O ambiente de negócios em Portugal: uma análise comparada de procedimentos,
custos e demora burocrática
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento de políticas de melhor legislação e regulamentação em
Portugal nos últimos anos tem feito parte do esforço de reforma e modernização
da economia, de forma a permitir o cumprimento de compromissos relacionados com
a Agenda de Lisboa, no que diz respeito ao crescimento económico e à criação de
emprego. A regulamentação constitui um instrumento de execução de políticas
públicas, concebido para responder mais adequadamente às expectativas dos
cidadãos e empresas, de modo a assegurar o melhor funcionamento de um mercado
que se deseja justo, concorrencial e competitivo. A regulamentação, através da
sua dimensão nacional, regional e local, constitui um elemento fundamental para
responder a estes desafios.
Os requisitos administrativos solicitados aos cidadãos e empresas, que decorrem
da regulamentação, são um determinante fundamental do ambiente empresarial, na
medida em que as empresas são obrigadas a despender recursos consideráveis no
preenchimento de formulários ou no cumprimento de obrigações de cedência de
informação várias. A redução de toda esta carga administrativa sobre as
empresas, com processos de licenciamento mais simplificados e com a
possibilidade de utilização de registos on-line conduziu à redução de custos
adicionais que a regulamentação impõe sobre as empresas e, por essa via, à
melhoria do ambiente de negócios e do reforço da atratividade do país para
investidores estrangeiros. De facto, a redução do fornecimento de informação
desnecessária, permite reduzir custos de produção, libertar recursos e
potenciar investimentos adicionais, bem como incentivar ações de inovação,
suscetíveis de melhorar a produtividade interna das empresas. É sobejamente
reconhecido que o objetivo de toda esta agenda é também o de melhorar a
qualidade e a eficiência dos serviços públicos, numa época de sério esforço de
contenção orçamental e de políticas ativas de consolidação orçamental e fiscal.
Portugal tem vindo a apresentar uma evolução claramente favorável nos rankings
do relatório «Doing Business» do Banco Mundial. As reformas introduzidas nos
últimos anos tiveram reflexos evidentes na melhoria de posição relativa de
Portugal nos rankings das respetivas áreas. No «Doing Business 2010», referente
ao ano de 2009, Portugal qualificava-se como país reformador (top reformer) em
quatro áreas: processo de licenciamento, procedimentos alfandegários,
cumprimento de contratos comerciais e registo de propriedade, com esta última
área a integrar o top 10dos países que introduziram mais reformas (Banco
Mundial, 2009; Gouveia, 2009).Na última edição do «Ease of Doing Business» de
2011, referente ao ano de 2010, Portugal subiu duas posições, ocupando o 31.º
lugar entre 183 países (Banco Mundial, 2010; Martins et al., 2010), e uma
posição relativamente à UE-27, ocupando o 13.º lugar, encontrando-se melhor
posicionado que, por exemplo, a Espanha, a Itália ou a Grécia. Iniciativas como
a «Casa pronta» permitiram a Portugal tornar-se o país do mundo onde é mais
rápido registar a propriedade de um bem imóvel (um dia).
Contudo, dado o ritmo contínuo e acelerado de reformas que têm vindo a ser
implementadas em diversos países, nomeadamente por economias emergentes, é
fundamental que se continuem a encetar esforços no sentido de se consolidarem
as áreas nas quais Portugal apresenta ainda algumas debilidades, no intuito de
manter o ímpeto da desburocratização e da simplificação de processos e de
convergência para com os países melhor posicionados nestes rankings. Estas
reformas tornam-se hoje mais prementes na medida em que a situação económica e
financeira atual implica necessariamente o reforço da competitividade
portuguesa.
Este trabalho apresenta um contributo nesse sentido, de monitorização de
resultados em matéria de regulamentação, com base nos indicadores do relatório
«Doing Business» de 2011 do Banco Mundial, através da apreciação da posição
relativa de Portugal, em 2010, vis-à-vis uma seleção apurada de países. Para o
efeito, desenvolveu-se um novo tipo de classificação, estruturado em três
dimensões chave do ambiente regulamentar: os procedimentos burocráticos, os
custos burocráticos e a demora burocrática, consideradas determinantes para o
ambiente de negócios e para a qualidade de vida dos cidadãos. O tipo de análise
proposto neste artigo permite evidenciar com maior clareza, através da
relativização do posicionamento de Portugal face a um conjunto de países
considerados relevantes para o efeito, as áreas onde Portugal já se encontra
relativamente bem colocado, dada a evolução que tem vindo a fazer nas últimas
edições do «Doing Business». Permite também identificar aquelas onde será ainda
necessário efetuar um esforço adicional, no sentido de prosseguir na senda da
convergência para com os parâmetros regulatórios da União Europeia (UE) e de
países apontados como exemplos a seguir nestes domínios, como sendo o Reino
Unido e a Dinamarca.
