Novos dados sobre a produção e venda de armas a nível mundial
Num trabalho recente, tivemos oportunidade de sublinhar que não existem
estatísticas sobre a produção e venda de armas a nível mundial. A grande
maioria dos países não divulga os valores da produção de armas e, embora
existam compromissos internacionais que obrigam todos os países a divulgar,
anualmente, os valores das suas vendas de armas, também neste domínio existem
lacunas e inconsistências que obrigam os estudiosos a usar da maior prudência
quando procedem à análise dos dados disponíveis1.
Neste contexto de uma quase dramática penúria de informação sobre a produção e
a venda de armas, desde há vários anos, o SIPRI ' Stockholm International Peace
Research Institute (http://www.sipri.org) vem desenvolvendo um assinalável
esforço de recolha de dados relativos às vendas de armas das 100 maiores
empresas mundiais do sector. A divulgação anual da respectiva lista é
acompanhada de cuidadosas notas metodológicas sobre as fontes e os critérios de
selecção dos dados e sobre as definições e complementada por numerosas notas
específicas sobre as empresas, tudo se conjugando para que a informação obtida
possa ser utilizada com plena consciência das suas insuficiências e
limitações2.
Seguramente, as vendas de armas destas 100 maiores empresas produtoras de armas
a nível mundial não correspondem à totalidade da produção e venda de armas a
nível mundial. Faltam os valores de mais algumas empresas russas e da
totalidade das empresas chinesas, ucranianas e bielorussas, para não mencionar
senão as mais importantes. Estamos, portanto, perante uma mera aproximação ao
estudo do fenómeno da produção e venda de armas à escala mundial que, mesmo
assim, continua a ser unanimemente considerada como um instrumento de trabalho
de inegável utilidade.
Neste artigo, analisamos os dados mais recentes das vendas de armas das 100
principais empresas produtoras de armas a nível mundial que, com as reservas
acima enunciadas, identificamos com a produção e venda de armas a nível
mundial; apreciamos o desempenho das principais empresas que operam no sector;
abordamos os esforços em curso visando a reestruturação e a modernização do
sector; e, em jeito de conclusão, tecemos algumas considerações sobre a
evolução futura da produção e venda de armas.
A PRODUÇÃO E VENDA DE ARMAS A NÍVEL MUNDIAL
Segundo os dados mais recentes resumidos no Quadro I, globalmente, a venda de
armas das 100 maiores empresas produtoras de armas a nível mundial, que
integram a lista do SIPRI, aumentou substancialmente.
Quadro I
Venda de armas a nível mundial (valores em biliões de $ dos EUA)
3
Em apenas cinco anos, a venda de armas a nível mundial aumentou 60% a preços
correntes e 32% a preços constantes. Descontada a parcela que terá sido
destinada a assegurar o natural reapetrechamento e modernização das forças
armadas de alguns países, parece não haver dúvidas que esta significativa
evolução da oferta de armas a nível mundial está intimamente associada ao
aumento das despesas militares, sobretudo nos EUA, provocado pela necessidade
de responder à intensificação dos conflitos do Iraque e do Afeganistão. Com
efeito, no mesmo período, as despesas militares mundiais passaram de 947
biliões de dólares para 1145 biliões de dólares, o que, a preços correntes,
corresponde a um acréscimo de 21% e as despesas militares dos EUA passaram de
399 biliões de dólares para 525 biliões de dólares, o que se traduz num
acréscimo, a preços correntes, de cerca de 32%4.
*
Uma característica notável da produção e venda de armas a nível mundial, já
anteriormente sublinhada, é que se trata de uma actividade fortemente
concentrada a nível regional5. No Quadro II, com efeito, verifica-se que a
grande maioria das empresas produtoras de armas se concentra na América do
Norte e na Europa Ocidental. A Rússia, outrora um grande produtor de armas,
devido ao atraso verificado na reestruturação e na modernização das suas
indústrias da defesa, continua a ocupar uma posição modesta que, eventualmente,
poderá estar subavaliada.
Quadro II
Distribuição regional da produção e venda de armas
O grande pólo de produção e venda de armas é a América do Norte, cujas empresas
(41 dos EUA e 1 do Canadá), representando 42% das empresas consideradas,
venderam quase 64% das armas transaccionadas em 2006. A região Europa Ocidental
agrupa 34 empresas de vários países, cujas vendas, em 2006, excederam
ligeiramente os 29%. Todas juntas representam mais de três quartos das
empresas, todas elas sedeadas em países membros da NATO, que venderam quase 93%
das armas transaccionadas em 2006. As restantes 24 empresas venderam pouco mais
do que 7% do total.
