Comércio, revitalização urbana e sustentabilidade: Ensinamentos a experiência
japonesa
“People do not live only on bread but do not live without bread” The Story of
Poverty por Hajime Kawakii
I. INTRODUÇÃO
O mercado comercial Japonês é bastante amplo. O proteccionismo económico por
parte do governo central do Japão também não é novidade. Até bem recentemente,
o Japão tinha a segunda maior economia mundial. A despesa com o consumo do
agregado familiar per capita em 2009 era de cerca de 8,800 dólares (Jetro,
2009: 4). Em termos políticos, trata-se um país bastante conservador e que
protege os seus interesses económicos, patrimoniais e culturais de modo muito
inteligente.
A relação dos Portugueses com o Japão vem de longa data. Segundo a canção “sol
nascente” de Teresa Salgueiro e Pedro Ayres Magalhães, os Portugueses foram os
primeiros europeus a chegar ao país no século XVI. Por outro lado Devezas e
Rodrigues (2007) retratam o papel pioneiro dos Portugueses na globalização
económica e nas trocas comerciais entre a China e o Japão durante o século XVI
quando, devido a uma situação bélica, os Portugueses baseados em Macau lucraram
económica e politicamente do comércio entre os dois países.
Durante quase dois séculos, depois de os Portugueses deixarem de ter o papel
principal no quadro geopolítico da região, o Japão fechou a sua economia ao
exterior até ao século XIX, iniciando as suas próprias tendências imperialistas
na região asiática, que terminaram com a destruição atómica das cidades de
Hiroshima e Nagasáqui e o fim da segunda guerra Mundial.
Sustentada por grandes sacrifícios económicos e sociais, a reconstrução das
cidades destruídas constituiu uma grande alavanca ao crescimento económico
(Sorensen, 2002; Marcotullio, 2004). O poderio tecnológico, que foi habilmente
exportado em produtos electrónicos, bem como o proteccionismo comercial
interno, levaram a taxas de crescimento invejáveis até ao estrangulamento da
bolha económica e da crise asiática no início dos anos 90 (Castells, 1996;
Hall, 1998). A crise financeira gerou muito crédito mal parado e a
desaceleração forçada da economia, com implicações generalizadas não só para o
país mas para a região envolvente.
Em termos internos, Jetro (2004) constata que, depois do colapso da economia,
o consumo estagnou e as vendas diminuíram bastante. Por outro lado, a crise
financeira abrandou o crescimento urbano e levou a experimentações com
operações de revitalização urbana, sobretudo nos últimos 20 anos. O custo do
solo aumentou em cerca de 200%, entre 1985 e 1990, em algumas das maiores
cidades Japonesas. Isto contribuiu para que fosse demasiado caro viver nos
centros urbanos, sendo uma das consequências directas a descentralização e a
suburbanização das cidades (Miyazawa, 2006). Registou-se também uma grande
pressão externa, sobretudo dos EUA, para maior internacionalização da economia.
Os grandes formatos comerciais aumentaram, em consequência de novas
oportunidades de negócio, mas também como resultado da abertura do mercado
Japonês ao capital estrangeiro. A nível demográfico registou-se uma tendência
para o envelhecimento da população. Processos de desindustrialização também se
observaram em determinadas zonas do país, levando a desestabilizações
socioeconómicas e à necessidade de revitalizar zonas periurbanas e frentes
ribeirinhas, agora relativamente apetecíveis sob o ponto de vista imobiliário
(Sulkin, 2003).
Os centros de muitas cidades regionaisii – nomeadamente as suas áreas
comerciais –, entraram em processos acelerados de declínio urbano e algumas
operações de revitalização e gestão urbana tiveram resultados modestos e aquém
das expectativas. Tal constatação confirma o argumento avançado por Sorensen,
Marcotullio e Grant (2004) de que a eficácia da transferência de tecnologia
(i.e., políticas públicas) sem a devida adaptação às circunstâncias locais e
regionais é um mito profissional.
O objectivo deste trabalho é rever o contexto socioeconómico, legal e cultural
que levou à criação de tais estruturas de revitalização urbana e tentar
encontrar um conjunto de ilações que permitam substanciar práticas correntes em
filosofias internacionais de intervenção urbanística, partindo da informação
bibliográfica disponível. O argumento principal é que as tendências de adopção
de mecanismos e boas práticas estrangeiras, mais do que contribuírem para
inverter situações de declínio urbano, têm-se mostrado bastante desadequadas,
devido sobretudo à ineficácia da articulação dos poderes públicos com a
sociedade civil.
