Conflitos de interesse: reflexões ao regime do pós-emprego público
INTRODUÇÃO
Para efeitos do presente artigo presume-se que o conceito de «conflito de
interesse» é o conflito que poderá sobrevir entre o «interesse público» e o
«interesse privado» quando estão envolvidos titulares de cargos políticos,
nomeados ou eleitos, e os altos cargos públicos de livre designação do poder
político onde, um dos denominadores, pode ser potencialmente capaz de exercer
influência, individual ou não, directa e indirectamente, e que afecte os seus
deveres e responsabilidades. «Conflito de interesse» é um conceito social,
político, económico, cultural e jurídico (Demmke et al., 2007), carregado de
controvérsia e ambiguidade (OCDE, 2006a, 2006b). A compreensão, pelos menos nas
duas últimas décadas, do que poderá abranger aquele conceito está em constante
evolução, apesar dos esforços significativos no aperfeiçoamento dos padrões da
moralidade pública.
O «conflito de interesse» é, geralmente, descrito como uma situação em que
alguém, numa posição de confiança (interesse público), incluindo os políticos,
têm outros interesses profissionais ou pessoais que se sobrepõem aos primeiros
( Gençkaya, 2009), sendo que a maioria das ofensas no pós-emprego público
(post-public employment) ocorre quando os titulares de cargos públicos, eleitos
ou não, usam informações ou contactos adquiridos quando estão no Governo ou
serviços dependentes, para se beneficiarem, ou beneficiarem outros, depois de
abandonarem esses mesmo cargos (Kernaghan, 2007) ou do sector público em geral
(acrescentámos nós).
Existem países, no entanto, com detalhes muito nítidos em matéria de
regulamentação legal para disciplinar o «conflito de interesse» mas, na
generalidade, é uma substância ainda muito pouco desenvolvida. Na literatura da
OCDE (2003, 2006a, 2006b) onde se tem vindo a enfatizar o conceito, descreve-se
o fenómeno como o conflito existente entre os deveres públicos (interesse
público) e os interesses privados dos agentes públicos e a oportunidade que,
aqueles, ex-post, têm de poder influenciar de forma indevida a sua performance
e os seus deveres e responsabilidades ou, mais em concreto, obscurecer o dever
público em favor de interesses privados, tornando nebulosa a separação entre
aqueles interesses. Acrescente-se, ainda, que os textos da OCDE (idem, 2003,
2005) , configuram os «conflitos de interesse» como sendo reais, percebidos e
potenciais (Figura 1). Para estas dimensões, embora muito abstractas, há
autores que consideram que o «conflito de interesse» assume muitos e variados
tipos, como se pode ver na Figura 2, a que Kernaghan (2007) dá o devido
destaque.
FIGURA 1
Tipos de «conflito de interesses»
FIGURA 2
Exemplos de tipologias de «conflito de interesse»
Em última instância, o « conflito de interesse» no serviço público é tão antigo
como a própria Administração Pública, sendo que o problema, e os estudos assim
o indicam, se trata de um fenómeno político e jurídico (Gençkaya, 2009),
argumentando-se, com certeza, que se poderá tratar de uma situação, não uma
acção, uma vez que o servidor ou agente público poderá ver-se numa situação de
« conflito de interesse» sem que para isso actue corruptamente (idem, 2009).
É ainda possível, segundo alguns autores (Demmke et al., 2007) caracterizar o
«conflito de interesse», basicamente em três categorias, ou regimes, extensiva
à grande maioria dos países (destacando-se, neste caso, apenas as situações de
pós-emprego público, uma vez que o autor apresenta outras situações): (i) «
Abordagem restritiva » (proibição de exercer uma determinada profissão depois
de sair do cargo em que havia « conflito de interesse »; impondo-se o designado
período de reflexão ou, na terminologia anglo-saxónica, o cooling-off period);
(ii) « Abordagem moderada » (onde não existem regras ou deveres de informação
ou notificação quando se assume uma nova posição ou cargo; no cooling-off
period); e, (iii) « Abordagem suave » (sem regulamentação). Gençkaya (2009)
argumenta que os «conflitos de interesse» se dividem do ponto de vista do
«interesse», em duas categorias [1] : « interesses pecuniários» e « interesses
não pecuniários» .
