Impacto da redução de impostos sobre o trabalho, capital e consumo no
crescimento económico da União Europeia dos 15
INTRODUÇÃO
A política orçamental, quer pela via da despesa pública, quer pelos impostos
necessários para a financiar, influenciam as decisões dos agentes económicos e,
por isso, a performance económica. No entanto, na literatura económica aquele
impacto não é consensual. Nos modelos de crescimento económico neoclássicos
tradicionais, a política fiscal afecta o nível de output, mas não a sua taxa de
crescimento de longo prazo, que é determinada por factores exógenos como o
progresso tecnológico e o crescimento populacional (Solow,1956; Swan,1956;
Cass,1965). Desenvolvimentos mais recentes da teoria do crescimento económico
vêm demonstrar que o crescimento de longo prazo ocorre mesmo na ausência de
alterações tecnológicas exógenas. Nos modelos de crescimento endógeno
(Frankel,1962; Romer,1986; Lucas,1988), onde o capital inclui não só o capital
físico como o humano, a política fiscal, ao afectar os incentivos para investir
nas diferentes formas de capital, pode alterar de uma forma permanente não só o
nível de output como a taxa de crescimento económico. Estes novos
desenvolvimentos, bem como o crescente interesse pela economia do supply-side,
deram origem a um vasto conjunto de estudos (não só teóricos como empíricos) de
validação do paradigma do crescimento endógeno. As predições teóricas de que os
impostos distorcionários (impostos que afectam os incentivos para acumular) têm
um efeito negativo permanente na taxa de crescimento económico de longo prazo,
que as despesas públicas produtivas a afectam positivamente, e as despesas
improdutivas negativamente, acompanharam este debate. Os aumentos da carga
fiscal a partir da segunda metade da década de 1990, as questões de
convergência entre os países que formaram a União Europeia (UE) e de
sustentabilidade das finanças públicas estiveram, também, na origem de muitos
estudos económicos em torno da investigação de como as despesas, os impostos e
os défices, podem ser geridos de forma a acelerar o crescimento económico. No
entanto, em termos de evidência estatística, aquelas relações não são muito
notórias. Vários estudos, como os de Engen e Skinner (1992), Kormendi e Meguire
(1985), Wright (1996), Myles (2000), Widmalm (2001), Blanchard e Perotti
(2002), encontram uma relação negativa entre taxas médias de impostos e
crescimento económico; e, de igual forma, os trabalhos de Cashin (1995), De la
Fuente (1997), Kneller et al.(1999), Bleaney et al.(2001) e Doménech e Garcia
(2001) indiciam que os impostos distorcionários afectam negativamente, e de uma
forma permanente, a taxa de crescimento económico de longo prazo; no entanto,
outros estudos, como os de Koester e Kormendi (1989), Easterly e Rebelo (1993),
Slemrod (1995), Mendoza et al. (1997) são agnósticos. Estas contradições
parecem residir «nos testes, não na teoria» devido à «incorrecta escolha de
indicadores das taxas de impostos e das estruturas fiscais» [Padovano e Galli
(2002), p. 530]. De facto, os estudos diferem muito em termos de enquadramento
teórico, de variáveis explicativas incluídas nas regressões (nomeadamente no
que se refere a indicadores de política fiscal), países incluídos na amostra,
período de tempo considerado e metodologias seguidas, entre outros, o que
dificulta a comparação dos resultados.
O presente estudo tem por objectivo aferir se a política fiscal tem um impacto
permanente na taxa de crescimento económico da UE15 1, validando o paradigma do
crescimento endógeno, ou se apenas o afecta transitoriamente (hipótese
neoclássica), em particular no que se refere aos impostos sobre as principais
funções económicas (trabalho, capital e consumo). Para o efeito, recorre-se às
taxas efectivas de impostos estimadas por Martinez-Mongay (2000) que reflectem
o rácio entre as receitas fiscais totais e a base fiscal a partir da qual foram
obtidas, através do fardo fiscal que incide sobre as três principais funções
económicas: trabalho, capital e consumo. As taxas efectivas de impostos são uma
aproximação utilizada frequentemente na avaliação da política fiscal e «medem o
fardo fiscal real ou efectivo directa ou indirectamente aplicado sobre
diferentes tipos de rendimento económico ou actividades que podem ser
potencialmente tributados» [Comissão Europeia (2004), p. 69]. Dado o carácter
dinâmico, intrínseco à política fiscal, desenvolvem-se modelos dinâmicos de
séries temporais, seguindo metodologias mais recentes, de forma a estimar quer
os efeitos de curto, quer os de longo prazo, da política fiscal. Estes modelos
permitem testar os paradigmas neoclássico e de crescimento endógeno e,
consequentemente, aferir se os impostos sobre o trabalho, capital e consumo
afectam permanentemente a taxa de crescimento económico de longo prazo ou
apenas o nível de output. Procurou-se, igualmente, com base nos resultados
estimados, avaliar o tempo que demoram a produzir efeitos.