Esta investigação resultou do intercâmbio entre a Universidade estadual do
Arizona (ASU) e várias Universidades Japonesas (Universidade de Tóquio, Todai,
Universidade de Chiba, instituto tecnológico de Tóquio, entre outras), as quais
contemplaram visitas técnicas do autor ao Japão, a sua participação em
simpósios e conferências e entrevistas com especialistas de planeamento,
arquitectura e membros da sociedade civiliii.
Em Maio de 2005, o autor organizou um pequeno simpósio na Universidade estadual
do Arizona em Tempe, sobre o tema da regeneração Urbana sustentável (Balsas,
2005). Uma das principais preocupações do simpósio foi discutir e analisar até
que ponto o Japão estava a ter sucesso na implementação de práticas
urbanísticas sustentáveis e tentar encontrar alguns ensinamentos para a
urbanização expansiva, típica do sudoeste dos estados Unidos (Kobayashi, 2005).
Directa ou indirectamente, a cidade de Phoenix, antes do início da crise
financeira de 2007-2008, participou numa operação de regeneração urbana do seu
centro, que de certo modo se enquadrou em práticas mais sustentáveis do que
aquelas que historicamente tinham tido lugar na cidade e na sua área
metropolitana.
Tendo como suporte essencial as políticas públicas, o presente texto está
estruturado em quatro partes. Na secção II revêem-se as principais
transformações sociais e urbanas na sociedade Japonesa, que levaram ao
aparecimento da realidade comercial contemporânea. Em III faz-se uma
caracterização sumária do urbanismo comercial enquanto prática de planeamento e
gestão urbana. Na parte IV analisa-se o potencial da revitalização urbana e da
sustentabilidade enquanto vectores estratégicos para a estruturação de
intervenções urbanísticas. Em V dão-se exemplos de iniciativas de revitalização
urbana, que permitem enquadrar as bases teóricas e administrativas em
experiências específicas. Finalmente, na conclusão, apresentam-se ideias que
possibilitem a promoção de cidades mais coesas e sustentáveis sob o ponto de
vista do comércio urbano.
II. TRANSFORMAÇÕES URBANAS, SOCIO-ECONÓMICAS E COMERCIAIS
As cidades regionais Japonesas, sob o ponto de vista comercial, estão a
experimentar o mesmo fenómeno que ocorreu noutras cidades do mundo desenvolvido
(Gruen, 1964). Nessas cidades, com o aumento da suburbanização, as funções
habitacionais, comerciais e de serviços deslocaram-se para as periferias e os
idosos e outras pessoas com rendimentos relativamente mais baixos ficaram nos
centros urbanos (Quin, 2002); por seu lado, o pequeno comércio envelheceu e
perdeu competitividade.
Este fenómeno é bastante mais acentuado nas cidades de pequena e média
dimensão. As grandes metrópoles como Tóquio, Osaka e Nagoia têm economias e
dinâmicas adequadas à sua hierarquia no sistema urbano e populacional. A sua
estrutura polinucleada, assente em redes de transportes, com primazia para os
ferroviários, coloca-as num patamar diferenciado das suas congéneres de menor
dimensão (Caballero e Tsukamoto, 2009).
O transporte ferroviário é um elemento estruturador importante do tecido
urbano. As estações ferroviárias têm um papel fundamental na criação de grandes
polaridades (Cybriwsky, 1993). Nas grandes metrópoles, as cidades têm centros
financeiros e bairros bem individualizados e com identidades muito distintas. A
densidade populacional é relativamente elevada e o dinamismo das áreas
comerciais é assegurado pela grande concentração de estabelecimentos (Greenbie,
1988; Matsui et al., 2005). Assim, nas metrópoles com mais de 8 milhões de
habitantes, como Tóquio, Osaka e Kanagawa, as vendas comerciais nos centros das
cidades constituem cerca de 85% do total; nas cidades localizadas fora das
áreas metropolitanas (com menos de 2 milhões de pessoas), cerca de 40% das
vendas registam-se em lojas das periferias (Muraki, 2003).
As grandes cidades globais têm sido muito estudadas (Sassen, 2001), mas as
cidades regionais são igualmente importantes, ou ainda mais, devido ao seu
maior número e à sua capacidade agregadora em cada país (Yamashita, 2004).
Enquanto o grande armazém comercial, denominado de “depato”, nas imediações das
estações de caminhos-de-ferro e em outras localizações urbanas, é um formato
comercial muito comum (Matsushita, 2001), nas cidades de menores dimensões, o
comércio é sobretudo de natureza familiar, independente e tradicional. Bi-
Matsui (2009: 72) menciona um estudo, realizado em 2006, que identificou 59
lojas independentes para cada 4 lojas de cadeias nacionais em áreas comerciais
urbanas.