Na secção seguinte descrevem-se as principais metas assumidas por Portugal e os
desenvolvimentos no contexto europeu em matéria de progresso na área da
regulamentação. Na terceira secção introduz-se a metodologia adotada, na quarta
secção efetua-se a análise comparada por cada uma das três dimensões
consideradas e, finalmente, a última secção apresenta uma súmula das
conclusões.
AS METAS ASSUMIDAS NO CONTEXTO NACIONAL E EUROPEU
Assiste-se atualmente a uma transformação profunda no modo como é entendida e
posta em prática a regulação1da política económica, no contexto de alterações
mais amplas relacionadas com a própria conceção, reforma e reestruturação do
Estado e da sua Administração (Araújo e Branco, 2009; Rocha e Araújo, 2007).
A nível europeu, os últimos 11 anos assistiram a movimentos reformistas
substanciais a nível legislativo, que atingiram um novo patamar, não só pela
intervenção continuada em setores económicos específicos (telecomunicações,
energia, mercado de trabalho), como pela extensão desta intervenção a novos
setores (ambiente, por exemplo), mas, fundamentalmente, devido à ambição
expressa de melhorar a eficácia da regulação do Estado sobre a economia,
através de mudanças operadas ao nível da forma como determinados departamentos
chave e agências de regulação produzem legislação, independentemente do setor
específico onde operem. Esta nova agenda de regulamentação materializou-se numa
miríade de iniciativas que visam melhorar a capacidade de Governos e
instituições europeias produzirem legislação de elevada qualidade para, em
última análise, se conseguir governar o próprio Estado regulador.
Como é evidente, é intenção da generalidade dos poderes públicos, desde a fase
do desenho das políticas públicas até à própria implementação da
regulamentação, o providenciar da melhor intervenção com vista à concretização
dos objetivos em causa, procurando utilizar os instrumentos mais adequados para
a missão que pretendem cumprir, maximizando os benefícios e minimizando os
efeitos perniciosos da sua atuação. No entanto, regulamentações mal concebidas
podem tornar-se distorcivas, sendo consideradas como entraves ao bom
funcionamento dos mercados (Comissão Europeia, 2006). Por exemplo, diferentes
instrumentos legislativos podem sobrepor-se uns aos outros, prejudicando as
empresas e os cidadãos. Ou podem, por outro lado, tornar-se facilmente
obsoletos, dada a rápida evolução tecnológica, a própria globalização, ou via o
crescente acesso à informação, que obriga a uma atualização permanente da
legislação, de forma a acompanhar todas estas mudanças. Encargos
administrativos desnecessários e desproporcionados podem ter repercussões
económicas significativas, sendo fonte de perturbação para o funcionamento das
empresas e dos mercados. Porém, segundo a Comissão Europeia, a legislação
europeia tem tido aspetos positivos, patentes na eficácia da eliminação de
barreiras que distorcem a concorrência e potenciam conflitos entre os
diferentes sistemas nacionais (Comissão Europeia, 2006). Por exemplo, o mercado
único gerou uma vaga legislativa substancial, na qual regras de âmbito europeu
vieram substituir as normas nacionais, frequentemente excessivamente complexas.
A complexidade do acervo comunitário aumentou consideravelmente ao longo dos
últimos 50 anos. A Comissão Europeia estima que os custos da sua gestão e
implementação representem cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) da UE
(Comissão Europeia, 2007). Nesse sentido, em 2002 e após a publicação do Livro
Branco sobre a Governança (Comissão Europeia, 2001), sob a égide de Romano
Prodi, a Comissão Europeia lançou-se num ambicioso exercício com o objetivo de
simplificar e melhorar o ambiente legislativo, através da iniciativa «Legislar
melhor», reduzindo a burocracia, melhorando a qualidade da legislação e
elaborando instrumentos legislativos mais adaptados às necessidades dos
consumidores e das empresas. O objetivo pretendido não visava diretamente a
diminuição do montante de legislação criada2, tinha antes como propósito
basilar o aumento da competitividade, através da produção de legislação de
melhor qualidade a nível Europeu (Comissão Europeia, 2006; Wiener, 2006). Na
verdade, a utilização deste tipo de instrumentos para fomento da
competitividade não é inédita. Os EUA foram os pioneiros nos anos de 1970 e
1980 a utilizar mecanismos legislativos e regulatórios, como parte do arsenal
de combate à inflação e à recessão. Na Europa, apenas nos últimos 10 anos se
tem procurado utilizar estes instrumentos, na tentativa de remediar o lento
crescimento económico relativamente aos EUA e às economias emergentes, como a
China.