Assim, o « conflito de interesse» no sector público é particularmente
importante porque se não é reconhecido e identificado claramente e de forma
apropriada, pode comprometer a integridade das decisões dos principais agentes
e funcionários do Estado (OCDE, 2005), agências governamentais, parcerias
público-privadas, o Governo em particular, porque o fenómeno é uma questão
complexa que reflecte questões de natureza estrutural de toda e qualquer
sociedade civilizada, ou não.
O DILEMA
Claramente, e para além dos cargos de eleição, todos os sistemas de
funcionalismo público contemplam a existência de cargos ou postos de livre
designação política ou de confiança pessoal dos membros do governo, na mais
alta hierarquia da Administração Pública, em particular nos departamentos
ministeriais. Trata-se de pessoal que não adquire estabilidade e que deveria
renunciar ao cargo quando se produz a desvinculação do ministro ou superior
hierárquico imediato.
Assim, não existe, com substância, nos países analisados, legislação que limite
ou enumere a proporção que pode ou deve representar o pessoal de livre
designação política, excepto nos cargos de eleição. No entanto, é possível
encontrar um itinerário lógico, legislativo, no caso de Portugal, assim como
noutros. Existindo, deste modo, alguns requisitos, que podem limitar aquele
perímetro, tais como:
* Organização ministerial (leis orgânicas dos vários governos constitucionais);
* Estrutura organizativa de cada instituição ou serviço (leis orgânicas das
direcções-gerais, inspecções-gerais e secretarias-gerais, por exemplo);
* Massa salarial disponível para efectuar escolhas ou designações políticas;
* Limitação dos cargos de confiança a determinados níveis; e,
* Indicação normativa (jurídica) de quais os postos que podem ser cobertos com
tal procedimento (caso português).
O sistema de governação da Administração Pública requer novas formas do
exercício do poder político em democracia, afigurando-se desde logo uma série
de relações entre política e Administração, envolvendo os seguintes actores:
* Por um lado aqueles dirigentes que desempenham apenas funções políticas ou,
pelo menos, comprometidos com a agenda política; e, por outro,
* Aqueles que, sem estarem comprometidos por esta agenda política seguem, em
parte, objectivos e estratégias traçadas por aqueles; e, por último,
* Aqueles que desempenham a função estritamente ausente do factor político.
A clássica dicotomia Wilsoniana e, em particular, a relação entre ministros e
funcionários públicos (burocracia) não é um assunto novo na área da
Administração Pública (Brans et al., 2002) ou como refere Jacobsen (2001) a
relação entre políticos e burocratas e, em particular, a distribuição do poder
entre as esferas é um clássico na ciência política desde Max Weber e Woodrow
Wilson. A dicotomia entre políticos e burocratas é, em todo o caso, mais uma
expressão do que uma realidade (...) (Popik, 1998), embora se paute, nas
relações do sector público com o privado, pela não existência de estratégias e
atitudes bem definidas sobre o « conflito de interesse » e de
incompatibilidades, em particular no regime de pós-emprego público.
Se, por um lado, são os políticos que tomam decisões, por outro, também são os
burocratas quem as executa e que, muitas vezes, são quem influenciam,
fortemente, as decisões dos próprios políticos. É, de resto, a posição de
Shergold (1997) acrescentando que os burocratas são uma simples parte da
máquina do Estado, acrescentando que a transformação do serviço público
transcende as barreiras ou limites da política.
A teoria que viria a desencadear a problemática sobre a relação entre políticos
e burocratas foi a teoria clássica da separação de poderes (Machado, 1999).
Conforme argumenta o autor, «a evolução das funções dos políticos e dos
burocratas são produto da progressiva expansão do poder dos burocratas em
desempenhar funções que antes residiam apenas na esfera de actuação dos
políticos». É, pois, uma evidência que a formulação e a implementação das
políticas públicas dependem, em grande medida, do equilíbrio no relacionamento
entre políticos e burocratas (Pollitt, 1990). Parece, pois, inquestionável que
os agentes em confronto terão obviamente que conviver em um ou outro cenário,
numa ou noutra imagem, com menor ou maior grau de participação e/ou
subordinação mas, com um enorme equilíbrio de relacionamento.
