Cuidados integrados: um novo paradigma na prestação de cuidados de saúde
O mundo ocidental está a envelhecer. Do ponto de vista sociológico, este facto
resulta em desafios incontestáveis para os governos e as sociedades,
particularmente para os sistemas sociais e de saúde, que devem garantir a
acessibilidade, a equidade e a qualidade na prestação de cuidados de forma
sustentada.
As respostas disponíveis não parecem adequadas. Existe hoje uma diversidade de
serviços e profissionais, sociais e de saúde, que respondem às necessidades das
pessoas, mas de um modo tão disperso e compartimentado que compromete a
acessibilidade e a eficiência dos serviços. Tal reflecte-se no uso ineficiente
de recursos caros, em listas de espera inaceitáveis e numa desadequada
transmissão de informação, que pode pôr em risco a vida do doente. Uma vez que
as pessoas em situação de dependência requerem respostas sociais e de saúde, é
fundamental uma maior integração dos cuidados.
Este trabalho, com um carácter marcadamente exploratório, apresenta e analisa
conceitos e ferramentas estratégicas inerentes ao modelo de cuidados integrados
actualmente em discussão e aplicação na Europa. Este é o ponto de partida para
a posterior discussão sobre a aplicação de conceitos, metodologias e
ferramentas da área da Gestão ao estudo e implementação desta nova forma de
estar e actuar em saúde.
Cuidados integrados
«São considerados cuidados integrados iniciativas de cooperação
intersectoriais, entre prestadores de cuidados tanto da área social como da
saúde, com vista à disponibilização de cuidados de forma contínua, sem
interrupções, a pessoas vulneráveis e com múltiplas necessidades» (Raak et al.,
2003). Os cuidados integrados são vistos como uma solução para a fragmentação e
a descontinuidade, características dos sistemas sociais e de saúde na Europa.
A integração é uma questão central no desenho e desempenho organizacional.
Todas as organizações são, de certa forma, estruturas hierárquicas formadas por
partes inter-relacionadas, embora separadas, que desempenham papéis
complementares. No entanto, a divisão e a especialização encontradas na
arquitectura de organizações mais complexas geralmente interferem com
objectivos de eficiência e qualidade. Daí que, para se atingirem esses
objectivos, seja necessária a cooperação entre as várias partes da organização
ou sistema (Kodner e Spreeuwenberg, 2002).
Estas abordagens aplicam-se, claramente, ao sistema social e de saúde, bem como
a outros que com estes se relacionem. Falar de integração a este nível não
significa que a fusão tenha que ser completa, até porque existem nestes
sectores descontinuidades inevitáveis. Esta deverá antes ser encarada como uma
forma de se dispor de sistemas mais abrangentes e preocupados com o todo.
Os termos cuidados continuados e cuidados integrados, muitas vezes usados como
sinónimos, têm, no entanto, diferentes conotações.
Regulamentados pelo Despacho Conjunto nº 407/98, de 18 de Junho, dos
Ministérios da Saúde, do Trabalho e da Solidariedade, os cuidados continuados
têm como objectivo a criação de respostas integradas entre os sectores social e
da saúde, quer no domicílio quer em ambulatório, para pessoas em situação de
dependência e que necessitam de cuidados complementares e interdisciplinares de
longa duração. O conceito de cuidados integrados é mais amplo, envolvendo não
só a perspectiva do utente, mas também as implicações em termos de tecnologia,
economia e gestão dos serviços.
Os cuidados integrados não são um fim em si mesmo. Os objectivos são a
eliminação das redundâncias, a promoção da continuidade e da personalização na
prestação de cuidados e o aumento da autonomia dos utentes. Tal traduz-se numa
melhoria da qualidade, em termos de acesso, eficácia, eficiência e satisfação
do utilizador.
Para que as estratégias de cuidados integrados sejam bem sucedidas, é fulcral
envolver todos os interessados (utentes, prestadores de cuidados, responsáveis
pelo planeamento, instituições), mas as estratégias conducentes a melhorar os
cuidados ou os serviços prestados aos utentes poderão levar a perdas ao longo
do sistema, nomeadamente de poder e controlo de alguns profissionais e/ou
instituições, o que gerará resistências.
