
a análise urbana se faz não só de forma temática, mas a diversas escalas, de
modo cuidado. Tal é conseguido, pela complementaridade das duas partes
fundamentais em que a obra se divide e que permite, através dos procedimentos
metodológicos e do tratamento teóricoconceptual, obter uma visão não só
sistemática, mas também de conjunto do que pretende ser uma análise
compreensiva das transformações urbanas que conduziram a cidade de Barcelona ao
que é actualmente.
[i] Delbere Guidoni G (2007) – Proyecto Bcn: estratégias urbanas – Geografias
Colectívas. Ajuntament de Barcelona, Barcelona.