Limites da utilização da ética e da RSE como estratégia empresarial
Independentemente da realidade de cada país/economia ou sector de actividade,
onde continua a existir um maior ou menor número de casos de empresas
socialmente irresponsáveis (Smith-Hillman, 2007), a Responsabilidade Social das
Empresas (RSE) é um desejo ou vontade política declarada, reforçada por uma
tendência de interesse crescente por parte das instituições do Estado (Projecto
Ser PME Responsáveldo IAPMEI), instituições internacionais (Comissão Europeia '
Livro Verde, 2001; ONU ' Global Compact), organizações não governamentais/ONG
(RSE Portugal ou GRACE), imprensa, empresas (de concorrência e de consultoria
em RSE) e investigação científica.
Liedekerke e Dubbink (2008) sublinham que a investigação no âmbito da RSE,
sendo o tópico-chave da área da Ética dos Negócios, floresceu paradoxalmente
mais na Europa do que nos EUA.
Grande parte da literatura da Ética dos Negócios e as convicções dos
responsáveis de muitas das empresas sugerem, pois, que a ética e a RSE podem
ser lucrativas (Jose e Thibodeaux, 1999; Hosmer, 2000; Husted e Allen, 2000;
Livro Verde, 2001; Bird et al., 2007; Heugens e Dentchev, 2007). Argumenta-se
também que a Responsabilidade Social e o desempenho económico da empresa estão
relacionados positivamente (Lewicka-Strzalecka, 1999; Husted e Allen, 2000;
Koslowski, 2002; António, 2003; Enderle, 2004). Alguns autores inclusivamente
analisam e propõem condições em que as empresas, que assumem a ética e a RSE
como estratégia, podem ganhar uma vantagem competitiva sobre a concorrência
(Moreira e Cunha, 1997; Hosmer, 2000; Husted e Allen, 2000; McWilliams e
Siegel, 2001; Burchell e Cook, 2006; Whitehouse, 2006; Heugens e Dentchev,
2007); incluem inclusive a ética e a RSE nos objectivos da empresa ou
simplesmente falam da estratégia social das empresas (Husted e Allen, 2000;
Whitehouse, 2006).
Este desejo crescente ou convicção levanta, contudo, uma questão de fundo:
quais são os limites praxeológicos da utilização da ética e da RSE como
estratégia empresarial? Já que isso deve ter limites para não acontecer que,
afastando-se de um extremo (responsabilidade limitada), se chegue a outro
extremo (responsabilidade total e ilimitada), tão indesejável como o primeiro.
Muitos dos argumentos da resposta a esta questão, provenientes de diversos
autores citados adiante, remontam ao texto clássico de Milton Friedman (1970),
contudo, a sua voz isolada não convenceu a maioria, provocando uma interminável
avalancha de críticas. Ultrapassado o período de uma certa novidade da ideia e
da euforia inicial com a RSE, pelo menos na Europa (ver Liedekerke e Dubbink,
2008), deve agora começar-se a ponderar as suas vantagens e desvantagens.
Mesmo assumindo que a inclusão da ética e da RSE na estratégia da empresa é
frequentemente benéfica para esta última ou então que é prudente incluí-la
(Friedman, 1970; Whawell, 1998; Kaler, 2000; Burchell e Cook, 2006; Whitehouse,
2006; Pater e Lierop, 2006) para não sofrer ameaças ou não causar danos à
empresa (pressão das ONG, custas judiciais ou deterioração da imagem e da
reputação, em resultado de acusações de práticas monopolísticas, assédio
sexual, abuso de informação privilegiada, discriminação, corrupção, tráfico de
influências, etc.), não será, por vezes, menos arriscado para a eficiência do
alcance dos objectivos empresariais não as considerar?
Segundo McWilliams e Siegel (2001), «existe um nível de investimento em RSE que
maximiza os lucros, satisfazendo, ao mesmo tempo, a procura dos stakeholders
para a RSE. Este nível de investimento pode ser determinado através da análise
de custo-benefício. ( ); os gestores têm de tratar as decisões relacionadas com
a RSE precisamente como tratam todas as decisões de investimento. ( ); as
características de RSE são semelhantes a quaisquer outras características da
oferta da empresa» (p. 125).
Na presente abordagem, tal como na literatura da área, assume-se a ética e a
RSE como conceitos substitutos, equivalentes ou sinonímicos (Vogel, 1991;
Ferrell e Fraedrich, 1997; Husted e Allen, 2000; Enderle, 2004; Rego et al.,
2006), pois conforme realça Liedekerke e Dubbink (2008), o complexo conceito de
Corporate Social Responsibility(CSR) sobrepõe-se a noções tão diversas como a
ética dos negócios, a responsabilidade organizacional, cidadania
organizacional, sustentabilidade, responsabilidade ambiental e filantropia
organizacional.