A reafirmação de uma dimensão política sobre a dimensão burocrática exige
amplos esforços para levar a reforma administrativa à Administração Pública
(Machado, 1999), esforços esses que, se acredita, derivam implicitamente do «
paradigma da Escolha Pública» , que defende que o poder dos políticos, em
especial dos que compõem os órgãos executivos públicos, deve ser aumentado à
custa da diminuição do poder da burocracia, referindo-se a este propósito
(Peters et al., 1999) que, para controlar o poder da burocracia, ou
burocracias, se sugere um conjunto de actuações, a saber:
· Manipulação das estruturas, criando gabinetes que complementem as estruturas
existentes e tradicionalmente dominadas pelos funcionários;
· Controlo do recrutamento nos postos mais elevados;
· Tentar mudar as atitudes e a cultura das pessoas que ocupam os postos mais
elevados e de maior responsabilidade, independentemente do recrutamento se
fazer por critérios políticos ou não; e
· Alterar o nível em que se tomam as decisões.
O estudo da relação entre política e burocracia ganha maior relevância no
âmbito dos níveis mais elevados da Administração Pública, em particular os
dirigentes, na medida em que as mudanças propostas mundialmente para alterar o
aparelho estatal requerem a construção de «coligações» entre as lideranças
políticas partidárias e/ou vinculadas ao Governo e os ocupantes de cargos de
alta direcção/dirigentes. Há poucas indicações de como ocorre o equilíbrio dos
ditames da burocracia com os da política. Ao contrário, procura-se geralmente
estabelecer uma resposta tecnocrática como solução, tentando separar
radicalmente a actuação técnica dos funcionários de carreira, considerada
meritocrática, do padrão imposto pelos políticos, classificado quase sempre
como clientelista (Loureiro et al., 1998).
Apesar do que se alega, é hoje consensual que a simples e única divisão do
trabalho dos burocratas e dos políticos devam coexistir em duas esferas de
actuação distintas, posição que vem sendo, aliás, diluída ao longo dos tempos,
até por comprovação de estudos empíricos. Constata-se, assim, que se trata de
uma relação mais complexa em termos de interacção.
Os burocratas vêm gradualmente ganhando espaço aos políticos na definição da
missão e dos objectivos e orientação política e, por sua vez, os políticos têm
cada vez mais necessidade de se imiscuírem ou envolver nos problemas da
Administração e da gestão. Deste modo, o burocrata como executante neutro na
óptica do desenho de Weber e de Wilson, em que não participa na elaboração das
políticas públicas tem, assim, cada vez menos consistência. Os estudos
empíricos de Aberbach, Putnam e Rockman (1981) introduziram um conjunto de
imagens que reflectem uma interacção bem mais consistente do que a adentrada
por Weber e Wilson. Um pouco mais longe vai o modelo de James Svara (1999) em
que o autor constrói um modelo (1985) a que chama de Dichotomy-Duality-Model.
Trata-se de um arquétipo inspirado no clássico modelo de decisão e no clássico
modelo de Weber (Hansen et al., 2002).
Apesar do que se expõe, hoje parece abandonada a ideia de separação radical
entre política e Administração (burocratas) (Jacosen, 2001). Políticos e
burocratas são vistos como duas esferas que se encaixam. Freitas do Amaral
(2002) salienta que a política e a Administração Pública não são actividades
insensíveis uma à outra, já que a Administração Pública sofre de influência
directa da política. Em regra, toda a Administração Pública, além de
actividades administrativas, é também execução ou desenvolvimento de uma
política. Mas, por vezes, é a própria Administração que se sobrepõe à
autoridade política, por qualquer razão enfraquecida ou incapaz, caindo-se,
então, no exercício do poder pelos funcionários (situação a que Max Weber
chamou de burocracia e Galbraith tecnocracia (idem, 2002). Permanecem, apesar
disso, algumas dúvidas, já que a distinção entre política e Administração no
plano das ideias é mais ou menos consensual, sendo que no plano prático e do
quotidiano nem sempre é tarefa exequível ao nível do seu entendimento.