O processo de integração pode implicar a criação de equipas multidisciplinares
(integração horizontal) dentro do mesmo nível de cuidados ou a ligação entre os
vários níveis, primários e secundários (integração vertical) (Leichsenring,
2003). As estratégias de gestão, as estruturas organizativas e os sistemas de
controlo desempenham um papel importante na integração, bem como a questão do
financiamento.
A temática dos cuidados integrados está muito relacionada com a qualidade do
serviço prestado. Donabedian (1980) identifica três tipos de abordagens a esta
questão: estrutura, processo e resultados. A estrutura representa os recursos
disponíveis para os profissionais e as instituições; o processo envolve a
relação entre profissionais e utentes; e os resultados, mais difíceis de medir,
referem-se aos efeitos no estado de saúde do utente, evitando as interrupções
na prestação dos serviços.
A ideia-chave de uma organização integrada é a da existência de uma porta de
entrada única que possa ser acedida pelos utilizadores potenciais, sem que
necessitem de entender a estrutura que está por detrás. Esta entrada poderá
funcionar como uma estrutura de aconselhamento, de clarificação das
necessidades do utente e de coordenação entre as várias organizações e
profissionais prestadores de cuidados. As Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) e, mais concretamente, os Sistemas de Informação, podem ser
usados para criar organizações virtuais que permanecem unidas pela partilha de
informação, apesar de formalmente separadas.
Programas e ferramentas em aplicação na Europa
O interesse da União Europeia nos cuidados sociais e de saúde tem vindo a
aumentar e as prioridades passam, não só por garantir o acesso a serviços
existentes, mas também pela sua adequação aos novos desafios, designadamente,
sócio-demográficos.
Os exemplos de boas práticas analisados de seguida envolvem profissionais e
organizações de países Europeus. A abordagem inicia-se com uma reflexão sobre o
aumento da sensibilidade geral para a necessidade de uma mudança de paradigma
na prestação de cuidados, nomeadamente quando está em causa a população idosa e
continua com a apresentação e discussão de programas e ferramentas de actuação
ao nível estratégico e operacional, envolvendo os processos, os prestadores de
cuidados e os utentes dos sistemas.
Novo paradigma na prestação de cuidados
Os desafios actuais exigem respostas como a prestação de cuidados centrados na
pessoa, a definição de planos de cuidados individuais, mais centrados naquilo
que as pessoas ainda podem fazer e menos nas suas incapacidades, a constituição
de equipas multidisciplinares, a oferta de formação em competências
transversais e o desenvolvimento e adopção de indicadores para medir a
qualidade dos serviços prestados (Boydell, 1996).
No entanto, a criação de um único modelo europeu não parece ser a melhor
solução, existindo reservas devido a questões de autonomia e à sensibilidade
das matérias sociais. As estruturas, os modelos de apoio social e de
organização dos sistemas de saúde, o financiamento, as culturas profissionais,
as políticas e as relações de poder apresentam especificidades em cada país.
Tratando-se de questões sociais, o contexto local e regional acaba por ter mais
relevância do que o nacional ou o europeu (Leichsenring, 2003).
Em praticamente todos os países, os serviços sociais têm uma história bem mais
curta do que os serviços de saúde, embora com diferenças entre o Norte e o Sul
da Europa.
No Norte da Europa, desde 1950 que se tem vindo a desenvolver e a adequar uma
grande diversidade de serviços, instituições e profissões de apoio social. Já
no Sul, os serviços de apoio social são insuficientes, enfrentando escassez de
recursos financeiros e de profissionais qualificados, realidade contrastante
com a da saúde, caracterizada por profissões bem diferenciados em termos de
competências e valores.
Em termos estruturais, a primeira grande questão, comum a todos os países, é a
da existência de diferentes jurisdições na área social e na área da saúde. Logo
à partida, o direito à saúde é tratado de modo distinto do direito ao apoio
social. Em termos de legislação específica para cuidados integrados, embora
escassa, tem vindo a desenvolver-se algum trabalho no que respeita ao
financiamento e à organização.
A diferença entre as áreas social e da saúde acentua-se pelo simples facto de,
em muitos países, os cursos de Medicina e de Enfermagem serem incontestados,
enquanto algumas profissões da área social não dispõem, sequer, de
enquadramento legal adequado. Questões relevantes colocam-se a este nível,
nomeadamente como promover o trabalho em conjunto e os cuidados integrados de
modo a ultrapassar as diferenças entre as instituições, com vista a melhorar a
qualidade dos serviços prestados e qual o papel das famílias, dos amigos e dos
vizinhos na prestação de cuidados (Leichsenring, 2003).
