Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTHUAp0873-74442012000100007

EuPTHUAp0873-74442012000100007

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0873-7444
ano2012
Issue0001
Article number00007

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Valoração do capital natural: económica, ecológica ou política?

INTRODUÇÃO Uma interrogação antiga em economia tem a ver com a razão pela qual o ar, um elemento indispensável à própria vida, é um bem livre ou gratuito, ao passo que os metais preciosos, embora supérfluos, têm uma cotação elevada nos mercados. A isto se chama o «paradoxo do valor»1.

Georgescu-Roegen (1983) sustenta que, ao longo dos tempos, os economistas procuraram resolver o paradoxo do valor, recorrendo ao conceito de escassez: o ar é gratuito porque não é escasso, mas os metais preciosos têm valor económico, porque são raros. E acrescenta que diferentes explicações do valor foram, assim, surgindo, tendo sempre em atenção o fator que, a cada momento, parecia ser mais raro, do bem específico cuja escassez se mostrava crucial para a satisfação das necessidades dos seres humanos.

Esse bem ou fator passa então a ser aceite como causa ou origem do valor económico. Assim aconteceu, em primeiro lugar, com o ouro e a prata, nos Séculos XVII e XVIII, depois com os produtos da terra, mais tarde com a força de trabalho, por fim com a própria procura efetiva dos bens e serviços.

Mercantilismo, fisiocracia, escola clássica de economia política, utilitarismo neoclássico são correntes do pensamento económico, que procuram dar conta, cada uma delas à sua maneira, da tendência humana normal para atribuir valor àquilo de que, em cada fase histórica, necessitamos com a máxima urgência, mas não se encontra disponível em quantidade suficiente. E nós podemos acrescentar que a economia do ambiente e dos recursos naturais retoma este mesmo postulado, quando sustenta que o capital ecológico se está a converter no fator restritivo da função macroeconómica de produção.

As teorias usualmente propostas para explicar o valor dos bens têm-se apoiado numa conceção «unimodal» do mesmo, dado que todas elas defendem a existência de uma única fonte do valor. Essa fonte não é outra coisa senão o fator limitante, o elemento cuja escassez se mostra determinante, em cada época. São, por esse motivo, teorias «monistas»do valor económico.

A entrada recente da problemática ambiental na reflexão dos economistas, nomeadamente a perceção do facto evidente de que a Natureza fornece serviços gratuitos à economia e coloca recursos materiais e energéticos à disposição do homem para a satisfação das suas necessidades a um preço que traduz somente o custo do trabalho e do capital investidos na sua exploração, veio dar uma importância acrescida à questão da valoração dos bens, em geral, tanto do ponto de vista teórico, como prático e, simultaneamente, colocou-a numa perspetiva inédita.

A partir de agora, deixa de fazer sentido, mesmo no quadro da análise económica convencional, ignorar o contributo produtivo específico dos recursos da Natureza e dos serviços ambientais. É que a valoração destes bens e serviços, cuja escassez não oferece dúvidas, é hoje, claramente, uma condição fundamental da sua gestão eficaz, fazendo-os entrar na esfera da ação política e podendo impedir, por esta via, a ocorrência de casos de sobre-exploração e de degradação do ambiente.

Duas linhas de orientação têm-se confrontado neste domínio novo do conhecimento que é a economia ambiental, entendida a expressão no seu sentido mais amplo: A primeira linha prolonga a «obsessão»monista tradicional com respeito à valoração dos bens. Ela recorre a um de dois métodos de cálculo: por um lado, ao cálculo monetário, com base no princípio do «consentimento marginal para pagar» (pela aquisição de um bem ou serviço) ou «para receber» (uma compensação pela sua perda) e na configuração de mercados fictícios; por outro, apoia-se na contabilidade energética, com base em modelos biofísicos, que estimam o valor dos bens em função da quantidade de energia solar que está neles incorporada.

No primeiro caso, falamos de valoração monetária ou económica dos bens, no segundo de valoração energética ou ecológica.

