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EuPTHUAp0872-96622006000100005

EuPTHUAp0872-96622006000100005

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0872-9662
ano2006
Issue0001
Article number00005

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O Contrato psicológico em organizações empreendedoras: Perspectivas do empreendedor e da equipa

Desde a passada década que as organizações se encontram sob uma grande pressão para mudar, dadas as mudanças de índole económica e social que têm vindo a ocorrer na sua envolvente (Hiltrop, 1996). Consequentemente, temos assistido a mudanças significativas nas relações laborais, especificamente no que toca à relação entre empregadores e colaboradores (Rousseau & Shperling, 2003). Perante este cenário, novos enquadramentos emergem como necessários para uma melhor compreensão destas alterações, de entre os quais se destaca o Contrato psicológico (Guest, 1998).

Os estudos no âmbito do Contrato psicológico têm-se centrado, na sua maioria, nas potenciais consequências que esta variável apresenta nas organizações, utilizando, preferencialmente, uma abordagem quantitativa. Exemplificando, vários resultados organizacionais positivos têm vindo a ser associados ao cumprimento do Contrato psicológico, tais como o empenhamento (e.g. Sturges, Conway, Guest & Liefooghe, 2005; Cavanaugh & Noe, 1999), a satisfação (Turnley & Feldman, 2000), os comportamentos de cidadania organizacional (e.g. Rousseau, Hui & Lee, 2004; Coyle-Shapiro, 2002; Coyle-Shapiro & Kessler, 2000) ou a intenção em ficar ou sair da organização (e.g. Flood, Turner, Ramamoorthy & Pearson, 2001). Também as consequências da violação do Contrato psicológico têm vindo a ser abordadas na literatura, de entre as quais se salientam a diminuição do empenhamento organizacional (e.g. Morrison & Robinson, 1997) e dos comportamentos de cidadania organizacional (e.g. Turnley & Feldman, 1999), bem como o aumento do absentismo (e.g. Turnley & Feldman, 2000).

Apesar da evolução que se tem verificado no campo do Contrato psicológico, algumas lacunas parecem, ainda, persistir. A literatura tem-se debruçado, sobretudo, sobre o estudo do Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregado, tendo vindo a reforçar a importância que este tipo de Contrato apresenta no contexto da relação laboral, uma vez que vem preencher as lacunas deixadas pelo contrato formal de trabalho. Desta forma, o Contrato psicológico vem conferir alguma segurança aos colaboradores no desempenho das suas funções. Ao contrário do empregado, o estudo do Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregador não tem vindo a receber tanta atenção na literatura (e.g. Coyle-Shapiro & Kessler, 2002). Mais ainda, os estudos têm, na sua maioria, considerado como representantes da parte empregadora os gestores intermédios, dado serem estes os responsáveis pela gestão de desempenho dos colaboradores (e.g. Rousseau, 2004). No entanto, e atendendo à influência que algumas variáveis macro-organizacionais exercem no Contrato psicológico, como o proprietário, a estratégia de negócio, ou as práticas de gestão dos recursos humanos (Guest, 2004), revela-se importante estudar o Contrato psicológico segundo o principal responsável pela definição da estratégia de negócio e das práticas de gestão dos recursos humanos da organização.

Neste sentido, o presente estudo tem como primeiro objectivo definir o conteúdo do Contrato psicológico segundo as perspectivas do empreendedor e da sua equipa. Para tal, importa estudar o Contrato psicológico numa organização empreendedora, procurando determinar os pontos de convergência e divergência entre ambas as partes.

Por outro lado, embora amplamente estudado, o Contrato psicológico não tem vindo a receber muita atenção no que toca aos factores que contribuem para a sua formação, nomeadamente factores contextuais de nível macro. Mais especificamente, a influência das variáveis macro-organizacionais (como a estratégia de negócio ou as práticas de gestão dos recursos humanos), embora reconhecida como determinante para o desenvolvimento do Contrato psicológico, não tem vindo a ser estudada empiricamente. Neste enquadramento, o presente estudo apresenta como segundo objectivo identificar os factores responsáveis pela formação do Contrato psicológico numa organização empreendedora. O estudo destes factores numa organização empreendedora encontra-se facilitado, uma vez que estas organizações, por apresentarem uma menor dimensão comparativamente às organizações mais maduras, se revelam mais flexíveis, ágeis e inovadores (Rauch & Frese, 2000).

Este estudo apresenta três contribuições para o estado actual da literatura sobre contrato psicológico e empreendedorismo. Em primeiro lugar, o estudo da perspectiva do empregador vai permitir compreender o Contrato psicológico segundo uma perspectiva mais integradora. Ao realizar o estudo numa empresa empreendedora, onde o empreendedor é o responsável pela definição da visão e da estratégia a seguir, estamos a contribuir para uma compreensão mais profunda da percepção que os empregadores desenvolvem em termos de Contrato psicológico. Em segundo lugar, ao analisar os factores que estão na base da formação do Contrato psicológico numa organização empreendedora, onde o estudo das variáveis macro-organizacionais se encontra relativamente facilitado, o nosso estudo possibilita a construção de um modelo mais completo e integrado do desenvolvimento do Contrato psicológico. Em termos pragmáticos, a construção deste modelo contribui para uma gestão mais eficaz do Contrato psicológico nas organizações, por forma a desenvolver colaboradores mais motivados, confiantes e empenhados no seu trabalho. Em terceiro lugar, este estudo vem trazer alguns insights para o campo do empreendedorismo, nomeadamente no que toca à dinâmica entre o fundador e a restante equipa, uma temática que se encontra ainda pouco explorada.

Uma vez definida a linha orientadora do estudo, primeiramente será apresentada uma breve revisão da literatura, seguida da descrição do método subjacente à condução do estudo, sendo depois analisados e discutidos os resultados obtidos, terminando o trabalho com a apresentação das principais conclusões, limitações e sugestões para estudos futuros.

O Contrato psicológico nas organizações

Delimitação de um conceito Os contratos estabelecem uma ligação dos indivíduos à sua organização, regulando o seu comportamento e possibilitando o alcance dos objectivos organizacionais (Robinson, Kraatz & Rousseau, 1994). O contrato de trabalho formal prevê os deveres e direitos mútuos dos trabalhadores e da organização. No entanto, a relação entre ambas as partes parece englobar regras que vão para além do que está escrito formalmente nesse contrato, sendo influenciada, em grande medida, pelo Contrato psicológico (Castanheira & Caetano, 1999).