São inevitáveis as discussões decorrentes da introdução de mecanismos de
mercado e da mudança do papel do sector público, de fornecedor a comprador de
determinados serviços, ao invés de os prestar directamente, e da consequente
necessidade de dispor de mecanismos de regulação. Tem-se assistido por toda a
Europa a uma preocupação crescente em privatizar alguns serviços públicos nesta
área, em regulamentar as relações entre o Estado e as instituições sem fins
lucrativos, bem como em incentivar a prestação integrada de cuidados entre a
área social e a área da saúde.
No entanto, o foco tem sido colocado, quase sempre, nas reformas da saúde e nos
instrumentos para contenção de custos no sector da saúde, o que não conduziu,
necessariamente, a um pensamento integrado e integrador. Assiste-se, sim, ao
aparecimento de dois mercados distintos, um no sector social e outro no sector
da saúde (Leichsenring, 2003). Mesmo na investigação, por comparação com a área
da saúde, quase não existem publicações relativas a cuidados integrados
(Leichsenring, 2004).
É geralmente assumido que a integração dos cuidados resulta em mais qualidade
dos serviços, mais eficiência e redução de custos. No entanto, há que gerir as
expectativas que podem ser, nesta fase, pouco realistas. Pouco se sabe
relativamente aos níveis de eficiência conseguidos em diferentes cenários, com
profissionais de áreas diversas e com níveis de formação e treino distintos. Na
verdade, muitos projectos nesta área são de curto prazo e financiados ao abrigo
de programas específicos, nacionais ou regionais pelo que a sua avaliação,
nomeadamente económica, se revela bastante importante para trazer mais
maturidade a esta questão.
Os recursos ' pessoas, tempo, equipamento e conhecimento ' são escassos, pelo
que têm que ser efectuadas escolhas relativamente à sua afectação. Os custos
reais desta afectação não se traduzem realmente em euros no orçamento desse
mesmo programa, mas nos resultados que se poderiam obter com esses recursos
seguindo opções não consideradas. Referimo-nos aos custos de oportunidade
(Vondeling, 2004). As análises poderão envolver apenas a eficiência e os
custos, ou incluir aspectos qualitativos.
Os resultados podem ser medidos em termos de «número de casos de sucesso» ou
«anos de vida ganhos» mas, se se introduzir o conceito de «qualidade de vida»,
tratar-se-á de uma análise de custo-utilidade, do valor criado para o
indivíduo. Para que haja uma avaliação económica, terão de ser avaliados os
custos e os efeitos dos programas e das alternativas. Poderá comparar-se o
sistema tradicional de prestação de cuidados com um sistema de prestação
inovador, eventualmente uma equipa de reabilitação multiprofissional que
contribua para a redução da permanência do utente no hospital.
Ferramentas estratégicas, culturais e estruturais
Estudos comparativos realizados na Europa (Raak et al., 2003) permitem concluir
que é fundamental desenvolver ferramentas estratégicas, culturais e
estruturais.
Das ferramentas estratégicas, há a realçar a necessária criação da visão,
tarefa focada na continuidade da prestação de cuidados que deve envolver todas
as partes: políticos, gestores e prestadores de cuidados. O mais importante é
centrar a abordagem nos utentes e nos seus familiares, pelo que se deve partir
das suas perspectivas, experiências e expectativas. Também os aspectos
económicos podem e devem ser tidos em conta na visão, nomeadamente o facto de
os cuidados integrados permitirem optimizar a relação custo/qualidade, a
actuação preventiva e diagnósticos mais adequados, porque mais informados e
completos (Raak et al., 2003).
Relativamente às ferramentas estruturais, uma estrutura viável é a constituição
de redes de cooperação, que devem ter como base informação adequada. Ao nível
da prestação de cuidados, a rede pode ser um grupo que se forma em torno de
determinados objectivos ou de um determinado grupo de utentes. Também aqui as
TIC são indispensáveis na partilha de informação.