*
A análise ao nível dos países é mais reveladora. Atentemos no Quadro III. Um
observador atento verifica de imediato que América do Norte significa EUA;
Europa Ocidental é, praticamente, Reino Unido, França, EADS (empresa
transeuropeia com sede no Luxemburgo e instalações na França, Alemanha e
Espanha), Itália e Alemanha; a Europa de Leste é a Rússia; outros países da
OCDE são, sobretudo, o Japão; e nos outros países não pertencentes à OCDE os
que se destacam são Israel e a Índia.
Quadro III
Vendas de armas de 88 das 100 maiores empresas produtoras de armas a nível
mundial, por países seleccionados
A primeira conclusão que se retira do Quadro III é que, no grupo das 100
maiores empresas produtoras e vendedoras de armas, quem conta, realmente, são
as primeiras 88 porque, no seu conjunto, detêm uma enorme fatia que representa
mais de 97% das vendas totais. E nestas, o grupo das 69 empresas americanas e
europeias facturou quase 91% do total.
Os EUA e o Reino Unido, por sinal os dois países mais fortemente envolvidos nos
conflitos militares do Afeganistão e do Iraque, com 55% das empresas, venderam
mais do que 75% das armas transaccionadas em 2006. As restantes 17 empresas
europeias, incluindo a transeuropeia EADS que produz os aviões Airbus, não vão
além dos 15,6%.
Em 2006, o complexo militar industrial russo ainda estava numa fase de grande
indefinição, não sendo de admirar que as suas 8 empresas mais significativas
tenham vendido armas num valor que fica aquém dos 2% do total. Trata-se de
valores surpreendentemente modestos que nos dão uma ideia do estado a que
chegaram as indústrias da defesa da Rússia na sequência da desagregação da
URSS. Se as reformas e reestruturações em curso no sector produzirem os efeitos
anunciados, é provável que, a médio prazo, estas indústrias venham a conhecer
uma evolução positiva, o que se traduzirá num aumento da produção e venda de
armas.
Os valores das vendas das empresas japonesas, israelitas e indianas, sendo
relativamente modestos no conjunto, confirmam que os países protagonistas da
actividade de produção e venda de armas que emergiram no fim da Guerra Fria,
estes e outros que ainda não figuram entre os maiores (Suécia, Espanha,
Singapura, Canadá, Brasil, etc.), consolidaram as suas posições e parecem estar
em condições de expandir as suas actividades neste sector de actividade.
OS PROTAGONISTAS DA PRODUÇÃO E VENDA DE ARMAS
Os governos desempenham um papel de relevo na criação das condições que
facilitam a instalação, o desenvolvimento, a reestruturação e a modernização
das indústrias da defesa. Essas condições, que podem ser de natureza jurídica,
financeira ou comercial, variam muito de país para país, mas, em regra, são
imprescindíveis ao sucesso do complicado mundo da produção e venda de armas6.
Os verdadeiros protagonistas da produção e venda de armas, porém, são os
poderosos grupos económicos liderados por grandes empresas dotadas de grande
agilidade institucional e de vastos recursos financeiros e tecnológicos que,
seja nos EUA, na Europa Ocidental, na Rússia ou em qualquer outro lugar onde se
produzam armas, lhes permitem influir determinantemente nas decisões das
esferas militares e políticas, incluindo as decisões relacionadas com as
guerras.
Estas empresas operam em praticamente todos os sectores das indústrias da
defesa, a saber: armas ligeiras; armas pesadas convencionais; armas biológicas
e químicas; armas nucleares; e as chamadas «armas do futuro», que englobam uma
grande variedade de armas a que, genericamente, se dá o nome de armas da
energia directa ou direccionada7.
No conjunto destes sectores, o das armas pesadas convencionais desempenha um
papel estratégico da maior relevância, porque é nele que se produzem os
chamados sistemas de armas ou plataformas (aeronaves, carros de combate,
tanques, porta-aviões, fragatas, submarinos, etc.), susceptíveis de ser
equipados com dispositivos tecnológicos (sistemas electrónicos, softwares,
etc.), armas (convencionais, biológicas e químicas, nucleares e de energia
directa) e munições da mais diversa natureza e grau de sofisticação, cujas
múltiplas combinações se traduzem em produtos com elevadas margens de
diferenciação8.