A segunda linha de orientação entra em rutura com as explicações monistas tradicionais, em que uma única substância ou princípio explica o valor dos bens. Na verdade, o núcleo central da moderna reflexão económico-ecológica adota, nesta matéria, um ponto de vista «dualista» ou «bimodal», segundo o qual o valor dos bens resulta da associação de dois parâmetros. Primeiro, do lado da oferta, de um parâmetro físico: as coisas com baixa entropia e escassas têm valor porque pressupõem o dispêndio de materiais, energia e informação para a sua produção. Depois, do lado da procura, de um parâmetro psíquico, nos termos do qual o valor depende da capacidade que os bens possuem para satisfazer as necessidades humanas, um dado que determina a sua atratividade relativa.

Um ponto de vista dualista recusa, ao mesmo tempo, o reducionismo monetário e o reducionismo ecológico, na medida em que parte da premissa da inexistência de uma medida comum de todos os valores ou de uma unidade de conta universal. A valoração dos bens e serviços ambientais é, nestas circunstâncias, fundamentalmente uma questão que releva das esferas da ética e da política.

Analisemos com um pouco mais de pormenor cada uma destas duas grandes linhas de orientação.

O PROLONGAMENTO DAS OBSESSÕES MONISTAS Valoração económica - o cálculo monetário Antes de mais, importa deixar claro que, em economia, o conceito de «efeito externo» (ao mercado) ou de «externalidade»não designa diretamente uma alteração do mundo biofísico provocada pela ação do homem, mas sim as consequências que essa alteração possa ter no bem-estar das pessoas. Na esteira de Pigou (1920), ele refere-se ao impacto do comportamento de um agente económico (produtor ou consumidor) no nível de utilidade ou bem-estar de outro agente, sem que esse facto tenha uma expressão direta nos preços de mercado. Um ponto de vista que é evidenciado, por exemplo, por Pillet (1993, p. 15), entre muitos outros autores, ao observar que uma externalidade é «uma interdependência entre funções de utilidade dos consumidores e funções de custo dos produtores entre elas diretamente ou de uma maneira cruzada, mas sem ser objeto de uma qualquer troca em qualquer mercado».

A diferença entre o sentido físico do termo e o seu sentido económico é, na realidade, demasiado importante para que a possamos deixarem silêncio.

Apoluição (externalidade negativa), por exemplo, não tem, de facto, o mesmo significado em ecologia e em economia: para que haja poluição, na ótica da ciência económica, é necessário que uma modificação do estado do ambiente afete negativamente o nível de utilidade de um consumidor ou diminua o lucro de um empresário. E essa perda toma a natureza de um efeito externo, a partir do momento em que não é compensada por nenhum mecanismo de mercado. Jouvenel (1970) sustenta, precisamente nesta linha de pensamento que, em economia, não são as poluições propriamente ditas que contam, mas sim os danos mediatizados pelas funções objetivo dos agentes económicos. Por outras palavras, o que neste caso importa é a expressão monetária dos custos da degradação ambiental, tal como eles são percecionados pelos indivíduos e na exata medida em que o são.

Um ponto de vista como este abre caminho a um método de cálculo monetário do valor dos bens e serviços ambientais, bem como dos danos que eles possam eventualmente sofrer. Num primeiro momento, entende-se que as externalidades económicas possuem uma única dimensão relevante, de cariz subjetivo, que liga dois polos opostos: um polo positivo de vantagens ou satisfações e um polo negativo de custos ou desutilidades. Nestas condições, elas podem ser objeto de uma análise clássica de custo-benefício, na base de uma métrica ou denominador comum, o que implica a plena comensurabilidade dos bens e serviços ecológicos, isto é, o facto da perda de um bem poder ser sempre avaliada contra o ganho de um outro qualquer bem. Adota-se, assim, uma conceção monista do valor, baseada na sua aptidão para satisfazer as necessidades individuais ou, mais simplesmente, no seu «valor de uso»2.

À semelhança do que acontece com os restantes bens, o valor dos bens e serviços do ambiente mede-se, de facto, pela sua utilidade, pela satisfação que o seu uso proporciona. Em termos práticos, na ausências de mercados dos quais se possam derivar direta ou indiretamente valores de uso, isto faz-se quantificando o «consentimento marginal para pagar ou para aceitar», consoante estejamos a considerar respetivamente a sua aquisição ou a sua renúncia3. A expressão monetária desse consentimento, denominada «excedente do consumidor» (a diferença entre o preço do bem ou do serviço do ambiente, neste segundo caso nulo, e aquilo que estaríamos dispostos a pagar para o adquirir ou a receber para a ele renunciar), obtém-se pelo recurso a técnicas específicas de cálculo, a principal das quais recebeu a designação de «avaliação contingente» e que tem a pretensão de ser aplicável à generalidade das situações em análise.