Após a revisão da literatura sobre esta matéria apresenta-se a estrutura e
evolução dos impostos sobre as funções económicas na UE15. De seguida,
descrevem-se os modelos teóricos, num enquadramento neoclássico e de
crescimento endógeno e, posteriormente os modelos dinâmicos de séries temporais
(lineares) e estimar. Após a descrição das fontes e dados estatísticos,
apresentam-se os resultados e, por último, as conclusões.
REVISÃO DA LITERATURA
A teoria económica prevê que os impostos pagos sobre os rendimentos do capital,
trabalho e consumo influenciam de forma diferenciada o crescimento económico.
No entanto, a diferença entre as predições da teoria e os resultados dos
estudos empíricos pode resultar das variáveis de impostos utilizadas, e que
poderiam eventualmente ser reduzidas com uma melhoria das estimativas das taxas
marginais de impostos.
Em Mendoza, Milesi-Ferretti e Asea (1997), as taxas marginais de impostos são
calculadas conforme propõem Mendoza et al. (1994), que seguem uma nova
metodologia de cálculo: estimam as taxas de impostos ad valorem que representam
os wedges que distorcem os planos óptimos num enquadramento macroeconómico, de
agentes representativos, construídas através da comparação de rendimento e
preços, antes e depois de impostos 2. Os autores mostram que estas estimativas
não diferem muito das taxas marginais de impostos ponderadas pelo rendimento.
Ao utilizarem estas taxas (entre outras variáveis explicativas, como o nível de
Produto Interno Bruto (PIB) inicial, inscrições no ensino secundário, peso das
despesas públicas no PIB e alterações nas relações comerciais) estudam o seu
impacto no crescimento do PIB per capita num painel de 18 países da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), utilizando médias
quinquenais, no período 1965-91, e concluem que as únicas variáveis,
estatisticamente significativas em todas as regressões efectuadas, são o
rendimento inicial e os termos de troca, enquanto as taxas de impostos não são
estatisticamente significativas para explicar o crescimento económico. Esta
última conclusão é concordante com a tese de supraneutralidade de Harberger:
alterações na política fiscal podem afectar as taxas de investimento e melhorar
o bem-estar através de ganhos de eficiência, mas não afectam o crescimento de
longo prazo. Harberger (1964) mostrou que o conjunto de impostos directos e
indirectos são pouco significativos na explicação do crescimento do produto
porque os seus efeitos nas taxas de poupança e investimento não são
suficientemente fortes. No entanto, os resultados de Mendoza, Milesi-Ferretti e
Asea (1997) evidenciam que o tipo de impostos que os governos aplicam é
importante, sugerindo que os impostos sobre o rendimento são mais prejudiciais
ao crescimento do que os impostos sobre o consumo. Leibfritz, Thornton e Bibbie
(1997), em regressões das taxas médias de crescimento para os países da OCDE,
entre 1980-95, e três indicadores de impostos ' taxa média agregada, taxa média
de impostos directos e taxa marginal, concluem que um aumento de 10% nas taxas
de impostos gera uma redução no crescimento de 0,5%, e que a tributação directa
reduz mais o crescimento do que a indirecta.
A predição que a redução de impostos sobre os rendimentos de capitais favorece
o crescimento é, em termos teóricos, relativamente consensual, mas, em termos
empíricos, os resultados são divergentes. No entanto, Persson e Tabellinni
(1994) realizam algumas regressões que mostram evidência que suportam a sua
tese de que a desigualdade e, por conseguinte, aumentos nas taxas de impostos
sobre os rendimentos de capitais, conduzem a um menor crescimento. A hipótese
de que os impostos sobre o rendimento são retardadores do crescimento é também
patente nos trabalhos de Rebelo (1991), Jones e Manuelli (1992), Easterly e
Rebelo (1993), Xu (1994) e Turnovsky (1996). Yamarik (2000), contrariamente a
trabalhos anteriores, desagrega os efeitos dos diferentes impostos, estimando
as taxas marginais de impostos sobre o rendimento pessoal, vendas e bens
imóveis ' seguindo os procedimentos de Koester e Kormendi (1989) ' e conclui
que as taxas de impostos desagregadas apresentam um coeficiente negativo, o que
é consistente com a teoria, mais do que as medidas agregadas e que são mais
usadas na literatura empírica.