A grande maioria destas empresas, especialmente as prime contractors, são
responsáveis pela concretização regular de numerosas operações de Fusões &
Aquisições (F&A) e dispõem de importantes departamentos de Investigação,
Desenvolvimento & Demonstração (ID&D), que lhes permitem manter
elevados padrões de inovação ao nível da concepção, desenho, demonstração,
produção e venda dos respectivos produtos.
*
As cinco principais prime contractors dos EUA são a Boeing, com actividades nos
sectores das aeronaves, electrónica, mísseis e aeroespacial; a Lockheed Martin,
com actividades nos mesmos sectores da Boeing, de quem é, aliás, uma forte
concorrente; a Northrop Grumman, com actividades nos mesmos sectores das
anteriores e ainda na construção naval; a Raytheon, especializada em
electrónica e mísseis; e a General Dynamics, líder na produção de veículos
militares, artilharia, electrónica e construção naval.
Segundo os indicadores do Quadro IV, verificamos que todas elas ocupam posições
de relevo no grupo das 100 maiores; empregam grandes contingentes de mão-de-
obra, que se adivinha fortemente especializada; vendem mais de 38% das armas
transaccionadas pelas 100; em média, as vendas de armas representam 69% das
suas vendas totais, com uma variação que vai dos 50% da Boeing até aos 96% da
Raytheon, uma empresa quase exclusivamente dedicada à produção e venda de armas
sofisticadas; produzem lucros substanciais, mais significativos no caso da
General Dynamics, da Lockheed Martin e da Raytheon e menos significativos nos
casos da Northrop Grumman e da Boeing, que, curiosamente, no grupo, é a que
menos armas vende em relação às suas vendas totais.
Quadro IV
Indicadores das cinco maiores empresas americanas produtoras de armas, em 2006
*
As cinco maiores prime contractors europeias são: a BAE Systems, que opera num
largo espectro de actividades, que incluem artilharia, aeronaves, electrónica,
mísseis, veículos militares, armas e munições ligeiras, e construção naval; a
EADS, mais vocacionada para a produção de aeronaves, electrónica, mísseis e
aeroespacial; a Finmeccanica, com um perfil de actividades muito idêntico ao da
BAE Systems, embora de dimensão mais reduzida e menos bélico; a Thales, que
produz armas e munições ligeiras, electrónica e mísseis; e a MBDA, uma parceria
entre a BAE Systems e a EADS inteiramente dedicada à produção de mísseis.
O Quadro V dá-nos uma ideia aproximada da importância relativa das prime
contractors europeias em relação às suas congéneres americanas: empregam muito
menos gente; vendem menos de metade das armas; apesar de terem duas empresas
quase totalmente dedicadas à produção de armas, uma delas de grande dimensão,
em média ostentam uma componente de produção destinada a fins civis muito
superior às empresas americanas; e, naturalmente, são menos lucrativas.
Quadro V
Indicadores das cinco maiores empresas europeias produtoras de armas, em 2006
*
Ao contrário da grande maioria das prime contractors americanas e europeias, as
empresas russas são totalmente especializadas. Com efeito, a Almaz-Antei produz
mísseis; a Irkut Corp. produz aeronaves; a TRV Corp. produz mísseis; a Sukhoi
Co. produz aeronaves; e a MiG também produz aeronaves. É caso para perguntar
onde param as empresas da antiga URSS que produziram tanto material bélico para
o exército e a marinha soviéticas. Será que estavam todas fora do actual
território da Federação Russa?
Segundo o Quadro VI, além de pertencerem todas ao sector do aeroespacial e
apesar de, em termos relativos, empregarem bastante gente e de se dedicarem
quase em exclusivo à produção de armas, o que é facto é que vendem poucas
armas, menos de 4% do que as americanas e menos de 8% do que as europeias.