No quadro daquelas técnicas, o valor social ou coletivo dos bens e serviços ecológicos resulta da mera agregação das valorações individuais, sendo que, na ausência de mercados onde os agentes económicos possam expressar as suas preferências, estas últimas são medidas através da administração de inquéritos.

Obtém-se, nestas condições, o «preço-sombra» do bem ou do serviço ambiental, um elemento de informação que é indispensável à correção das falhas e deficiências do mercado na valoração das externalidades económicas e que abre a porta à correspondente internalização, seja pela via pigouviana da intervenção estatal (impostos e subsídios), seja pela via coasiana4 da negociação direta entre os agentes económicos implicados. O propósito último desta metodologia de cálculo é evidente: fornecer informação que permita agir sobre os preços do mercado, de modo a restaurar a eficiência económica, corrigindo-se as distorções na afetação dos recursos da Natureza.

Valoração ecológica ' a contabilidade energética Um caminho alternativo à valoração económica dos bens e serviços ambientais foi aberto pela análise eco energética, que toma partido das características contabilísticas da energia, no sentido de que ela pode ser medida, tem propriedades aditivas e é convertível em unidades equivalentes do mesmo tipo.

Neste caso, o método de cálculo consiste em estabelecer balanços energéticos detalhados, capazes de reinterpretarem os resultados da análise tradicional dos processos económicos numa unidade energética universal, por exemplo, em quilocalorias5, mas também em joules, em watts ou em qualquer outra medida equivalente.

Neste domínio, ficaram clássicos os trabalhos desenvolvidos pela equipa dirigida por Pimentel (1980) sobre os desempenhos económico e energético comparados da cultura de milho, nos Estados Unidos. O resultado mais significativo da investigação realizada foi que os acréscimos da produtividade agrícola (da terra e do trabalho) tinham sido obtidos naquele país à custa de um verdadeiro «subsídio energético», ou trabalho gratuito do ambiente, na forma da utilização crescente de combustíveis fósseis disponíveis a um custo irrisório: os hidrocarbonetos não vieram substituir a água da chuva e o solo arável, como também estiveram implicados na sistemática substituição da mão-de- obra por maquinaria. Reduzir, por exemplo, a área cultivada para metade, mantendo o nível da produção de milho, exigiu que fosse triplicado o uso de energia fóssil. Do mesmo modo, a menor precipitação foi compensada com a irrigação a partir de aquíferos subterrâneos, um processo que é energia- intensivo. Por último, com a mecanização foi necessário utilizar somente 12 horas de força de trabalho por hectare contra as 1200 horas inicialmente gastas quando todo o trabalho era manual.

Este estudo, como alguns outros do mesmo género, que incidiram sobre as mais diversas atividades produtivas, pôs em evidência um facto paradoxal: o sucesso económico dos métodos industriais de produção, quando avaliados do ponto de vista da produtividade do trabalho humano ou do rendimento por hectare, é sempre contrabalançado por rendimentos energéticos decrescentes, desde que não se ignore o «trabalho do ambiente» neles contidos, valorado numa métrica energética específica: eles são, pois, sustentáveis e competitivos, na medida em que puderem apoiar-se em energia barata.

A conclusão óbvia a que os peritos chegaram foi, nestes termos, que, desde que tal não se verifique, esses processos energia-intensivos deixam de possuir qualquer viabilidade económica. Uma conclusão que abriu a porta ao desenvolvimento de investigações mais recentes (Ayres, 1989) sobre a eficiência no uso, tanto da energia, como dos próprios materiais, no quadro do que se tem vindo a designar de metabolismo industrial, cuja finalidade prática consiste em reduzir os custos de produção relacionados com o consumo dos recursos naturais.