Tendo presente que o impacto dos impostos sobre o rendimento no crescimento
económico depende também da composição das despesas públicas, Rivas (2003)
desenvolve um modelo de crescimento endógeno que lhe permite estudar estes dois
impactos e a sua análise vem mostrar que «do ponto de vista da taxa de
crescimento de longo prazo, é melhor financiar a expansão [das despesas
públicas] com impostos sobre o capital do que sobre o trabalho» [Rivas (2003),
p. 500] e que, quando as receitas fiscais são utilizadas para financiar
transferências à custa de despesas produtivas, os efeitos sobre o crescimento
são ambíguos.
Muitos dos estudos suportam a hipótese de que taxas de impostos influenciam o
crescimento de longo prazo, mas usam dados para intervalos de tempo
relativamente curtos (Marsden, 1983); Reynolds, 1985; Skinner, 1987; Rabushka,
1987; Engen e Skinner, 1992) e, por isso, podem não distinguir adequadamente os
efeitos de curto e longo prazo. Em alguns estudos, este problema é ultrapassado
pela utilização de dados cross-section, o que, de acordo com Ireland (1994b, p.
13), ao se calcularem taxas médias de crescimento para cada país ao longo de
períodos de tempo alargados, permite identificar tendências de longo prazo e, o
facto de estes estudos envolverem países com diferentes experiências, aquele
tipo de dados facilita a obtenção de informação acerca de se a política fiscal
afecta o crescimento de longo prazo. A captação dos efeitos diferenciados da
política fiscal, no curto e no longo prazo, sobre o crescimento económico é
realizada por Kocherlakota e Yi (1997) que, numa amostra de 100 anos para os
EUA e de 160 para o Reino Unido, testam se o investimento público e os impostos
têm efeitos permanentes no crescimento económico, ou seja, se validam o
paradigma de crescimento endógeno. As conclusões deste estudo vão no sentido de
que os impostos têm um efeito permanente na taxa de crescimento económico de
longo prazo, quando se inclui o investimento público (embora não sejam
estatisticamente significativos quando se excluem as componentes da despesa) e
este tem efeitos positivos no crescimento quando se controla pelas receitas,
validando a tese do crescimento endógeno. Karras (1999) desenvolve um trabalho
idêntico [na linha, também, de Jones (1995) 3], para 11 países da OCDE, no
período 1960-1992, utilizando como variáveis de política fiscal o nível de
fiscalidade e os impostos directos. Recorrendo, adicionalmente, à estimação de
um modelo dinâmico de séries temporais, os resultados sugerem que os efeitos da
fiscalidade no crescimento económico são transitórios, com uma duração de cerca
de cinco a seis anos. Tal é consistente com o paradigma do crescimento
neoclássico, «a não ser que o período de alteração dos impostos coincida com
alterações permanentes noutras variáveis que anulem completamente os seus
efeitos no crescimento» (Karras,1999, p. 180), hipótese que não é testada pelo
autor. Na mesma linha metodológica de Karras (1999), mas considerando
simultaneamente o papel da fiscalidade e das despesas públicas, Romero de Ávila
e Strauch (2003) concluem, para os Estados-Membros (EM) da UE15, que o nível de
fiscalidade afecta negativamente o crescimento, mas quando se efectua o
controlo pela despesa total (ou suas componentes) e o investimento privado, a
relação não é robusta. Nas diferentes subcategorias das receitas fiscais,
Romero de Ávila e Strauch (2003) não encontram relações robustas com o
crescimento económico, mas sim com o investimento privado, particularmente os
impostos directos. Para os impostos sobre as principais funções económicas, nem
a taxa efectiva de imposto sobre o trabalho, nem a taxa efectiva de imposto
sobre o capital estão relacionadas, de uma forma significativa, com o
crescimento. O mesmo não acontece com a taxa efectiva de imposto sobre o
consumo que tem um impacto positivo e significativo no crescimento económico.