Quadro VI
Indicadores das cinco maiores empresas russas produtoras de armas, em 2006
*
No grupo dos «Outros países da OCDE», importa destacar a Mitsubishi Heavy
Industries (Japão/22/2390); a Saab (Suécia/24/2250); a Kawasaki Heavy
Industries (Japão/50/1120); a Navantia (Espanha/51/1110); e a Mitsubishi
Electric (Japão/53/1010)9.E no grupo «Outros países não OCDE» sobressaem a
Israel Aerospace Industries (Israel/30/1820); a Hindustan Aeronautics (Índia/
38/1550); a Elbit Systems (Israel/42/1400); a Indian Ordnance Factories (Índia/
45/1300); e a Rafael (Israel/54/950)10.
A REESTRUTURAÇÃO E A MODERNIZAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DA DEFESA A NÍVEL MUNDIAL
Desde meados da década de 1990, primeiro nos EUA, depois na Europa Ocidental e,
mais tarde e em menor medida, na Rússia, as indústrias da defesa lançaram-se em
ambiciosos processos de reestruturação e modernização que, em simultâneo,
visavam promover a racionalização da respectiva estrutura empresarial e
aumentar os níveis de inovação no domínio da produção de armas.
*
Como tivemos oportunidade de sublinhar em O Regresso às Armas, a racionalização
da estrutura empresarial das indústrias da defesa recorreu às mais variadas
estratégias para alcançar os seus objectivos. Numa primeira fase, privilegiou-
se o encerramento e o redimensionamento de empresas, a diversificação de
actividades e a reconversão. Posteriormente e de uma forma progressiva,
sobretudo nos EUA e na Europa Ocidental, as Fusões & Aquisições (F&A)
passaram a constituir o instrumento de eleição dos estrategas da reestruturação
e consolidação do sector, com destaque para os das prime contractors
11
.O Quadro VII dá-nos uma ideia da dinâmica algo eufórica das F&A verificada
no sector em anos recentes.
Quadro VII
Número de operações de F&A ocorridas nos EUA e na Europa Ocidental, entre
2003 e 2007 (entre parêntesis o número de F&A promovidas por empresas do
grupo das 100 maiores)
As empresas americanas, além de terem iniciado a sua reestruturação mais cedo
são, também, as que mais frequentemente recorreram às F&A para melhorar a
sua base produtiva (173). As que pertencem ao grupo das 100 maiores
participaram em cerca de 85% das operações de F&A (147). Nestas, podemos
assegurar que as prime contractors, além de ocuparem uma posição de grande
relevo, são responsáveis pela maior parte das F&A que têm por alvo outras
empresas americanas especializadas em electrónica e em integração de sistemas,
precisamente os dois principais factores associados à modernização da produção
e venda de armas nos EUA.
A participação de empresas americanas em operações de F&A transatlânticas,
nomeadamente na Europa Ocidental, não é muito significativa. Mesmo assim, em
cinco anos concretizaram-se 23 F&A, 14 das quais envolveram empresas do
grupo das 100 maiores, entre as quais algumas prime contractors.
O processo de reestruturação das empresas europeias começou mais tarde e, em
termos de F&A, é muito mais modesto do que o verificado nos EUA. Como se
pode observar no Quadro VII, representa apenas cerca de um quarto do seu
equivalente americano e, em termos relativos, a participação de empresas do
grupo das 100 maiores é menor. Tal situação deriva de vários factores, onde
avulta a fragmentação empresarial de raiz nacional que caracteriza as
indústrias da defesa europeias, que não é compensada por uma estratégia
europeia para o sector. É um assunto objecto de grande discussão em toda a
União Europeia
12
.É interessante verificar que o peso das F&A transatlânticas envolvendo
empresas europeias e americanas é praticamente idêntico ao das F&A intra-
europeias, acontecendo até que aquelas contam com a participação de mais
empresas europeias do grupo das 100 maiores, tanto em termos absolutos como em
termos relativos. Isso deve-se à assiduidade das empresas inglesas neste tipo
de relacionamento empresarial com as empresas americanas, onde se destaca, de
longe, a BAE Systems.