O primeiro autor a utilizar o conceito de Contrato psicológico foi Argyris em 1960 (Anderson & Schalk, 1998), para descrever a relação estabelecida entre empregados e empregador numa fábrica. Mais tarde, Levinson e colaboradores (1962) e Schein (1965, 1980) avançaram com o conceito de Contrato psicológico para definir um tipo de contrato não escrito que implicava a existência, da parte da organização e da parte do indivíduo, de esperanças que ambas pretendem ver realizadas pela parte contrária. Nesta definição, as esperanças são entendidas como o conjunto de direitos, privilégios e obrigações entre o colaborador e a organização.

A partir desta definição de Contrato psicológico, outras têm vindo a surgir. Das definições existentes, aquela que tem vindo a ser considerada como a mais consensual na comunidade científica é a de Rousseau (1990), que concebe o Contrato psicológico como o conjunto das crenças individuais acerca das obrigações mútuas, no contexto da relação entre empregado e empregador. Nesta definição, o Contrato psicológico é visto como uma percepção subjectiva individual acerca das obrigações do empregador para com o empregado (Schalk & Freese, 1997). O Contrato psicológico permite, assim, tanto ao empregado como ao empregador, preencher os espaços em branco deixados pelo contrato formal de trabalho (Rousseau, 1995).

De facto, a definição de Rousseau distancia-se quer da noção de Schein (1965, 1980) quer da de Levinson e colaboradores (1962) ao sublinhar o carácter promissor das crenças individuais.

Em concordância com a autora, o Contrato psicológico tende a englobar um conjunto de obrigações que tanto o colaborador como a organização percebem e que têm por base promessas implícitas ou explícitas acerca da outra parte. Por promessa explícita, a autora entende um compromisso mútuo para actuar em função de um benefício imediato ou futuro.

Sistematizando, podemos afirmar que o Contrato psicológico compreende uma relação que se estabelece entre empregado e empregador, reflectindo um conjunto de expectativas e percepções implícitas relativamente aos termos do contrato de trabalho. De referir, contudo, que a forma como ambas as partes estão envolvidas na relação não se encontra, ainda, claramente definida na literatura (Arnold, 1996).

Sua importância nas Organizações De acordo com McFarlane Shore e Tetrick (1994) mesmo na presença de um contrato formal de trabalho, os indivíduos tendem a desenvolver contratos de natureza psicológica. Neste sentido, os autores identificaram três funções do Contrato psicológico: 1) redução da insegurança, 2) orientação do comportamento do trabalhador na organização e 3) promoção do desenvolvimento de um sentimento de influência, por parte do trabalhador, sobre a organização. A caracterização destas funções pode ser observada na Tabela 1.

Atendendo à importante função que o Contrato psicológico desempenha nas organizações, importa perceber qual o seu conteúdo.

Tipos de Contrato psicológico De acordo com Anderson e Schalk (1998), embora cada Contrato psicológico seja individual e único, este pode assumir uma variedade de formas que resulta do cruzamento de duas dimensões:

os termos de desempenho, que designam os objectivos de trabalho que a organização espera dos seus colaboradores, e a duração do contrato formal de trabalho. Rousseau, Hui e Lee (2004) definiram quatro formas principais que o Contrato psicológico pode assumir, tal como se encontra sistematizado na Tabela 2.

O contrato transaccional refere-se a uma troca a curto prazo de benefícios específicos e contribuições que são em larga medida monetários ou económicos (Rousseau, Hui & Lee, 2004). Termos como confiança ou implicação tendem a ser deixados de fora deste tipo de contrato. De outro modo, o contrato relacional, na sua essência, envolve uma relação mutuamente satisfatória (Rousseau, Hui & Lee, 2004), que inclui uma troca de benefícios quer monetários, quer não monetários (Millward & Hopkins, 1998), tendendo o colaborador a desenvolver uma identificação em relação à organização (Rousseau, 1995) (Tabela 3).

O contrato equilibrado resulta da conjugação de algumas facetas do contrato relacional, como a lealdade, o alto nível de empenho e a identificação com a organização, com outras do contrato transaccional, como a remuneração em função do desempenho e a focalização nos resultados organizacionais (Castanheira & Caetano, 1999). Finalmente, o contrato transicional reflecte a quebra ou ausência de um acordo inicialmente estabelecido entre as duas partes, podendo ser observado em circunstâncias instáveis (Rousseau, Hui & Lee, 2004) (Tabela 4).

De salientar que esta tipologia do Contrato psicológico, tal como sitematizado nas Tabelas 3 e 4, foca, primordialmente, a perspectiva do empregado. A temática do Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregador parece, assim, carecer de maior aprofundamento.

Importa numa fase prévia, contudo, perceber quais os factores que contribuem para o desenvolvimento do Contrato psicológico no contexto organizacional, que vai influenciar as expectativas que tanto os empregados como os empregadores vão desenvolver acerca da sua relação laboral.

Sua formação e desenvolvimento Rousseau (1995) foi uma das primeiras autoras a desenvolver um modelo de formação do Contrato psicológico, que engloba dois factores essenciais: factores individuais e factores organizacionais. Os factores individuais englobam os processos de codificação e descodificação das mensagens organizacionais e as próprias predisposições individuais. Por seu turno, os factores organizacionais compreendem as pistas sociais que são, fundamentalmente, informações transmitidas pelos colegas ou grupo de trabalho e as mensagens organizacionais que se traduzem na comunicação de promessas, por parte da organização, que descrevem as suas intenções para o futuro.

Em conformidade com a autora, estes factores interagem entre si na formação do Contrato psicológico.