Na UE, a iniciativa «Legislar Melhor» está, portanto, intrinsecamente ligada
aos objetivos expressos na Agenda de Lisboa. Por forma a atingir os objetivos
propostos, foi implementado um quadro completo de avaliação de impacto,
obrigatório nas propostas legislativas mais importantes. Em 2005, a Estratégia
de Lisboa renovada, adotada pelo Conselho Europeu, veio encorajar a tomada de
ação com vista à criação de emprego, ao crescimento e ao aumento da
produtividade e da competitividade, a qual incluía medidas para a promoção da
melhoria do ambiente regulamentar para as empresas. Posteriormente, em 2006, a
Comissão Europeia lançou um ambicioso programa de ação para identificar,
quantificar e reduzir os encargos administrativos inerentes à regulamentação
existente na UE, que considerava como meta política global a redução de 25%
destes encargos, a cumprir em conjunto pela UE e pelos Estados-membros até
2010. A Comunicação da Comissão Europeia de 2007 (Comissão Europeia, 2007)
sintetiza os aspetos essenciais deste programa de ação para a redução dos
encargos administrativos na UE3. Este representou um esforço importante de
racionalização e simplificação da forma como os objetivos políticos passaram a
ser traduzidos na prática. A Comissão Europeia espera que esta iniciativa se
possa traduzir num aumento de aproximadamente 1,4% do PIB da UE4.
Mas não só a nível da EU se têm tomado iniciativas neste sentido (Parlamento
Europeu, 2010). Estas têm também proliferado em diversos Estados-membros que,
como o Reino Unido, se têm debatido com preocupações acerca dos custos e das
implicações do excesso de burocracia, em particular no contexto económico atual
(Her Majesty´s Government, 2009). Em 2009, o debate sobre a dialética entre
regulação e concorrência tornou-se mais aceso no decurso do arrefecimento
económico mundial. Por um lado, tem havido apelos no sentido de se providenciar
um ambiente mais estável para o investimento e para uma maior proteção face aos
perigos das forças de mercado. Por outro, estão as empresas e os agentes, que
desafiam os governos a atuar de acordo com as suas necessidades e as restrições
impostas pelo novo contexto de desaceleração económica.
O posicionamento de Portugal, relativamente inferior, em várias comparações
internacionais de competitividade, constituiu um driver importante no
lançamento do Programa Simplex5 para a simplificação administrativa e do e-
government. O desenvolvimento de toda esta estrutura, que deu origem a
melhorias de caráter regulatório, esteve muito associada à gestão da
transformação do setor público e à introdução do e-government para a promoção
de políticas de governança mais efetivas. Outra prioridade que assistiu a todos
estes esforços esteve relacionada com o tornar o ambiente negocial para as
empresas mais dinâmico e inovador, de forma a aumentar a competitividade da
economia e a sua capacidade para atrair investimento direto estrangeiro6.
Nomeadamente ao nível dos procedimentos burocráticos, será necessário apostar
na continuidade da redução dos processos de licenciamento e dos processos
inerentes à criação de sociedades, no sentido de se acompanharem todos os
avanços dos países que integram a União Europeia. A recente iniciativa
«Licenciamento zero» (criada através da publicação do Decreto-Lei n.º 48/2011,
a 1 de abril de 2011, e posteriormente abrangida pela Portaria 131/2010 de 4 de
abril de 2011) vem responder a esta necessidade. Esta visa dar cumprimento a um
compromisso prévio do Programa Simplex de 2010, sendo uma das medidas
emblemáticas da Agenda Digital 2015. Destina-se a simplificar o regime de
exercício de diversas atividades económicas e a reduzir encargos
administrativos suportados pelos cidadãos e pelas empresas, mediante a
eliminação de licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações,
atos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, registos e outros
atos permissivos, substituindo-os por um reforço das ações sistemáticas de
fiscalização a posteriori e mecanismos de responsabilização efetiva dos
promotores, o que acarreta um agravamento do regime sancionatório. Esta
estabelece também a criação do «Balcão do empreendedor», prevendo-se um acesso
direto, via Internet, através do portal da empresa (www.portaldaempresa.pt) e,
igualmente, um acesso presencial, mediado por um intermediário, que poderá
estar disponível nos municípios ou em outros balcões públicos ou privados. Com
a iniciativa «Licenciamento zero» pretendeu-se também desmaterializar
procedimentos administrativos e modernizar a forma de relacionamento da
Administração com os cidadãos e empresas, concretizando desse modo as
obrigações decorrentes da Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno, que foi
transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de
julho.
As iniciativas europeias de promoção da redução da carga regulamentar, que
deram origem a compromissos sérios de diminuição da carga legislativa e
burocrática, introduziram a necessidade de acompanhar mais de perto os avanços
feitos nossos pelos parceiros europeus, por forma a fazer refletir essas boas
práticas internamente, e a antecipar mudanças, para que os progressos
portugueses nesta matéria sejam sustentados no tempo.
