Narrativas das relações entre o Estado e as organizações do terceiro setor:
algumas pistas de análise
1. Enquadramento e metodologia3
A nossa abordagem integra-se num projeto de investigação sobre empreendedorismo
social em Portugal cujo principal objetivo é o de identificar graus de
empreendedorismo social nas entidades do terceiro setor, tendo em conta um
conjunto de dimensões teóricas e empíricas determinadas pela equipa de
investigação4. É dentro do eixo das políticas nacionais de desenvolvimento de
práticas de empreendedorismo social que se enquadra este artigo. Iremos focar a
nossa atenção sobre um conjunto de dados recolhidos fundamentalmente através de
entrevistas a atores-chave, provenientes sobretudo do terceiro setor, da
economia social e também de outras esferas cujo trabalho tem contribuído para a
emergência do empreendedorismo social em Portugal.
A partir destes dados procuramos aferir (i) o conhecimento dos atores face às
orientações e programas políticos que permitem o desenvolvimento de práticas de
empreendedorismo social, tal como (ii) o seu entendimento sobre qual tem sido a
sensibilidade político-governamental face a este fenómeno e ao próprio terceiro
setor e economia social, e ainda (iii) o reconhecimento de obstáculos ou
oportunidades conferidas pelas orientações dos programas políticos aos seus
associados ou organizações congéneres. Estes três itens de análise foram
verificados junto de um conjunto de atores-chave, alguns dos quais se
constituem como estruturas representativas (entidades de cúpula) de uma
panóplia de organizações de base como as cooperativas, mutualidades, fundações
e associações (Parente et al., 2012). No total, foram realizadas 20 entrevistas
semiestruturadas, dezoito das quais efetuadas a mandatários de instituições de
representação e de programas políticos nacionais e duas a atores-chave
individuais. Mais adiante, iremos especificar e tipificar as organizações e os
atores individuais entrevistados, por âmbito de atuação e forma jurídica das
organizações.
Antecede à exposição e análise dos dados empíricos um breve esboço teórico
sobre os diferentes conceitos instrumentalizados e as relações entre o terceiro
setor e o Estado, tendo em conta as particularidades da estrutura social
portuguesa. Em jeito de síntese, procuraremos, por fim, apurar algumas pistas
exploratórias sobre os modelos de relação entre o Estado e as entidades de
terceiro setor no tocante às políticas que podemos incluir no espectro do
empreendedorismo social português.
2. Articulações entre o Estado e as organizações do terceiro setor português:
retomando os principais eixos de análise
A incapacidade ou a falência dos Estados Providência, com particular incidência
a partir da década de 1980 (Quintão, 2011), têm contribuído para a
(re)emergência de um conjunto de iniciativas de atores e entidades da sociedade
civil em geral que procuram encontrar respostas alternativas a velhos e a novos
problemas sociais como o desemprego, a habitação, a saúde, a ecologia, etc. Um
dos mais recentes conceitos que procura apreender estas novas dinâmicas é o de
empreendedorismo social: concretizando-se nas iniciativas de articulação entre
os princípios das organizações não lucrativas e os métodos de negócio dos
campos da gestão e da economia com vista à sustentabilidade económica daquelas
organizações (Mair e Marti, 2006).
A problemática nasce em contexto anglo-saxónico e foi sendo construída a partir
de 1990, criando o resultado do desenvolvimento de iniciativas individuais e/ou
coletivas, a diferentes graus de formalização, e pressupondo a primazia da
criação do valor social em detrimento da obtenção e acumulação do lucro (Dees,
2001; Austin, Stevenson e Wei-Skillern, 2006). O conceito é, contudo,
trabalhado por diferentes escolas que põem tónicas distintas nas dimensões da
sustentabilidade económica ou da inovação social (Defourny e Nyssens, 2010),
imprimindo um caráter ainda difuso e aberto ao fenómeno. A esta fragmentação
teórica, acresce a utilização de outros conceitos, com maior antiguidade e
próprios de realidades específicas ' sobretudo no contexto europeu ' como o de
economia social, economia solidária e terceiro setor. A plasticidade que
carateriza estas definições teóricas que embora se refiram a realidades mais ou
menos convergentes mas não exatamente sobrepostas, tem impedido grosso modo a
determinação de fronteiras distintas entre elas.
De forma genérica, podemos dizer que a economia social engloba o conjunto de
cooperativas, mutualidades, associações e fundações (CIRIEC5, 2007) que
partilham os princípios da primazia do indivíduo e do objeto social sobre o
capital; da autonomia e da independência de gestão; do controle democrático dos
membros (CIRIEC, 2007; Defourny, 2009). Por sua vez, o terceiro setor
corresponde ao espaço ou, segundo o CIRIEC (2007), ao ponto de convergência
entre a economia social e o setor não lucrativo, embora não exatamente
coincidentes, uma vez que este último não contempla alguns dos princípios da
economia social, assentando antes numa lógica mais assistencialista e
caritativa. Por último, a economia solidária encontra-se associada às respostas
inventariadas para colmatar as necessidades sociais de grupos em exclusão
social, e o seu campo de atuação articula-se em torno do mercado, do Estado e
da reciprocidade (CIRIEC, 2007). Quintão (2004), tendo como referência o
contexto francês, considera que o conceito se foi firmando em oposição às
entidades tradicionais da economia social, através de novas soluções
institucionais e metodologias de intervenção cujo realce assenta no princípio
da solidariedade e da reciprocidade.