Numa era caracterizada pela mudança contínua (Brown & Eisenhardt, 1997) que vem introduzir mudanças significativas na relação laboral, conduz a que os modelos que outrora serviam de suporte para compreender a relação entre empregador e empregado, não constituam uma ferramenta adequada para o estudo das relações de trabalho contemporâneas (Guest, 2004). Perante este cenário, não se revela necessário compreender a formação do Contrato psicológico, procurando um ajustamento do modelo de Rousseau (1995), como se revela determinante estudar as suas causas e consequências (Guest, 1998). Neste sentido, Guest (2004) elaborou um modelo de desenvolvimento do Contrato psicológico mais integrativo, uma vez que considera não apenas o contexto imediato em que o Contrato psicológico floresce, como também o contexto mais lato, permitindo aprofundar as suas causas, natureza e consequências (Figura 1).

O modelo de Guest tem em conta um conjunto de factores contextuais, que se divide em factores organizacionais tais como a estratégia de negócio, as práticas de recursos humanos, a cultura e o clima organizacional e factores individuais como a idade, o tipo de contrato psicológico, a educação, entre outros. Para além destes factores contextuais mais latos, o autor considera que também as políticas e práticas de recursos humanos desempenham um papel importante sobre o Contrato psicológico. As organizações tendem a implementar a estratégia de negócio através das práticas de gestão dos recursos humanos que utilizam, o que vai influenciar o Contrato psicológico dos colaboradores, através da forma como estes vão interpretar os termos e condições do seu trabalho (Rousseau & Wade-Benzoni, 1994). Guest e Conway (2002) avançaram o conceito de estado do contrato psicológico para designar a forma como as promessas e obrigações, que constituem o conteúdo do Contrato psicológico, são correspondidas e consideradas justas. Esta avaliação que o indivíduo faz do estado do seu Contrato psicológico tem implicações para a confiança que este desenvolve no contexto da relação laboral. Neste sentido, a justiça percebida e a confiança são consideradas variáveis mediadoras entre o cumprimento ou quebra do Contrato psicológico e as suas consequências atitudinais e comportamentais (Guest, 2004; Coyle-Shapiro & Kessler, 2000).

O modelo de Guest (2004) faz, ainda, referência às consequências que o Contrato psicológico parece apresentar nas organizações (e.g. empenhamento, satisfação, comportamentos de cidadania organizacional ou intenção em ficar ou sair da organização).

Uma análise comparativa entre os modelos de Rousseau e de Guest permite-nos constatar que o modelo de Rousseau (1995) se centra, sobretudo, nos factores responsáveis pelo desenvolvimento do Contrato psicológico de nível mais micro, limitando os factores organizacionais às pistas sociais e comunicação de promessas. O modelo de Guest (2004) vem chamar a atenção para a importância de outras características organizacionais, como os proprietários da organização ou a estratégia de negócio, que também influenciam o desenvolvimento do Contrato psicológico. De acordo com Guest (2004) o contexto não ajuda a modelar o conteúdo do Contrato psicológico, como as respostas que derivam do mesmo.

De acordo com Robinson e colaboradores (1994), uma vez que o Contrato psicológico assenta numa relação estabelecida entre duas partes, cada uma delas vai desenvolver a sua própria percepção acerca das obrigações mútuas que definem essa relação. Desta forma, para compreender as obrigações mútuas que são percebidas neste âmbito é necessário considerar ambas as partes: o empregado e o empregador.

O ponto de vista do empregador: A parte esquecida A análise da literatura sobre Contrato psicológico revela que desde cerca dos anos 80 que a temática do Contrato psicológico tem sido conceptualizada fundamentalmente a partir do ponto de vista de uma parte, a do empregado, centrando o foco de investigação nas percepções que este tem acerca das obrigações mútuas no contexto da relação laboral (e.g. McFarlane Shore & Tetrick, 1994; Rousseau, 1990; Robinson & Morrison, 2000). Também Coyle-Shapiro e Kessler (2002) têm salientado que a perspectiva do empregador tem vindo a ser negligenciada por parte dos investigadores, com a excepção dos estudos de Dabos e Rousseau (2004) e Coyle-Shapiro e Kessler (2000, 2002) que têm procurado aprofundar a reciprocidade e mutualidade presentes na relação laboral. Neste sentido, importa aprofundar o conteúdo do Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregador.

Mais ainda, os estudos no âmbito do Contrato psicológico têm sido conduzidos em grandes empresas (e.g. Rousseau, Hui & Lee, 2004; Turnley & Feldman, 2000), nas quais os gestores intermédios têm sido considerados como representando a parte empregadora. Uma questão se levanta: poderão os gestores intermédios ser considerados a parte empregadora numa organização? Em concordância com alguns autores, como Coyle-Shapiro e Kessler (2000) e Rousseau (2004), dado que são os gestores intermédios que gerem o desempenho dos seus colaboradores, que os motivam ou que os incentivam, os gestores intermédios estão em posição para conferir promessas aos colaboradores. Por outro lado, e ainda em conformidade com estes autores, os colaboradores tendem a ver as acções dos gestores intermédios como acções da própria organização. Neste sentido, poderíamos considerar os gestores intermédios como os melhores representantes do empregador, e, neste sentido, uma fonte de influência significativa do Contrato psicológico dos colaboradores.

Embora os gestores intermédios possam ser considerados como os representantes da organização, estes não são a organização. Tendo por base o modelo de Guest (2004), que salienta a importância do proprietário, da estratégia de negócio ou das práticas de gestão dos recursos humanos no Contrato psicológico, constatamos que os gestores intermédios não tendem a influenciar de forma tão significativa o Contrato psicológico dos seus colaboradores, uma vez que não são estes os responsáveis pela definição da estratégia de negócio ou das práticas de gestão. Neste sentido, importa estudar o Contrato psicológico num contexto em que se verifique uma maior dependência do empregador em relação à organização propriamente dita, e ao proprietário, e à estratégia de negócio e às práticas de gestão dos recursos humanos. É neste sentido que se revela determinante estudar o Contrato psicológico numa organização empreendedora, onde a parte empregadora que é o fundador da empresa, tende a representar a organização propriamente dita, sendo o responsável pela definição da visão, da estratégia e das práticas de gestão (Rauch & Freese, 2000).

Desta forma, o presente estudo apresenta como primeiro objectivo definir o conteúdo do Contrato psicológico segundo as perspectivas do empreendedor e da sua equipa. Para tal, importa estudar o Contrato psicológico numa organização empreendedora, procurando determinar os pontos de convergência e divergência entre ambas as partes.

