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EuPTHUAp0872-34192015000300008

EuPTHUAp0872-34192015000300008

variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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A insustentável sustentabilidade das previsões económicas: reflexividade, etnoeconomia e neoliberalismo

Introdução Desde o desencadear da crise económico-financeira em 2008, as previsões de natureza económica têm ganho um relevo especial. De forma constante, deparamo- nos com elas a partir das suas múltiplas procedências: governos nacionais, organismos internacionais, observatórios, institutos de investigação, universidades, agências ou instituições financeiras. Neste terreno também contamos com a voz dos peritos, da comunicação social, dos partidos políticos, dos sindicatos, das associações e da sociedade civil em geral, a discutir essas e sobre essas previsões enquanto estruturadoras do discurso público sobre da evolução da economia. Matéria habitual de previsão é, por exemplo, o quadro macroeconómico básico e variáveis como o PIB, a despesa pública e privada, o investimento, as exportações e as importações, o desemprego ou a balança comercial. Em suma, se o cidadão necessitar de uma ideia sobre o futuro, o que não faltam são prognósticos semanais, mensais, trimestrais ou anuais; ou previsões novas, recentes, corrigidas e atualizadas. Como tal, este artigo tem por objetivo a análise, sob o prisma da reflexividade social, dos pressupostos e dos fundamentos habitualmente assumidos na elaboração de previsões económicas. Trata- se, pois, de refletir sobre:

a. O fato de as previsões serem conhecidas pela mesma sociedade cujo futuro económico está ser prognosticado; b. A possibilidade de as previsões gerarem, mediante o seu prognóstico, uma alteração da situação prevista; c. As possíveis consequências da interação existente entre as previsões como materialização do conhecimento económico especializado e o saber económico de senso comum.

A partir deste conjunto de reflexões procura-se demostrar que as previsões económicas têm interesse para a sociologia sempre e quando abandonemos uma compreensão das mesmas como instrumento descritivo do futuro e as analisemos como instrumento performativo do porvir. Isto é, contrariamente ao significado normalmente atribuído, as previsões não descrevem uma possibilidade de futuro mas também fazem parte do cenário económico que procuram prognosticar.

Este artigo tem uma pretensão concreta: refletir teoricamente sobre a componente reflexiva da previsão como um tipo específico de conhecimento social. Tal significa que serão ponderadas diferentes possibilidades tendo como referência questões clássicas e estruturais da teoria sociológica relativas à interdependência de leis e regularidades sociais e a capacidade de agência dos atores. Sendo esta a prioridade do artigo, não se pretende aqui oferecer uma revisão exaustiva e completa do estado da arte no que diz respeito à questão da previsão económica. Neste sentido, existem contributos recentes e qualificados acerca da vertente metodológica e filosófica da previsão (González, 2015) que neste texto poderá ser, em parte, abordada.

De acordo com este objetivo, enquadramento e pretensão, este artigo apresenta, numa primeira seção, uma abordagem genérica da questão da capacidade de previsão no domínio da ciência económica. Numa segunda seção são introduzidas as principais considerações desenvolvidas por vários economistas acerca das relações entre essa capacidade de previsão e reflexividade, o que implica refletir sobre as eventuais alterações a que essas mesmas previsões estão sujeitas quando conhecidas pela sociedade. A terceira e última seção centra-se na relação entre previsões e leis económicas, na produção intencional ou não intencional de resultados económicos com base em previsões e na interação entre as previsões e o saber económico de senso comum. Em resumo, as páginas que se seguem consideram as previsões económicas como um objeto legítimo de indagação sociológica que coloca questões teóricas, epistemológicas e cívico-políticas de grande transcendência, quer para o cientista social, quer para o conjunto dos atores sociais.