Também, no âmbito dos países da UE, Gemmell e Kneller (2003) demonstram que o
efeito líquido das alterações na política fiscal ' impostos distorcionários
sobre o rendimento, despesas públicas produtivas, saldo das administrações
públicas ' em 11 países da UE15, nos anos de 1990, é relativamente fraco, com
excepção de Espanha e Finlândia. Na UE também se tem defendido a redução dos
impostos, em particular do factor trabalho, conforme orientações do Broad
Economic Policy Guidelines. No entanto, simulações efectuadas pela Comissão
Europeia (2000a) permitem concluir que uma redução dos impostos no PIB em 1%
tem efeitos consideráveis positivos no PIB, emprego e investimento, mas
incapazes de se autofinanciar, pelo que a redução das despesas se torna
indispensável. Dependendo das medidas de redução fiscal (redução das taxas de
impostos sobre o trabalho, redução das taxas de impostos sobre o trabalho e
empresas ou redução das taxas de impostos sobre o trabalho, empresas e impostos
sobre o valor acrescentado), o PIB aumentaria entre 0,54% a 0,97%, o emprego
entre 0,54% e 0,97%, verificando o maior impacto ao nível do investimento, que
rondaria os 1,24% a 1,88%, ao fim de 10 anos. Este estudo vem ainda mostrar que
uma redução dos impostos sobre os rendimentos do trabalho de 1% do PIB
permitiria alcançar mais facilmente os objectivos do aumento do emprego e nível
de actividade económica, quando comparado com uma redução global de 1% do PIB
nos impostos sobre o trabalho, empresas e valor acrescentado. Adicionalmente, a
substituição de impostos directos sobre o trabalho para impostos indirectos,
como os impostos sobre o consumo (muito menos distorcivos porque afectam todos
os inputs e não apenas o trabalho) e energia, só tem impactos significativos no
emprego, investimento e PIB se não for acompanhada por uma compensação total no
aumento dos preços no consumo.
ESTRUTURA E EVOLUÇÃO DOS IMPOSTOS SOBRE O TRABALHO, CAPITAL E CONSUMO NA UE15
A UE é uma área com uma elevada carga fiscal: o rácio dos impostos no PIB é de
39,8% em 2007 4(média ponderada), enquanto nos EUA e no Japão é cerca de 12 pp.
inferior. Há, no entanto, grandes disparidades entre os EM da UE15: os países
que apresentam um maior nível de fiscalidade são a Dinamarca (48,7% do PIB),
Suécia (48,3% do PIB), Bélgica (44%), França e Itália (43,3%), Finlândia (43%)
e Áustria (42,1%). São também estes os EM que mais tributam o factor trabalho
( Suécia (28,3%), Dinamarca (24,8%), Bélgica (22,9%), França (22,4%) e
Finlândia (22,3%) .
Por funções económicas, a carga fiscal é mais elevada sobre o factor trabalho
em termos médios na UE15, representando 19,5% do PIB e 48% no total das
receitas fiscais na UE15, em 2007. O capital, em todos os EM, é tributado em
muito menor grau: os impostos sobre este factor representam 8% do PIB e 26,3%
das receitas fiscais na UE15. Os impostos sobre o consumo representam 11,7% do
PIB e contribuem em 29,3% para as receitas fiscais totais (Gráficos 1 e 2). Em
termos de estrutura, o peso dos impostos sobre o consumo no total de impostos
sobre o trabalho e capital é superior a 50% em Portugal, Irlanda e Grécia (a
média da UE15 é de 40,9%).
GRÁFICO 1
Distribuição da carga fiscal por funções económicas em % do PIB, 2007
GRÁFICO 2
Impostos por funções económicas em % das receitas fiscais totais, 2007
Há, no entanto, enormes disparidades entre os EM, particularmente no que se
refere à tributação do trabalho. O peso dos impostos sobre o trabalho no PIB é
significativamente inferior à média da UE15 na Irlanda (10,7%, reflexo do menor
peso relativo das contribuições sociais) e, em menor grau, na Grécia (13,4%),
no Reino Unido (14%), Luxemburgo (15,3%) e Portugal (15,8%). Na Suécia, o rácio
dos impostos sobre o trabalho no PIB é o mais elevado da UE15, com uma média de
30,2% entre 1995 e 2007, atinge, neste ano, 28,3% do PIB. A diferença de 17,6
pp. entre o país com maior e menor proporção de impostos sobre o trabalho no
PIB, em 2007, não é tão evidente nos impostos sobre o capital, em que a
diferença entre o fardo máximo (em Itália de 11,8% do PIB) e mínimo (Holanda,
4,8%) é de 4,8 pp., nem nos impostos sobre o consumo (com um valor máximo de
16,2% na Dinamarca, e mínimo de 9,5% em Espanha). A evolução do fardo fiscal
por funções económicas denota alterações importantes desde 1995. Em todos os EM
da UE15 (com excepção do Luxemburgo) há um contributo positivo dos impostos
sobre o capital para o aumento do nível de fiscalidade (ver Gráfico 3).