A reestruturação das indústrias da defesa russas tem constituído uma
preocupação central da política industrial da Federação. O processo tem sido,
porém, algo conturbado. Durante toda a década de 1990, pensou-se que a melhor
maneira de promover a criação de estruturas industriais mais consistentes e
competitivas passava pelo reforço da participação do Estado na produção e venda
de armas. Esta estratégia não produziu os resultados esperados e, entre 2001 e
2006, adoptaram-se medidas orientadas para a privatização do sector. Este
chegou a ser parcialmente controlado por algumas empresas entretanto
privatizadas que evidenciaram algum dinamismo, mas cujo desempenho ficou muito
aquém das ambiciosas metas então definidas13. Em 2007, em face do notório
fracasso da privatização do sector, o poder político não hesitou em criar
condições para promover o regresso do Estado ao controlo das indústrias da
defesa. De entre essas medidas, destaca-se a criação de três grandes holdings:
a United Aircraft Corporation (UAC), maioritariamente controlada pelo Estado; e
a United Shipbuilding Corporation (USC) e a Rostekhnologii, totalmente
controladas pelo Estado14. A reestruturação e a consolidação das indústrias da
defesa regressaram, assim, ao modelo dos conglomerados estatais, que, desta
vez, cientes das limitações do modelo estatal, se declaram apostados na
cooperação internacional, já concretizada em valiosos projectos com empresas
chinesas, indianas e da Europa Ocidental.
*
Os dados disponíveis não nos permitem assegurar que a racionalização da
estrutura empresarial das indústrias da defesa alcançada através de alguma ou
algumas das estratégias de reestruturação acima referidas, onde se destacam as
F&A, constituiu um elemento determinante do acréscimo de inovação
verificado no domínio da produção de armas. Sabe-se, contudo, que foi neste
contexto de consolidação sectorial que se assistiu a um aumento significativo
do investimento em numerosos, dispendiosos e sofisticados programas de
investigação, desenvolvimento e demonstração (ID&D), que constituem o
principal factor de inovação no sector. O Quadro VIII mostra claramente, aliás,
que a despesa com a ID&D militar só recupera em finais da década de 1990
princípios da década de 2000, precisamente quando a consolidação empresarial
começou a dar mostras, sobretudo nos EUA, de poder atingir os objectivos de
concentração definidos pelas prime contractors.
Outro factor que influi decisivamente no nível das despesas com a ID&D
militar é, naturalmente, a despesa militar total. Os valores do Quadro VIII são
perfeitamente compatíveis com a evolução da despesa militar total. Em 1991,
ainda eram ambas elevadas, devido ao movimento de inércia provocado pelo fim da
Guerra Fria, mas, nos anos seguintes, sofreram uma quebra acentuada que só
começou a ser invertida em 2001, na sequência dos acontecimentos do 11 de
Setembro.
A confirmar a sua superioridade no domínio da produção e venda de armas, os EUA
são o país que mais gasta com a ID&D militar tanto em termos absolutos como
em termos relativos. O seu enorme esforço de investimento na ID&D militar,
que, em 1991, já representava mais de três quartos do esforço somado dos
restantes países considerados, no início da década de 2000 ultrapassou os 80% e
assim se tem mantido.
Ao contrário, os países da Europa Ocidental abrandaram o seu esforço de
investimento na ID&D militar e quando recuperaram, à excepção da Espanha,
jamais voltaram aos níveis de 1991.
Quadro VIII
Despesas com a ID&D militar, por países seleccionados (valores em biliões
de dólares dos EUA, a preços de 2000)
Para além dos números, importa notar que a evolução qualitativa da ID&D
militar também é muito significativa. Até meados da década de 1990, a grande
parcela do investimento em ID&D tinha por objectivo promover a inovação na
produção de todos os tipos de armas, incluindo as armas ligeiras, as armas
pesadas convencionais, as armas nucleares, e as armas biológicas e químicas. A
partir de meados da década de 1990, a ID&D militar, não deixando de
desenvolver importantes programas de investigação nestes domínios, passou a
conceder especial atenção às chamadas «armas do futuro» (também conhecidas como
«armas de energia directa ou direccionada», que constituem o núcleo da também
chamada «guerra electrónica») e à integração de sistemas.
No que respeita às «armas do futuro», e como resultado das actividades de
ID&D a cargo de numerosas empresas americanas, europeias e russas, são já
várias as forças de manutenção da ordem e segurança e militares de diversos
países que dispõem das suas mais recentes versões.A integração de sistemas é,
presentemente, a prioridade das prioridades da ID&D militar onde quer que
ela tenha significado e massa crítica. Com efeito, uma parte substancial dos
recursos da ID&D militar está sendo aplicada na concepção e no
aperfeiçoamento de modelos de integração de sistemas aplicados tanto às
tecnologias militares como às operações militares. No domínio das tecnologias
militares, a integração de sistemas passou a ser imprescindível na concepção e
produção de equipamentos (weapon systems integration) e de plataformas de armas
(platform systems integration) e na optimização das combinações de armas
susceptíveis de garantir os melhores desempenhos em teatros de operações
diversificados. No domínio das operações militares, a integração de sistemas
(operational system of systems integration) transformou-se no fulcro da chamada
Network Centric Warfare (NCW)15.