1. Previsões económicas: enquadramento geral Uma previsão económica é uma estimação probabilística do futuro baseada em informação passada ou presente. Fala-nos da verosimilitude da ocorrência de um dado fato, fenómeno ou processo. No entanto, dois elementos estreitamente ligados ao exercício da previsão que convém antes de mais apontar e que serão desenvolvidos posteriormente. O primeiro é o fato de as previsões serem construídas a partir da enunciação de alguma lei económico-social, mesmo na sua aceção mais lata. Isso explicaria a existência de certas regularidades ou tendências típicas no funcionamento das sociedades que, por sua vez, gerariam a previsibilidade necessária capaz de permitir a elaboração de previsões. O segundo é a frequente associação entre as previsões e a prescrição de medidas e políticas que visariam a sua confirmação ou a sua refutação e que, por esse motivo, se comportariam como pontos de referência para os decisores político- económicos. Assim, a questão da regularidade e da prescritividade gravitarão, como veremos, de maneira constante em torno das previsões económicas.

É consensual considerar Milton Friedman como o autor que define a ortodoxia num sentido positivista e objetivista no campo das previsões. De acordo com González (2012), para Friedman, o êxito na previsão deve ser adotado como critério epistemológico, axiológico e metodológico fundamental da ciência em geral, e da economia em particular. Como tal, a sua cientificidade medir-se-á pelo grau de coerência entre a realidade e a previsão: quanto maior for essa coerência, mais sólido será o estatuto científico da disciplina. Com mais ou menos retificações e adendas, a posição de Friedman tem instituído certa ortodoxia entre os economistas de orientação positivista: segundo esta perspetiva, a ciência económica é capaz de antecipar cenários e resultados futuros com um grau elevado de precisão e com umas margens de erro progressivamente reduzidas (Lucas, 2003: 1). Esta ortodoxia, que é simultaneamente uma espécie de senso comum entre os setores da disciplina que partilham a referida orientação, tem conduzido à elaboração de um conjunto de justificações típicas que supostamente explicariam os desvios ou os erros nas previsões, e que são baseadas numa noção genérica de complexidade (González, 2006). Tal complexidade faz com que:

a. seja difícil antecipar a conduta humana, inevitavelmente determinada por múltiplas variáveis.

b. seja difícil ter em conta e selecionar as variáveis estritamente relevantes para a elaboração de uma dada previsão; c. seja difícil calcular o possível resultado agregado produzido por uma miríade de ações individuais submetidas ao influxo de inúmeras variáveis; d. seja difícil saber se estão a ser considerados os dados necessários ou se, pelo contrário, os dados disponíveis são insuficientes para realizar uma previsão.

Apesar dos problemas que se colocam, os peritos continuam a oferecer recomendações de ordem técnica ou deontológica que, supostamente, contribuem para afinar as previsões: ampliar as séries temporais de dados, melhorar a recolha e o tratamento da informação, desenvolver programas informáticos mais sofisticados, trabalhar em rede para aumentar o número de potenciais avaliadores, rever e medir periodicamente os erros cometidos, elaborar previsões alternativas de acordo com cenários também alternativos de futuro e interpretar com prudência os dados e as próprias previsões (Pulido, 2013).

Argumenta-se que, apesar dos erros e dos desvios, as previsões são imprescindíveis para decidir, planear, organizar e gerir tanto uma empresa como um Estado (Pulido, 2006).

Contudo, nem todas as correntes de pensamento económico se revêm nesta centralidade outorgada às previsões. As correntes que poderíamos chamar de heterodoxas institucionalistas, neomarxistas, pós-keynesianos estão mais próximas de uma visão que Lawson (1997) designou como realismo crítico. Os princípios deste realismo reconhecem: a) a impossibilidade de realizar previsões fora de contextos experimentais; b) a possibilidade de identificar tendências e cenários futuros alternativos; c) a inutilidade de declarar como objetivo prioritário da ciência económica a previsão; e d) a necessidade de afirmar que a verdadeira missão da ciência económica é a compreensão das estruturas e dos processos económicos.