GRÁFICO 3
Contributo relativo dos impostos sobre o consumo, trabalho e capital em % do
PIB para a variação no nível de fiscalidade entre 1995-2007
O aumento de 0,8 pp. na carga fiscal total na UE15 entre 1995 e 2007 resulta de
um aumento médio nos impostos sobre o capital de 1,6 pp., enquanto se verifica
uma ligeira diminuição nos impostos sobre o trabalho (0,6 pp.) e consumo (0,2
pp.). Naquele período, apenas na Finlândia, Holanda, Irlanda, Alemanha e
Dinamarca, a redução dos impostos sobre o trabalho foi mais significativa
(superiores a 2 pp.), e na Irlanda para os impostos sobre o consumo (superior a
1,5 pp.). Relativamente aos impostos sobre o capital, com excepção do
Luxemburgo, onde se verificou uma ligeira diminuição (0,2 pp.), nos restantes
EM mais antigos o peso deste tipo de imposto no PIB aumentou.
Quando se avalia o fardo fiscal através das taxas implícitas, ao nível do
factor trabalho constata-se que aumentou até 1999 (36,7% contra 36,2% em 1995),
entrando numa fase decrescente, que se inverteu em 2004, situando-se em 2007 ao
mesmo nível que 1995 ( ver Gráfico 4) . De acordo com a Comissão Europeia
(2009a, p. 14) apesar de ser consensual que seja desejável reduzir os impostos
sobre o trabalho, este objectivo tem sido difícil de prosseguir. Entre 1995 e
2007, os países nórdicos foram os que mais reduziram esta taxa: Suécia (-4,1%),
Dinamarca (-4%) e Finlândia (-2,7%), bem como a Alemanha (-2,8%). Em
particular, na Suécia, a taxa de imposto implícita no trabalho atingiu o valor
máximo de 49,4% em 1998, que é o culminar de medidas de política económica para
aumentar as receitas fiscais, tendência que tem vindo progressivamente a
inverter-se, mas, em 2007, a taxa de imposto implícita no trabalho ainda era
superior em 8,6 pp. à verificada na média europeia dos 15, mas inferior ao seu
valor em 1995.
GRÁFICO 4
Taxa implícita de impostos sobre o consumo, capital e trabalho na UE15 (média
aritmética), 1995-2007
No que respeita aos impostos sobre o capital, desde 1995 tem existido um
aumento na taxa implícita deste imposto na UE15 até 1999 (32,6% em 1999, mais
6,4 pp. do que em 1995). Apesar da redução verificada nos quatro anos
seguintes, voltaram-se a registar aumentos naquelas taxas ( ver Gráfico 4).
Entre 1995 e 2007, o valor médio da taxa de imposto implícita do trabalho
aumentou 6,1 pp. e, apenas na Holanda e Finlândia, se observaram reduções.
Os impostos sobre o consumo aumentaram 0,5 pp. entre 1995 e 2007 na UE15. Neste
período, apenas a França, Reino Unido e Finlândia reduziram a taxa implícita de
imposto sobre o consumo (2,0 pp., 1,5 pp. e 1,2 pp., respectivamente). Em 2007,
a Grécia apresentava a mais baixa taxa (15,4% do PIB) seguida de Espanha
(15,9%), com uma diferença de mais de 18 pp. do país com maior taxa implícita
de impostos sobre o consumo (Dinamarca).
CRESCIMENTO EXÓGENO VERSUS CRESCIMENTO ENDÓGENO: MODELOS TEÓRICOS
As relações teóricas entre taxa de crescimento económico do estado estacionário
e fiscalidade podem ser analisadas a partir dos modelos de crescimento
seguintes. Para o efeito, considere-se um consumidor representativo, com um
horizonte temporal infinito, com uma função utilidade dada por:
onde representa o consumo per capita, a elasticidade substituição intertemporal
e a taxa de preferência temporal.
A tecnologia segue uma função produção Cobb-Douglas, em que é o output per
capita, o stock de capital per capita, o factor tecnológico e .
O governo impõe uma taxa de imposto proporcional sobre o output, , sendo a
restrição de recursos da economia dada por:
onde «n» representa a taxa de crescimento populacional e a taxa de
depreciação. Da maximização da função utilidade, sujeita à restrição da equação
de acumulação de capital, determina-se a taxa de crescimento do produto per
capita de longo prazo, «g», dada por:
onde o numerador representa a taxa de crescimento da produtividade total.
Neste enquadramento neoclássico, um aumento no nível de fiscalidade reduz o
stock de capital per capita e, consequentemente, o nível de output, mas não
afecta a taxa de crescimento do produto de longo prazo.