Em 2000, o retalho gerava 55% do total do emprego no comércio, 12% do total do
emprego no Japão e cerca de 5% do produto interno bruto (Grier, 2001: 4). Mas o
número de centros comerciais aumentou consideravelmente nos últimos tempos,
ainda que estes formatos estejam sujeitos a regulamentos específicos e até
restritivos, sobretudo devido a intensas pressões de grupos de interesse do
pequeno comércio.
Os Estados Unidos, através das conversações da iniciativa dos impedimentos
estruturais (IIE) que tiveram início em 1989, fizeram uma grande pressão para a
remoção de restrições à abertura de grandes estabelecimentos comerciais e à
entrada de grupos económicos estrangeiros no país (Abe, 1999). Isto foi, em
certa medida, conseguido com a eliminação de competências municipais na área
comercial e com entraves que as prefeituras colocaram à abertura de grandes
estabelecimentos comerciais.
Esta tentativa de desregulamentação e de liberalização pode contribuir para
acentuar as tendências de declínio dos centros das cidades, e sobretudo anular
os investimentos realizados em prol da sua revitalização. Shibata (2008)
lembra-nos que a economia neoliberal precisa de regras e de supervisão estatal,
de modo a poder funcionar sem destruir mais-valias colectivas.
A cultura Japonesa está bem vincada nas características dos consumidores:
preferência por alimentos frescos, exigência com a qualidade dos produtos e
expectativas elevadas ao nível dos serviços prestados (Azuma e Fernie, 2001).
Mas entre os consumidores mais jovens, principalmente nos subúrbios, nota-se
uma tendência para fazer compras mais concentradas e com menos frequência
(Garon e Maclachlan, 2006). A entrada das mulheres na força de trabalho alterou
também os estilos de vida das famílias Japonesas. As marcas comerciais passaram
a ter peso importante nas compras durante oboom económico (Haghirian e
Toussaint, 2011).
Devido às altas densidades populacionais nos bairros citadinos, o modo
habitual de deslocação para fazer compras era a pé ou de bicicleta. Com a ida
para os subúrbios as deslocações passaram a ser feitas de automóvel. Contudo,
cerca de 9,1 milhões de pessoas não possuem automóvel, e o comércio fica a mais
de 500 metros das suas habitações (The Yomiuri Shimbun, 2012). Ainda segundo a
mesma fonte, muitos dos centros urbanos estão a transformar-se em “desertos
alimentares”, tal como já aconteceu noutros países (Balsas, 2008).
É comum os comerciantes viverem no piso superior e terem os seus
estabelecimentos no piso térreo, com abertura para a rua comercial
(“shotengai”) (Shelton, 1999). A popularidade deste formato comercial manteve-
se até aos anos 90 (seta, 2008) mas, quando o ciclo de crescimento económico
abrandou, registou-se um decréscimo de vendas de cerca de 8%, entre 1991 e
2002, com incidência relativamente grande no pequeno comércio. Verificou-se
também uma diminuição de cerca de 7% do número total de lojas durante o mesmo
período de tempo. Ocorreu ainda a tendência de aumento da área dos
estabelecimentos comerciaisiv.
Apesar disto, existia ainda um número elevado de pequenos comerciantes,
principalmente no ramo alimentarv. Entre as principais razões para estas
alterações, está o crescimento económico elevado nos anos 80, a preferência por
produtos frescos em lojas locais, um sistema de protecção do comércio a retalho
e a existência de leis de controlo de abertura de grandes formatos comerciais
iniciadas ainda antes da segunda guerra Mundial.
Segundo um relatório do Ministério da economia, Comércio e indústria, durante
os anos 90 os salários mantiveram-se constantes, enquanto os custos com a
educação, a saúde e os empréstimos bancários aumentaram; o poder de compra
também diminuiu, o que levou à procura de produtos de mais baixo custo (Jetro,
2004). Uma consequência directa foi a redução das margens de lucro dos
comerciantes, de modo a manterem-se competitivos sem perderem as suas quotas
de mercado.
A entrada de empresas estrangeiras no mercado nipónico data dos anos 70 e 80,
inicialmente com marcas de luxo tais como Louis Vuitton e Hermès,depois marcas
mais práticas e com preços moderados como Eddie Bauer e HMV; mais recentemente
entraram cadeias de retalho como Costco, Carrefour e outras como WalMart e
Tesco. Marcas como OfficeMax, Sephora e the Boots, acabaram por abandonar o
mercado Japonês, devido a falta de preparação e incompreensão dos hábitos dos
Japonesesvi.