Uma segunda linha de trabalhos no âmbito da análise energética, sobretudo protagonizada por Odum (1984) vai, porém, mais longe do que a mera determinação do custo em energia dos vários processos económicos e visa calcular a «energia incorporada» (ou emergia) num determinado bem ou serviço, definida como a quantidade total de energia solar necessária para produzir a energia contida nesse bem ou serviço. Procura-se, em síntese, obter uma medida objetiva do valor dos recursos utilizados nos processos económicos, quer eles sejam de tipo mercantil ou não, no sentido de que ela não depende de fatores subjetivos, como é o caso das preferências dos indivíduos. E o processo de cálculo da energia incorporada, uma vez aplicado a cada um dos elementos de um sistema permite, por mera agregação, medir a energia total do sistema.

O desígnio teórico desta linha de investigação consiste em fundamentar um conceito de «valor de troca» dos bens, assente na quantidade total de energia neles incorporada. Trata-se de uma linha de investigação que entronca nos estudos efetuados na década de 1870 pelo socialista ucraniano Podolinski (1880), que ambicionava articular uma teoria energética do valor com a teoria económica clássica do valor trabalho6. Mas ela introduz alguns elementos novos na reflexão: desde logo, a tese de que a energia é o fator restritivo dos processos produtivos; de seguida, a adoção do princípio de Lotka da «máxima potência», nos termos do qual os sistemas, sejam eles naturais ou económicos, procuram maximizar o uso da energia, uma tese que acaba por estabelecer uma ligação direta entre energética e teoria da evolução.

O desempenho de um sistema (natural ou económico), a sua aptidão para perdurar no tempo ou «sustentabilidade», pode ser, nestas circunstâncias, avaliado pela sua capacidade para maximizar a energia nele incorporada. Pillet e Odum (1987, p. 148) defendem, assim, a tese de que «os sistemas ganhadores são os que desenvolvem fluxos energéticos de entrada mais importantes e que os utilizam da maneira mais eficaz possível com o objetivo de canalizar para eles mais energia». O valor é, por conseguinte, nesta linha de pensamento, proporcional à energia incorporada nos bens, o que implica que os sistemas económicos, à semelhança dos sistemas naturais, são governados pelos imperativos da sobrevivência.

A RUTURA DUALISTA Valoração política ' a avaliação multicritério A economia ecológica não levanta quaisquer objeções de carácter filosófico ou outro à valoração dos elementos constitutivos do capital natural: ela apenas entende que tanto a análise monetária convencional, como a contabilidade energética, não conseguem apreender a complexidade do conceito de valor dos bens e serviços do ambiente e que precisamos, por conseguinte, de uma metodologia diferente da sua valoração, capaz de integrar múltiplas perspetivas e dimensões. Na sua reflexão nuclear, ela começa por proceder a uma crítica do que designa por «obsessões monistas» dos dois métodos tradicionais de cálculo, que se caracterizam por utilizar um indicador mensurável, uma dimensão analítica, um objetivo de comportamento, uma escala geográfica única e um único horizonte temporal.

No que se refere à análise monetária, ela evidencia o facto do conceito de valor envolver sempre dois atributos: um atributo físico que é a quantidade e um atributo monetário que é o preço. O valor de um bem ou serviço é, com efeito, o produto de uma quantidade por um preço (V = Q x P).

Ora, a teoria económica neoclássica do bem-estar aplicada às questões do uso dos recursos primários e dos impactos ambientais das atividades humanas ignora, na prática, o primeiro daqueles dois atributos. vimos que a noção de efeito externo, tal como os economistas a definem, não designa quaisquer processos físicos, mas sim custos e satisfações de ordem psíquica, que são convertidos num numerário, tornando-se assim comensuráveis. Ela retém, por conseguinte, uma única dimensão analítica (a económica) e adota um único indicador de medida do valor (a moeda), além de não considerar as necessidades e preferências das gerações vindouras no processo da imputação de valor aos bens e serviços do ambiente. Os valores obtidos são, pois, arbitrários, se quisermos ser rigorosos na apreciação, sendo que a aplicação deste tipo de análise se mostra irrelevante, quando nos deparamos com situações de incerteza fundamental no que respeita ao funcionamento dos sistemas ecológicos ou, como acontece com frequência, quando não sabemos sequer que valência (positiva ou negativa) atribuir a muitas externalidades económicas ou qual o horizonte temporal e fronteira espacial da produção de efeitos que devem ser retidos.