No âmbito do nosso estudo, das políticas associadas à problemática do
empreendedorismo social, foi rapidamente constatada a inexistência de políticas
e/ou legislação diretamente associada à problemática em questão o que nos
conduziu à extensão dos critérios de análise às políticas direcionadas para o
terceiro setor, espaço eleito pela equipa para identificar a emergência do
fenómeno em estudo (Parente et al., 2012). O conceito de terceiro setor foi
privilegiado como campo de aplicação dos processos de empreendedorismo social
pela sua capacidade heurística e dada a maior abertura, flexibilidade e
pluralidade (Quintão, 2011) de organizações passíveis de analisar. Apresentando
uma configuração heterogénea, o terceiro setor compreende um conjunto de
organizações diversas, tais como associações, cooperativas, fundações,
Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), mutualidades, entre
outras, cuja representação dentro do tecido institucional varia muito (Parente,
2011; Quintão, 2011). Esta diversidade, embora possa condicionar sobremaneira a
autonomia e a capacidade do setor na partilha de princípios e objetivos comuns,
é também o seu principal trunfo, pois esta versatilidade permite um contínuo
ajuste à natureza mutável e complexa dos problemas e à plasticidade da condição
dos destinatários (Hespanha, 2000).
Quintão (2011) refere que é a partir da implantação do regime democrático que
se assiste a uma recomposição do terceiro setor português, marcado contudo por
diferentes momentos. Porém, é com a entrada na Comunidade Económica Europeia
que se afirma um período de maior estabilização visível no crescimento do
número e do tipo de organizações (Quintão, 2011: 12-14). As cooperativas que
tinham crescido exponencialmente nos primeiros anos após o 25 de Abril de 1974
e que mantiveram um crescimento continuado até meados da década de 1980 só
inverteram esta tendência na década de 1990. As organizações ligadas à Igreja
Católica como as misericórdias e os centros paroquiais e sociais permanecem com
um importante papel no domínio da assistência a públicos mais desfavorecidos,
sendo atores-chave na mobilização de recursos de integração social: dados de
2007 indicam que aproximadamente 60% das IPSS teve a sua origem em iniciativas
ligadas à Igreja (Joaquim, 2007). Em 2011, as misericórdias ascendiam ao número
de 390 no país. As IPSS, cujo estatuto acresce a diferentes personalidades
jurídicas, têm registado um aumento significativo: em 1972 contabilizavam-se
1264 instituições a nível nacional, em 1998 eram 2992 e em 2008 existiam
aproximadamente 5000. É ainda possível verificar a progressiva implementação de
organizações do terceiro setor com intervenção internacional, como as
associações de cooperação internacional, de ajuda humanitária ou de comércio
justo (Quintão, 2011).
Perante esta configuração organizativa, importa perceber, no entanto, quais os
papéis que o terceiro setor assume no contexto da sociedade portuguesa. Sabemos
que o desenvolvimento deste setor varia em função dos diferentes modelos
sociais nacionais, enquanto produto sócio histórico específico destes, sendo
fruto, inevitavelmente, de uma dimensão política e designadamente das políticas
públicas (Laville, 2000), mas também enquanto produto do conjunto de interações
entre poderes públicos e iniciativas heterogéneas que se traduzem em efeitos
mútuos que vão variando no tempo e no espaço no tocante à intensidade e às
modalidades. Tal papel pode limitar-se à execução de políticas públicas, mas
pode envolver igualmente a escolha das políticas e a formação da própria agenda
política, em processos de complementaridade ou confrontação com o Estado
(Santos, 1999: 34). As relações com o Estado Providência podem ser múltiplas.
Nos últimos anos, dado o recuo e a incapacidade crescente do Estado na criação
e manutenção de respostas sociais, a tendência parece pautar-se pelo crescente
peso do terceiro setor na estruturação e modalidades de funcionamento do Estado
em lógicas de complementaridade e substituição. Se durante o regime ditatorial
português, as organizações do terceiro setor foram controladas e
instrumentalizadas por um regime corporativo e assistencialista (Parente, 2011;
Quintão, 2011), a partir da Revolução de 1974, estas relações complexificaram-
se, ora avançando ora recuando os discursos de autonomia e complementaridade
entre Estado e terceiro setor, em dinâmicas frequentemente dúbias e
contraditórias (Hespanha, 2000; Franco et al., 2005). Estas dinâmicas têm feito
com que, gradualmente, se tenha vindo a reconhecer a importância das relações
entre o Estadoe o setor não lucrativo, não obstante a ambiguidade das funções e
papéis dos agentes, das fontes de financiamento e do grau de cooperação que
permite a autonomia da sociedade civil (Franco, Sokolowski, Hairel e Salamon,
2005).