O Empreededorismo

Definição do conceito e principais modelos de estudo Segundo o Departamento de Estudos, Estatística e Planeamento (DEEP) do Ministério da Segurança Social (MSST) (2003) a criação de novas empresas é desde muito tempo reconhecida como um importante fenómeno no ajustamento das economias, dada a sua relevância em termos da criação de emprego e da modernização das economias. Mas se esta consciência quanto à sua relevância existe, na prática o conhecimento quanto aos factores que determinam o empreendedorismo, bem como as relações laborais que emergem no seio de uma organização empreendedora, revela-se, ainda, pouco profundo.

A investigação acerca do empreendedorismo, segundo um enquadramento rigoroso e sistemático, constitui um fenómeno relativamente recente, datando dos finais dos anos 70 e início dos anos 80 (Sexton & Landström, 2000). Apesar da crescente investigação sobre esta temática, o fenómeno do empreendedorismo tem sido desprovido de um modelo conceptual integrador que o explique (Shane & Venkataraman, 2000).

O empreendedorismo, em termos conceptuais, tem sido associado à ideia de novo negócio, tendo como princípio subjacente a criação de um novo negócio num mercado novo ou existente (Gartner, 1985; Lumpkin & Dess, 1996). No entanto, a definição mais consensual encara o empreendedorismo como sendo a tentativa de criar valor através da descoberta e exploração de novas oportunidades de negócio, tal como Shane e Venkataraman (2000) referem.

Embora o empreendedorismo seja considerado um campo de estudo multidisciplinar, cada disciplina tende a apresentar uma visão muito própria do fenómeno, deixando-se influenciar muito pouco pelas outras disciplinas (Sexton & Landström, 2000). Neste sentido, o campo de estudo do empreendedorismo revela alguma fragmentação tanto teórica, como prática. Várias escolas têm emergido, colocando a tónica na pessoa (e.g. modelo das características psicológicas), no processo (e.g. escola de gestão) ou na organização (e.g. escola do intraempreendedorismo) (para uma revisão mais aprofundada, ver Cunningham & Lischeron, 1991).

A orientação empreendedora De entre os modelos que colocam a tónica na organização, destaca-se o modelo de Lumpkin e Dess (1996) que salienta a orientação empreendedora de uma organização como factor diferenciador entre uma organização empreendedora e uma outra que não o é. Baseando-se no modelo de Miller (1983), Lumpkin e Dess (1996) identificaram cinco dimensões que caracterizam a orientação empreendedora de uma organização: autonomia, inovação, propensão para o risco, proactividade e agressividade competitiva (Tabela 5).

Formação do Contrato psicológico numa Organização Empreendedora A literatura sobre o empreendedorismo tem-se centrado, por um lado, sobre as características do empreendedor e, por outro lado, sobre a envolvente externa e a influência que esta exerce sobre o ciclo de vida da organização. A literatura parece ter descurado, em certa medida, a dinâmica que se estabelece dentro da própria organização empreendedora, entre os vários elementos da equipa, a qual pode constituir um importante factor de êxito. Desta forma, o estudo do Contrato psicológico poderá contribuir para uma melhor compreensão desta dinâmica, nomeadamente da forma como esta se vai desenvolvendo (Kickul, 2001).

Apesar da evolução que se tem verificado ao nível da construção de um modelo explicativo do desenvolvimento do Contrato psicológico, são poucos os estudos que têm procurado aprofundar a influência que os factores organizacionais de nível macro exercem no desenvolvimento do Contrato psicológico. Em conformidade com o modelo de Guest (2004), importa aprofundar o efeito de variáveis como o proprietário da organização, a estratégia de negócio ou as práticas de gestão dos recursos humanos no desenvolvimento do Contrato psicológico.

É neste enquadramento que emerge o segundo objectivo do nosso estudo, que visa identificar os factores responsáveis pela formação do Contrato psicológico numa organização empreendedora.

A realização do estudo numa organização empreendedora apresenta duas vantagens. Em primeiro lugar, as organizações empreendedoras, por se encontrarem em início de actividade e por apresentarem uma menor dimensão, por comparação com as organizações mais maduras, tendem a constituir espaços mais flexíveis, ágeis e inovadores, encontrando-se em contacto permanente com os seus clientes (Rauch & Frese, 2000). O estudo das características organizacionais realçadas por Guest encontra-se, assim, mais facilitado. Em segundo lugar, dadas as características das organizações empreendedoras, a utilização de uma metodologia qualitativa pode revelar-se uma boa alternativa, tornando possível aos investigadores apreenderem a dinâmica da relação que se estabelece entre o empreendedor e restante equipa. De facto, a literatura tem privilegiado a adopção de uma metodologia quantitativa (e.g. Rousseau, Hui & Lee, 2004).

Método

Design Para se proceder à caracterização do contexto de formação e desenvolvimento do Contrato psicológico, utilizou-se o método do estudo de caso, uma vez que se procurava compreender um fenómeno socialmente complexo (Yin, 2001; Robson, 1993). O presente estudo caracteriza-se como um estudo de caso exploratório, uma vez que a literatura existente se revela insuficiente para estudar o Contrato psicológico numa organização empreendedora (Robson, 1993). De acordo com a tipologia de Yin (2001), trata-se de um estudo de caso tipo 2, caso único incorporado, compreendendo múltiplas unidades (os indivíduos, a equipa e a organização). O estudo seguiu uma abordagem eminentemente qualitativa, compreendendo duas fases: a primeira fase, que consistiu na realização de entrevistas aos colaboradores e aos empreendedores, com vista a efectuar uma caracterização do conteúdo do seu contrato psicológico; e uma segunda fase, envolvendo uma análise documental e entrevistas, com o intuito de elaborar um modelo de formação do contrato psicológico numa organização empreendedora.

Caracterização da organização O estudo foi conduzido numa entidade financeira que iniciou a sua actividade em 2003. Esta organização pode ser considerada um novo negócio implementado num mercado existente, o mercado financeiro, dedicando-se essencialmente à intermediação, gestão e acessoria e consultadoria financeira. A organização apresenta como principal objectivo oferecer produtos e soluções financeiras com qualidade e inovação, explorando assim, novas áreas de mercado.