Existem discrepâncias entre o pequeno e o grande comércio e a tendência para a
homogeneização das paisagens comerciais. Tem-se assistido ao encerramento de
lojas em galerias comerciais e à abertura de centros comerciais nas periferias
das cidades, com base em padrões de acessibilidade, sobretudo automóvel (fig._1
fig._2 e 3). Os supermercados sentiram aumento da concorrência, mas muitos
deles adaptaram os seus horários de funcionamento mantendo-se alguns abertos 24
horas. As lojas de conveniência continuaram a aumentar, mas houve uma
diminuição do número de vendas por cliente.
Em 2002 existiam 2 615 centros comerciais no Japão. Este número representava
um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Mais de 50 novos centros abriram
em 2002. As principais lojas âncora eram constituídas por armazéns comerciais
(equivalentes a hipermercados) e por supermercados. Com a grande escassez de
solo nas grandes cidades encontram-se muitos centros comerciais subterrâneos.
Os efeitos da suburbanização são bem conhecidos e incluem o aumento da
utilização do automóvel, congestionamento e poluição nos subúrbios, perda de
ambiente suburbano natural e, ainda, reduções no acesso a lugares de compras
por parte dos que não têm automóvel, ou não podem conduzir (Sorensen, 2004;
Takami, 2006). Em 2011, segundo a associação Japonesa de Centros Comerciais
existiam no país 3 090 centros comerciaisvii que ocupavam 45 milhões de metros
quadrados. O valor médio por piso era de 14 789 metros. Devido a dinâmicas
urbanas complexas, as parcelas de solo para construção de novos centros
comerciais de dimensão significativa começou a escassear. Um formato também
muito popular no Japão é o das lojas de conveniência.
III. URBANISMO COMERCIAL
O urbanismo comercial engloba as leis e as práticas urbanísticas e de
regulamentação que influenciam a localização, a abertura e a utilização dos
estabelecimentos de carácter comercial para a criação de cidades mais
sustentáveis. No Japão há um conjunto de três leis que são frequentemente
mencionadas como tendo um papel importante na paisagem comercial das cidades
Japonesas. Estas leis viiiincluem: 1) a Lei dos formatos Comerciais de grande
Porte (LFCGP) aplicada a estabelecimentos com mais de 1 500 m 2; 2) a Lei da
Vitalização Urbana (LVU); e 3) a Lei do Planeamento Urbano (LPU). Todas elas
são revisões de leis mais antigas sobre as mesmas temáticas, que têm sido
modificadas de acordo com critérios políticos, sociais e económicos. Upham
(1993) descreve em detalhe a implementação conturbada da versão anterior da
LFCGP, em vigor desde 1973, e conclui que os poderes públicos tiveram
dificuldades em lidar com os interesses comerciais no que toca à abertura de
novos estabelecimentos de grande porte devido ao lobby do pequeno comércio e do
sector da distribuição.
A tentativa do governo central controlar o sector comercial já vem de longa
data: remonta a 1937, quando se proibia a operação de um armazém comercial com
mais de 1 500 m2 . Esta lei resultou de pressões políticas do pequeno comércio
e de tentativas de redução de monopólios. Actualmente, o peso do governo
central é menor do que há duas décadas mas ainda se faz sentir na supervisão da
abertura de novas lojas de grande porte.
Segundo Grier (2001), a LFCGP de 1998 difere da legislação anterior em quatro
pontos principais: 1) alterou o âmbito da regulamentação da protecção do
pequeno comércio; 2) retirou alguma responsabilidade pela implementação da lei
do governo central para o governo local; 3) proibiu o governo local de ter em
conta as necessidades económicas das áreas envolventes às lojas comerciais; 4)
permitiu ao governo local recomendar apenas pequenos ajustamentos nos
estabelecimentos de grande porte, ao contrário da lei anterior que permitia que
os municípios obrigassem os proprietários das grandes lojas a fazerem
ajustamentos consideráveis, de modo a resolver potenciais problemas
concorrenciais com o pequeno comércio.
De acordo com um relatório do Ministério da economia, Comércio e industria
Japonês (Jetro, 2004: 37), em Junho de 2000 as lojas com mais de 1 000 m2
estavam sujeitas a regulamentação. Era necessário recolher a opinião da
comunidade local sobre o impacte da nova loja, incluindo aspectos como:
trânsito, reciclagem, conveniência, prevenção do fogo, redução do ruído, gestão
de resíduos e enquadramento na paisagem local.
Enquanto a lei anterior regulamentava a abertura de novas lojas de grande porte
e colocava restrições económicas ao comércio da área de influência (dias de
operação e horários), a nova versão da lei coloca restrições sociais de modo a
proteger os estabelecimentos e o seu ambiente circundante e a criar comunidades
urbanas sustentáveis, sem restringir directamente a competição.