Alternativamente, considere-se uma função de produção do tipo AK (que determina
o crescimento endógeno), em que o capital é o único factor produtivo e os
rendimentos são constantes à escala. Com uma função produção deste tipo, o
output cresce à mesma taxa que o investimento líquido em capital:
onde A representa uma constante. A taxa de crescimento do output em estado
estacionário é:
Um aumento no nível de fiscalidade reduz o stock de capital em estado
estacionário e o output per capita, mas reduz, também, a taxa de crescimento de
longo prazo.
Desta forma, testar a hipótese neoclássica consiste em verificar se o nível de
fiscalidade não afecta a taxa de crescimento económico de longo prazo: o
percurso do output em estado estacionário desloca-se mas paralelo ao anterior.
Pelo contrário, com crescimento endógeno, o nível de fiscalidade altera
permanentemente a taxa de crescimento do estado estacionário.
MODELOS A ESTIMAR: MODELOS DINÂMICOS DE SÉRIES TEMPORAIS
Para efectuar o teste do impacto da fiscalidade no crescimento económico, a
nossa escolha de especificação do modelo recai, de acordo com a literatura
económica mais recente, em especificações dinâmicas que permitem aferir se a
política fiscal tem um impacto permanente na taxa de crescimento económico,
validando o paradigma do crescimento endógeno, ou se apenas afecta o nível de
output,validando o paradigma neoclássico e, adicionalmente, estimar os efeitos
quer de longo prazo, quer os de curto prazo.
Assumindo que o comportamento da taxa de crescimento do outputrealper capita é
representada por um modelo de desfasamentos auto-regressivos distribuídos, de
ordem p (ADL(p,p)), em que a taxa de crescimento económico, num dado período, é
explicada pelos seus valores passados e pelo valores correntes e passados da
taxa de imposto:
isto é,
onde t é a tendência temporal e a taxa de imposto efectiva. A(L) e B(L) são
dois polinómios desfasados, sendo L o operador do desfasamento:
sendo X qualquer das variáveis integradas no modelo, com:
Ao considerar-se o estado estacionário em que o PIB per capitacresce a uma taxa
constante, , o efeito-crescimento, ou seja, o impacto do nível de fiscalidade
na taxa de crescimento económico de longo prazo é: , com .
Neste enquadramento, como em Evans (1997), Kockerlakota e Yi (1997), Karras
(1999) e Romero de Ávila e Strauch (2003), o crescimento exógeno implica que o
nível de fiscalidade não afecte a taxa de crescimento económico em estado
estacionário, ou seja:
para uma ordem de desfasamento elevada,
enquanto o crescimento endógeno é validado se:
para os impostos distorcionários. Neste caso, a taxa de crescimento económico
de equilíbrio reduz-se, quando há um aumento permanente no nível de
fiscalidade.
A eq. [7] pode ser reparametrizada em níveis e diferenças (seguindo Jones,
1995; Karras, 1999; e Romero de Ávila e Strauch, 2003) e, uma vez que a série
da taxa efectiva de imposto corresponde à primeira diferença, ela é
estacionária e não está correlacionada com a tendência temporal, que permite
captar alterações exógenas na taxa de crescimento que são omitidas na
especificação do modelo. Para o efeito, somando e subtraindo ao 2.º membro da
eq. [7] , vem:
onde e C(L) é um polinómio de ordem p-1 tal que , p-1 e avalia o efeito de
longo prazo da fiscalidade no crescimento económico, enquanto os coeficientes
das primeiras diferenças da taxa de imposto avaliam os de curto prazo. Também,
neste caso, se o valor estimado de for negativo, uma alteração permanente na
taxa de imposto reflecte-se, de uma forma permanente, na taxa de crescimento
real do PIB per capitade longo prazo, validando a hipótese de crescimento
endógeno. Se o valor estimado for nulo, os efeitos das alterações permanentes
na taxa de imposto só têm efeitos transitórios no crescimento económico, dando
suporte ao paradigma neoclássico.
O efeito crescimento é dado por: e o efeito nível por :
O modelo pode, adicionalmente, ser formulado considerando as variações na taxa
de crescimento económico e na taxa de imposto. Uma das vantagens desta
reparametrização é a estimação directa e o teste imediato das somas que são
relevantes para a existência de uma relação de co-integração. A passagem para
as primeiras diferenças origina, adicionalmente, uma redução da potencial co-
linearidade dos regressores, reduzindo os erros-padrão. Para o efeito e, para
simplificação, define-se a taxa de crescimento económico ( nos modelos
anteriores).