Trabalhar em rede representa uma mudança significativa face à tradicional
fragmentação, tanto ao nível da gestão como da prestação de cuidados, impondo a
revisão e até o desenvolvimento de novas competências. Ao nível da gestão, é
imprescindível um conhecimento profundo dos processos e dos interesses dos
envolvidos, a capacidade de usar bem a informação e a capacidade de decisão. Ao
nível da prestação de cuidados, para trabalhar em equipas multidisciplinares
são fundamentais as competências de relacionamento interpessoal, bem como as
competências de gestão, capacidade de usar bem o recurso informação e os
Sistemas de Informação.
Diagnóstico de necessidades e plano individual de cuidados
Tem vindo a discutir-se a importância da existência de uma porta de entrada
única no sistema, uma discussão indissociável de uma outra: a do diagnóstico
das necessidades. Inevitavelmente surgem as abordagens multidisciplinares, o
que implica a constituição de equipas com competências diversas e
complementares.
O objectivo da prestação de cuidados integrados, com um ponto único de acesso,
é a consideração integral das necessidades do utente. Se as necessidades forem
avaliadas só do ponto de vista médico, é natural que as pessoas sejam
unicamente medicadas. Da mesma forma, se a avaliação envolver apenas a
perspectiva social, poderão ficar ocultas outras necessidades. O utente acaba
por usufruir de um serviço mais dispendioso mas menos eficiente e fica menos
satisfeito (Leichsenring, 2004).
Em Itália existem as chamadas «unidades de avaliação geriátrica», mas estas só
são chamadas a intervir quando os idosos procuram lugares em lares ou
instituições afins. Na Holanda existem os «gabinetes regionais de avaliação»,
que são um ponto de partida para as estratégias integradas, onde se decide o
tipo de apoio e de recursos de que o utente deve dispor. Existem outras
iniciativas do mesmo tipo no Reino Unido e em França, mas em muitos outros
países o processo de avaliação está ainda muito fragmentado e assente numa
perspectiva de diagnóstico médico (Leichsenring, 2004).
Descrevendo com mais detalhe o caso holandês, surgiu o modelo RIO (Regional
Assessment Board), que não é mais do que uma porta única de acesso do utente ao
sistema e que revela que, cada vez mais, o ponto de partida está do lado de
quem requisita o serviço. É de referir que os idosos holandeses apresentam um
nível de exigência cada vez maior (Ex et al., 2003). Os RIO são organismos
independentes de informação e avaliação de necessidades individuais. A
independência destes organismos de potenciais prestadores de serviços é
importante, bem como a tendência para a personalização do serviço.
Recentemente introduziram-se algumas alterações, como a criação de orçamentos
individuais. Neste sistema é facultada informação ao utente relativamente aos
serviços e às estruturas disponíveis. Cada município decide o modo como o
serviço de informação é disponibilizado, mas, regra geral, este assume a forma
presencial, podendo ser também efectuado através de telefone ou de uma «janela
electrónica».
Embora estas iniciativas apresentem vantagens claras, existem alguns pontos
fracos, nomeadamente as diferenças entre os vários municípios na prestação dos
serviços, muito relacionadas com as autonomias regionais, o excesso de
burocracia e o facto de os prestadores informais de cuidados continuarem a
colmatar algumas falhas no sistema, o que leva à ocultação das reais
necessidades dos utentes nas avaliações dos RIO. Pode concluir-se que a
fragmentação ainda excede a integração, embora de um modo menos acentuado do
que no passado (Raak et al., 2003).
O objectivo do plano individual de cuidados, que resulta do diagnóstico de
necessidades, é conciliar a oferta e a procura e construir uma rede de serviços
ou recursos, com um enfoque central no utente e nas suas famílias
(Leichsenring, 2003). Depois do diagnóstico e do desenho do «pacote de
cuidados», segue-se a sua implementação e monitorização.
A redução de ineficiências é um objectivo, bem como a minimização das perdas e
da duplicação de informação. Discute-se, entretanto, se não estará a haver
cortes em serviços caros, mas necessários (Leichsenring, 2004). Defende-se
também que modelos mais desburocratizados, com equipas capazes de dar respostas
preventivas eficazes, podem evitar admissões desnecessárias nos hospitais ou
noutras instituições e que este apoio intermédio pode ser complementado com
serviços de reabilitação, para ajudar os utentes a reconquistar a sua
independência e reduzir a sua estadia nestes locais.