O terceiro setor, por seu lado, parece estar cativo num paradoxo entre a
reivindicação da legitimidade ética para representar e defender as
necessidades dos mais carenciados, e a sua dependência financeira do Estado,
quando supostamente integra a sociedade civil autónoma (Hespanha, 2000). Aliás,
é a incapacidade ou a capacidade limitada de gerar recursos e a consequente
dependência face ao financiamento estatal a principal debilidade apontada ao
terceiro setor. É a partir de 1980 que novos enquadramentos legais contribuíram
para que muitas organizações se tornassem produtoras de bens e serviços
subcontratados pelo Estado (Ferreira, 2000) engendrando o designado modelo
pluralista (Perista, 2001) de um sistema de segurança social cujas
responsabilidades são partilhadas entre o Estado e o setor não governativo e
não lucrativo, modelo aliás intimamente relacionado com a parca consolidação do
Estado Providência em Portugal.
No intuito de procurar outras pistas que nos pudessem elucidar sobre as
diferentes modalidades de relação entre o Estado e o designado terceiro setor,
consideramos Dörner (2008) quando este refere que o aumento da descentralização
da atuação do Estado tem potenciando a criação de novos mecanismos e
modalidades de participação cívica. A partir do trabalho deste autor (Dörner,
2008), identificamos as tipologias mais citadas que ilustram a diversidade de
relações entre o Estado e o terceiro setor. Uma das tipologias (Najam, 2000
inDörner, 2008) socorre-se de duas dimensões ' a concordância de objetivos
(fins) e a concordância com estratégias (meios) ' para a combinação de
diferentes cenários: há cooperaçãoquando há consenso nestas duas dimensões;
compromisso, numa vertente de complementaridade, quando existe partilha de
objetivos mas não de estratégias e, numa vertente decooptação,quando há
ausência de objetivos comuns embora exista concordância em termos de
estratégia. A complementaridade converte-se em suplementaridadequando é o
próprio terceiro setor a financiar a sua intervenção. A confrontaçãoacontece
quando há discordância em ambas as dimensões.
Numa outra abordagem, Coston (1998 inDörner, 2008) constrói uma escala cuja
principal dimensão é a capacidade do Estado em aceitar o pluralismo
institucional perante atores não estatais. A escala proposta varia entre a
resistência, via neutralidadeou indiferença, e o apoio ativo. Por seu turno,
Brinkerhoff (2002 inDorner, 2008) apresenta uma tipologia com base em duas
dimensões: a mutualidade e a identidade organizacional. A tipologia varia entre
a parceria real, contratual, extensão e cooptação. Há parceria real quando os
atores têm igual oportunidade de influenciar as decisões. Quando um ator tem
preponderância no estabelecimento de objetivos mas ao outro ator é-lhe
conferida liberdade de participar ou não, estamos perante a relação contratual.
Há extensão quando o ator mais fraco não tem capacidade de escolher ou
influenciar as decisões. Por fim, a cooptação resulta na capacidade de ator
mais forte em interferir e destruir a identidade organizacional do outro.
Young (1999, 2000 inDorner, 2008) analisa esta relação a partir da
suplementaridade (divisão horizontal do trabalho), complementaridade (divisão
vertical do trabalho) ou rivalidade. Já os autores Kuhnle e Selle (1992
inDörner, 2008) concetualizam a relação quanto ao distanciamento dos atores no
que concerne à facilidade e frequência da comunicação, e quanto à
(in)dependência do terceiro setor, inerente ao nível de controlo ou autonomia
(visível nos tipos de acordos de financiamento). O cenário de autonomia
separadaocorre num contexto de fraca comunicação e apoio financeiro, e, por
conseguinte, não há controlo entre os atores. No cenário de dependência
separada, à inexistência de financiamento acresce o caráter unidirecional da
comunicação, permitindo maior controlo do Estado. O cenário dedependência
integradaaponta para a existência de financiamento mas também do controlo sobre
o setor. Por fim, no quadro de autonomia integrada, as organizações do terceiro
setor têm um forte apoio financeiro embora não estejam sujeitas a forte
controlo/influência do Estado. Os autores defendem a inexistência de um cenário
idílico, assumindo que a relação se pauta, necessariamente, pela
competitividade e conflito.
Por último, destaca-se a tipologia construída por Kramer et al.(Kramer et al.,
1993 inDörner, 2008) com base em duas dimensões: a provisão financeira e a
produção de serviços. Num quadro de governação dominante, é o Estado quem
assegura estas dimensões. Num quadro dedominação do terceiro setor, o
financiamento e a prestação de serviços são da responsabilidade do setor não
estatal. Num cenário de relacionamento dual, afere-se uma posição de equidade
em termos de financiamento e prestação de serviços. Num cenário
derelacionamento colaborativo, o Estado assegura o financiamento e delega a
prestação dos serviços. Num cenário de relacionamento de suplementaridade,
verifica-se a parceria positiva através da extensão dos serviços públicos por
via da disponibilização de serviços similares. Num cenário de relacionamento
complementar, há também uma parceria de extensão de serviços, embora estes
sejam distintos. Num cenário de relacionamento rivalou de rivalidade, a ação do
terceiro setor representa uma alternativa ao serviço público.