Na literatura (ver por exemplo Bouckaert et al., 2000) podem encontrar-se
vários estudos empíricos que pretendem dar resposta à complexidade das «
relações entre os políticos e burocratas». Apesar daquela complexidade é
possível categorizar, de modo geral, os seguintes tipos ou modelos para aquela
relação:
i. Separados, razoavelmente politizados (Finlândia, Alemanha e Holanda);
ii. Fortemente politizados (Bélgica e Itália);
iii. Separados (Canadá e Irlanda);
iv. Separados, alguns politizados (Dinamarca);
v. Integrados, fortemente politizados (França);
vi. Separados, ligeiramente politizados (Japão, Noruega a Austrália);
vii. Separados, não politizados (Nova Zelândia e Reino Unido); e
viii. Separados, progressivamente politizados (Suécia).
Muitos países, na sua generalidade, e com uma rigidez variável, detêm um
sistema legal de regulação mais rigorosa para o pessoal que ocupa cargos
políticos do que para os restantes funcionários ou agentes, não implicando, por
si só, que estes últimos também não se encontrem obrigados a alguns
condicionamentos, nomeadamente o regime de incompatibilidade ou, eventualmente,
a qualquer tipo de restrição.
De resto e ao nível das restrições em actividades políticas, da parte dos
titulares de cargos políticos e altos cargos públicos pode dizer-se que (OCDE,
1998): (i) Podem participar em debates públicos e políticos. Situação comum ao
México, Holanda, Nova Zelândia (com ressalva ao conflito com o interesse
público e o código de conduta), Suécia, Suíça, EUA e Austrália (aqui com
algumas recomendações a propósito do código de conduta), Áustria, Bélgica,
Finlândia. Sendo expressamente proibido na Turquia e na Irlanda. Com algumas
restrições, nomeadamente para os códigos de conduta e regras profissionais,
estão o Reino Unido, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha e Japão; (ii) Serem
membros de partido político. Não há restrições em nenhum dos países
assinalados, com excepção da Irlanda, Turquia e do Japão onde é proibido.
Existem, contudo, algumas restrições no Reino Unido; e, (iii) Serem cidadãos
elegíveis em actos eleitorais ou disputarem eleições nacionais (Governo)
mantendo a qualidade de dirigentes (ressalvando-se a sua suspensão para o caso
de Portugal). A situação é proibida no México, Turquia, Reino Unido, EUA,
Austrália, Irlanda e Japão. Sem restrição para a Holanda, Suécia, Suíça,
Áustria, Bélgica, Finlândia, França e Islândia. Com algumas restrições para
Nova Zelândia, Noruega, Canadá, Dinamarca e Alemanha. De destacar que se presta
especial atenção ao nível político, incluindo o parlamento (Itália, Japão, Nova
Zelândia e Portugal), (OCDE, 2000), membros de gabinetes (Itália, Japão, Nova
Zelândia, Portugal e Espanha).
PERÍMETRO DO «CONFLITO DE INTERESSE»: O CASO PORTUGUÊS
As disposições relativas a inexistência de « conflito de interesse » ou regime
jurídico de incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos
e de altos cargos públicos aparece referenciado, disperso por vários diplomas
legais, dos quais se destacam as mais importantes e actualizadas referências, a
saber: Lei n.º 9/90, de 1 de Março, Lei n.º 56/90, de 5 de Setembro, Lei n.º
28/95, de 18 de Agosto, Lei n.º 42/96, de 31 de Agosto, Lei n.º 64/93, de 26 de
Agosto, Lei n.º 39-B/94, de 27 de Fevereiro, Lei n.º12/98, de 24 de Fevereiro,
DL n.º 196/93, de 27 de Maio e DL n.º 71/2007, de 27 de Março.