METODOLOGIA
O relatório «Doing Business» (DB), publicado anualmente pelo Banco Mundial,
avalia nove elementos considerados fundamentais nas políticas que enquadram e
condicionam o ambiente regulamentar de um país e que são determinantes para o
relacionamento entre as empresas e o setor privado em geral, e o Estado (como
por exemplo, o início de atividade de uma empresa, as relações comerciais
externas, os processos de licenciamento, etc.). O DB fornece tabelas
classificativas para cada uma das 10 áreas de regulamentação, bem como um
ranking intitulado «Ease of Doing Business». Este exercício pretende, no fundo,
proceder a uma avaliação do clima de investimento de um país, recorrendo às
apreciações de um conjunto de peritos que examinam as leis e os procedimentos
nacionais, de forma a aferir o tempo e o custo afeto ao cumprimento de uma
grande variedade de procedimentos e de regulamentações, bem como a facilidade
com que contratos entre entidades privadas podem ser efetivados e reforçados.
Neste estudo, foi feita uma seleção de apenas 45 países7, de entre os 183
disponibilizados no último relatório do Banco Mundial. Incluem-se
maioritariamente países desenvolvidos e alguns emergentes e em vias de
desenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia, a Coreia do Sul, a Turquia e
o México. Os anteriormente mencionados foram incluídos devido à sua importância
económica ou geoestratégica, ou ainda devido aos laços de proximidade,
nomeadamente a nível comercial com Portugal. Considerou-se que, para efeitos da
análise comparativa pretendida, seria mais útil ter este conjunto de países
como benchmark para a performance portuguesa, dado que são ou países com um
elevado índice de desenvolvimento, ou com um ímpeto reformista bastante
acelerado. Em aditamento aos anteriores, também se calcularam indicadores
específicos para a média dos países da UE-27, Zona Euro (16) e OCDE.
A evolução, entre 2003 e 2010, dos 24 indicadores fornecidos pelo «Doing
Business» pode ser observada no Quadro I. No entanto, na nossa análise apenas
se consideraram 23 indicadores8, que dizem respeito à criação de empresas, aos
processos de licenciamento na construção, ao registo de propriedade, ao
cumprimento de contratos comerciais, ao encerramento de empresas/falências, à
fiscalidade e aos procedimentos alfandegários. Classificou-se de seguida esta
informação em três novas dimensões, que se intitularam de «procedimentos
burocráticos», «custos burocráticos» e «demora burocrática», sendo a primeira
constituída por 7 indicadores, e a segunda e terceira por 8 indicadores,
respetivamente (Quadro II).
QUADRO_I
Indicadores do «Doing Business» para Portugal entre 2003 e 2010
QUADRO_II
Descrição dos 23 indicadores considerados na análise e da sua agregação nas
três dimensões em análise
No relatório do Banco Mundial, os indicadores vêm expressos numa unidade
própria, conforme se poderá constatar nos Quadro_I e II. Na abordagem utilizada
nesta análise, estes indicadores foram uniformizados sob a forma de um índice,
escalonado entre 0 e 100, onde ao país com melhor posição no indicador
respetivo, é conferida uma valorização de 0 e ao pior 100, considerando uma
seleção de 45 países e os seus valores extremos para cada um dos indicadores,
de forma a relativizar em 2010 o posicionamento de cada país em relação ao país
melhor e pior classificado em cada indicador.
O método utilizado é o «min-max standardization» e a fórmula do cálculo do
índice por país é a seguinte:
Os indicadores foram ajustados de forma a refletirem um índice mais
desfavorável quanto maior a sua proximidade de 100. A razão deste tipo de
escalonamento, aparentemente invertido relativamente ao que é habitualmente
apresentado noutros índices compósitos a nível internacional, é a de que se
considerou que, tratando-se de aferir a «carga» regulatória em termos de
procedimentos, tempo e custos, quanto mais próximo de zero estiver o
posicionamento do país, menor será o peso desta carga regulatória e
burocrática. Desta forma, poder-se-á visualizar com maior clareza o
posicionamento relativo de Portugal face ao conjunto de países selecionados e
aferir em quais as dimensões e indicadores aparece mais destacado, ou seja, com
melhor performance relativamente aos seus congéneres e vice-versa.