No momento em que se iniciou o estudo, em Janeiro de 2005, a organização era constituída por oito colaboradores. Nessa altura, a organização era composta pelo Departamento Administrativo e Back Office (1 Director), pelo Departamento de Intermediação (1 Director e 1 colaborador), pelo Departamento de Gestão (1 colaborador) e pelo Departamento de Consultadoria (1 colaborador). O Director-Geral encontra-se em todos os departamentos, quando necessário, centrando a sua actividade no Departamento de Intermediação pois este representa a maior componente de facturação (mais de 80% da facturação) (Figura 2).

Os três Directores constituem os três empreendedores e fundadores da organização, e os restantes 5 colaboradores, a equipa.

Técnicas de recolha de dados Tal como Yin (2001) refere, a utilização de múltiplas fontes de evidência fomenta linhas de investigação convergentes que tendem a incrementar a validade de construto das variáveis em estudo.

Neste sentido, recorremos a vários instrumentos de recolha de dados, tal como ilustrado na Tabela 6.

A metodologia privilegiada para obter a informação que permitiu dar resposta aos objectivos colocados foi a entrevista semi-estruturada. Foram utilizados dois guiões de entrevista distintos, construídos com base na revisão de literatura e nos objectivos propostos. As Tabelas 7 e 8 indicam, para cada guião, o construto e dimensão subjacente a cada questão presente tanto no guião I, como no guião II.

O guião I foi construído com base nas dimensões que definem o Contrato psicológico, uma vez que se pretende aceder ao conteúdo do mesmo.

O guião II foi construído com base nos modelos de Rousseau (1995) e Guest (2004), que consolidam os principais factores que influenciam a formação do Contrato psicológico.

Foi realizado um total de 13 entrevistas semi-estruturadas, duas a cada colaborador e uma a cada empreendedor (directores), com a duração média de 40 minutos, perfazendo um total de 9 visitas à organização. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas verbatium.

Para além das entrevistas, foram recolhidas evidências documentais (e.g. Relatório Anual 2003) que permitiram completar os dados obtidos nas entrevistas, nomeadamente no que diz respeito à caracterização da organização e participantes.

Participantes Os 3 empreendedores são do sexo masculino, assim como a restante equipa, com excepção de 1 colaboradora. Os participantes apresentam idades compreendidas entre os 28 e os 42 anos, distribuindo-se as suas habilitações entre o 11.º ano (um colaborador) e a Licenciatura (restantes 7 elementos da organização).

Em relação à antiguidade, 6 participantes (75%) encontram-se na organização dois anos, desde a sua fundação, e 2 (25%) encontram-se um ano.

Procedimento O procedimento adoptado encontra-se esquematizado na Figura 3.

Baseámos a nossa análise na abordagem de Miles e Huberman (1994), com vista a reduzir tanto o conteúdo do Contrato psicológico, como os factores responsáveis pela formação e desenvolvimento do Contrato psicológico, a um pequeno número de códigos.

Resultados e discussão O estudo apresentou como primeiro objectivo definir o conteúdo do Contrato psicológico segundo as perspectivas do empreendedor e da sua equipa, procurando identificar os pontos de convergência e divergência entre ambas as partes.

Baseámos a análise dos dados, tanto para o primeiro, como para o segundo objectivo, na abordagem de Miles e Huberman (1994). Os dados das entrevistas foram fracturados e analisados linha a linha (Strauss & Corbin, 1998). As unidades de significado que iam emergindo foram sendo codificadas, gerando um conjunto de constructos, que designámos constructos de primeira-ordem. Em seguida, e por meio de um processo de comparação constante, com vista à identificação de semelhanças e diferenças, estes constructos de primeira-ordem foram sendo agrupados num número ainda mais reduzido de categorias, que designámos por constructos de segunda-ordem, os quais definiam ideias similares. Optámos pela apresentação destes constructos sob a forma de tabela, com vista a uma melhor visualização e compreensão.

Este mesmo procedimento de análise foi adoptado tanto para o primeiro, como para o estudo do segundo objectivo do estudo.

Da análise do Contrato psicológico segundo a perspectiva dos colaboradores (dos cinco funcionários) emergiram os dados sistematizados na Tabela 9.

Tabela 9 Caracterização do Contrato psicológico dos colaboradores Contrato psicológico segundo a perspectiva dos colaboradores O trabalhador deve (deveres do trabalhador): - Cumprir os objectivos organizacionais propostos; T - Cumprir o horário de trabalho, ser assíduo e pontual; T - Trabalhar em equipa, ajudando os colegas e preocupando-se com o seu trabalho; R - Integrar-se na empresa cumprindo o regulamento interno e adoptando uma postura de ética; R - Proporcionar um bom ambiente de trabalho, sendo simpático, cordial e pensando de uma forma positiva; R - Corresponder às expectativas da empresa; R - Ter capacidade e disponibilidade para resolver um assunto que possa surgir; T - Empenhar-se no sentido de fazer o trabalho o melhor possível, sendo sempre leal para com os colegas e chefia; R - Inovar utilizando a inteligência, imaginação e criatividade para criar novos produtos; T - Revelar honestidade demonstrando transparência relativamente ao seu trabalho; R - Possuir conhecimento técnico para desempenhar a função, procurando sempre adquiri-lo, quando não o possui e desenvolvê-lo. T

A empresa deve (direitos do trabalhador): - Remunerar de acordo com aquilo que foi acordado com cada colaborador, referindo-se quer ao pagamento do salário base, como à distribuição de lucros; T - Garantir as condições de trabalho necessárias para que cada um possa desempenhar a sua função; R - Proporcionar um bom ambiente de trabalho, sem conflitos; R - Motivar os colaboradores para que estes continuem na organização e dêem o seu máximo; R - Dar os 25 dias de férias a todos os colaboradores; T - Tratar os colaboradores com respeito; R - Conferir estabilidade e segurança aos colaboradores; R - Tratar os colaboradores de forma igual, distribuindo o trabalho de uma forma justa; R - Proporcionar formação contínua aos colaboradores; T - Demonstrar honestidade na definição dos objectivos organizacionais e no que se passa na organização. R Legenda: R Componente Relacional; T Componente Transaccional