Na Dinamarca, equipas de geriatria efectuam visitas preventivas a casa de
pessoas idosas, existem acordos entre os municípios e os hospitais no que se
refere às saídas dos utentes dos hospitais e realizam-se reuniões frequentes
entre profissionais das áreas social e da saúde (Leichsenring, 2003).
Financiamento e livre escolha
O financiamento dos utentes ou das famílias privilegia a liberdade de escolha.
As atribuições variam em função da avaliação feita em termos de necessidades,
tipo de serviços e instituições a que se recorre.
Na Holanda, é atribuída uma verba para pagamento dos serviços, após a indicação
dos RIO, que determinam os cuidados necessários. O poder de decisão passa para
as mãos do indivíduo, que decidirá quando e onde os serviços serão prestados.
As verbas ainda se destinam, unicamente, aos sectores de cuidados propriamente
ditos e/ou alojamento, mas o eventual envolvimento de outros sectores neste
regime pode ser interessante (Ex et al., 2003).
Na Alemanha, os beneficiários podem escolher entre a pensão, preferencial no
momento, os serviços em géneros ou uma combinação dos dois. Na Áustria, os
beneficiários são livres de decidir se usam as verbas atribuídas para comprar
serviços ou para financiar os prestadores informais de cuidados, como a
família. Na Alemanha, já existe a obrigatoriedade de usar parte desse orçamento
na compra de serviços. Desta forma, o utente ou a sua família são uma espécie
de «gestores do plano de cuidados», o que pode levantar questões como o uso
incorrecto dos fundos públicos, mas a atribuição destas pensões pode também ser
um primeiro passo para uma abordagem mais orientada para a procura e, deste
modo, estimular a diferenciação nas várias instituições prestadoras de
cuidados. Deve ser assegurada a disponibilidade de uma informação vasta acerca
da oferta disponível, para que os utentes possam fazer escolhas informadas
(Leichsenring, 2003).
Multidisciplinaridade e trabalho em equipa
São conhecidas as diferenças hierárquicas, estruturais e culturais entre as
instituições e profissionais da área social e da saúde. O sistema dinamarquês
de cuidados a idosos apresenta algumas propostas a este nível (Leichsenring,
2003). Em primeiro lugar, são os municípios que pagam as despesas dos utentes
nos hospitais quando, depois de terminado o tratamento, aguardam um lugar num
lar. Está estabelecido que os hospitais devem informar as instituições de apoio
social três dias antes da sua saída, caso este necessite de apoio. Experiências
envolvendo equipas de geriatria, reuniões conjuntas antes da saída dos utentes
do hospital e treino conjunto são algumas das iniciativas levadas a cabo nesse
país.
No Reino Unido tem existido colaboração entre as áreas social e da saúde, com
destaque para o projecto Community Assessment and Rehabilitation Teams (CART).
A constituição de equipas multidisciplinares está no centro do desenho deste
serviço, equipas essas que ficam alojadas num só local, neste caso, os centros
de saúde. Estas equipas recebem informação dos hospitais relativamente a
eventuais entradas e saídas, sendo o seu objectivo intervir antes de se atingir
uma situação de crise que implique o internamento do utente (e.g. intervenção
domiciliária) e acompanhar o utente na fase de reabilitação (e.g. terapias de
reabilitação). O serviço está disponível 24 horas por dia (Alaszewski et al.,
2003).
Estas equipas são geralmente constituídas por enfermeiros, terapeutas
ocupacionais e fisioterapeutas, o que permite efectuar uma avaliação integrada
da condição do utente. Um destes profissionais assume a liderança da equipa,
recaindo a escolha sobre o profissional cuja terapia é mais necessária na
situação em causa. Outros especialistas, como terapeuta da fala ou
nutricionista, poderão vir a fazer parte destas equipas, caso seja necessário.
Estas iniciativas são suportadas por fundos conjuntos, geridos quer pelos
serviços sociais quer pelo Sistema Nacional de Saúde. O projecto apresenta, no
entanto, algumas debilidades, nomeadamente a ausência de avaliação externa e o
facto de se tratar de um projecto-piloto, com financiamento futuro incerto
(Alaszewski et al., 2003).