Martinez-Alier (1991, p. 264) é bastante incisivo a este propósito, quando observa que a aplicação da análise das externalidades se acha radicalmente comprometida pelo facto de existirem «externalidades que desconhecemos, outras que conhecemos, mas que não sabemos dar-lhes um valor monetário atualizado, sendo até, por vezes, incapazes de saber se elas são positivas ou negativas».

Esta técnica de análise parece, de facto, não ter capacidade para valorar de uma maneira rigorosa os efeitos que são externos ao mercado, por eles serem grandezas essencialmente heterogéneas, difusas e diacrónicas, portanto, desprovidas de um denominador comum, o que quer dizer que não podem ser comparadas quantitativamente umas com as outras. Mas, além disto, a própria perceção subjetiva do valor e o consentimento para pagar são particularmente sensíveis à capacidade para pagar dos agentes económicos, isto é, ao modo como estão social e temporalmente repartidos a riqueza e o rendimento. Este facto é bem ilustrado pelo mesmo autor (Martinez-Alier, 1999, p. 26), quando observa que «os preços nos mercados reais ou sub-rogados variam consoante a atribuição dos direitos de propriedade e a repartição do rendimento, assim como do facto de termos de valorar custos e benefícios sem podermos efetuar transações com indivíduos que ainda não nasceram e que não sabemos se virão a ser mais pobres ou mais ricos do que nós».

A economia do ambiente e dos recursos naturais é, na sua essência, omissa em tudo o que respeita a valoração dos bens e serviços ecológicos, quando considerados na sua vertente física, de resto numa linha de continuidade com a revolução do pensamento económico operada pela escola marginalista, em finais do Séc. XIX, e de seguida pela corrente neoclássica, de que ela não é outra coisa senão uma aplicação específica. Pode, na verdade, dizer-se que aquela revolução significou o colapso da dimensão material dos fluxos de materiais e de energia do processo económico, cuja «fisiologia» pura e simplesmente se apagou, para dar lugar a uma conceção subjetivista do valor. Diremos que a economia passou a conceber-se como a ciência dos preços, cujo desígnio fundamental consiste em determinar a afetação ótima dos recursos entre fins alternativos.

A análise eco energética assume-se, por seu lado, como um projeto com propriedades simétricas da análise monetária, no que se refere à valoração dos bens e serviços do ambiente. Mas ela também assenta na ideia de comensurabilidade de todos os valores, limitando-se, nestas condições, a substituir o reducionismo monetário por um outro reducionismo, neste caso de tipo ecológico. É um facto que ela parte de uma conceção radicalmente diferente da economia, encarando-a como sistema aberto, que troca materiais e energia com o ambiente, no quadro de um processo que converte recursos naturais de baixa entropia em resíduos de entropia elevada, e não como, de acordo com o paradigma económico tradicional, um sistema isolado em que circulam valores de troca abstratos entre produtores e consumidores. Mas, no fundo, também ela se baseia num dogma«monista»,só que, desta vez, de tipo energético, defendendo a tese de que apenas a energia incorporada conta para a determinação do valor dos bens, que os fluxos de materiais são meros suportes ou veículos da energia, considerada como o fator limitante da produção de riqueza.

Ora, em oposição a esta perspetiva, um dos pilares da argumentação dos economistas ecológicos é que matéria e energia são argumentos não substituíveis das funções macroeconómicas de produção, que uma e outra existem em formas qualitativamente diferentes. Georgescu-Roegen (1983, p. 840) diz-nos que os materiais existem em formas disponíveis, mas também em formas dissipadas ou indisponíveis, quer dizer «irremediavelmente perdidas para o homem, desperdiçadas, se bem que não aniquiladas»: à semelhança da energia, também a matéria é objeto de uma dissipação contínua, de uma degradação entrópica irrevogável7. Sustentar o ponto de vista contrário é pensar que com energia abundante poderemos sempre reciclar qualquer material, produzir novos materiais ou encontrar sempre materiais sucedâneos.

Aquele autor (Georgescu-Roegen, 1983) critica, nestes termos, o dogma energético, afirmando que o aspeto material dos processos económicos também importa e que é a escassez de materiais e não de energia que coloca um limite físico último ao crescimento económico. Por este motivo, cai pela base o projeto8 de valorar em termos exclusivamente energéticos os bens e serviços do ambiente e o mesmo se pode dizer dos impactos ecológicos das atividades humanas, como por exemplo a erosão dos solos, a poluição dos recursos hídricos ou a concentração em doses maciças de certas substâncias nocivas na atmosfera.