Considerando o conteúdo do Contrato psicológico segundo a perspectiva dos colaboradores podemos verificar que este apresenta termos quer socioemocionais quer económicos. Nos socioemocionais incluem-se termos como o dever de trabalhar em equipa e ajudar os colegas (e.g. ... sempre a obrigação de não me preocupar com o meu trabalho..., entrevista 4), ou o dever de proporcionar um bom ambiente de trabalho (... dar um bom ambiente de trabalho, ser... simpático..., entrevista 5). Ao nível económico incluem-se termos como o direito à remuneração (... portanto estamos a falar do pagamento atempado de salários..., entrevista 8) ou o direito à formação (... formação constante..., entrevista 7). Estes resultados vão ao encontro de Millward e Hopkins (1998) e Rousseau, Hui e Lee (2004), que referem que no contrato relacional se estabelece uma relação contínua entre a pessoa e a organização, envolvendo termos quer socioemocionais, quer económicos. A análise do contrato psicológico segundo a perspectiva dos colaboradores revelou uma forte componente relacional uma vez que se observa, para além de uma elevada conformidade às normas definidas pela organização (... cumprir as regras que a própria empresa me incute..., entrevista 4), um empenho que pode ir para além do exercício estrito das funções que lhe são atribuídas (... as minhas responsabilidades e as minhas funções também é ir um bocadinho mais além daquilo que à partida me é estipulado..., entrevista 3). No entanto, não parece estarmos perante um contrato puramente relacional pois não se verifica uma internalização completa, por parte dos trabalhadores, dos valores organizacionais e uma identificação com estes (Millward & Hopkins, 1998), tal como revelado na resposta ... eu hoje em dia não acredito muito nos projectos ligados a esta área... (entrevista 5). Um outro exemplo que evidencia esta tendência prende-se com a heterogeneidade de respostas dos colaboradores quando questionados sobre a existência de um lema de grupo (... sinto uma grande pressão para fazer comissões, agora não sinto depois, digamos que a união das pessoas aqui dentro, isto está assim um bocadinho partido, entrevista 5), o que revelou uma certa dispersão do grupo no que diz respeito aos valores e pressupostos organizacionais.

Da análise dos resultados ressaltaram, ainda, alguns termos transaccionais, nomeadamente o dever de cumprir os objectivos organizacionais, demonstrando, os colaboradores, um padrão de desempenho de acordo com o negociado (e.g. ... tentar fazer o melhor que sei para que consiga atingir os objectivos a que eu me propus, quer os objectivos que a empresa pediu que atingisse, cada ano, entrevista 5), tal como referido por Castanheira e Caetano (1999).

Desta forma, o Contrato psicológico percebido pelos colaboradores da empresa em estudo parece possuir uma conjugação de termos do contrato relacional e do contrato transaccional. Este Contrato psicológico não parece, no entanto, representar um Contrato psicológico equilibrado, uma vez que não se observou a procura de desenvolvimento de um plano de carreira vantajoso, por parte dos colaboradores, que promova a empregabilidade, tal como referido por Rousseau (2000, 2004).

Assim sendo, seguindo a tipologia de Rousseau (1995), o Contrato psicológico percebido na perspectiva dos colaboradores entrevistados, parece situar-se num contínuo entre dois pólos, aproximando-se mais do pólo relacional que do transaccional (13 componentes relacionais salientadas, num total de 21 componentes, ver Tabela 9).

Relativamente à perspectiva do empregador (representada pelos três empreendedores), os principais resultados encontram-se sistematizados na Tabela 10.

Tabela 10 Caracterização do conteúdo do Contrato psicológico do empregador Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregador O trabalhador deve (deveres do trabalhador): - Cumprir os objectivos propostos e ter o melhor rendimento possível no desempenho das suas funções; T - Trabalhar em equipa adoptando um espírito de colaboração e entreajuda entre todos; R - Ser profissional no sentido de adoptar uma postura de ética e cumprir as normas da empresa que englobam a pontualidade, assiduidade, respeito pelos colegas, etc. T - Evoluir, procurando sempre adquirir competências que lhe permita fazer mais do que a própria função exige; T - Lealdade e transparência relativamente às actividades que desenvolve e aos resultados que alcança; T - Possuir conhecimento técnico que lhe permita realizar as suas tarefas da melhor forma; T - Estar motivado no sentido de ter vontade de trabalhar no projecto e gostar do trabalho que realiza. R

A empresa deve (direitos do trabalhador): - Remunerar em função de trabalho desenvolvido; T - Dar condições de trabalho no sentido de facultar os instrumentos e material necessário para que os trabalhadores possam executar as suas tarefas; T - Proporcionar um bom ambiente de trabalho, informal e descontraído para que os trabalhadores se possam concentrar e sentir-se motivados; R - Conferir segurança aos trabalhadores, para que estes estejam salvaguardados perante o inesperado; R - Lealdade e transparência relativamente aos objectivos estabelecidos, resultados organizacionais e medidas que envolvam os colaboradores; T - Tratar os colaboradores com respeito. R Legenda: R Componente Relacional; T Componente Transaccional

Relativamente aos termos do contrato verifica-se que, tal como no caso dos colaboradores, o contrato psicológico percebido parece possuir termos tanto socioemocionais, como económicos. Ao nível socioemocional, observaram-se termos tais como o dever de conferir segurança aos colaboradores (... estar seguro e salvaguardado perante o social, seguros de saúde, seguros de vida, aquelas coisas..., entrevista 2). Por outro lado, ao nível económico verificaram-se termos tais como o direito de exigir o cumprimento dos objectivos propostos e o melhor rendimento possível (... obter de todos os empregados... o maior rendimento possível..., entrevista 2). Denota-se uma componente relacional, tal como no caso dos colaboradores, no Contrato psicológico percebido pelo empregador, e uma ligação contínua entre a organização e o colaborador, envolvendo uma troca mútua de benefícios (Rousseau, Hui & Lee, 2004).

No entanto, comparativamente aos colaboradores, a componente relacional do contrato psicológico do empregador parece menos representativa, tendendo o Contrato psicológico a referir-se a uma troca de benefícios específicos e contribuições que são em larga medida monetários ou económicos, tal como referido por Rousseau, Hui e Lee (2004), sendo fortemente orientada para o desempenho dos colaboradores. Desta forma, posicionando o presente contrato no contínuo entre os pólos relacional e transaccional, contrariamente ao contrato obtido por parte dos colaboradores, o contrato do empregador parece posicionar-se mais próximo do pólo transaccional (8 componentes transaccionais salientadas, num total de 13 componentes, ver Tabela 10).