A praxeologia, enquanto metodologia geral ou teoria de acção humana eficiente
(Dudley, 1995; Gasparski, 1996; Freeman e Phillips, 1996; Swiatkiewicz, 1997),
assume aqui apenas um papel acessório e instrumental, permitindo avaliar a
incorporação de RSE na estratégia do ponto de vista de um duplo critério: da
sua eficácia e eficiência.
O uso e o abuso da ética e da RSE
«Neste quadro harmonioso de ética e de economia como aliados, pode-se encontrar
características de wishfulthinking e sementes de complacência» (Paine, 2000, p.
319), tal como inúmeros mitos acerca da actividade económica (empresarial) a
todos os níveis de conduta: geral, organizacional e individual (Geva, 2001).
«Ainda que seja possível e até provável que a ética compense a longo prazo, em
geral, nos negócios, ela não compensará em ocasiões particulares nos negócios
individuais» (Kaler, 2000, p. 162). Os bons tempos (prosperidade,
desenvolvimento económico) são mais propícios à inclusão da ética e da RSE do
que os tempos difíceis (Carr, 2003; Vuontisjärvi, 2006).
Mas, mesmo assim, «não é claro de que modo as companhias devem responder aos
seus stakeholders e identificar as suas responsabilidades sociais» (Pater e
Lierop, 2006, p. 339). Como sublinham Heugens e Dentchev (2007, p.164): «Os
riscos da RSE podem ter um impacto significante sobre a capacidade de uma
organização atingir os seus objectivos. Os riscos organizacionais podem
provocar um sério rompimento dos processos nucleares de transformação
organizacional e comprometer a realização de alvos e objectivos internos».
Segundo Buchholz e Rosenthal (1998), da conceptualização da RSE não resulta
nenhum mecanismo específico para resolver a questão da afectação dos recursos
organizacionais (eficiência da afectação). A articulação e a operacionalização
dos três objectivos (triple bottom line) impostos ou assumidos voluntariamente
pela organização (económico, social e ambiental) continuam a ser problemáticas
(Fisher e Lovell, 2003). Whitehouse (2006) conclui do seu estudo que os
gestores das empresas (em 16 companhias multinacionais presentes no Reino
Unido) consideram difícil a medição do sucesso de implementação das suas
próprias políticas de RSE.
A inclusão, para além do económico, de objectivos sociais e ambientais, como
meios e/ou como fins, pode fazer com que a realização do primeiro seja muito
menor do que esperado ou até tão reduzida que não permite a sobrevivência da
organização. Numa situação destas, a empresa pode não resolver nem os seus
problemas, nem os das suas partes interessadas (stakeholders).
Na literatura da área pressupõe-se que a promoção da ética e da RSE deve também
ajudar a reduzir ou a atenuar alguns problemas sociais e económicos
(desemprego, exclusão social e pobreza, poluição do ambiente e aquecimento
global, etc.), pois, a conduta (não) ética e socialmente (ir) responsável dos
actores da vida económica, condiciona o funcionamento do sistema económico como
um todo (Argandoña, 1989; Lewicka-Strzalecka, 1999; Sen, 1999/02; Hosmer, 2000;
Hosmer e Chen, 2001; Koslowski, 2002). Contudo, os resultados desse
comportamento podem, por vezes, ser contraproducentes ou prejudiciais para a
própria sociedade e para os seus sistemas económicos.
As estratégias que impõem padrões éticos podem ser usadas sem ter em conta se
elas de facto ajudam ou prejudicam a sociedade ou alguns grupos. A RSE pode ser
usada como vantagem competitiva através da imposição da convenção ética de uma
empresa sobre um sector inteiro em que ela actua, daí que a RSE possa criar uma
situação de monopólio para aquela empresa à semelhança de outros factores. «As
estratégias éticas podem ser, por isso, descritas como práticas anti-
competitivas, que restringem a competição efectiva de outras empresas no
mercado» (Husted e Allen, 2000, p. 26).
As estratégias de RSE podem subverter um simples processo democrático, porque
quando as empresas se envolvem em problemas sociais, começam a tomar decisões
que podem não estar no melhor interesse de toda a sociedade (Husted e Allen,
2000).
Só pelo facto de as estratégias de RSE terem de adicionar valor à empresa,
estas últimas tendem a ser conservadoras, concentrando o seu esforço nas causas
populares ou politicamente correctas, não se envolvendo em causas controversas;
«estima-se que 80% da filantropia empresarial é dirigida para as questões
seguras'» (Husted e Allen, 2000, p. 27).