1.1. A reflexividade das previsões vista pela economia Até agora, todas as considerações que foram feitas acerca da precisão, fiabilidade, erros e desvios das previsões remetem para explicações de cariz técnico ou deontológico. No entanto, um dos fenómenos sociais mas interessantes associados à previsão económica é o da reflexividade social. Este conceito refere-se aos eventuais efeitos da difusão pública da própria previsão na sociedade ou, dito de um outro modo, é um conceito que chama a atenção para a influência das previsões na sociedade e, simultaneamente, da sociedade nas previsões. Nesta linha, uma outra possibilidade explicativa dos erros e dos desvios passa pelo conhecimento da previsão pela sociedade de receção. Eis, portanto, um convite para refletir sobre as implicações sociais das previsões ou para pensarmos, por exemplo, em que medida a previsão da variação da taxa do PIB, da poupança, da dívida, do investimento ou do desemprego pode ou não alterar os comportamentos dos atores económicos incluídos nessa previsão, no momento em que estes conhecem o seu conteúdo. Não podemos esquecer que essas previsões são difundidas na sociedade, que pode aceitá-las total ou parcialmente ou que pode tomá-las como elemento orientador da sua ação: a sua finalidade, teoricamente descritiva que avança um cenário futuro provável, pode gerar alterações na situação cujo desenvolvimento é suposto prever.

Basta uma simples analogia para perceber melhor as implicações da reflexividade neste terreno. Sempre que um meteorólogo prediz as condições climatéricas tem a certeza absoluta que o tempo atmosférico não pode ler as suas previsões.

Também não o faz o meteorito cuja trajetória é prevista pelo cosmólogo, nem o vulcão que poderia entrar em erupção segundo o geólogo. Pelo contrário, um ser humano é perfeitamente capaz de saber o que é que dizem as previsões dos economistas sobre a sociedade na qual vive e, em função dessa informação, pode ou não orientar a sua conduta. Quando este processo individual tem lugar em termos agregados, a previsão pode vir a ser confirmada, refutada ou, o que costuma ser mais habitual, o resultado final pode ser diferente do inicialmente previsto. Esta é, de fato, a característica mais distintiva das ciências sociais: o conhecimento que produz pode ser utilizado pelos indivíduos para orientar o seu comportamento, motivando modificações da situação, do fenómeno ou do processo cuja evolução esse mesmo conhecimento diz descrever. A previsão perde o estatuto de afirmação externamente elaborada sobre a realidade para se converter em mais um elemento da realidade prevista. A consequência imediata deste fenómeno é a insustentabilidade da suposta neutralidade axiológica da economia como garantia de cientificidade. A ciência económica não é um saber assético ou distanciado como corresponderia ao estatuto ideal do conhecimento científico; é sim um saber envolvido e comprometido com a realidade que procura analisar ou compreender, fato que hoje é amplamente reconhecido por muitos representantes da disciplina (Reis, 2010).

No campo da economia, a questão da reflexividade tem merecido diferentes abordagens. Segundo Sandri (2009: 74), a primeira vez que a questão ganha alguma centralidade é num artigo de 1928 da autoria de Oskar Morgensten. Neste artigo o autor assinala o principal paradoxo derivado da formulação e difusão de previsões económicas: cada uma delas vem acompanhada de um ajustamento da conduta dos atores económicos, fato que altera a situação e que requere uma nova previsão que, por sua vez, gera um novo ajustamento e uma nova previsão num processo de ação-reação que, segundo esta lógica, poderia prolongar-se ad infinitum. Apesar de essa progressão infinita ser possível no plano estritamente lógico, as evidências empíricas, tal como afirma Lehmann- Waffenschmidt (1990), refutam essa infinitude. Em primeiro lugar, nenhum ator económico possui a capacidade de realizar um número infinito de ajustamentos e de reflexões antecipatórias do futuro. E em segundo lugar, existem restrições de tempo, ou seja, o custo de uma não-decisão provocada por um processo de reflexividade infinita pode ser superior ao de adotar uma decisão.