Tanto os bens ecológicos, como os impactos ambientais, não podem ser, na sua maneira de ver as coisas, reduzidos a uma dimensão exclusivamente energética.

E na mesma linha de crítica da obsessão monista da teoria energética do valor, Martinez-Alier (1991, p. 3) vem acrescentar, por seu lado, um novo argumento: o de que «os produtos agrícolas têm valores de uso que nem sempre estão relacionados com o seu conteúdo energético e ainda menos com o seu custo energético, mas com o seu teor proteico ou vitamínico ou simplesmente com o prazer obtido em comê-los ou em bebê-los».

A economia ecológica não se limita, contudo, a questionar a ideia de comensurabilidade, seja em termos de preços ou de calorias, mas propõe uma teoria alternativa de valoração dos bens e serviços do ambiente e uma metodologia original de cálculo do seu valor, que vai para além da consideração dos meros aspetos monetários ou energéticos.

Georgescu-Roegen (1968, p. 237) terá sido precisamente o primeiro a apontar claramente nessa direção9, ao sustentar que a questão do valor assenta em dois polos, um objetivo e o outro subjetivo. Ele afirmava que «dois elementos distintos estão envolvidos no problema do valor: uma qualidade intrínseca do objeto do valor e uma avaliação subjetiva pelo utente. Mas, a crença comum de que a explicação monista se enquadra na ciência genuína, levou um estudioso após outro a procurar uma única causa do valor». Na sua perspetiva, a condição da qualidade intrínseca dos objetos é a baixa entropia (matéria e energia disponíveis), a raiz da escassez económica, que pela aplicação de trabalho e capital é convertida em bens. O polo subjetivo do valor consiste no desejo dos seres humanos de alcançar um desiderato, que ele apelida, utilizando a expressão francesa, de joie de vivre10. Viria, de resto, a insistir mais tarde nesta mesma ideia, afirmando (Georgescu-Roegen, 1979, p. 25) que «de um ponto de vista puramente físico está perfeitamente estabelecido que o processo económico apenas transforma recursos naturais com valor (baixa entropia) em resíduos (alta entropia)». Fica por resolver o enigma da razão deste processo.

«O enigma subsistirá enquanto não virmos que o verdadeiro produto do processo económico não é um fluxo material de resíduos, mas um fluxo imaterial: a joie de vivre. Se não reconhecermos a existência deste fluxo, não estaremos no mundo da economia».

Uma argumentação muito semelhante é utilizada por Daly (1996) para fundamentar o seu ponto de vista dualista sobre o valor. Ele começa por nos recordar que não usamos somente o valor que é acrescentado à matéria e energia, mas o próprio valor acrescentado pela Natureza antes de ser importado para o sistema económico. Nas suas palavras (Daly, 1996, p. 66): «na perspetiva da utilidade ou da procura, o valor acrescentado pela natureza deve ser valorado em de igualdade com o valor acrescentado pelo trabalho e pelo capital».

A sua tese central (Daly, 1984, p. 25) é, nestas circunstâncias, que «o valor tem raízes, tanto no mundo físico, como no mundo do espírito. As duas raízes físicas são a finitude e a entropia. A finitude significa que nem todas as necessidades podem ser satisfeitas e impõe a obrigatoriedade da escolha. A baixa entropia é a qualidade física da matéria-energia que permite a satisfação das necessidades, que pode ser usado ou reorganizada, mas nunca criada pela atividade humana. A baixa entropia e a finitude são condições necessárias, mas não suficientes do valor ( ) As raízes mentais são os gostos subjetivos e as perceções do valor objetivo».

O valor está, por conseguinte, contido em dois elementos: primeiro, nos próprios recursos naturais, o que Daly (1996) designa por valor acrescentado pela Natureza; depois, no processo económico da transformação dos recursos em bens e serviços, quer dizer em estruturas úteis, o que em economia se designa habitualmente por valor acrescentado pelo homem.

Em consonância com esta perspetiva dualista, a economia ecológica propõe uma metodologia alternativa de cálculo do valor dos bens e serviços do ambiente, que importa descrever nas suas linhas gerais.