Procurando analisar os pontos de convergência e divergência, construímos a Tabela 11.

De uma forma geral, considerando ambas as perspectivas, é possível afirmar que existe uma elevada convergência de expectativas entre os colaboradores e o empreendedor relativamente aos deveres e direitos de cada um. De facto, perante a Tabela 11, parece haver uma convergência no que respeita aos principais termos do Contrato psicológico (e.g. o dever dos colaboradores de cumprir os objectivos organizacionais propostos, ou o dever da organização de garantir as condições de trabalho necessárias para o desempenho das funções), o que confere alguma autonomia e segurança a cada uma das partes, permitindo-lhe prever o que esperar do outro e o que o outro espera dele. Este resultado não vai ao encontro de Coyle-Shapiro e Kessler (2000) que referem que colaborador e empregador têm geralmente pontos de vista diferentes relativamente ao conteúdo do Contrato psicológico, verificando-se um certo grau de mutualidade que é essencial para que cada uma das partes atinja os seus objectivos, tal como Dabos e Rousseau (2004) referem. Existem, contudo, algumas divergências principalmente no que toca ao desenvolvimento de competências, à motivação, à lealdade ou à definição dos objectivos. O desenvolvimento de competências, para das exigidas pela função, assim como a capacidade de motivação é entendido pelos empreendedores como um dever dos colaboradores, o que parece reforçar a significativa representatividade da dimensão económica no Contrato psicológico percebido pela parte empregadora, o que vem ao encontro de Rousseau, Hui e Lee (2004).

Atendendo ao segundo objectivo do estudo, que visa identificar os factores responsáveis pela formação do Contrato psicológico numa organização empreendedora, os resultados obtidos foram sistematizados na Figura 4.

Embora o Contrato psicológico se aplique às duas partes envolvidas na relação laboral, o modelo apresentado e construído com base nos resultados obtidos refere-se à formação do Contrato psicológico segundo a perspectiva dos colaboradores. O empregador foi considerado um factor determinante para a formação e desenvolvimento do Contrato psicológico através do compromisso que estabelece com os seus colaboradores e da forma como lhes mostra o que a organização espera deles e o que estes podem esperar da organização (Rousseau, 2004). Neste sentido, como é o empregador que estabelece o compromisso, tem interesse compreender que influência este exerce sobre o Contrato psicológico e como é que a outra parte vai responder a esse mesmo compromisso. Assim sendo, não se recolheu informação relativa à formação do Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregador.

A Figura 4 apresenta alguns dos factores que emergiram da análise categorial como contribuindo para a formação do Contrato psicológico numa organização empreendedora. Da análise ressaltaram quatro factores como antecedentes do Contrato psicológico: compromisso estabelecido pela organização, conhecimento prévio dos colegas, experiência profissional prévia e experiência anterior de incumprimento e a orientação empreendedora da organização. Estes quatro factores parecem influenciar o conjunto das obrigações mútuas, que constituem o conteúdo do Contrato psicológico na perspectiva dos colaboradores. Estes dados são convergentes com o modelo de formação do Contrato psicológico proposto por Rousseau (1995) no que diz respeito à influência das mensagens organizacionais, verificada nos resultados através da influência do compromisso estabelecido pela organização sobre o conteúdo do Contrato psicológico dos colaboradores. De facto, verificou-se que o Contrato psicológico percebido pelos colaboradores assenta no compromisso estabelecido, nomeadamente em termos de contrapartidas financeiras (... pagar-me o ordenado..., entrevista 6), na evolução, formação e motivação (... que me alguma motivação..., entrevista 4) dos colaboradores. Também no que diz respeito às pistas sociais, os dados afluem no sentido de Rousseau (1995) através da influência do conhecimento prévio dos colegas (Existe um grau de confiança e uma facilidade de comunicação (entre os colegas) que faz com que a própria percepção de tudo isto seja mais imediata e mais fácil, entrevista 8). Este factor também se enquadra no modelo proposto por Guest (2004) que salienta a influência das relações laborais, que se estabelecem no seio da organização e entre a equipa, no desenvolvimento do Contrato psicológico. Para além dos factores abrangidos pelo modelo de Rousseau (1995), observou-se também a influência da experiência profissional prévia, nomeadamente das experiências anteriores de incumprimento por parte de outras organizações, sobre o conteúdo do Contrato psicológico (... estou mais defendido e as próprias ilusões que se criam ou expectativas em relação às coisas são sempre mais ajustadas..., entrevista 3), o que vai ao encontro de Lester, Turnley, Bloodgood e Bolino (2002) que referem que actualmente os colaboradores esperam menos da sua organização, comparativamente com o passado. Finalmente verificou-se uma influência da orientação empreendedora da organização, tal como Lumpkin e Dess (1996) a descrevem, sobre o conteúdo do Contrato psicológico, ao serem referidos termos como: a inovação (... utilizar a inteligência e imaginação para descobrir se estratégias melhores a seguir..., entrevista 8); a polivalência e a autonomia (... polivalência e capacidade de perante situações novas ser capaz de as analisar, entrevista 6); a propensão para o risco (... tentar abrir novas portas, novos caminhos, explorando aqui novos nichos de mercado..., entrevista 8); a competitividade (... temos de estar sempre alguns passos à frente dos restantes parceiros de mercado..., entrevista 1); e a proactividade (... temos todos a função de arranjar mais clientes, descobrir mais oportunidades de negócio dentro do que estamos a fazer..., entrevista 3). Este factor emergente não tem sido salientado no âmbito dos estudos sobre o desenvolvimento do Contrato psicológico. A emergência desta orientação empreendedora vem reforçar o importante papel que o contexto organizacional de nível macro desempenha no desenvolvimento do Contrato psicológico, tal como apontado por Guest (2004). No entanto, este estudo vem demonstrar que, além dos factores considerados por Guest, outros parecem influenciar o desenvolvimento do Contrato psicológico. Futuros estudos devem aprofundar o papel das características organizacionais no desenvolvimento do Contrato psicológico.