Potenciais perigos de inclusão da ética e da RSE
A diluição/enfraquecimento da atenção da gestão pela inclusão de RSE constitui
uma ameaça porque faz com que os responsáveis percam da vista a estratégia
comercial; corre-se o risco de distribuir os recursos de gestão disponíveis por
um número crescente de alternativas de investimento (Heugens e Dentchev, 2007);
enfraquece-se o sentido do dever dos gestores perante os proprietários
(Friedman, 1970; Lewicka-Strzalecka, 1999).
A adopção da RSE pode constituir o risco de se gastar os recursos da empresa de
forma não produtiva, canalizando-os para os objectivos que encorajam os
stakeholders para o comportamento tipo free-riding. Pois a RSE, sendo
parcialmente investimentos em bens públicos, significa a afectação dos recursos
de uma empresa que podem ser usufruídos por todos, mesmo por aqueles que não
contribuíram mas beneficiam da melhoria dos serviços públicos, inclusive a
própria concorrência. A despesa com RSE acarreta também custos de oportunidade,
no sentido em que cada euro gasto na RSE não pode ser investido noutras
actividades geradoras de rendimento (Heugens e Dentchev, 2007; ver também
Kirchler e Hölzl, 2003).
O alargamento da coligação organizacional pela inclusão dos interesses de todos
os stakeholders, e não apenas dos críticos (estratégicos ou mais influentes),
constitui uma ameaça porque uma coligação tão ampla pode tornar-se
disfuncional, conduzindo ao caos e à anarquia (Heugens e Dentchev, 2007).
Contudo, muitos dos autores que apoiam a RSE apelam à inclusão de stakeholders
tão ampla quanto possível.
O sucesso da estratégia pode ser comprometido por uma implementação defeituosa
da mesma e um dos factores que impede a implementação de RSE com êxito é a
falta de indicadores práticos do seu desempenho; muitos dos objectivos de RSE
têm natureza etérea, tornando a sua quantificação difícil ou mesmo impossível
(Fisher e Lovell, 2003; Whitehouse, 2006; Heugens e Dentchev, 2007). «A adopção
de actividades de RSO, quando os cruciais stakeholders estão a ser excluídos
devido a dificuldades de medição do sucesso da estratégia baseada na RSE,
aumenta o risco da implementação defeituosa. ( ) A falta de apoio dos
trabalhadores pode facilmente conduzir a problemas adicionais com a
implementação da estratégia» (Heugens e Dentchev, 2007, pp. 156-162).
A diluição e o abuso do conceito de RSE reduzem a credibilidade da empresa.
Algumas empresas são percebidas como ilegítimas por natureza (indústria de
tabaco, de álcool, pornográfica, militar/defesa ou petroquímica) e a adopção
por elas de RSE não significa uma melhoria automática da imagem ou reputação,
pelo contrário, pode agravar ainda mais a sua situação. A adopção de RSE por
este tipo de empresas é encarada como hipocrisia e conduz à destruição da
legitimidade (Heugens e Dentchev, 2007). Segundo Morsing e Schultz (2006), a
situação já mudou bastante, hoje em dia as expectativas dos stakeholders em
relação à RSE são mais imprevisíveis e transversais para muitas indústrias,
incluindo questões como o trabalho de menores, os organismos geneticamente
modificados ou as sweatshops.
A adopção da estratégia de RSE consciencializa diversos públicos sobre a
ligação que a empresa tem com os problemas sociais incorporados na sua
estratégia, o que faz crescer a percepção e a convicção da sua responsabilidade
total pela condução até à solução final destes problemas (Heugens e Dentchev,
2007). As empresas não devem tornar-se proprietárias de tarefas próprias de
outras instituições (Estado, autarquias, ONG ou sociedade civil); não devem
assumir-se como principais responsáveis pela resolução de todos e quaisquer
problemas que competem aos outros. Segundo os resultados de um inquérito
realizado por Burchell e Cook (2006), o diálogo entre ONG e as empresas, no que
diz respeito às questões de RSE, segundo a maioria, tanto dos representantes
das ONG, como das empresas, faz aumentar as expectativas dos stakeholders. Esta
situação pode, portanto, conduzir a uma escalada de exigências de RSE das
empresas.