Sendo o efeito crescimento da taxa de imposto dado por:
A partir deste modelo, podem-se calcular os efeitos de uma alteração da taxa de
imposto na taxa de crescimento económico em cada um dos períodos posteriores à
referida alteração (ver Anexo_I). A soma destes efeitos parcelares iguala o
efeito crescimento dado pela eq. [11] .
Uma vez que os impostos permitem financiar despesas, cujo impacto no
crescimento económico depende, de acordo com literatura económica, do seu
carácter produtivo ou improdutivo, torna-se importante integrar os dois lados
do orçamento no estudo das relações de longo prazo da fiscalidade e o
crescimento:
Neste modelo, o paradigma do crescimento endógeno será validado se as somas dos
coeficientes das variáveis de política fiscal não convergirem para zero,
esperando-se ser positivo para as despesas públicas produtivas e negativo para
os impostos distorcionários. Pelo contrário, o crescimento exógeno implica que
os efeitos de longo prazo sejam nulos. O efeito crescimento da taxa de imposto
é e das despesas públicas .
DADOS E FONTES ESTATÍSTICAS
A amostra é constituída por 14 países da UE15 (com excepção do Luxemburgo, por
falta de elementos estatísticos), no período 1970-2000 5, e a descrição dos
dados e fontes estatísticas encontram-se no Anexo_II. As equações foram
estimadas pelo Método do Mínimos Quadrados Generalizado (Cross Section
Weights),comWhite Heteroskedasticity-Consistent Standard Errors and Covariance.
EFEITOS DE LONGO PRAZO DAS TAXAS EFECTIVAS DE IMPOSTOS SOBRE O TRABALHO,
CAPITAL E CONSUMO NO CRESCIMENTO ECONÓMICO' RESULTADOS DA ESTIMAÇÃO
Dado tratar-se de modelos com variáveis desfasadas, o número de desfasamentos a
considerar na estimação, não conhecido a priori, e de forma a controlar os
efeitos do ciclo económico, foi determinado em seis períodos, pelos critérios
de Schwarz e Akaike, o que é consistente com o número de anos de duração do
ciclo económico para os países da UE15, entre 6 a 8 anos 6 7(Bouthevilain et
al., 2001).
Nos Quadros I, II e III apresentam-se os resultados da estimação dos modelos
dinâmicos de séries temporais do impacto de cada um dos impostos que incide
sobre cada uma das principais funções económicas no crescimento económico '
taxas efectivas de impostos sobre o consumo , trabalho e capital ' analisados
individualmente, e controlado pelas despesas públicas em consumo e
investimento, bem como pelo investimento privado. Registam-se, por
simplificação, apenas os coeficientes estimados que captam o impacto de longo
prazo que as variáveis exercem no crescimento económico. Os resultados sugerem
que o impacto de longo prazo dos impostos sobre o trabalho é negativo e
estatisticamente significativo, mesmo quando se incluem variáveis de controlo
(taxa de investimento privado e despesas públicas), o que sugere a validação do
paradigma de crescimento endógeno. Um aumento de 1 pp. na taxa efectiva de
impostos sobre o trabalho reduz permanentemente a taxa de crescimento económico
de longo prazo em cerca de 0,03 a 0,036 pp. Adicionalmente, constata-se que o
efeito crescimento das taxas efectivas de impostos sobre o consumo e sobre o
capital não são estatisticamente significativas.
QUADRO I
Impacto dos impostos sobre o consumo no crescimento económico
QUADRO II
Impacto dos impostos sobre o trabalho no crescimento económico
QUADRO III
Impacto dos impostos sobre o capital no crescimento económico
A inclusão simultânea das taxas efectivas de impostos que incidem sobre as
funções de consumo, trabalho e capital (Quadro IV) melhoram significativamente
os resultados obtidos. Conforme se pode observar, a taxa de imposto efectiva
sobre o trabalho afecta negativamente, e de uma forma significativa, o
crescimento económico no longo prazo, o que denota o carácter distorcionário
deste tipo de impostos e, embora não se possa aferir directamente, o potencial
efeito negativo nos incentivos económicos a trabalhar e investir. O efeito
crescimento de um aumento na taxa efectiva dos impostos sobre o trabalho situa-
se entre -0,04 pp. a -0,07 pp. O mesmo impacto negativo se observa para
impostos sobre o capital e rejeita-se a hipótese deste imposto não ter efeitos
de longo prazo no crescimento económico, com excepção da regressão (10), onde
não se incluem variáveis de controlo. A magnitude do efeito crescimento da taxa
efectiva dos impostos sobre o capital é de cerca de -0,04 pp. a -0,11 pp. Os
impostos sobre o consumo, pelo contrário, não afectam negativamente o
crescimento económico, no longo prazo, o que pode reflectir, por um lado a não
distorcionaridade deste tipo de impostos e os benefícios de uma estrutura de
impostos mais centrada em impostos indirectos. No modelo (12), onde se inclui a
despesa pública e o investimento privado não se rejeita a hipótese dos impostos
sobre o consumo não afectarem o crescimento económico, o que está de acordo com
as predições da teoria.