O FUTURO DA PRODUÇÃO E VENDA DE ARMAS
Do exposto nas secções anteriores, é legítimo concluir que o sector da produção
e venda de armas dispõe de todas as condições económicas e tecnológicas para
responder às exigências de todo o tipo de procura de armas que venha a
manifestar-se no futuro. Presentemente, o sucesso da sua estratégia de expansão
está fortemente condicionado pela evolução da crise mundial que pode afectar
seriamente o perfil e a dimensão da procura de armas.
Num cenário de conflito mais ou menos generalizado e prolongado, ainda que
virtual, ao estilo da Guerra Fria, a procura de armas tenderá a aumentar e a
produção e venda de armas expandir-se-á ainda mais.
Num cenário de cooperação estratégica internacional, a procura de armas será
tendencialmente menor e a produção e venda de armas pode estagnar ou, até
mesmo, reduzir-se, o que levará os protagonistas do sector a adoptar
estratégias de downsizing e reconversão.
Em qualquer dos cenários, é provável que as actividades de ID&D militar se
mantenham nos níveis actuais, sobretudo nos EUA, o que em última análise fica
na dependência da evolução das despesas militares.
NOTAS
1 ROLO, José Manuel (2006), O Regresso às Armas ' Tendências das Indústrias da
Defesa. Edições COSMOS, p. 109.
2
Idem
, pp. 109 e 110.
3 Neste texto, por comodidade, os valores são referenciados segundo a
terminologia anglo-saxónica: um milhão é igual a 1 000 000, ou seja, 1x106; um
bilião é igual a 1 000 000 000, ou seja, 1x109; e um trilião é igual a 1 000
000 000 000, ou seja, ou 1x1012.
4 STALENHEIM, Peter, PERDOMO, Catalina e SKÖNS, Elisabeth (2008), «Military
expenditure». In SIPRI Yearbook 2008 ' Armaments, Disarmament and International
Security. Oxford University Press, pp. 176-254.
5 ROLO, José Manuel,op. cit., p. 171
6 A reestruturação das indústrias da defesa que se seguiu ao fim da Guerra Fria
não teria sido bem sucedida, sobretudo nos EUA, se não tivesse beneficiado dos
mais variados apoios concedidos pelos respectivos governos (Rolo, José Manuel,
2008, pp. 129 ' 165).
7 Rolo, José Manuel, op. cit., p. 97.
8
Idem
. Tomemos o exemplo dos aviões de combate americanos F-16. Aparentemente, todos
são iguais. Porém, os que estão ao serviço da U. S. Air Force são
incomparavelmente mais sofisticados do que os usados pelas Forças Aéreas de
outros países. Uns e outros podem beneficiar da introdução das mais diversas
melhorias.
9 Entre parêntesis figuram o país de origem, a posição no ranking das 100
maiores do SIPRI e o valor das vendas de armas em 2006 em milhões de $ dos EUA.
10 Idem.
11 ROLO, José Manuel, op. cit., pp. 125-170.
12 É um assunto que abordamos com algum vagar no já citado o Regresso às Armas,
numa secção sintomaticamente intitulada «Obstáculos à reestruturação das
indústrias da defesa na Europa», pp. 142-157.
13 Este assunto encontra-se desenvolvido em José Manuel Rolo, op. cit., pp.
157-164.
14 SIPRI Yearbook 2008, pp. 275-277.
15 Sobre a inovação nas armas nucleares, veja-se: ROLO, José Manuel (2008),
«Notas sobre a proliferação das armas nucleare». InItinerários ' A investigação
nos 25 anos do ICS. Imprensa de Ciências Sociais, Capítulo 9, pp. 189-2002.
Sobre as «armas do futuro» e a guerra electrónica e sobre a integração de
sistemas militares, veja-se: ROLO, José Manuel (2006), O Regresso às Armas, pp.
181-199.