As empresas podem sujeitar-se a uma duradoura deterioração da sua reputação se
ignorarem ou não considerarem os perigos da comunicação insuficiente ou
defeituosa dos riscos associados à adopção de medidas de RSE;a falha na
comunicação clara e inequívoca da razão que está por trás dessas medidas
contribui para o sentimento de ansiedade relacionado com as medidas de RSE que
se cria na sociedade (Heugens e Dentchev, 2007). «A adopção de actividades de
RSE pode aumentar o risco percebido, a que estão expostos os grupos externos,
particularmente quando as empresas falham na comunicação sobre os seus motivos
de adopção de práticas da RSE de modo conveniente às audiências exteriores»
(Heugens e Dentchev, 2007, p. 157). A falha na comunicação sobre as medidas de
RSE com os stakeholders externos será sempre percebida como uma campanha de
relações públicas, assim como a associação do nome da empresa com determinados
problemas sociais ou ambientais pode causar um vasto leque de efeitos
indesejáveis colaterais, independentemente do cuidado com que a comunicação
tenha sido feita.
A estratégia de RSE, que apoia causas impopulares ou controversas (e.g.,
combate ao HIV e apoio aos doentes com SIDA no início dos anos 1980, combate ao
trabalho escravizado na Europa, ao tráfico de crianças/pedofilia e mulheres/
prostituição, ao narcotráfico, à corrupção no futebol, etc.) pode ser encarada
com desagrado por certos grupos sociais ou partes da sociedade (Husted e Allen,
2000, p. 27).
Os consumidores finais continuam pouco conscientes das medidas de RSE, e mesmo
aqueles que têm conhecimento da matéria, quando não optam por escolhas de
melhor qualidade/preço nas decisões de compra, têm dificuldade em se orientarem
segundo a RSE, porque não possuem a informação suficiente e relevante para o
caso, mas também porque a busca desta informação exige um esforço exagerado
(Whitehouse, 2006).
Os empresários e os gestores de mais alto nível das empresas têm pouca ou
nenhuma experiência e escassos incentivos para se envolverem na resolução de
problemas sociais e/ou ambientais (Friedman, 1970; Buchholz e Rosenthal, 1998;
Husted e Allen, 2000); as empresas não estão aptas para resolverem problemas
sociais; «poucas firmas têm experiência necessária para atender tais problemas
como a pobreza, o analfabetismo ou a SIDA» (Husted e Allen, 2000, p. 26);
problemas relacionados com os conflitos militares no continente africano, o
desrespeito pelos direitos humanos no Tibete, etc.
Os contextos culturais, onde possam existir interesses potencialmente
conflituais de um largo e diversificado espectro de stakeholders , tornam
difíceis as decisões dos responsáveis das empresas no que diz respeito à
aplicação mais eficiente dos recursos organizacionais (Bird et al., 2007). Esta
situação torna-se ainda mais complexa num contexto multicultural, em que as
empresas podem enfrentar os stakeholders que partem de normas divergentes ou
opostas e que têm diferentes perspectivas daquilo que é uma conduta aceite e
aceitável, porque não existe uma solução moral única e universal (Pater e
Lierop, 2006).
A moral da história
Ao terminar, retoma-se brevemente a questão axiológica dos meios e dos fins,
dos valores/princípios instrumentais e superiores/supremos, que alimenta
continuamente a literatura da Ética dos Negócios.
A forma estratégica de RSE, constituindo a instrumentalização da ética, é
geralmente condenada pelos éticos como prenúncio da morte da ética (Liedekerke
e Dubbink, 2008). Alguns expoentes máximos da Ética dos Negócios como Bowie
(2001) consideram que a ética, por vezes, não compensará; porém, as empresas e
os empresários deverão continuar a fazer o que está certo. Mas será isto
possível e não apenas wishfulthinking?
Onde estão os Dons Quixotes de la Mancha? A literatura (os manuais) de Gestão,
ou mais amplamente das Ciências Empresariais, está repleta de casos de sucesso,
por norma eticamente neutros ou positivos, ou então no extremo, na área da
Ética dos Negócios, citam-se casos de violação de normas éticas e legais em
prol do benefício económico e, por vezes, da sobrevivência organizacional, para
se chegar à moral da história.
A história económica queda-se em silêncio sobre os homens («empresários») bons,
uns «coitadinhos» que desgraçaram o negócio, provavelmente porque não ficou
nada para contar. «No mundo de escassez de recursos, o desperdício deve ser
considerado como imoral» (R. A. Posner citado por Koslowski, 2002, p. 56).