Em resposta a Morgenstern, Grunberg e Modigliani (1954) entendem que uma saída para o problema da reflexividade infinita seria a não divulgação da previsão, o que permitiria eliminar como fator de distorção o conhecimento que dessa previsão tem a sociedade. Mas afirmar que a exatidão deriva da não divulgação da previsão implica também a) conhecer como é que são formadas as expectativas dos atores económicos e, por isso, saber como é que estas se alteram em função das mudanças da previsão; e b) conhecer como é que reagem os atores relativamente ao cenário futuro desenhado pela previsão. Portanto, se a previsão for divulgada, a eventual distância entre o resultado previsto e o resultado final seria exclusivamente atribuível às variações de a) e b).

Contudo, a proposta de Grunberg e Modigliani levanta um problema de natureza cívico- política especialmente crítico em sistemas democráticos que outorgam à livre produção e circulação da informação um valor ético positivo. A não divulgação de informação previsões, neste caso considerada socialmente significativa, pode ser associada a tentativas de manipulação da cidadania mediante a ocultação de dados. Apontamos aqui esta questão sobre a qual voltaremos mais à frente.

Face à opção da não-divulgação, Lucas (1976) oferece uma alternativa mais transparente baseada na desejabilidade de políticas económicas que gerem o maior consenso social possível. Não existem políticas económicas consensuais pelo fato de a economia não ser um conhecimento neutro. Mas sim podem existir políticas económicas com as quais amplos setores da população possam concordar.

Para Lucas, quanto maior for este consenso, maior será a possibilidade de conseguir previsões económicas bem sucedidas.

Em geral, o desenho e a implementação de qualquer política económica estão associados à utilização de modelos econométricos mediante os quais podem ser testados possíveis cenários futuros ou medido o impacto esperado dessa política. Mas essa política económica pode provocar, inspirar ou incentivar adaptações nas condutas dos atores económicos e, por essa razão, os pressupostos dessas condutas a partir dos quais foram construídos os modelos econométricos que fundamentam aquela política, não coincidiriam com as condutas reais, uma vez que esses mesmos modelos dos quais derivam as previsões, ficam inúteis. Para Lucas, a solução passaria pelo desenho de uma política económica que fosse a expressão de um consenso social o mais alargado possível. Desta forma, a resposta perante a implementação dessa política económica ganharia em previsibilidade e estabilidade o grau de acordo aumentaria pelo fato de ser o produto resultante de uma participação e colaboração mais ampla , os pressupostos que inspiram os modelos econométricos aproximar-se-iam das condutas reais e as previsões nascidas daqueles modelos convergiriam com a realidade.

Um outro contributo na abordagem da reflexividade é o trabalho de George Soros (2008). Talvez a sua condição de investidor-especulador tenha retirado credibilidade académica e científica aos seus trabalhos. Mas essa credibilidade tem vindo a crescer, como revela o número especial que dedicou à análise da sua obra a revista Journal of Economic Methodology, em 2013. George Soros anos que reflete sobre a interação entre a conduta individual nos mercados financeiros e as suas orientações de acordo com a visão da evolução desses mercados. O que os atores pensam sobre o mercado e isso inclui os seus prognósticos acerca do futuro e as potenciais reações face aos prognósticos , tem influência no seu próprio desenvolvimento. Ou, de uma forma mais simples, se os atores possuem algum tipo de conhecimento acerca do futuro, esse futuro previsto pode vir a ser modificado.

2. Sociologia e previsões económicas A questão da reflexividade tem sido estudada pela sociologia desde diferentes pontos de vista: como condição essencial de um tipo de sociedade altamente diferenciada (Beck, Giddens e Lash, 1994), como elemento consubstancial aos sistemas complexos (Luhmann, 1991) ou como critério de validez epistemológica e ferramenta metodológica nas ciências sociais (Bourdieu e Wacquant, 2005). No nosso caso, temos vindo focar a análise na reflexividade ligada ao conhecimento económico e, mais especificamente, no impacto das previsões na sociedade e da sociedade nas próprias previsões. Com este propósito, a nossa reflexão vai centrar-se em três questões que até agora emergiram apenas de forma indireta:

a. A relação entre as previsões e as supostas leis económicas que as sustentam.

b. A relação entre as previsões e a divulgação, ocultação ou manipulação estratégica do conhecimento socialmente relevante.

c. A relação entre as previsões e o saber económico de senso comum.