Neste contexto, e para o caso português, constata-se que em toda a legislação
se faz, sempre, referência aos seguintes cargos:
· «Cargos políticos de eleição» [2
] ;
· «Cargos políticos de livre designação» [3] ; e,
· «Altos cargos públicos de livre designação política» [4] .
De tudo o que fica exposto, conclui-se que dos grupos e cargos em referência
(cargos políticos e altos cargos públicos), se faz alguma confusão conceptual
com outras especificidades. Dito de outro modo, os diplomas legais não são
claros na separação de: «Cargos políticos de eleição» (embora aqui seja fácil
encontrar o itinerário e/ou significado); «Cargos políticos de livre
designação, de confiança política»; e, «Altos cargos públicos de livre
designação, de confiança política». A pouca clareza persiste nos dois últimos
grupos.
De todo o modo, e para efeitos do presente artigo, os cargos que estarão
envolvidos serão os três grupos assinalados na Figura 3 e que prestam serviço,
a qualquer título, no sector privado e que foram detentores de um dos cargos
assinalados na Figura [5] seguinte.
FIGURA 3
Perímetro do conflito de interesse
TIPOS DE OFENSA NO PÓS-EMPREGO PÚBLICO
Para Kernaghan (2007) existem várias situações (que configuram tipologias) de
ofensas que poderão ocorrer após a cessação de funções (sendo que poderão
surgir quando se deixa o cargo público ou, eventualmente, quando se regressa a
um novo cargo público diferente do primeiro), a saber: influência na busca de
novo emprego; lobbyingpós-emprego; «mudar de lado» (político); uso de
informações privilegiadas; e emprego de ex-funcionários ou agentes públicos.
Assim, e de acordo com o mesmo autor (idem, 2007) a gestão do «conflito de
interesse» no pós-emprego público (ou cessação de funções) decorre (e ocorre)
principalmente quando os funcionários e agentes públicos estão a trabalhar no e
para Governo, depois de deixarem o Governo, nas relações de actuais
funcionários com ex-funcionários e nas organizações privadas que empregam ex-
funcionários e agentes públicos.
Regular, e até gerir, as situações de ofensa ao regime pós-cessação de funções
tende a ser mais difícil do que nas situações em que o «conflito de interesse»
ocorre durante o exercício da função, porque os crimes no regime de pós-emprego
público conquanto sejam cometidos por funcionários e agentes públicos que,
embora estejam fora da Administração Pública, movem-se em termos de influência
muito para além do próprio controlo do Governo. As restrições podem, muito mais
facilmente, serem aplicadas a actuais funcionários e agentes e titulares de
cargos públicos, do que àqueles que cessaram funções. Em qualquer caso a
panóplia de «conflitos de interesse» (Figura 4) é bastante numerosa o que torna
o seu controlo ainda mais difícil.
FIGURA 4
Potenciais «conflitos de interesse» em potenciais situações
No movimento (relação) entre o sector público e o sector privado é bem
conhecida a expressão revolving door. É neste movimento de actores (público e
privado) que existe tal fenómeno (Figura 5). Grandes executivos de empresas
privadas e de grupos de interesse têm até relacionamentos muito próximos
(íntimos) com instituições governamentais, em especial os que regulam sectores
de actividade que lhes são próximos ou que, potencialmente, lhes aporta
interesse.
FIGURA 5
Fenómeno do Revolving door
Nesta decorrência e perante o exposto, o interesse pela ética assume particular
importância como parte da solução e, talvez, como possível solução para
comportamentos menos adequados e inoportunos no regime de pós-emprego público.
Existem vários métodos que estão disponíveis para controlar, ou pelo menos
minimizar, o fenómeno da «porta giratória» (revolving door) e que têm
implicações no « conflito de interesse» . Esse controlo pode ser exercido
(Young, 2006), de entre outras, por medidas que contemplem uma legislação que
obrigue à divulgação de bens e rendimentos, à divulgação e transparência de
interesses pessoais e familiares, nomeadamente a situação de possíveis
incompatibilidades profissionais e pessoais, etc.