3. Narrativas e representações das políticas de apoio ao empreendedorismo
social, economia social e terceiro setor
Vejamos, de seguida, qual o posicionamento dos atores-chave entrevistados sobre
as políticas de fomento do empreendedorismo social em Portugal e sobre os
principais constrangimentos e oportunidades no que concerne às orientações dos
programas políticos por eles identificados como sendo as mais importantes no
espaço do terceiro setor, economia social e empreendedorismo social. O uso
destes diferentes conceitos prende-se com o sentido de identidade e pertença de
cada entidade entrevistada face às diversas famílias existentes: economia
social, terceiro setor, empreendedorismo social, economia solidária, conceitos
já descritos no ponto anterior.
Os atores-chave foram selecionados pela importância da sua atuação, ora a
título institucional ora individual, sobretudo no espaço do terceiro setor e da
economia social mas também no fomento de práticas e iniciativas identificadas
como de empreendedorismo social6. Entre os entrevistados institucionais, oito
são atores de representação de cúpula setorial tendo em conta as diversas
formas jurídicas das organizações que compõem o terceiro setor. A organização
D, enquanto cúpula de terceiro nível, as organizações A, B, C, E, F, G, M e a
organização H, com atuação ao nível regional e representativas das diferentes
famílias de subsetores integrantes do terceiro setor. Acrescentam-se, ainda, as
organizações de base, organizações I e J, como centros de investigação e de
formação na área do empreendedorismo social; a Organização K, associada à
temática da inovação social; a Organização L, enquanto única agência de
financiamento do terceiro setor; e a Organização N, enquanto ator- chave na
promoção da economia social na área educativa. Acrescentam-se a estes
organismos de representação setorial, dois atores-chave de representação da
política estatal e dois representantes de programas nacionais: o Programa 1 de
combate às desigualdades e discriminações no acesso ao mercado de trabalho; e o
Programa 2 de coordenação estratégica e operacional das políticas de combate à
pobreza e à exclusão social. Os atores individuais ' o informante 1 e o
informante 2 ' foram entrevistados pela experiência de consultoria na área do
empreendedorismo social7. No Quadro_1, encontra-se a caraterização dos
entrevistados.
A análise de conteúdo categorial temática realizada incidiu em dois grandes
eixos: por um lado, o reconhecimento, por parte das entidades, das políticas
que nos últimos anos têm permitido o desenvolvimento de práticas de
empreendedorismo social ou outro conceito que os atores tenham preferido para
identificar a missão da sua instituição8 (nomeadamente, economia social,
economia solidária, terceiro setor, etc.); e, por outro, entender em que medida
as políticas nacionais têm criado obstáculos ou oportunidades aos seus
associados ou organizações congéneres. Considerando o primeiro eixo referido
atrás, sobre as políticas nacionais, importa referir que apenas dois atores-
chave (Organização L e informante 2) desconhecem quaisquer orientações
políticas de enquadramento, embora esse desconhecimento não implique a
inexistência das mesmas. Contudo, há nove organizações (organizações D, G, H,
representante político 1, organizações I, J, K, Programa 1 e organização M) que
afirmam o reduzido fomento ou mesmo a inexistência deste tipo de políticas. A
título ilustrativo:
Nos últimos anos, tem havido grandes limitações, sobretudo neste
último quadro comunitário, temos sentido fortes limitações ao
desenvolvimento da economia social e solidária e à iniciativa dos
empreendedores sociais. Este quadro comunitário está muito
formatado. (Organização G)
Porém, nove dos atores-chave denotam conhecimento sobretudo das políticas e
orientações mais direcionadas para o seu tipo de organização; posicionamento de
autocentramento comum em muitas esferas organizativas. É também de acrescentar
que este reconhecimento pode ser sinónimo da crescente visibilidade do terceiro
setor (Quintão, 2011), espaço onde a maior parte dos atores atuam.
No que respeita a referências específicas a programas, dois pontos merecem ser
retidos: o Programa de Iniciativa Comunitária EQUAL ' Portugal (EQUAL) e a
Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) foram citados por
doze atores-chave. Este padrão de resposta releva a importância do programa
EQUAL em Portugal e o seu caráter pioneiro e fundador no que diz respeito a
metodologias de intervenção alicerçadas na participação e no envolvimento dos
beneficiários com iniciativas específicas em torno da economia social, bem como
o destaque a uma entidade de defesa e pressão de interesses acerca da economia
social. Vejamos alguns dos excertos referentes ao EQUAL e à CASES:
Para mim é um erro não tornar os princípios e as metodologias EQUAL
transversais a todas as linhas, prioridades e programas políticos.