A partir desta reflexão tripla, procuramos chamar a atenção para o fundo social e político da produção de previsões económicas muito além da visão hiperespecializada e técnica que habitualmente existe sobre elas.

2.1. Previsões e leis económicas Qualquer previsão económica é sustentada por algum tipo de pressuposto relacionado com a existência de leis económicas. É verdade que falar em leis remete amiúde para um universo determinista e fechado de relações causais que, pelo menos teoricamente, permitem efetuar previsões sobre cenários futuros com uma precisão absoluta. No entanto, no campo das ciências sociais (e quer a economia, quer a sociologia fazem parte do mesmo), o conceito de lei é bem mais modesto. Segundo Lamo de Espinosa (1990: 97-104), autor imprescindível nesta matéria e a quem recorreremos sistematicamente para construir a nossa reflexão, seria possível falar em leis sociais ou económicas quando identificadas com regularidades ou generalizações empíricas cuja validez é sempre limitada. Como tal, a sua formulação geral adotaria a forma seguinte: sob certas condições, uma dada causa produz um dado efeito com umadada probabilidade compreendida entre 0 e 1. Embora a formulação pareça extremamente simples, a relação entre causa e efeito não é linear, sendo necessário especificá-la:

a. Nem todos os atores económicos sabem o mesmo acerca da causa. De fato, pode suceder que não saibam nada ou que não percebam que essa causa é, efetivamente, a que produz o efeito associado.

b. Os atores podem reagir de forma variável perante a causa. Essa reação dependerá dos seus interesses, valores ou objetivos. Mas essas reações não são governadas pelo acaso nem, numa situação extrema, existem tantas reações diferentes como o número de atores económicos. Com isto queremos dizer que reações tipificadas perante situações análogas, uma vez que, nas sociedades, existem normas que prescrevem o tipo de reação adequada ou desejável para cada situação.

c. As ações dos atores não têm o mesmo peso no cômputo geral agregado. atores que, pelos seus recursos, pela sua capacidade de influência, pelo seu acesso ao poder ou pelo seu prestígio, acumulam mais oportunidades de reconduzir, condicionar ou mesmo determinar esse resultado geral agregado.

d. Os atores económicos podem agir segundo o que querem, mas também em função do resultado final previsto ou das condutas que são esperadas por parte de outros agentes.

Tendo presentes estas considerações, para que uma previsão económica antecipe com precisão um cenário futuro, a relação entre causa e efeito tem de ser equilibrada, ou seja, para que uma mesma causa gere sistematicamente o mesmo efeito devem ser reunidas as seguintes condições:

a. O mesmo estímulo tem de ser entendido do mesmo modo pelo mesmo ator ao longo do tempo. Isto não significa que todos os atores o entendam da mesma maneira, mas que a perceção de um dado ator se mantenha constante.

b. Os objetivos, recursos e valores dos atores devem manter-se também constantes e se mudarem, terão de mudar de forma conjunta.

c. Os atores devem desconhecer a regularidade que liga a causa ao efeito. Se a conhecerem, poderão orientar a sua conduta em função dela, bem para tirar proveito, bem para se protegerem.

Este último ponto é fulcral. Se nos for permitida a expressão, uma lei é mais lei quando a regularidade que estabelece é mais estável. Mas, ao mesmo tempo, quanto mais estável, mais previsível e, por isso, mais fácil será para os agentes económicos descobrir essa regularidade e orientar a sua ação em função dela.

2.2. Divulgação e ocultação Um outro desafio que a previsão terá de confrontar é a sua divulgação pública, ou seja, ser conhecida pela sociedade. Esta questão foi apontada anteriormente, mas voltamos a ela com a finalidade de avaliar teórica e criticamente as suas implicações.