As cinco dimensões que constituem a orientação empreendedora autonomia, inovação, propensão para o risco, proactividade e agressividade competitiva tal como Lumpkin e Dess (1996) as descrevem , parecem, assim, influenciar o conjunto das crenças individuais acerca das obrigações mútuas que os colaboradores têm para com a organização. Deste modo, a organização ao apostar na inovação dos seus produtos e na proactividade, assumindo algum risco no mercado, vai influenciar os deveres e direitos percebidos pelos colaboradores, fazendo com que estes sintam, por exemplo, o dever de inovar, ajustando o seu comportamento e as suas expectativas de acordo com aquilo que consideram que a organização espera deles.

Conclusão O presente estudo apresentou dois objectivos. Como primeiro objectivo, procurámos definir o conteúdo do Contrato psicológico segundo as perspectivas do empreendedor e da sua equipa, procurando identificar os pontos de convergência e divergência entre ambas as partes. Com base nos resultados obtidos, é possível afirmar que, contrariamente a alguns estudos efectuados (e.g. CoyleShapiro & Kessler, 2000), parece existir uma elevada convergência de expectativas entre colaboradores e empregador em organizações empreendedoras. Esta diferença em termos de resultados poderá estar relacionada com o facto de a maior parte dos estudos sobre Contrato psicológico terem sido conduzidos em organizações maduras e com uma dimensão mais considerável. Do estudo ressaltou que tanto o Contrato psicológico dos colaboradores, como o do empregador, parecem apresentar dimensões quer do Contrato psicológico relacional, como do transaccional, não se enquadrando exclusivamente em nenhum dos dois. Ao posicioná-los num contínuo, tal como referido por Rousseau (1995), estes parecem divergir no sentido em que o Contrato psicológico dos colaboradores se aproxima do pólo relacional, enquanto que o do empregador se aproxima do pólo transaccional. Isto poderá estar relacionado com o facto de que os indivíduos geralmente procuram encontrar fontes de significado, identidade e suporte no local de trabalho (Burroughs & Eby, 1998), fazendo com que as organizações constituam um espaço físico, psicológico e social aberto à possibilidade das pessoas satisfazerem as suas necessidades de identidade e de pertença, na sua qualidade de seres sociais (Cunha, Rego, Cunha & Cabral-Cardoso, 2003), não sendo esta visão necessariamente partilhada pela organização.

Como segundo objectivo, este estudo procurou identificar os factores responsáveis pela formação do Contrato psicológico numa organização empreendedora. Relativamente ao modelo de formação do Contrato psicológico, a literatura existente é dispersa, sendo que os estudos empíricos realizados se centram sobretudo sobre o apuramento das suas consequências, dando menos importância aos factores que poderão estar na sua origem, nomeadamente no que toca ao contexto organizacional. Desta forma, o presente estudo foi realizado numa organização empreendedora, onde a possibilidade de estudar variáveis de nível macro se encontrava facilitada.

Obtiveram-se como factores que contribuem para a formação do Contrato psicológico o compromisso estabelecido pela organização, o conhecimento prévio dos colegas, a experiência profissional prévia e a experiência anterior de incumprimento e a orientação empreendedora da organização.

Os três primeiros factores encontrados vão ao encontro da literatura vigente (e.g. Rousseau, 1995; Lester et al., 2002). o papel da orientação empreendedora operacionalizada nas dimensões autonomia, inovação, propensão para o risco, proactividade e agressividade competitiva (Lumpkin & Dess, 1996) na formação do Contrato psicológico tem sido pouco aprofundada na literatura. Este estudo veio reforçar, assim, a importância do contexto organizacional na formação e conteúdo do Contrato psicológico percebido pelos colaboradores de uma organização. Tanto o modelo de Rousseau (1995) como o modelo de Guest (2004) salientam o papel das políticas e práticas de recursos humanos na formação do Contrato psicológico. Contudo, este estudo vem revelar que poderá existir uma influência directa das características macro-organizacionais na formação do Contrato psicológico.

Dado que o presente estudo foi realizado numa única organização, importa perceber se os factores encontrados emergem noutros contextos. Neste sentido, sugere-se que estudos futuros utilizem o método de estudo de casos múltiplos. Por outro lado, é importante que estudos futuros adoptem métodos quantitativos, com o objectivo de testar esta relação, o que poderá ser um valioso contributo para a área do empreendedorismo e também para o desenvolvimento de um modelo explicativo da formação do Contrato psicológico.

Sugere-se também que no futuro se aborde o processo de formação do Contrato psicológico segundo a perspectiva do empregador, que factores poderão estar na sua origem, importando ainda perceber se a formação do Contrato psicológico do empreendedor poderá ser um processo mais controlado e consciente do que o dos colaboradores, uma vez que é este quem estabelece o compromisso e quem detém maior poder na relação.

Sendo que as organizações e as próprias relações laborais estão em constante mudança é necessário que o empregador não encare o Contrato psicológico como algo estático e inalterável, assumindo, desta forma, a necessidade de reforçar o compromisso estabelecido ao longo do tempo, dando feedback constante relativamente ao que a organização espera do colaborador e ao que este deve esperar da organização. Neste sentido, propõem-se para estudos futuros a identificação dos factores que contribuem para o desenvolvimento contínuo do Contrato psicológico.

Em conclusão, o nosso estudo permitiu constatar a existência de uma elevada homogeneidade entre empreendedores e equipa quanto aos direitos e deveres de cada um, o que contribui para um aumento da previsibilidade na relação entre ambos. O conhecimento tanto por parte do empreendedor como da equipa no que diz respeito ao papel de cada um na empresa, pode contribuir para o desenvolvimento de um clima organizacional mais positivo e justo e para um melhor desempenho organizacional. O nosso estudo permitiu, ainda, concluir acerca da influência que as variáveis macro-organizacionais exercem na formação do Contrato psicológico. Neste sentido, revela-se determinante que as organizações empreendedoras apresentem um equilíbrio interno entre as variáveis macro-organizacionais (e.g. visão, estratégia de negócio, práticas de gestão dos recursos humanos), por forma a facilitar o desenvolvimento de Contratos psicológicos relativamente homogéneos.


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