QUADRO IV
Impacto dos impostos sobre o consumo, trabalho e capital no crescimento
económico
Importa, ainda, averiguar o período de tempo durante o qual os efeitos das
alterações daquelas taxas de impostos perduram. Nos gráficos seguintes mostram-
se os efeitos que um aumento em cada um das taxas efectivas de impostos, num só
momento, teria na taxa de crescimento anual do PIB per capita nos períodos
seguintes, para cada um dos modelos estimados do Quadro IV . No caso dos
impostos sobre o trabalho o aumento da taxa em 1 pp. faz diminuir a taxa de
crescimento do output em cerca de 0,27 pp., no 1.º ano (Gráfico 5) e o efeito
do choque no período seguinte é positivo de 0,17 pp., sendo o efeito acumulado
de -0,10 pp. A partir do 7.º período subsequente à alteração na taxa de imposto
(dado o número de desfasamentos integrados no modelo), a variação do nível de
fiscalidade deixa de influenciar directamente a taxa de crescimento e a
variação nesta resulta apenas dos efeitos que a política fiscal exerceu na taxa
de crescimento do output nos períodos anteriores. O efeito total da alteração
da taxa de imposto na taxa de crescimento económico em estado estacionário
(efeito crescimento) é exercido ao fim de cerca de 15 anos, quando os efeitos
acumulados anuais se aproximam do valor do efeito crescimento calculado no
Quadro IV . O mesmo se verifica para os impostos sobre o capital (Gráfico 6 ).
Relativamente aos impostos sobre o consumo confirma-se o carácter menos
distorcivo (Gráfico 7). Em qualquer um dos modelos, confirma-se a relação
negativa e permanente entre crescimento económico e impostos sobre o trabalho e
capital.
GRÁFICO 5
Simulação dos efeitos de uma redução de 1 pp. na taxa efectiva de imposto sobre
o trabalho na taxa de crescimento económico (efeitos acumulados)
GRÁFICO 6
Simulação dos efeitos de uma redução de 1 pp. na taxa efectiva de imposto sobre
o capital na taxa de crescimento económico (efeitos acumulados)
GRÁFICO 7
Simulação dos efeitos de uma redução de 1 pp. na taxa efectiva de imposto sobre
o consumo na taxa de crescimento económico (efeitos acumulados)
CONCLUSÕES
A vasta literatura existente em torno da investigação da forma como as despesas
públicas e os impostos podem ser geridas de forma a acelerar o crescimento
económico decorre, não só dos desenvolvimentos recentes da teoria do
crescimento endógeno, como também do debate político acerca da excessiva
dimensão do sector público. Ao nível empírico, apesar de os resultados não
serem muito consensuais, do lado dos impostos, o que nos parece ser de concluir
é que o seu impacto no crescimento económico é negativo, sendo, quando muito,
inconclusivo.
O estudo empírico sobre aquelas relações dinâmicas, utilizando dados para 14
países da UE15 (com excepção de Luxemburgo), teve por objectivo averiguar se as
finanças públicas podiam constituir um instrumento válido para fomentar o
crescimento económico de longo prazo ou se, pelo contrário, têm um impacto na
actividade económica apenas no curto prazo. Mais precisamente, pretendeu-se
verificar se as relações entre política fiscal e crescimento económico eram
consistentes com o paradigma neoclássico, em que o crescimento é exógeno, ou
com o paradigma de crescimento endógeno. Através de modelos dinâmicos de séries
temporais, os resultados obtidos são consistentes com o paradigma de
crescimento endógeno: a política fiscal afecta permanentemente a taxa de
crescimento económico de longo prazo. A redução das taxas efectivas de impostos
sobre o trabalho e o capital, de acordo com os resultados obtidos, sugerem
estimular o crescimento económico nos 14 EM da UE15 analisados e, se é vontade
dos governantes aumentar a taxa de crescimento económico, torna-se fundamental
reduzir estas taxas de impostos e a dimensão do sector público.