O conhecimento público de uma previsão cria as condições de possibilidade para a alteração da situação inicialmente prevista. Sendo assim, e sob uma perspetiva estritamente pragmática, uma previsão terá mais hipóteses de sucesso sempre que essa mesma previsão seja apenas conhecida pelos especialistas que a produzem. desta forma, essa mesma previsão não se converte num guia de conduta dos atores económicos nem num item de informação potencialmente disruptivo para a sua concretização.

O problema que se coloca é a admissibilidade da opacidade criada mediante a não divulgação da previsão. Se entendermos que essa previsão é um tipo de conhecimento socialmente relevante, a sociedade estaria a ser privada de informação coletivamente útil. É, sem dúvida, uma operação extremamente controversa num contexto democrático onde, em termos gerais, a transparência informativa é valorizada positivamente. Simultaneamente, a ocultação da previsão e da lei que a inspira entrariam em contradição com um dos valores éticos essenciais ligados à ciência, isto é, a revelação da verdade. Tratar-se- ia de atingir ou evitar um dado resultado anunciado por uma previsão cuja não divulgação permitiria que fosse atingido ou evitado. Os produtores de previsões, mediante a opacidade gerada pela ocultação, criariam as condições para a previsão se concretizar. Lamo de Espinosa (1990) identifica esta situação como um caso de reflexividade alienada que alimenta um processo de engenharia social: o conhecimento de origem técnico-científica é empregue para promover um dado resultado que exige, como condição para a sua materialização, não ser divulgado.

As possibilidades de ocultação são potencialmente mais eficazes em contextos e situações onde a disponibilidade de previsões é baixa ou mesmo inexistente. Não é este o caso de sociedades complexas e altamente diferenciadas, caraterizadas pela tendência contrária, ou seja, pela profusão de previsões e pela concorrência entre elas em termos de credibilidade, precisão e capacidade de influência. Neste sentido, é possível falar num mercado de previsões ao qual os atores económicos podem socorrer para orientar a sua conduta. E, orientar a conduta, envolve uma sequência de passos:

a. Os economistas realizam a sua previsão e procedem à sua divulgação pública.

b. Os atores económicos aos quais é aplicada a previsão podem ou não conhecê- la, mas essa divulgação torna-se acessível na maioria das vezes através da comunicação social.

c. Esses atores têm de considerar a previsão significativa. E podem fazê-lo por diferentes motivos sendo que a fiabilidade, o prestígio e a proximidade aos decisores políticos ou financeiros serão alguns dos mais importantes. Portanto, que seja significativa implica que não é rejeitada ou ignorada.

d. Quando a previsão é considerada significativa, os agentes orientar-se-ão segundo o seu prognóstico. Será a agregação total das ações individuais a que determinará a autoconfirmação e a autonegação da previsão, ou aquilo que costuma ser mais habitual, a concretização de um resultado simplesmente diferente do previsto.

De acordo com este raciocínio, um ponto de fricção com uma visão ortodoxamente positivista das leis e das previsões económicas. Segundo esta, os agentes manteriam a conduta que prevê a lei, mesmo conhecendo-a, pois a sua força impositiva, que deriva da agregação de múltiplas ações particulares, é superior à margem de manobra de qualquer agente individual. Vista assim, é uma força externa não modificável cujas previsões não são afetadas pelos atores económicos. Esta conceção restringida, mecanicista e determinista ignora os efeitos da reflexividade quando considera que os atores económicos nada têm a dizer sobre as previsões ou que a receção das mesmas é essencialmente passiva.