A segunda lei mencionada (Lei da Vitalização Urbana - LVU) é importante na área
do urbanismo comercial porque criou apoios financeiros para os municípios
(re)vitalizarem os seus centros urbanos, sobretudo através de apoios
financeiros com base em propostas (planos e estratégias) preparadas pelos
próprios municípios e outras organizações de gestão urbana. Entre as
actividades elegíveis encontram-se infra-estruturas comuns e operações de
promoção e reestruturação económica. Em 2003 cerca de 600 municípios tinham
desenvolvido um plano de revitalização de centro urbano. A Town Management
Organization (TMO) de influência europeia é o tipo de organização responsável
pela implementação destes planos de melhoramentos dos centros (Jetro, 2004).
Esta nova organização, baseada em parcerias criadas pelos principais interesses
instalados nos centros urbanos, é caracterizada em detalhe na secção seguinte.
A lei da vitalização dos centros urbanos permite a colaboração com vários tipos
de organizações: associação comercial e industrial, câmara do comércio e
indústria, empresa semi-pública, corporação quási-pública, e várias
organizações não-governamentais (ONG). A criação das TMO obrigava ao
desenvolvimento de um plano de negócios e era técnica e financeiramente
independente de outras entidades mas, para ser eficaz, requeria colaborações
institucionais com outras entidades locais e regionais.
Por último, a Lei do Planeamento Urbano (LPU) introduziu alterações no
zonamento do uso do solo e permitiu aos municípios criarem áreas específicas
para determinados usos comerciais. De acordo com o sistema de planeamento, o
solo pode ser dividido em três categorias principais segundo a sua localização
em 1) áreas de planeamento urbano, 2) áreas quase de planeamento urbano, 3)
exteriores a áreas de planeamento urbano. A primeira categoria pode ainda ser
subdividida em áreas de promoção de urbanização e áreas de controlo de
urbanização. É ainda possível aos municípios criarem zonas especiais
sobrepostas (overlay district), por exemplo no caso de desenvolvimentos
comerciais prioritários, ou de protecção ao pequeno comércio. Lojas com mais de
3 000 m2 em áreas ‘quase de planeamento urbano' também necessitam de licença de
funcionamento.
Para além destas três leis principais, o governo central criou em 2006 uma
directiva para complementar a lei dos formatos comerciais de grande porte,
para tentar proibir a abertura nos subúrbios de centros comerciais com área
superior a 10 000 m2 (Kyogoku, 2006)ix. Esta directiva foi inspirada na lógica
inglesa do town-centre firstcom uma hierarquização e alocação progressiva de
solo urbanizável do centro para a periferia (JIJI Press, 2011). Infelizmente
para alguns municípios, a lei não permite que a regulamentação local seja mais
rígida do que a nacional.
Com a criação desta directiva, os TMO foram alargados para comissões e outras
organizações de âmbito local passaram a poder integrar as operações de
revitalização urbana com a possibilidade de partilha de conhecimentos técnicos
e com vantagens resultantes de economia de escala. Cerca de 30% dos 2 239
municípios no Japão tinham realizado planos de revitalização urbana no âmbito
de TMO por esta altura. As intervenções têm sido sobretudo de dois tipos:
desenvolvimento urbano e promoção económica. Um dos benefícios desta directiva
foi a identificação de mecanismos de análise dos potenciais impactos comerciais
dos estabelecimentos. Apesar de tudo, devido ao elevado número de comerciantes
nas áreas centrais e às diferentes prioridades pessoais, é relativamente
difícil obter consensos que levem à plena revitalização dos centros urbanos.
IV. REVITALIZAÇÃO E GESTÃO URBANA
A filosofia das organizações de gestão e revitalização urbana é baseada na
tentativa de melhorar os centros urbanos e de os tornar mais resilientes ao
aumento da competição criada pelos novos formatos comerciais. Os centros
urbanos sempre tiveram um papel importante no desenvolvimento regional do
Japão. O progresso rápido da motorizaçãox, a diversificação de estilos de vida,
a migração da população para os subúrbios, a dispersão de centros de emprego e
de serviços, o aumento do número de lojas devolutas, a falta de sucessores, a
escassez de locais de estacionamento automóvel e a saída de lojas do centro
para a periferia levaram a uma diminuição da atractividade do comércio
localizado dentro do perímetro urbano. A sustentabilidade das cidades e a
revitalização urbana tornaram-se assim preocupações de interesse nacional
(Jetro, 2000; Sorensen, 2004).