Mas o EQUAL é determinante e foi determinante no desenvolvimento de
uma data de iniciativas que hoje eu considero de empreendedorismo
social. (Organização H) A CASES apresenta-se como um ator, não é
bem público nem privado, é duplo, porque tem cooperantes públicos e
privados, pelo menos nos seus estatutos tem lá grandes
responsabilidades tanto no fomento da economia social como na questão
do micro crédito. (Programa Político 1)
Outro programa presente em 18% das entrevistas foi o Quadro Estratégico de
Referência Nacional 2007-2013 (QREN). Sendo o quadro estratégico de referência
nacional até 2013, o QREN é mais do que um programa específico, visto que se
apresenta como um conjunto de possibilidades de financiamento que sustentaram
vários programas e setores nos últimos anos. Neste ponto, assume especial
relevância o Programa Operacional Temático Potencial Humano 2007-2013 (POPH) e
em particular os seguintes eixos: Eixo Prioritário 5 ' Apoio ao
Empreendedorismo e à Transição para a Vida Ativa; e o Eixo Prioritário 6 '
Cidadania, Inclusão e Desenvolvimento Social. Outros programas, atores e
iniciativas foram também mencionados, embora com menor frequência, de onde
podemos incluir o Programa Indicativo de Cooperação (PIC), o Conselho Nacional
para a Economia Social (CNES), o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da
Economia Social (PADES), o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento
(IPAD), o Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade Social
(PROGRESS), o Programa Escolhas, entre outros. Há ainda a destacar que o grau
de familiarização com os instrumentos políticos pode antever dinâmicas de maior
proximidade com instituições da tutela, constituindo-se esta proximidade como
um fator decisivo para a obtenção desse conhecimento. Uma vez que estamos
perante instituições de representação de cúpula, representantes de programas
políticos e de política estatal seria expetável esta maior sensibilidade
perante os instrumentos de política.
Tem havido uma relação muito próxima das ONGD9 com o Ministério da
Tutela e com as instituições da tutela, têm vindo a ser definidos uma
série de mecanismos legais e instrumentos operacionais e de
financiamento e as ONGD têm vindo a profissionalizar-se.
(Organização A)
Do que foi dito, depreende-se que quase metade dos entrevistados admite o
reduzido ou o inexistente incremento do empreendedorismo social embora, na
mesma proporção, se reconheçam políticas na sua área concreta de intervenção.
Olhando agora para os obstáculos que as políticas representam para as
entidades, deduz-se que é no campo político e no campo legal que mais
constrangimentos existem. No campo legal é a insuficiente legislação que surge
como principal obstáculo: onze dos atores chave (organizações B, F, H,
representante político 1, organizações I, J, K, Programa 2, organizações M, N,
informante 1) indicam a ausência ou o insuficiente enquadramento legal do
terceiro setor e da economia social, a falta de códigos e estatutos adequados
às especificidades do setor, evidenciando ainda um desconhecimento por parte
dos legisladores dos modos de funcionamento destas instituições (Couto et al.,
2012).
Não haver uma legislação específica para este setor. Se não
considerar este setor como um setor de facto, mesmo estando definido
na Constituição, é muito complicado termos políticas públicas
desenvolvidas que possam potenciar o seu crescimento e as
organizações do terceiro setor. Tirando algumas delas com maior
impacto político e maior visibilidade, são considerados como uma
extensão do Estado na prestação dos serviços sociais. E isto para mim
é o grande entrave para o desenvolvimento das respostas sociais e das
organizações em Portugal. (Organização H)
O reduzido ou o inadequado enquadramento político-legal acompanhado da
indefinição do papel do terceiro setor têm permitido uma diminuta proteção
económica- fiscal, nomeadamente no tocante à não isenção fiscal (aflorado por
quatro entrevistados) o que compromete o papel destas organizações:
Nós aqui em Portugal, na última reforma do código contributivo demos
mais uma machadazinha no terceiro setor ao aumentar os impostos e ao
acabar com a diferenciação positiva das cooperativas ficamos ainda
menos concorrenciais do que já éramos. (Organização L)
O caráter avulso e fragmentado das orientações programáticas e da legislação
parece refletir a ambiguidade dos papéis e funções dos atores no campo
político. Entre as principais condicionantes, há uma frequente enunciação do
reduzido diálogo entre Estado e as organizações do terceiro setor, edificando
barreiras ao incremento e ao investimento no empreendedorismo social e no
terceiro setor em geral. As dimensões da frequência da comunicação e da
autonomia económica são apontadas pelo modelo de Kuhnle e Selle (1992 inDörner,
2008) para a determinação do grau de distanciamento e controlo entre os dois
atores analisados. A comunicação reduzida ou unidirecional e a dependência
financeira face ao Estado sugerem o cenário da dependência integrada, do
controlo do Estado face ao terceiro setor. Neste sentido atente-se aos doze
atores-chave (organizações A, B, C, D, F, H, Representante político 2,
organizações J, K, Programa 2, organizações M e N) que referem a falta de
diálogo, a secundarização e a indefinição do papel do terceiro setor por parte
do Estado.
Não há diálogo ( ) por várias razões, por culpa do Estado, por culpa
das organizações. Isto aqui é partilhado. As relações entre os
Estados e as organizações em todas as partes do mundo ( ) não são um
processo estável. (Representante político 2) O terceiro setor,
entendido como espaço económico forte e poderoso, gerador de emprego,
gerador de riqueza, nunca foi valorizado e, portanto, também não é
aliciante para as pessoas. (Organização F)
É importante atentar no pressuposto identificado pelo primeiro excerto relativo
às relações não estáveis entre Estado e organizações, embora a responsabilidade
não seja atribuída exclusivamente ao primeiro. A competitividade e conflito,
inerente às relações entre os atores, vão de encontro ao postulado por Kuhnle e
Selle (1992 inDörner, 2008). A Organização B retoma a indefinição do papel do
Estado perante o terceiro setor e a natureza do relacionamento entre atores. O
Estado tem de decidir o que quer fazer, é o repto lançado. Parece ser
necessário que o Estado assuma um compromisso entre os cenários identificados
por Najam (2000 inDörner, 2008) da complementaridade, da suplementaridade ou da
cooptação ou, tal como é referido por Kramer et al.(1993 inDörner, 2008), do
relacionamento colaborativo, de suplementaridade ou de complementaridade.