A representação gráfica em radar, utilizada nas figuras seguintes, permite
perceber de forma mais imediata o posicionamento de Portugal em 2010,
relativamente a diferentes países, para o conjunto de indicadores que
constituem as três dimensões. Quanto mais próximas de zero estiverem as linhas
a vermelho, correspondentes a Portugal ou dentro da fronteira a azul do segundo
país (ou grupos de países) com o(s) qual(is) é feita a comparação, menor será a
carga regulatória e melhor será o posicionamento relativo de Portugal. Ou seja,
quanto mais próximo da origem e mais no interior da fronteira estiver um país
relativamente a outro, menor a sua carga burocrática e regulatória. Deste modo,
poder-se-á aferir, para cada uma das dimensões analisadas (procedimentos,
custos e demora burocrática), aquelas onde Portugal se encontra relativamente
melhor ou pior posicionado.
ANÁLISE POR DIMENSÃO
As empresas, os cidadãos e os poderes públicos suportam os custos
administrativos que decorrem do cumprimento das normas regulatórias impostas
pelo Estado. Tais custos podem decorrer de obrigações legais para fornecer
informação, do pagamento de serviços, da realização do acompanhamento de uma
ação ou mesmo do compasso de espera para que esta se desenrole. Se estes custos
forem demasiadamente elevados, podem anular os benefícios da introdução de nova
legislação e, consequentemente, o próprio propósito da política de
desregulamentação adotada.
As secções seguintes descrevem os principais resultados da análise comparativa
para uma seleção de países considerados relevantes para cada das três dimensões
em análise, os procedimentos, os custos e a demora burocrática. As comparações
para o conjunto completo dos 45 países poderão ser consultadas na Base de Dados
de Indicadores de Desempenho de Burocracia e Justiça (Sarmento e Reis, 2011).
Procedimentos burocráticos
A primeira dimensão de análise diz respeito aos procedimentos burocráticos e
compreende 7 indicadores, descritos no Quadro_II (Procedimentos requeridos para
efetuar um licenciamento, Procedimentos para constituir uma sociedade,
Documentos para exportação, Documentos para importação, Procedimentos para
registar uma propriedade, Pagamentos de impostos a efetuar e Procedimentos
envolvidos na resolução judicial de uma disputa comercial).
A Figura 1 permite constatar que Portugal se encontra bastante bem posicionado
em relação a praticamente todos os 7 indicadores, com a exceção mais evidente
dos procedimentos requeridos num processo de licenciamento que, quando
comparado com a generalidade dos países europeus, mas também com o Canadá,
Hong-Kong e Japão, ainda se encontra aquém do nível dos outros indicadores
referenciados, apesar dos progressos feitos nos últimos anos em matéria de
licenciamento (Cerqueira e Alves, 2011).
FIGURA 1
Índices de procedimentos burocráticos
A comparação da performance portuguesa com a da UE-27 e a da Zona Euro (16)
permite concluir que Portugal apenas não se encontra melhor posicionado ao
nível de um indicador: os procedimentos requeridos num processo de
licenciamento (em 2010 eram 19 em Portugal e 16,6 em média na UE-27). O mesmo
sucede na comparação com Espanha, onde são apenas necessários 11 procedimentos
para efetuar um licenciamento.
A comparação com a média dos países da OCDE é também favorável a Portugal.
Apenas acresce um posicionamento inferior para Portugal, para além do indicador
anteriormente citado, relativamente a um maior número de procedimentos
necessários para constituir uma sociedade em Portugal (6 comparado com 5,6 na
média da OCDE).
Na comparação individual com alguns países da UE-27, constata-se nomeadamente
que, no caso da comparação com a Alemanha, Portugal apenas não a iguala ou
supera em 2 dos indicadores, novamente nos procedimentos requeridos num
processo de licenciamento, mas também no número de procedimentos envolvidos na
resolução judicial de uma disputa comercial (31 em Portugal e 30 na Alemanha).
Também se destaca o posicionamento menos favorável quanto ao número de
documentos exigido para a importação, particularmente expressivo quando
comparado com os casos italiano e irlandês (4 contra 5 documentos exigidos em
Portugal). Efetivamente, desde 2005 que Portugal mantém a obrigatoriedade do
preenchimento de 5 documentos para importação e de 4 para exportação, o que
revela, face ao progresso reformista de vários países, que se devem tentar
encontrar alternativas para abreviar este tipo de procedimentos. No caso da
Dinamarca, Portugal apenas não a supera em 3 indicadores, a saber, nos
procedimentos requeridos num processo de licenciamento, na constituição de
sociedades e no número de documentos exigidos para importação.
Sobretudo ao nível do número de documentos exigidos para efetuar uma
importação, constata-se ainda que Portugal apresenta uma carga burocrática
relativamente superior, quando comparado com um conjunto mais vasto de países,
como a Itália, o Reino Unido e o Canadá, mas também com um grupo de países com
uma forte tradição de abertura ao comércio externo, como Hong-Kong e a Irlanda.