2.3. Previsões, conhecimento especializado e senso comum Resta considerar a hipótese do tipo de receção das previsões e, sendo mais precisos, a possível combinação entre o conhecimento especializado, representado pela previsão económica, e o conhecimento de senso comum acerca da economia. No debate público, assume-se com certa leviandade que a economia é, sobretudo, um conhecimento estritamente técnico reservado apenas aos peritos e inacessível para quem carece da formação apropriada (Colander, 2005). Mas a materialização do conhecimento económico especializado nas previsões que desenvolve, convive com o conhecimento leigo de senso comum, ou seja, com uma etno-economia adquirida pelo fato de o indivíduo estar integrado numa dada cultura. A este respeito, Lamo de Espinosa (2005) recupera um exemplo interessante que mostra bem a importância do saber etno-económico: qualquer sistema monetário baseia-se no valor de troca dado ao dinheiro, e que depende, em grande medida, dos conhecimentos que as pessoas aplicam sobre o dinheiro. Do mesmo modo, este raciocínio pode ser aplicado a relações fulcrais tão presentes no quotidiano como a do preço e a qualidade: nestes domínios, todos sabemos de economia. As previsões económicas interagem com o saber etno-económico sobre o valor do dinheiro, dos preços e dos salários, da evolução do desemprego, da distribuição dos impostos, da carga fiscal ou da gestão dos recursos económicos. É um saber composto por experiências pessoais e notícias (Ross, 2011) ou, na adequada e vívida expressão de Henderson (1985), um Do It Yourself Economics. Sendo assim, pode ocorrer que os indivíduos não entendam integralmente a informação ou as teorias económicas, mas apenas tenham uma compreensão parcial ou não saibam nada das mesmas. Não obstante, agem como se soubessem economia (Marques, 2010: 141-147) e geram condutas agregadas com um dado impato económico.

Uma das fontes primordiais da etnoeconomia é a receção do conhecimento produzido pelos peritos económicos: inquéritos, sondagens, índices de confiança e relatórios elaborados por observatórios, universidades, jornais, bancos centrais, instituições financeiras ou agências de classificação de risco. Prova da sua existência é a utilização que desse mesmo conhecimento se faz com uma finalidade persuasiva no debate político-económico. Este saber tem sido mobilizado na atual crise de forma a legitimar muitas das medidas implementadas ao abrigo das políticas de austeridade e dos programas de assistência financeira. Assim, apelos à metáfora do Estado como uma família e ao orçamento nacional como um orçamento doméstico, à bondade da gestão tradicional do lar como modelo de gestão da economia nacional, ao pagamento das dívidas como uma questão de honra pessoal ou ao ajustamento estrito entre receitas e despesas têm feito parte, em geral, do debate público, e em particular, das próprias recomendações oferecidas por alguns economistas para contornar ou ultrapassar os constrangimentos financeiros (Soeiro, Cardina e Serra, 2013). Em consequência, não podemos pensar nas previsões como um tipo de conhecimento que será recebido, parafraseando Harold Garfinkel ([1967] 2006), por idiotas económicos que agem apenas de acordo com o estipulado pelas leis da economia. Ao contrário, a previsão incorporar-se-á ao acervo etnoeconómico de cada indivíduo se a achar significativa, convertendo-se em mais um elemento que contribui para a complexidade, a variabilidade ou a imutabilidade da sua resposta.

Conclusão O tema da reflexividade coloca dificuldades relevantes ao exercício da previsão económica e que estão associadas aos seguintes elementos:

a. De, quando divulgadas, poderem trazer consigo uma alteração do cenário previsto.

b. Poderem constituir um elemento orientador da conduta dos agentes económicos, que poderão agir para se proteger ou beneficiar da previsão, provocando eventualmente uma alteração das condições sob as quais foi elaborada.

c. Poderem interagir com o conhecimento etnoeconómico provocando resultados e respostas não equacionados pela previsão.

A nossa argumentação fica mais completa se olharmos para a figura_1, onde descrevemos o percurso esquemático e típico de uma previsão: Partindo dos produtores, as previsões divulgadas passarão a fazer parte do mercado de previsões, desde onde chegam aos recetores. Se a conduta agregada for a prevista, atingir-se-á o cenário antecipado pela previsão inicial. Se não for assim, emerge um cenário alternativo que inaugura uma nova situação cujos parâmetros fundamentais passarão, numa lógica de circularidade, a ser integrados na produção de novas previsões. Em geral, as previsões económicas não possuem apenas uma finalidade eminentemente descritiva, isto é, não são unicamente uma antecipação cientificamente sustentada de um cenário futuro.