Em muitos países da OCDE existem várias combinações de mecanismos,
especialmente aqueles que têm como objectivo sensibilizar para a garantia da
transparência, que são implementados com alguma eficácia para evitar o «
conflito de interesse» (Demmke et al., 2008, apud Gençkaya, 2009) (Figura 6).
FIGURA 6
Normas comuns em matéria de «conflito de interesse»
Por exemplo, no conjunto de países da UE assinalados na Figura 7, pode ver-se
que apenas um agregado de 11 países possui políticas ou regulamentos que
abrangem o regime do pós-emprego público para os que cessam funções no Governo
e apenas seis países para os que cessam funções no Parlamento, existindo, mesmo
assim, um número significativo de ausência de informação e não regulação da
situação, tornando a condição do pós-emprego público, ao nível das políticas,
muito fragilizada em países- membros da UE (Figura 7).
FIGURA_7
Políticas sobre « conflito de interesse» nos membros do Governo e do Parlamento
dos países-membros da EU
Como já se referiu, o fenómeno do «conflito de interesse» está relacionado com
a ética ou, pelo menos, com a falta dela, o que potencialmente leva a mais e
maior corrupção. Tal facto contribui, inequivocamente, para ameaçar e criar
barreiras ao desenvolvimento nacional ( Pathranarakul, 2005). Neste
entendimento, deverão ser propostas medidas específicas que: encorajem os
líderes de todas as organizações a agirem como catalisadores para a mudança e
reforço de melhoria dos mecanismos da deontologia profissional, melhorando, ao
mesmo tempo, a integridade na gestão das organizações públicas e privadas; e,
coloquem o problema do «conflito de interesse» na agenda nacional, de forma a
desenvolver sérios esforços na sua implementação, quer ao nível do indivíduo,
quer ao nível organizacional, incrementando orientações para a gestão do «
conflito de interesse » no serviço público (organizações políticas e
governamentais).
PERÍODO DE REFLEXÃO (COOLING-OFF PERIOD)VERSUSREGIME DO PÓS-EMPREGO PÚBLICO
(POST-PUBLIC EMPLOYMENT)
Admite-se que o problema do cumprimento, ou não, do período de reflexão
(cooling-of period) está para além das regras ou regulamentos legais que se
possam estabelecer. Sem se dissentir está, também, o problema da ética
(ausência de comportamentos éticos) que, do mesmo modo, não fica resolvido
apenas pelos códigos de conduta ou quaisquer outros regulamentos legais, mesmo
que em abundância. Assim, e apesar da ocorrência de multiculturalismos
presentes nas várias formas de governação, a solução não está por si só, e por
mais ou menos rígido que seja o sistema, no estabelecimento de um período
temporal de um mês ou, até, num período ilimitado de «reflexão» (Figura 8).
FIGURA 8
Período de reflexão (Cooling-off period)
O cooling-off period[6]deverá ser proporcional à potencial gravidade e risco do
«conflito de interesse» no pós-emprego público. Como se refere em Gely et al.
(2001) ( ), há uma variação substancial de país para país, e também dentro dos
países nos vários níveis de Administração Pública, do cumprimento dos prazos e
limites adoptados para evitar crimes no pós-emprego público, embora o seu
cumprimento seja mais efectivado para os altos cargos políticos do que os
restantes agentes e funcionários.
Na tentativa de combater irregularidades em áreas funcionais da gestão pública,
vários países da OCDE promoverem a implementação de programas de ética, em
particular de mecanismos de transparência e de responsabilização, que pretendem
apoiar o comportamento ético dos funcionários através de uma mistura de regras
e incentivos gerenciais (UNPAN, 2004). Vários instrumentos se têm desenvolvido
para prevenir o «conflito de interesse», embora as proibições e restrições
devam ser encaradas como soluções temporárias (OCDE, 2006a), exigindo-se sempre
atenção ao fenómeno. Reconhecem-se, para alguns países, alguns desses exemplos
de prevenção e forma de evitar o «conflito de interesse» (Figura 9).