O ponto de partida da metodologia é a perceção de que a análise e gestão de subsistemas complexos interrelacionados, como é o caso do sistema económico- ecológico, impõem o recurso a uma técnica de valoração multidimensional ou multicritério dos bens e serviços do ambiente11.

Uma avaliação multicritério típica combina numa primeira fase um conjunto finito de objetos de valoração com um conjunto de critérios de decisão de tipo quantitativo ou qualitativo, o que implica mensurações em escalas que não são de intervalo, mas também ordinais, binárias ou simplesmente nominais.

A abordagem característica da avaliação multicritério não consiste em identificar uma solução ótima, como acontece com a análise monetária convencional ou a contabilidade eco energética, mas sim em chegar a valorações satisfatórias, tendo em conta a natureza muitas vezes contraditória dos critérios retidos para análise, a diversidade dos interesses e das perspetivas muitas vezes conflituantes das partes envolvidas, bem como o tipo de infirmação que elas possuem. É que a questão típica com que se depara este tipo de análise deriva da circunstância do bem A poder valer mais do que o bem B, em função de um critério X, mas valer menos em função de um outro critério Y. Neste caso, o que é perfeitamente lógico, as relações de preferência ou de indiferença não funcionam de todo, nenhuma solução se revela capaz de otimizar todos os critérios ao mesmo tempo.

Esta metodologia combina, pois, na sua lógica intrínseca, a epistemologia com a governação, ela reconhece a interdependência entre o universo do conhecimento e o universo da ação política, atribuindo igual importância à qualidade dos resultados obtidos, como à própria qualidade dos processos decisórios. Ela aplica-se tipicamente em contextos que não estão dotados de clareza suficiente, contextos em que tipicamente «os factos são incertos, os valores estão em disputa, as questões são cruciais e as decisões urgentes»(Funtowicz e Ravetz, 1994).

A garantia de qualidade, tanto dos resultados, como dos próprios processos decisórios, uma condição fundamental da aceitabilidade social das políticas, implica ainda o recurso ao que Funtowicz e Ravetz (1991) chamam «comunidades alargadas de partes», as quais, para além da expressão dos seus interesses particulares, também trazem para o processo de decisão coletiva os seus conhecimentos, os seus saberes específicos, as suas visões do mundo. Estes autores (Funtowicz et al., 1997, p. 2) resumem bem a questão, quando sustentam que «o alargamento [dos factos e das partes] não preenche as exigências de um processo de decisão democrático, como melhora a qualidade das decisões»e lembram (Funtowics e O´Connor, 1999, p. 273) que «não existe nenhum algoritmo das escolhas socioecológicas que possa suscitar um acordo universal».A avaliação multicritério não se limita, pois, a ampliar os factos e as dimensões relevantes no cálculo do valor dos bens e serviços ambientais: na medida em que envolve a participação ativa de um número alargado de parceiros sociais, ela revela-se também como um processo de aprendizagem interativo e dinâmico.

Por outras palavras, neste caso, a maneira de conduzir o processo de decisão influencia, em larga medida, os resultados obtidos, os quais terão a natureza de soluções estimadas como satisfatórias, num determinado momento, de soluções provisórias, em permanente evolução, que podem mudar à luz de novos conhecimentos e de novas experiências.

Nenhuma solução pode, assim, ser considerada como a única que é correta e definitiva, natural, racional ou a melhor de todas, porque, como defendem Funtowicz e Ravetz (1994a, p. 204), «o princípio-chave organizador é a qualidade em relação com as exigências do diálogo e não a verdade abstrata. Os critérios da qualidade, neste novo contexto, como na ciência tradicional, pressupõem princípios éticos. Mas, neste caso, os princípios são explícitos e participam do diálogo».

CONCLUSÃO A avaliação multicritério no que respeita à valoração do capital natural implica, pois, a crítica dos pressupostos racionalistas da análise económica convencional aplicada ao ambiente, mas põe ao mesmo tempo em causa a própria contabilidade energética, tal como ela tem sido proposta por alguns dos nomes mais ilustres da ecologia. Ela não aceite, em síntese, as premissas, de ambos os métodos de valoração dos bens e serviços do ambiente, porque entende serem os processos biofísicos demasiado complexos para poderem ser apreendidos por métricas unidimensionais.


transferir texto