Segundo Muraki (2003), o governo central criou um programa de revitalização
urbana para tentar inverter as tendências de declínio urbano, com uma verba de
cerca de um bilião de dólares norte-americanos, sobretudo para o período 1998-
2006. Os fundos foram distribuídos com base em concursos públicos onde foi
necessário submeter uma estratégia de gestão do centro e um programa de
revitalização. Até 2003 cerca de 577 entidades locais tinham submetido
propostas que incluíam acções de pavimentação, construção de melhoramentos
urbanos, reforço de competências profissionais. Na mesma data, 268 organizações
locais (TMO) tinham sido criadas com base em programas principalmente de
associações comerciais (Muraki, 2003).
Há um leque abrangente de exemplos que podem ser categorizados em dois grandes
grupos: 1) intervenções no edificado e em espaços públicos, 2) campanhas
integradas de promoção do pequeno comércio e de reestruturação económica. Entre
os primeiros, encontramos a renovação do edificado, a reconstrução de fachadas,
redefinição de zonas comerciais, construção de centros comerciais e arcadas/
galerias, obras de pavimentação, melhoramento das acessibilidades e das
condições de locomoção para deficientes motores, estacionamento automóvel e
medidas para reduzir o congestionamento.
Entre as medidas de promoção encontramos: cartão de fidelização de compras,
entregas ao domicílio, utilização de lojas devolutas, campanhas de promoção de
vendas, promoções para atrair novos comércios e novos clientes, trabalho em
rede (networking), melhoramento da composição comercial, postos de atendimento
ao público e de divulgação turística, promoção do comércio nas áreas centrais,
campanhas de descontos, vários instrumentos de promoção e gestão comercial das
áreas centrais, ninhos de empresas, promoção da identidade local e criação de
‘lojas desafio' (challenge shop). Estas lojas são arrendadas a comerciantes,
de modo a testar conceitos inovadores antes de eles correrem riscos maiores e
fazerem investimentos mais avultados. Mas as TMO são também consideradas
organizações importantes na revitalização de áreas atingidas por calamidades
naturais, tais como tremores de terra (Beniya, s/d).
Entre os principais problemas com estas entidades de gestão urbana encontra-se
a escassez de recursos humanos, a falta de verbas e dificuldades burocráticas,
tais como negativismo por parte dos comerciantes, incompatibilidade entre
visões locais, dificuldade em obter financiamentos adicionais, falta de
conhecimentos técnicos e de informação relativa a métodos e estratégias
comerciais e de serviços, assim como o desconhecimento de casos nacionais bem-
sucedidos. Tudo isto tornou difícil a obtenção de consensos sobre os modos mais
adequados de revitalizar os centros urbanos (Bi-Matsui, 2009).
Mas há alguns exemplos de TMO em que os líderes das comunidades tiveram um
papel importante na revitalização urbana e na coordenação dos participantes.
Segundo seta (2008), há diferentes tipos de organizações que participam em
actividades de revitalização de centros urbanos. Em geral, os comerciantes são
sócios destas associações e muitas vezes pertencem a várias associações em
simultâneo. Mas não é obrigatório ser membro para participar em actividades de
revitalização urbana.
Em média, cerca de 80% dos comerciantes localizados num dado centro urbano são
membros de uma associação comercial (Seta, 2008). Segundo o mesmo autor, muitos
deles enriqueceram no centro da cidade e mudaram a residência para os
subúrbios, mantendo a loja no centro. O centro passou a ser quase
exclusivamente um lugar de comércio e não mais um lugar para habitar. Em muitos
destes casos, como os proprietários não precisam financeiramente do rendimento
do comércio, preferem manter a loja fechada a vendê-la.
Uma situação diferente tem a ver com a escala e a própria natureza dos centros
urbanos. Os centros das cidades Japonesas de escala regional são muito densos,
com habitações uni e multifamiliares feitas de diversos materiais (incluindo
madeira), e de elevada vulnerabilidade a incêndios e a catástrofes naturais.
Assim, muitas das operações de revitalização urbana propõem esquemas de
ajustamento do solo e grandes operações fundiárias de reparcelamento e de
reurbanização (Onishi, 1994; Seta, 2008).
Este processo, que ocorreu na cidade de Fukaya, e os desafios que se colocaram
à comunidade local foram examinados por Koizumi (2004) e por Murayama (2005),
que concluíram que as operações são bastante complexas, devido não só aos
interesses fundiários, mas também devido às alterações urbanas e sociais que
provocam. Para além de serem oportunidades para discussão de opções colectivas,
servem ainda para encontrar modos de projectar novos destinos para os centros
urbanos. Relativamente mais simples, por não envolverem alterações fundiárias,
são os encerramentos de espaços comerciais ou de outros edifícios de
volumetria elevada no centro e em que o município tenta reforçar a centralidade
com usos mistos, que são promovidos por uma cooperativa comunitária.