FIGURA 9
Instrumentos que previnem o «conflito de interesse»
Como se conhece, a maioria (85% sim, 14% não) dos países da OCDE adoptou um
conjunto de procedimentos ao nível das proibições e restrições no regime de
pós-emprego público. Apesar disso, aquele aumento formal de mecanismos (códigos
de legislação primária e secundária, de conduta, e outros documentos jurídicos
ou documentos não legais) não tem traduzido, na prática, uma eficaz prevenção
do «conflito de interesse». Contudo, a legislação primária tem sido a mais
abundante forma de mecanismos de prevenção do fenómeno na generalidade dos
países.
Mas, como argumenta Bell (2007), nenhum dos relatórios nacionais sugere que a
corrupção é endémica e que se trata de um problema generalizado a todo o
sistema, facto que não é abonatório para as boas práticas de combate ao
fenómeno, uma vez que é do senso comum que o período de pós-emprego público é,
e foi identificado, como uma área de risco emergente nas relações público-
privadas (OCDE, 2006a), sendo necessário, por isso, garantir a aplicação
efectiva das regras e políticas que evitem e previnam o «conflito de interesse»
no período pós-cessação de funções do emprego ou cargo público. Neste sentido,
parece clara a ideia da necessidade do desenvolvimento de princípios éticos que
promovam a diminuição gradual e a ausência do conflito, estabelecendo-se um
conjunto de princípios ou pilares que funcionem num quadro de boas práticas
(Figura 10).
FIGURA 10
Factores-chave para o regime de pós emprego público
(IN) CONCLUSÃO REFLEXIVA
As causas do aumento da preocupação pública e governamental sobre o «conflito
de interesse» no pós-emprego público inclui o facto do sector público ter vindo
a desenvolver estreitas interacções com outros sectores, o que pode resultar
num aumento dos riscos para a manutenção da sua integridade (OCDE, 2009).
Determinar a extensão do fenómeno do revolving doore o seu efeito real sobre
eventuais distorções na política pública é uma tarefa árdua. Como referem
vários estudos, é difícil provar ou determinar que uma ocasionada decisão que
tenha sido tomada, beneficiando ou não, tenha sido feita por uma questão de
lealdade para com o empregador anterior, para agradar a si mesmo ou, até, para
agradar a um potencial empregador futuro. Pode simplesmente ter sido tomada
apenas a coberto da elementar visão que o funcionário ou agente tem sobre a
realidade Se assim for, é uma questão de ética ou simplesmente ideológica?
Parece ser do conhecimento de todos que o fenómeno do revolving dooré um
problema de ligação de interesses privados e de interesses públicos e, em
última instância, dos interesses privados e das decisões do Governo que poderão
consubstanciar-se num importante instrumento de influência ou tráfico de
influência. Sabe-se, assim, que a solução não passa, apenas, pela proibição ou
imposição de um período temporal (período de reflexão no pós-emprego público)
aos ocupantes de cargos políticos e de altos caros públicos na Administração
Pública, de livre designação do poder político. A possibilidade de poderem
beneficiar, ou beneficiarem-se, das políticas que ex ante formularam, pode
conservar-se em qualquer dos casos. Todos experienciam, assim, que a solução
não passa só pelo melhoramento das leis ou regulamentos.
A pressão entre a noção tradicional de Administração Pública e da nova forma de
gestão pública está a surgir, não surpreendentemente, mais nos países que não
têm uma atenção especial ao problema de «conflito de interesse» porque, cada
vez mais, o Estado tem mais relações com o sector privado. É, possivelmente, na
área da ética e deontologia que o problema é claramente mais identificável. Não
parece existir incerteza de que a cultura da ética é um factor importante para
garantir que a Administração Pública mantenha o grau de confiança pública
necessária numa democracia moderna. Assim, não detemos interrogações,
absolutamente, de que a solução para garantir um pós-emprego público mais
íntegro e transparente passa não só, obviamente, pelo aumento e qualidade de
mais regras ou legislação primária mas, também, por uma cultura de civilidade
desde a idade precoce, pela formação e aprendizagem, como cultura de valores
que promovam o interesse público num quadro ético e de moralidade,
transparência e controlo, de responsabilidade individual e do exemplo pessoal.
Em conclusão: uma cultura organizacional que seja intolerante ao «conflito de
interesse».