De acordo com a escala de análise considerada neste estudo, Portugal está
posicionado ao mesmo nível que a China que, aliás, apresenta uma performance
genericamente mais desfavorável em todas as vertentes, com exceção dos
procedimentos para pagamento de impostos.
Custos burocráticos
A segunda dimensão de análise refere-se aos custos burocráticos e abrange 8
indicadores, conforme a descrição oferecida no Quadro_II (Custos de registo de
uma propriedade, Custos de constituição de uma sociedade, Custos num processo
de licenciamento, Custos de exportação, Custos de importação, Custos associados
ao processo de falência, Total do imposto a pagar e Custos associados à
resolução judicial de uma disputa comercial).
A Figura 2 permite constatar que Portugal se encontra bem posicionado em
relação a praticamente todos os oito indicadores, com a exceção mais evidente
dos custos de registo de uma propriedade, particularmente quando comparado com
Espanha, Itália, Polónia e França, ou mesmo com a média dos países da zona euro
(16), UE-27 e OCDE. Constata-se que se mantém, desde 2006, o custo do registo
de uma propriedade em 7,4% do seu valor, o que revela, face ao progresso na
estrutura deste custo por parte de vários países, que Portugal poderia também
tentar encontrar alternativas para melhorar o seu desempenho neste indicador.
FIGURA 2
Índices de Custos Burocráticos
Na comparação individual com a Alemanha verifica-se, porém, que Portugal não
sai beneficiado em metade dos indicadores analisados, novamente nos custos de
registo de uma propriedade em percentagem do seu valor (7,4% em Portugal contra
5,1% na Alemanha) e na constituição de uma sociedade em percentagem do
rendimento interno bruto per capita (7% contra 5% na Alemanha), mas também no
que se referem aos custos de importação (999 dólares contra 937 dólares na
Alemanha) e aos custos associados ao processo de falência em percentagem do
espólio (9% contra 8% na Alemanha).
Numa outra perspetiva comparada, agora com o caso irlandês, também se observa
que Portugal se encontra, em geral, bem posicionado, à exceção de 3 indicadores
nos quais detém um maior custo. Estes representam custos relacionados com o
registo de uma propriedade (7,4% contra 0% na Irlanda), com a constituição de
uma sociedade (7,4% contra 6,3% na Irlanda) e os referentes ao total de imposto
a pagar em percentagem do lucro bruto (43,3% contra 26,5% na Irlanda).
Destacamos ainda a comparação com a Eslováquia, um dos países do alargamento da
UE com melhor performance e que mais tem crescido em termos de exportação.
Observa-se que Portugal apresenta uma desvantagem em três indicadores,
designadamente nos custos com o registo de propriedade (7,4% contra 0% na
Eslováquia), com a constituição de uma sociedade (6,5% contra 1,9% na
Eslováquia) e com os custos de licenciamento em percentagem do rendimento
interno bruto per capita (53,9% contra 12,7% na Eslováquia).
Mesmo atendendo à comparação com o Brasil, Portugal revela estar pior
posicionado quanto a dois dos indicadores mencionados anteriormente: os custos
do registo de uma propriedade (2,7% do valor da propriedade no Brasil e 7,4% em
Portugal) e os custos de um processo de licenciamento (46,5% do rendimento
interno bruto per capita no Brasil e 53,9% em Portugal).
Finalmente, compara-se Portugal com dois países com uma forte componente
exportadora, Hong-Kong e EUA. No caso de Hong-Kong, verifica-se que Portugal
aparenta ser menos competitivo em todos os indicadores de custos, excetuando-se
nos referentes à resolução judicial de uma disputa comercial em percentagem da
dívida (13% em Portugal contra 19,5% em Hong-Kong). Já comparativamente com os
EUA, a maior economia e a terceira maior exportadora a nível mundial, apura-se
que este apresenta quatro indicadores de custos mais favoráveis que Portugal,
nos seguintes casos: registo de propriedade (0,5% contra 7,4% em Portugal),
constituição de sociedades (1,4% contra 6,5% em Portugal), processos de
licenciamento (12,8% contra 53,9% em Portugal) e custo associados ao processo
de falência em percentagem do espólio (7% contra 9% em Portugal).
Demora burocrática
A última dimensão de análise corresponde à demora burocrática, à qual foram
consignados 8 indicadores de tempo, igualmente descritos no Quadro_II (Dias
para registar uma propriedade, Dias para constituir uma sociedade, Dias para
exportação, Dias para importação, Dias para efetuar um processo de
licenciamento, Horas a despender no pagamento de impostos, Dias para a
resolução de uma disputa comercial e Anos para se completar um processo de
falência de uma sociedade). Esta dimensão de análise traduz o tempo de espera
para o cumprimento de obrigações legais, cuja excessiva demora é suscetível de
introduzir perdas de eficiência e distorções ao funcionamento dos mercados.