Pretende-se que o setor seja uma extensão dos serviços e bens do Estado, que o
substitua ou que confira serviços distintos? E qual o grau de autonomia
expetável de acordo com as funções intrínsecas aos diferentes cenários? As
organizações parecem não ter uma interpretação consensual destas questões. A
aprofundar o distanciamento provocado pela reduzida comunicação, a não inclusão
das organizações de forma ativa na formulação e discussão de políticas indicia
novamente a secundarização e a ausência de reconhecimento na prática destas
entidades no sentido da melhoria e da adequação à realidade dos próprios
projetos e políticas afetas ao terceiro setor.
Implementamos, percebemos os obstáculos dessas medidas, percebemos
como podemos melhorar, e depois todo esse know-how nem sempre é
aproveitado pelos políticos. (Organização M) Nós sentimos que
quando somos chamados já está tudo definido, por muito que se diga ou
se deixe dizer, aquilo já está formatado, conseguimos ajustar uma ou
outra coisa, mas muitas das vezes somos informados só para validar.
(Organização A) Não tem havido espaço para a constituição de
equipas, de momentos de reflexão com os técnicos e com a população em
geral. As medidas são muito institucionais. (Programa 2) Outra das
dimensões mais importantes no processo de articulação remete para o
grau de autonomia do setor, mensurável pelos modelos de
financiamento. Oito dos entrevistados referem a ausência de
diversificação de fontes de financiamento e a escassez de recursos:
Tem havido grandes limitações ( ) Este quadro comunitário está muito
formatado e se as pessoas não têm projetos e ideias que se encaixem
rigorosamente nos programas é muito difícil. É muito difícil
desenharmos projetos que respondam ao mesmo tempo às necessidades do
território e às exigências dos programas. (Organização G) A ideia
é obrigar as organizações a autonomizar-se do Estado mas por outro
lado não podes desenvolver negócios ou atividades paralelas porque
tens de fazer isto. Estão a deitar por terra o que poderia ser a
autonomização das organizações. (Organização H)
As dificuldades de financiamento oscilam entre a rigidez dos programas e a
contradição entre o objetivo de autonomizar o terceiro setor e os obstáculos à
sua concretização, numa alusão às próprias tensões entre a missão das
organizações sociais e a necessidade do seu autofinanciamento. Parece-nos haver
a ideia generalizada de que muitas destas instituições apresentam um papel de
substituição do Estado e que, em troca disso, deveriam ter condições
específicas na capacidade de intervenção. Novamente o que está em questão é o
próprio papel do Estado e a função de cada uma das entidades. É de referir a
espiral da dependência patente nas afirmações do representante político 2 e da
Organização G. A dificuldade em recorrer a outras fontes financeiras resulta da
pouca profissionalização dos quadros a que subjaz, por sua vez, a escassez de
recursos e subsequente incapacidade das organizações em manter quadros:
Há um mercado altamente competitivo a nível internacional onde
Portugal se inclui, com verbas muito escassas porque há uma grande
quantidade e diversidade de organizações e o que nós assistimos é que
há, de facto, a capacidade de um grupo restrito de organizações
portuguesas conseguirem responder aquilo que são os critérios
internacionais de financiamento ( ) as nossas organizações, a maior
parte delas, têm uma grande dificuldade em manter quadros que lhes
permita depois haver este salto para a profissionalização.
(Representante político 2)
É ainda de salientar, entre os constrangimentos identificados, a ausência de um
sistema de avaliação e monitorização das instituições e seus impactos
(organizações C, E, Representante político 1, Organização K e Informante 1).
Esta parece-nos uma dimensão de posicionamento muito importante, pois alerta
claramente para a necessidade de uma avaliação de desempenho, instrumento
fundamental de gestão das relações sociais institucionais. A par da
vulnerabilidade do setor resultante destes condicionalismos inerentes ao Estado
português, e transposta para o inexistente ou o desadequado enquadramento
político-legal, acresce a própria inconsistência do setor, no que toca à
definição comum e interna de objetivos e estratégias.
Há quem defenda que ( ) o terceiro setor, devem ter as duas
vertentes, deve ter respostas consideradas dentro da área social e
outras dentro da área não-social, ou seja, se já visarem o lucro,
dentro de outras regras. Apesar disso é difícil conciliar dentro de
uma instituição cujas contas são comuns não é? (Organização B)
Voltando-nos agora para as oportunidades conferidas pelas políticas de
desenvolvimento do empreendedorismo social, da economia social e do terceiro
setor, constatou-se uma maior frequência no registo de propostas de cenários
desejáveis, ou seja, objetivos ou aspetos que as organizações ainda não viram
concretizados. Como iremos verificar, há uma enorme diversidade de expetativas
intrínseca à própria heterogeneidade do setor. Entre os principais aspetos
inventariados, salientamos: o apelo ao enquadramento legal do negócio social e
ao fomento de iniciativas locais (Organização L, informante 1); a revisão da
lei das ONGD (Organização A); a maior capacitação da sociedade civil e a
promoção de parcerias entre as organizações e o setor privado. Neste cenário
apontado pelo Representante 2, as organizações seriam, idealmente, sustentáveis
e o Estado apresentar-se-ia enquanto facilitador na promoção de parcerias ou um
parceiro aquando de interesses consonantes com o setor numa lógica de
compromisso, de complementaridade ou de suplementaridade (Najam, 2000 inDörner,
2008).