Importa realçar que o envolvimento das famílias ou de outros prestadores
informais de cuidados, como vizinhos ou amigos, é crucial na criação de redes
para cuidados integrados, porque nenhum sistema de cuidados é capaz de cobrir
completamente todo o tipo de necessidades. A rede informal deverá ser envolvida
no planeamento, implementação e controlo dos projectos, para que se assegure
que se está a ir de encontro a necessidades reais(Kodner e Spreeuwenberg,
2002.). Ainda assim, a rede formal de cuidados parece ainda ver a família como
um oponente e não como um recurso a ser utilizado (Leichsenring, 2004).
Discussão e conclusão
No dealbar do Séc. XXI, as interrogações em torno da capacidade dos Estados
para garantirem protecção social aos cidadãos estão na ordem do dia. Novos
conceitos e modelos têm vindo a ser introduzidos, utilizados e depois
descontinuados, frequentemente após curtos espaços de tempo de implementação,
incompatíveis com um correcto diagnóstico dos seus contributos, insuficiências
e ineficiências, em boa medida pela não consideração de ferramentas de
diagnóstico que acompanhem as diversas fases do planeamento e da execução.
Por outro lado, os utentes dos sistemas estão mais exigentes quanto à qualidade
dos mesmos, materializada em possibilidade e comodidade de acesso a uma
diversidade de serviços, tempos de atendimento, desempenho dos prestadores de
cuidados, custos e, cada vez mais, uma série de atributos imateriais e de
difícil avaliação, porque de carácter extremamente pessoal e subjectivo.
O conceito de cuidado integrado surge como um novo paradigma, capaz de
contribuir para a solução de diversos problemas criados pela fragmentação dos
serviços sociais e de saúde, geradora de ineficiências na gestão dos recursos
disponíveis, baixa qualidade na prestação dos serviços e, concomitantemente,
insatisfação no cidadão-utente.
Em Portugal, o interesse por esta temática é relativamente recente, quer ao
nível da investigação quer das práticas. Na Europa, a experiência é mais vasta,
nomeadamente nos países do Norte, pelo que existe já alguma experiência que
merece ser analisada, no sentido de daí retirar lições que possam contribuir,
depois de devidamente enquadradas e adaptadas à realidade portuguesa, quer para
o delinear de novas estratégias, programas e políticas (por exemplo, das formas
de financiamento dos sistemas), quer para a definição de novos modos de
trabalhar, formar e informar e mesmo de actuar ao nível da necessária mudança
das mentalidades e da cultura e subculturas dos diversos grupos de interesse
envolvidos.
Os exemplos aqui analisados mostram práticas interessantes, onde se podem rever
princípios de gestão e métodos de organização do trabalho há muito estudados e
implementados em empresas dos diversos sectores de actividade. Ao nível
empresarial, a necessidade de manter e aumentar a competitividade impele as
empresas para a melhoria contínua, que passa pela obrigatoriedade de inovar aos
mais diversos níveis, como estratégico, organizacional e operacional.
As ferramentas da gestão empresarial parecem estar a ser cada vez mais
aplicadas nos sistemas social e de saúde, sendo comum a referência a conceitos
como a orientação para o utilizador, a focalização nos objectivos e nos
resultados e a reengenharia de processos (Leichsenring, 2004). Deixando, por
enquanto, de lado a discussão sobre os méritos de dado sistema ou modelo
específico sobre outro, nomeadamente os baseados em financiamento público e
privado, com maior ou menor intervenção por parte do Estado, afigura-se
pertinente discutir a utilidade de algumas metodologias e ferramentas
amplamente utilizadas no meio empresarial, quanto mais não seja porque auxiliam
no esforço de estruturação da informação e na modelação das diferentes
realidades, essenciais no processo de pensar e realizar um futuro diferente
para o sistema de prestação de cuidados em Portugal.
Concretamente, a gestão da qualidade pode ajudar a promover a cooperação entre
as instituições, se forem construídos indicadores de desempenho para a rede,
definidos de comum acordo, e se forem reconhecidas as particularidades dos
serviços social e de saúde ao longo deste processo. Os sistemas devem ser
orientados para a satisfação dos utentes, o que só é possível através da
análise do desempenho e da melhoria contínua. A avaliação rigorosa e isenta
aparece como fundamental. Por detrás do processo de melhoria contínua estão
conceitos como a visão sistémica e a optimização dos processos, bem como as
ferramentas de controlo e melhoria da qualidade, a avaliação da satisfação dos
utentes, o benchmarking e a reengenharia dos processos (Mezomo, 2001).