Em relação às operações de revitalização urbana, Muraki (2003) formulou três
conclusões principais: 1) a revitalização urbana deve ser abrangente e ir além
da área de comércio; a obtenção de consensos é importante e o plano estratégico
deve permitir repensar as funções do centro e trazer todos os interessados
para a discussão de alternativas, 2) há necessidade de coordenar as actividades
de revitalização urbana com outras áreas de desenvolvimento e planeamento
urbanístico, 3) é preciso melhorar a integração e partilha de dados, e a
monitorização e acompanhamento das actividades de gestão.
Uma diferença fundamental identificada por seta (2008) é que no centro
comercial as relações são hierárquicas, enquanto na rua comercial elas são
geralmente paralelas, uma vez que a maioria dos proprietários está ao mesmo
nível em termos de representação associativa. Isto traz algumas desvantagens,
incluindo maior complexidade, no que concerne ao planeamento e execução dos
projectos de urbanismo comercial, mas serve para justificar a existência de um
gestor de centro urbano a tempo inteiro.
V. ALGUMAS INICIATIVAS RECENTES
O planeamento urbano no Japão é muito centralizado e de estilo (top-down)
dirigista (Alden, 1984; Sorensen, 2002). Recentemente aponta-se para uma
flexibilização desta prática e reforço dos movimentos associativos de origem
local, do género machi-zukuri (Sorensen, Koizumi e Miyamoto, 2009). Evans
(2002) descreve em pormenor o significado do conceito de machi-zukuri
(planeamento de cariz comunitário) que contrasta com o rígido, e por vezes
burocrático, toshi-keikaku (planeamento urbano). Segundo evans, o machi-
zukuritem quatro características principais: 1) estímulo à participação
pública, 2) ênfase na descentralização, 3) equilíbrio entre aspectos
organizacionais e intervenções físicas, 4) intervenções graduais e faseadas no
tempo, tipicamente de longo prazo (20 anos). Hein (2008) afirma que o
significado do termo machi (bairro, vila) é importante para perceber a forma
urbana de muitos bairros Japoneses e o significado do planeamento urbano.
No Japão há uma grande variedade de iniciativas de revitalização urbana que
dependem dos promotores, da região em que se inserem e dos níveis de
investimento envolvidos. Entre as principais iniciativas, encontram-se
operações integradas de desenvolvimento urbano, cujo objectivo principal é a
sustentabilidade enquanto orientação de política pública e referencial
estratégico em comunidades de bairro (Sorensen, Marcotullio e Grant, 2004). O
intuito fundamental é a promoção da renovação do edificado urbano e também a
criação de um espírito associativo de base local e o reforço das identidades.
Carmona (2012) defende que preocupações com segurança, por vezes dúbias, estão
a ser utilizadas para destruir bairros residenciais tradicionais, ruas
estreitas e comércio de proximidade. O mesmo autor argumenta que a demolição de
áreas urbanas é um exemplo da falta de consideração pelo urbanismo tradicional
Japonês. Na mesma linha de argumentação, Sorensen (2009) garante que a partilha
dos direitos de propriedade e a necessidade de reclamar gestão partilhada de
espaços públicos e de desenvolvimento comunitário no estilo machi-zukuri tem
sido uma opção eficaz no bairro de Yanaka na cidade de Tóquio.
Por seu lado, Hattori (2011) descreve o bairro de Shimokitazawa − também em
Tóquio, com as suas ruas estreitas, comércio de base familiar, restaurantes,
teatros e outros espaços culturais, no qual a atractividade entre as camadas
jovens é bem vincada − como um exemplo marcante do conceito de habitabilidade
sustentável. Nashima (1997) assegura que na impossibilidade de financiar todas
as candidaturas com apoios governamentais, inicialmente o governo central
utilizou uma lógica de cidades modelo, de modo a garantir exemplos-tipo para
outras aglomerações urbanas.
Tive oportunidade de confirmar muitas destas tendências em operações de
revitalização urbana nas viagens que fiz ao Japão. Por exemplo, no bairro de
Shibuya (fig._4) participei em reuniões com representantes da comunidade local,
e numa ronda pela área comercial com um conjunto de representantes da
prefeitura, da associação comercial, e uma série de comerciantes e membros das
forças policiais. O principal objectivo do Shibuya Center-Gai era semelhante ao
Business Improvement District (BID) do Times Square em Nova Iorque, mas sem a
obrigatoriedade de cobrança coerciva de taxas adicionais.