Em conexão com os constrangimentos económicos, a Organização G faz a alusão a
um cenário de maior flexibilidade dos programas de apoio financeiro, por forma
à compatibilidade com as necessidades territoriais, assim como ao alargamento
do período de financiamento, entre 5 a 10 anos, garantindo uma maior
estabilidade. Acrescenta-se, ainda, o necessário reconhecimento político do
papel do empreendedor social e a potencialidade do fomento de parcerias
público-privadas, no sentido da dinamização do terceiro setor, tal como o
Representante político 2 também sugerira. A Organização I sugere projetos de
lei de criação de empresas sociais. O papel do Estado, novamente enquanto
facilitador, passaria por criar condições e desbloquear, em termos
legislativos, o investimento e o acesso a fontes de financiamento. A
Organização H propõe uma secretaria de Estado para o setor social e a partilha
de conhecimento de forma à criação de escala. Para a Organização N dever-se-ia
distinguir as entidades com prática social que conferem recursos e/ou serviços
ao próprio Estado, dando primazia àquelas cujos princípios respeitam a economia
social, mais numa lógica de extensão e substituição das funções estatais. Para
o Representante político 1, o fomento passa por apoios a projetos, nomeadamente
as incubadoras, linhas de crédito e, sobretudo, o controlo e avaliação dos seus
impactos. Refere-se, ainda, a aposta na descentralização, na capacitação das
comunidades e nas dinâmicas locais, cenário também elencado pelo Programa 1.
Este representante lembra ainda a sustentabilidade do setor, as parcerias e
redes, o apoio aos empreendedores e ao micro crédito. A Organização K considera
fundamental a criação de um Departamento de Inovação Social que defina um plano
estratégico de forma a reformar as entidades e incitar a regulação das
incubadoras sociais. Por fim, na Organização J, apela-se à melhoria dos modelos
de gestão das organizações da economia social.
4. Pontos de ancoragem dos discursos acerca do empreendedorismo social em
Portugal: pistas conclusivas
Temos verificado ao longo desta abordagem que a heterogeneidade do terceiro
setor se coteja não só em função dos diferentes modelos sociais, mas também
enquanto produto sócio-histórico específico destes, evidenciando a importância
das representações sociais que se vão produzindo. Sistematizando as principais
ideias acerca dos discursos dos atores-chave das organizações do terceiro setor
português denota-se uma ambivalência acerca do conhecimento das políticas e
orientações programáticas de empreendedorismo social. Dois dos entrevistados,
ligados a entidades de fomento ao empreendedorismo social afirmam desconhecer
políticas e legislação no âmbito deste fenómeno. A estes acrescem mais nove
entrevistados que consideram inexistentes ou reduzidas as políticas de fomento
ao empreendedorismo social. Por outro lado, nove dos entrevistados identificam
políticas direcionadas para as suas especificidades organizativas. Importa
referir que encontramos mais organizações de cúpula neste último grupo enquanto
as organizações de investigação e formação ressaltam a irrelevância e a
reduzida legislação inerente ao fomento do empreendedorismo social. Isto poderá
indicar uma maior proximidade destas organizações à temática em si e à
afirmação categórica da inexistência de políticas neste âmbito em concreto. Por
seu turno, as organizações que apontam as políticas direcionadas para o seu
campo de atuação, sobretudo terceiro setor e economia social, tendem a referir
a legislação com impacto nas suas organizações. Dentro deste conhecimento
merece especial destaque o EQUAL e a CASES, respetivamente um programa e uma
entidade que apostou e aposta em iniciativas diretamente vocacionadas para a
economia social.
No cômputo das representações acerca do Estado e do terceiro setor no que diz
respeito a orientações e instrumentos de política, e situando-nos num segundo
eixo de síntese, é possível identificar um conjunto de obstáculos causadores de
entropia nas relações entre ambos. Em termos de tipificação podemos identificar
obstáculos legais relacionados com a ausência e o insuficiente enquadramento
legal do terceiro setor e da economia social, a falta de adaptabilidade de
códigos e estatutos face às especificidades do setor e a diminuta proteção
económica-fiscal. Estes obstáculos são referidos por treze entrevistados e se
tivermos em conta a identificação das organizações de acordo com os conceitos
de terceiro setor, economia social e economia solidária, verificamos que a
esmagadora maioria das organizações que se identificam com a economia social e
a economia solidária estão aqui representadas, podendo inferir-se o papel de
complementaridade destas entidades face às funções estatais, papel que não está
a ser legitimado em termos de enquadramento legal. O caráter avulso e
fragmentado das orientações políticas parece denotar alguma apatia ou
resistência face ao setor que, nos discursos dos entrevistados, se deteta por
via da constatação do reduzido diálogo e comunicação entre o Estado e as
organizações do terceiro setor em geral. Como vimos com o modelo de Kuhnle e
Selle (1992 inDorner, 2008), a comunicação ou ausência dela apresenta-se como
uma dimensão fundamental no estabelecimento do grau de distanciamento da
relação entre os atores. O facto de doze entrevistados, seis dos quais
provenientes de organizações de cúpula, enfatizarem a secundarização e/ou
indefinição do papel do terceiro setor por parte do Estado remete-nos para
cenários de maior controlo estatal e da menor autonomia do setor, atestado
também pelo obstáculo da dependência económica.