Nesta dimensão, constata-se que Portugal se encontra, em geral, mais próximo da
origem (do centro) dos gráficos representados na Figura 3, do que nas duas
dimensões anteriores, indicando uma maior proximidade com os países, entre os
45 selecionados, melhor posicionados em cada indicador, ou seja, com menor
demora burocrática.
FIGURA_3
Índices de Demora Burocrática
CONCLUSÕES
Os indicadores para os quais Portugal regista um posicionamento mais favorável
são o tempo que leva a registar uma propriedade e a constituir uma sociedade.
Este deve-se ao esforço empreendido com a implementação de iniciativas como a
«Casa pronta» (um dia para o registo de uma propriedade imóvel, sendo Portugal
o país onde este procedimento é mais rápido, segundo o DB de 2011) e a «Empresa
na Hora» (seis dias para constituir uma sociedade).
Através da observação da Figura_3, constata-se que Portugal se encontra, no
entanto, desfavoravelmente posicionado em relação aos restantes 6 restantes
indicadores, quando comparado com a média dos países da UE-27 e da OCDE, mas
também com a generalidade dos países europeus, tais como a Espanha, a Alemanha,
o Reino Unido e a Irlanda. Comparativamente à zona euro, a situação não se
altera significativamente, verificando-se no entanto uma menor demora
burocrática na resolução judicial de uma disputa comercial em Portugal (547
dias em Portugal, 602 dias na zona euro e 549 na UE-27).
Quando comparado com o caso italiano (país que está na 80.ª posição no ranking
global do «Doing Business» e na 26.ª posição no ranking da UE, só à frente da
Grécia), verifica-se que Portugal também se encontra posicionado
desfavoravelmente em três dos indicadores anteriores, na demora em efetuar um
processo de licenciamento (272 dias em Portugal face a 257 em Itália), no tempo
que leva a pagar impostos (298 horas em Portugal e 285 em Itália) e a completar
o processo de falência de uma sociedade (2 anos em Portugal e 1,8 em Itália).
Por outro lado, países como a Finlândia, Noruega, Nova Zelândia, Hong-Kong e a
Coreia do Sul apresentam níveis de demora burocrática extremamente reduzidos.
Na comparação individual com países do Leste Europeu, nomeadamente os do
alargamento da UE, como a Estónia e Roménia, ou mesmo com a Turquia (extra-UE),
constata-se que, para a maioria dos indicadores, Portugal detém ainda níveis de
demora burocrática muito superiores aos destes países. No caso da Turquia,
Portugal encontra-se melhor posicionado em apenas três indicadores (demora no
registo uma propriedade, na constituição de uma sociedade e no tempo necessário
para completar o processo de falência de uma sociedade). Na comparação com a
Rússia, Portugal apresenta uma maior demora apenas na resolução judicial de uma
disputa comercial.
Porém, quando é feita uma comparação com economias emergentes e em processo
reformador acelerado, constata-se, por exemplo que, no Brasil, é mais rápido
concluir um processo de exportação (13 dias contra 16 em Portugal), que um
processo de licenciamento é mais expedito na Índia (195 dias contra 272 em
Portugal) e que se demora menos tempo a resolver judicialmente uma disputa
comercial e a completar o processo de falência de uma sociedade na China (406
dias e aproximadamente 1,7 anos contra 547 dias e dois anos em Portugal,
respetivamente).
Desde 2007 que Portugal realizou um esforço admirável, num período
relativamente curto, no desenvolvimento e implementação de políticas de melhor
regulamentação. Estas são reconhecidas, hoje em dia, como parte fundamental de
uma governança pública efetiva (OCDE, 2009). No entanto, existe a necessidade
de manter o momentum e a confiança gerada, desenhando uma estratégia global que
se interligue com o passado e se materialize, num futuro próximo, em novas
iniciativas conducentes à continuidade da melhoria da regulamentação do
ambiente de negócios em Portugal. Num mercado global e cada vez mais integrado,
as regras regulamentares aplicadas a outros países e contextos geográficos têm
impacto na atividade económica nacional, da mesma forma que regras comerciais e
alfandegárias aplicadas noutros mercados têm implicações no comércio externo
português de bens e serviços e, por essa via, na própria competitividade
nacional.
Em Portugal, a necessidade de resolver problemas económicos e estruturais
antigos, facilitou a emergência de uma sensibilidade partilhada entre políticos
e funcionários públicos sobre a necessidade de se motivar mudanças profundas. A
implementação do Simplex tornou-se paradigmática, a nível da ambição de
propósitos e da abrangência da sua atuação, elevando a cooperação
interministerial a um novo patamar. Os procedimentos regulatórios e
burocráticos foram alvo de enormes esforços de simplificação nos últimos anos,
o que permitiu a redução drástica de custos e a simplificação notória da vida
de empresas e cidadãos.