Em Sakura (fig._5), visitei a área central da cidade, que fica a cerca de 65 km
de Tóquio e participei em reuniões com membros da TMO. Pude constatar in loco
as dificuldades para a implementação deste tipo de parceria de gestão urbana.
Devido à relocalização de edifícios públicos (biblioteca e outros serviços)
fora da área central e ao crescimento das áreas periféricas, muitos
estabelecimentos comerciais ressentiram-se (cerca de 20%) e foram obrigados a
encerrar. Há esperanças de que a área do lazer e o turismo tragam alguma
vitalidade à zona (Quin, 2002), uma vez que aí se localizam equipamentos
culturais, como museus e outros edifícios de cariz tradicional, assim como uma
“loja desafio”.
No bairro envolvente ao campo principal da Universidade de Tóquio, em Hongo,
visitei uma área típica da cidade, singular nas suas tradições de vivências
urbanas e culturais. O tecido urbano é compacto, muitas ruas são estreitas e
sem trânsito automóvel, o comércio é de pequenas dimensões e os espaços
públicos aparentavam ser muito bem geridos e com vivências colectivas bastante
saudáveis e sustentáveis (fig._6). Apesar de desconhecer a existência de
projectos de planeamento urbanístico para este bairro, a sua vitalidade parecia
augurar um bom futuro.
Manifesto acordo com Quin (2002) quando ele escreve que “é óbvio que há
necessidade de gestão urbana nas cidades Japonesas”, mas os resultados têm sido
escassos, se analisados numa perspectiva internacional. De acordo com uma
sondagem de opinião mencionada por seta (2008), no geral os Japoneses apoiam
actividades de revitalização urbana, em vez da expansão para a periferia, mas
as realidades vividas parecem ser algo diferentes.
Bi-Matsui (2009) refere que cerca de dois terços das TMO em operação tinha, em
2006, como principal objectivo desenvolver acções de promoção das áreas
comerciais. Mais de metade não tinha empregados a tempo inteiro. O grande
número de proprietários de estabelecimentos comerciais tornava habitualmente
difícil a obtenção de consensos e o estabelecimento de prioridades para a
revitalização urbana.
Por sua vez, Miyazawa (2006) defende que as contribuições das TMO têm sido
mínimas e limitadas a eventos promocionais, com poucos melhoramentos urbanos.
Da literatura consultada podem extrair-se algumas ideias essenciais: 1)
necessidade de encontrar elementos externos distintivos, 2) contastação do
domínio da TMO por algum comerciante ficando limitada a voz dos restantes
participantes, 3) reprodução de estratégias de outros lugares sem incorporação
das especificidades locais 4) dificuldades para angariar financiamentos
adicionais, e 5) incapacidade para ultrapassar a dependência económica de
subsídios públicos.
É sabido que a resiliência do sistema comercial (Salgueiro e Cachinho, 2011)
está nas pessoas e nas suas relações de confiança enquanto membros de uma
comunidade a várias escalas: local, regional, nacional e internacional. Mas os
governos locais têm um papel importante no estímulo ao desenvolvimento
urbanístico equilibrado, que permita que os consumidores em desvantagem tenham
condições equitativas de acesso a bens de primeira necessidade. Por exemplo,
devem ter um papel importante no planeamento do uso do solo e no planeamento
das acessibilidades e transportes, assim como na localização e na minimização
do impacto das novas áreas comerciais sobre as áreas centrais das cidades
(Park, 2004; Takami, 2006; Shen et al., 2011).
O argumento principal é que as tendências de adopção de mecanismos e boas
práticas estrangeiras têm-se mostrado algo inadequadas, devido sobretudo à
ineficácia da articulação dos poderes públicos com a sociedade civil. Sem um
modo de institucionalizar os procedimentos colaborativos, as parcerias público-
privadas mostram-se limitadas para a continuação e eficácia de acções de
revitalização e gestão urbana. A falta de recursos tais como financiamentos e
conhecimentos técnicos não parecem ser o problema principal. Contudo, a sua
ligação a mecanismos que envolvem colaborações entre os vários níveis da
administração pública e da sociedade civil pode reduzir as possibilidades de
acção.
Por outro lado, a diferença de interesses e prioridades entre atores públicos e
privados no estabelecimento e na manutenção das operações de gestão urbana pode
dificultar a sua viabilidade no longo prazo. Um modo de tornar as acções de
revitalização mais efectivas é gerar confiança entre os membros das TMO (Gima,
2010). Isto requer passar de conhecimentos tácitos individuais a conhecimentos
explícitos colectivos. Para além desta tarefa, é também necessário ter em conta
características das cidades, tais como geografia, demografia, base cultural,
industrial e comercial, entre outras.