As questões financeiras, concretizadas na ausência de diversificação de fontes
de financiamento e na escassez quotidiana de recursos com que estas
instituições se deparam, estão patentes dos discursos de oito entrevistados. A
conjugação da ausência de diálogo com a dependência económica aponta para a
tipologia da dependência integrada (Kuhnle e Selle, 1992 inDorner, 2008), mas
também para os modelos de resistência por via da neutralidade e da indiferença
estatal (Coston 1998 inDorner, 2008) e da relação de extensão (Brinkerhoff,
2002 inDorner, 2008), onde aqui o terceiro setor se apresenta como o elemento
mais fraco e com reduzida capacidade para escolher ou influenciar as decisões
do poder estatal. Embora o terceiro setor tenha vindo a crescer e a ganhar
destaque, a sua inconsistência no que toca à definição comum e interna de
objetivos, visível na própria panóplia de famílias identitárias, a limitação
da sua autonomia e do seu campo de atuação têm representado obstáculos ao seu
pleno desenvolvimento.
Ainda que com carater exploratório, estes resultados apontam para a necessidade
de modelos de desenvolvimento económico e social alternativos, sobretudo tendo
em conta o panorama atual. Urge identificar os papéis consagrados às
instituições do terceiro setor e fomentar o diálogo e a sua participação no
processo de reflexão, conceção e concretização das decisões que afetam a sua
autonomia e os seus campos de atuação. Parece-nos ainda que um novo modelo tem
de assentar num crescente protagonismo de atores institucionais de base local,
dotados de conhecimento e plasticidade suficientes para encetarem estratégias
de inclusão social mais eficazes no quadro dos novos constrangimentos.
Sublinhamos que o que se pretende aqui é traçar um quadro geral de tendências e
de interpretação que não buscou a exaustividade, lembrando-nos sempre de
Boaventura Sousa Santos quando refere que: A questão central é a de determinar
o papel do terceiro setor nas políticas públicas e (...) tal depende tanto do
próprio terceiro setor como do Estado, como ainda do contexto internacional em
que um e outro operam, da cultura política dominante, e das formas e níveis de
mobilização e de organização social. Tal papel pode limitar-se à execução de
políticas públicas, mas pode também envolver a escolha das políticas e, em
última instância, a formação da própria agenda política e pode ser exercido
tanto por via da complementaridade como por via da confrontação com o Estado
(Santos, 1999: 34).
Notas
1 Socióloga. Doutorada. Docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto (FLUP). Investigadora do Instituto de
Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (ISFLUP) (Porto,
Portugal). Endereço de correspondência: Instituto de Sociologia da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Gabinete 251, Torre B ' Piso 2, Via
Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto, Portugal. E-mail: pguerra@letras.up.pt
2 Socióloga. Doutoranda. Investigadora do Instituto de Sociologia da Faculdade
de Letras da Universidade do Porto (ISFLUP) (Porto, Portugal). E-mail:
mosantos@letras.up.pt
3 Este artigo foi realizado sob financiamento do FEDER através do COMPETE '
Programa Operacional via Fundação de Ciência e Tecnologia no âmbito do Projeto
Empreendedorismo Social em Portugal: as políticas, as organizações e as
práticas de educação/formação(PTDC/CS-SOC/100186/2008), liderado pelo ISFLUP e
desenvolvido em parceria com a A3S ' Associação para o Empreendedorismo Social
e a Sustentabilidade do Terceiro Setor ' e com o Dinâmia/CET-IUL, Centro de
Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, do ISCTE-IUL.
4 Para consulta detalhada sobre as dimensões ver Parente, Lopes e Marcos
(2012).
5 CIRIEC ' Centre International de Recherches et d'Information sur l'Economie
Publique, Sociale et Coopérative.
6 Para descrição detalhada dos atores chave e da sua seleção ver Parente et al.
(2012).
7 Para descrição detalhada dos atores chave e da sua seleção ver Parente et al.
(2012).
8 Importa explicitar que apenas dois entrevistados manifestaram o
desconhecimento do conceito de empreendedorismo social, seis acentuaram a sua
indefinição teórica e oito o seu caráter recente. É ainda de referir que quatro
das entidades prefere o conceito de economia social para identificar a missão
das suas instituições, três identifica-se com o conceito de economia solidária,
um com o de terceiro setor e um com o de terceiro sistema (Parente et al.,
2012).
9 ONGD ' Organizações não Governamentais de Desenvolvimento.