A abordagem dos cuidados integrados é complexa, daí que se devam avaliar,
sistematicamente as intervenções e os resultados, sejam eles em termos de saúde
do utente ou económicos. Os estudos deveriam focar-se também nas experiências
vividas pelos próprios utentes. Sugere-se o uso de ferramentas quantitativas e
qualitativas no sentido de avaliar a eficiência e eficácia destas iniciativas
(Kodner e Spreeuwenberg, 2002).
O conceito de cadeia de valor (Porter, 1985) assume bastante importância neste
contexto e, mais concretamente, o conceito de sistema de valor, que inclui não
só cada organização que presta o serviço individualmente, mas todas as outras
que com esta se relacionam, incluindo os próprios utentes. O conceito de cadeia
de valor passa pela desagregação da organização em múltiplas actividades,
funções ou processos que representam as estruturas elementares para a criação
de vantagens competitivas, pela obtenção de custos mais reduzidos e oferta de
serviços diferenciados. A margem de lucro das organizações depende da
eficiência com que esta desempenha as várias actividades, para que o utente
esteja disposto a pagar um valor que exceda o custo dessas mesmas actividades
na cadeia. Conseguindo isolar essas actividades, é aí que a organização tem
oportunidade de gerar um valor superior. A criação de vantagens competitivas é
possível através de eventuais reconfigurações da cadeia de valor. Uma vantagem
de custo pode ser conseguida através de mudanças estruturais ou organizativas e
a diferenciação pode ser alcançada através de, nomeadamente, mais articulação,
aprendizagem e integração. Porter (1985) refere a importância das sinergias no
que se refere à partilha de recursos, que podem resultar em reduções
significativas de custos e respostas rápidas às solicitações externas.
No conceito de cadeia de valor refere-se sempre as relações e interdependências
das várias actividades de cada organização. No entanto, e embora no conceito de
sistema de valor a filosofia subjacente seja idêntica, a organização é vista
como parte integrante de um sistema mais vasto, que inclui outras organizações
e os próprios utilizadores do serviço. Existem interdependências importantes
também fora da organização, entre várias cadeias de valor. As tecnologias de
informação e de comunicação podem ajudar a desenvolver a nova cadeia/sistema de
valor, suportando nomeadamente a comunicação entre as partes na «organização
virtual».
A dimensão regional assume, neste contexto, uma importância extrema. Ora, as
políticas de desenvolvimento regional na Europa têm sido criticadas por se
terem baseado, durante muito tempo, em modelos exógenos, criados de fora para
dentro, sendo as regiões consideradas receptoras passivas de decisões sobre o
seu futuro, tomadas unilateralmente pelos governos centrais sem a sua
participação activa. As regiões não vivem na ausência de redes de cooperação,
mas o que existe é, fundamentalmente, de carácter vertical, ou seja, assente em
relações de dependência face ao poder central. Ora, uma rede vertical
dificilmente se traduz em confiança e cooperação.
Existem hoje perspectivas assentes no desenho de novas políticas, com base em
modelos endógenos e em torno da construção de um capital social, que resulta
das relações entre os elementos da região e entre esta e o exterior (Morgan e
Henderson, 2002). Os elementos-
-chave são confiança, voz, reciprocidade e disponibilidade para a cooperação,
recursos intangíveis que assumem hoje um grande valor. Mas a proximidade não é
condição suficiente para trabalhar redes interactivas de aprendizagem. Elas têm
de ser construídas de modo consciente e com esforço das partes envolvidas. Há
todo um conjunto de entidades entre o Estado e o mercado, tais como
instituições privadas, instituições públicas, associações e agências de
desenvolvimento regional, cuja importância não deve ser menosprezada.
A promoção dos cuidados integrados significa «mudança», nomeadamente a
necessária tomada de consciência de todas as partes de interdependências
importantes, a atenuação de fronteiras institucionais e profissionais e a
aplicação de ferramentas estratégicas com o objectivo de construir e manter uma
rede. Trata-se de estruturar um novo modelo de actuação, que resulte numa
prestação de cuidados mais ajustada às necessidades de cada cidadão, mais
preventiva, menos «aguda» e mais eficiente.