Também possuem um sentido performativo na medida em que são concebidas como instrumentos que podem intervir na formação da realidade económica e, consequentemente, no tipo de resposta dada pelos agentes económicos. Quando interpretadas desta maneira, o fenómeno da proliferação das previsões ganha um novo contorno.

Às dificuldades derivadas da reflexividade pode associar-se a constatação empírica dos erros e desvios sistemáticos das previsões. Não convém esquecer que muitas das previsões são guias ou objetivos de políticas económicas específicas e que, por esse motivo, não são inócuas.1 Mas o fato indiscutível é que, apesar dos erros, dos desvios ou da falta de realismo, e apesar das dificuldades colocadas pela reflexividade, a elaboração e produção de previsões não se detém. Portanto, cabe interrogar-nos pelo porquê da sua presença, ou seja, pelo seu significado social.

Inicialmente, é factível considerar a previsão económica como um dispositivo de auto-observação próprio das condições socioeconómicas complexas que apresentam as sociedades com elevados níveis de diferenciação (Izquierdo, 1999).

Simultaneamente, essas condições são as que permitem manter a infraestrutura e os custos associados ao funcionamento da indústria da previsão. Assim, são o desenvolvimento da economia e a sua complexidade os que geram a necessidade de auto-observação reunindo informação acerca do seu alcance, implantação e crescimento. uma economia complexa é que pode permitir-se sufragar os custos da auto-observação derivados do funcionamento de observatórios, universidades, ministérios ou transformá-los em produtos pelos quais pagar um preço como são pagas, por exemplo, as previsões e as avaliações das empresas de consultoria. Isto conduz a postular a existência de um mercado de previsões concorrentes entre si em virtude dos seus atributos fiabilidade, prestígio, precisão técnica sendo que um deles, talvez o fundamental, seja a capacidade para influir no presente mediante a definição de cenários económicos futuros.

O seu significado social é intrinsecamente político ao servir para orientar políticas económicas que se tencionam executar ou discutir. Mas orientar políticas é também orientar condutas e, neste sentido, as previsões são elementos significativos no momento de tomar decisões individuais e corporativas. É extremamente reducionista supor que quando um banco central, um ministério, a OCDE, o FMI ou qualquer organização nacional ou internacional relevante elaboram um relatório ou análise, ignorem que essa informação, junto com as previsões que contém, será com certeza conhecida e assimilada por diferentes atores económicos, quer sejam peritos, quer sejam leigos.

Sendo assim, resta avançar uma hipótese que necessariamente terá de ser considerada e para a qual ainda não existem evidências empíricas satisfatórias, embora seja amplamente sustentada, a nível teórico, a partir dos estudos neofoucaltianos sobre governamentalidade. Neste sentido, seria possível pensar nas previsões como um dispositivo de governo com a capacidade de alinhar as políticas económicas e as decisões individuais ou corporativas, ou seja, um dispositivo de governo com a potencialidade de reconduzir e orientar condutas.

Trata-se de um governo à distância, próprio de uma racionalidade política neoliberal (Gordon, 1991; Rose e Miller, 1992; De Marinis, 1999), que concebe o indivíduo não como um corpo para disciplinar ou cuja resistência seja necessária vencer, mas como um agente mediante o qual agir tendo em conta a sua autonomia, que terá de ser alinhada de acordo com os objetivos de governo. As previsões serão um dos dispositivos ativados em prol desse alinhamento e que procura influir numa dada direção na conduta económica individual em busca de um resultado agregado específico. Portanto, sob esta perspetiva, uma previsão é, sobretudo, um método de intervenção no presente em nome de um futuro teórico.


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