A análise da evolução dos indicadores do «Doing Business» no contexto deste
tipo de estudos é frequente. No entanto, neste estudo, a tradução dos
indicadores tradicionais do «Doing Business» em três novas dimensões, que
contemplam o montante de procedimentos, os seus custos e a demora no
cumprimento destas obrigações e a sua relativização face aos países com melhor
performance, permite adicionar novas componentes de análise e efetuar um
aproveitamento mais alargado desta fonte de informação.
Das três dimensões em análise, procedimentos, custos e demora burocrática, a
que se apresenta como menos favorável comparativamente às economias mais
avançadas da UE, OCDE, Japão e mesmo face a alguns países em desenvolvimento, é
a demora burocrática. Apesar da evidência clara de melhorias na generalidade do
funcionamento dos procedimentos burocráticos em Portugal, que estão refletidos
na análise das duas primeiras dimensões consideradas (procedimentos e custos),
continua a verificar-se que, em 2010, na dimensão de tempo despendido com a
operacionalização e resolução destes procedimentos, se gasta em Portugal mais
tempo do que na média dos países da UE e da OCDE, bem como na de alguns países
do alargamento e emergentes, o que poderá ter implicações sobre a eficiência e
competitividade das empresas e dos agentes económicos portugueses.
Ainda a nível dos resultados apresentados, conclui-se também que, no que diz
respeito aos custos burocráticos, seria prioritário reduzir os relacionados com
o registo de uma propriedade, designadamente no âmbito da competitividade
ibérica (que poderá ocorrer em breve, com a aplicação do recente acervo
jurídico relacionado com o «Licenciamento zero»), sendo também indispensável o
acompanhamento do custo de constituição de uma sociedade, dada a evolução
positiva registada na média dos países da UE-27. Mas é sobretudo evidente que
estes esforços se devem concentrar em suplantar as situações de excessiva, e
eventualmente desnecessária, demora burocrática e procedimental, nomeadamente
nos casos do tempo médio que leva a concluir um processo de exportação (16
dias) ou importação (15 dias), um processo de licenciamento (272 dias), do
tempo necessário para o pagamento de impostos (298 horas), para a resolução
judicial de uma disputa comercial (547 dias) e para se completar um processo de
falência de uma sociedade (dois anos).
Existe o reconhecimento generalizado de que o setor público tem de se tornar
mais «custo-eficiente» e mais próximo das necessidades dos seus cidadãos, o que
requer necessariamente uma transformação da cultura administrativa. Estes
resultados vêm revelar que, a nível da própria regulamentação, mas também da
melhoria da eficiência interna da Administração Pública e do Estado, existe
efetivamente trabalho por fazer, no que diz respeito a tornar mais eficiente e
célere a decisão de processos administrativos e judiciais. Torna-se, portanto,
premente diminuir a demora administrativa e procedimental relacionada com as
transações internacionais de bens, o licenciamento, o pagamento de impostos, a
resolução judicial de disputas comerciais e os processos de falência de
sociedades. Estas reformas tornaram-se hoje mais imprescindíveis e urgentes,
devido ao contexto económico e financeiro atual.
Criar melhores condições para as empresas serem bem-sucedidas implica
contrabalançar, de forma equilibrada, os benefícios e os custos da
regulamentação, nomeadamente os relativos à sua inerente burocracia. A
elaboração de bons instrumentos legislativos, que promovam simultaneamente a
competitividade e a inovação, no contexto da exigente e crescente concorrência
internacional, é dos maiores desafios que qualquer poder público enfrenta. Por
vezes, os procedimentos em vigor tornam-se desnecessariamente longos,
excessivamente complicados ou mesmo parcialmente obsoletos. O reexame
permanente destes instrumentos legislativos e das suas alterações é
indispensável, e permite evidenciar casos de incoerência e de incompatibilidade
de interesses, contidos, por vezes, dentro do mesmo diploma. Nesse sentido, a
reformulação da legislação pode permitir melhorar a relação custo/eficácia dos
instrumentos jurídicos tradicionais.
O desenvolvimento de novas capacidades de gestão da regulamentação e da
burocracia por parte dos poderes públicos tem de ser continuadamente
incentivado e reforçado. Permanece a necessidade de manter o esforço de criação
de momentum e de confiança, através de uma estratégia orientada para a criação
de valor, com uma regulamentação de maior qualidade, que se interligue com um
conjunto de iniciativas relacionadas, dado existir o risco de estas reformas
cristalizarem no tempo, em função de novas prioridades. Para a sua efetivação,
é necessário assegurar uma continuidade na definição de objetivos estratégicos
e operacionais, que ajudem estas reformas a manterem-se no curso devido.