No extremo oposto, onde a afirmação de Bowie é considerada puro
wishfulthinking, escolhe-se soluções utilitárias ou praxeológicas, onde se dá
primazia aos critérios de eficácia e eficiência (modelo de gestão amoral e
modelo de gestão imoral), em detrimento da dimensão ética. Mas cuidado: porque
levando o assunto ao extremo, pode parecer possível levar em linha de conta as
declarações proferidas por Jürgen (Josef) Stroop [1], após a devida
descontextualização: «é a eficácia, e não a chamada moralidade, que constitui
um dever de acção patriótica e nacional» (Moczarski, 2007, p. 112).
«A formulação apodíctica de normas éticas parece ser inadequada, porque dilui a
importância da sua devida dosagem» (Ossowska, 1970/85, p. 23).
A identificação e a análise dos stakeholders, que constitui a cerne da RSE
(McWilliams e Siegel, 2001; Burchell e Cook, 2006), teve na sua origem o
reconhecimento da existência de vários públicos ou interesses da/na organização
(Freeman, 2002). «A percepção principal foi de que os executivos tinham de dar
alguma atenção estratégica aos grupos que eram importantes para o sucesso das
suas corporações. Até ao momento [isso é] senso comum. ( ) O Capitalismo do
stakeholder não é uma panaceia. Simplesmente permite que os negócios se tornem
uma instituição plenamente humana» (Freeman, 2002, pp. 111-116).
Por outro lado, sabemos do quotidiano que «numa sociedade livre, não acontece
forçosamente que apenas as pessoas más' façam mal'; basta que aquilo que é
bom para uns venha a revelar-se mau para outros» (Friedman, 1970). Este é um
dilema, a que se pode chamar clássico, da Ética dos Negócios e um argumento
utilizado em sua defesa ou como a razão de ser da existência deste domínio do
conhecimento. Contudo, dilemas deste tipo não são exclusivos da actividade
económica ou empresarial, eles surgem em vários domínios da vida social humana,
também aí estão presentes (MacIntyre, 1977/97).
O dilema do duplo critério (ético vs. eficiente) é bem expresso por Koslowski
(2002): «não há ninguém que queira viver numa sociedade justa onde não há nada
para comprar, nem numa sociedade rica e eficiente que aplica os seus recursos
em fins moralmente repreensíveis. ( ) A forma de coordenação por via da
propriedade, da maximização da utilidade ou do lucro, assim como por via do
mercado não pode constituir oconteúdo da ordem social e da acção individual,
tal como esta forma não pode ser abandonada caso se queira assegurar a
liberdade e a eficiência na economia» (pp. 44-67).
Em última instância, resta-nos sempre a medida justa: «quando Aristóteles
formulou a sua regra da medida justa, teve uma intuição acertada, no que diz
respeito ao carácter dos nossos juízos de valor e das normas morais. O bem e o
mal não estão, neste domínio, divididos por uma divisória explícita, mas
constituem um contínuo, em que cada pessoa, após ter tomado consciência, tem de
ser ela própria a determinar os limites» (Ossowska, 1970/85, p. 234).
Conclusões
Existe um vasto leque de limitações à utilização de ética e de RSE como
estratégia empresarial do foro praxeológico, abordadas aqui resumidamente e de
modo introdutório, que os responsáveis das empresas, assim como os agentes/
actores sociais que promovem a ideia de RSE, devem ter em atenção.
Estas limitações podem comprometer a eficácia e a eficiência da estratégia, a
continuidade do negócio e a sobrevivência das próprias organizações, contudo,
não tem de ser necessariamente assim. A presente abordagem não pretende, de
modo algum, reduzir a importância e os benefícios da RSE para as empresas e
para a sociedade como um todo.
Foi aqui extensamente referido o trabalho de Heugens e Dentchev (2007), os
quais, recorrendo à auscultação de peritos e à posterior confirmação no meio
organizacional, discriminaram sete tipos de perigos em que as empresas
incorrem, com intensidade diferenciada, investindo em RSE: quatro deles têm um
maior impacto dentro da organização e são mais concretos do que simbólicos e
têm maior influência sobre a coordenação interna e sobre os mecanismos de
governação; três deles referem-se a grupos ou a pessoas fora da coligação
dominante da organização e com um impacto ao nível das relações inter-
organizacionais das quais a empresa faz parte, são mais simbólicos e têm maior
influência sobre a legitimidade, a reputação e o capital social da organização.
No entanto, os sete tipos de perigos descritos por Heugens e Dentchev (2007)
não esgotam o leque de situações que limitam a sua aplicação. Foram aqui
acrescentadas ainda quatro situações provenientes da literatura, mas
provavelmente haverá mais, e por isso é necessário continuar a investigação.
O esforço institucional levado a cabo pelos Governos, Comissão Europeia e ONU,
bem como a propagação da ideia de RSE pelas ONG e a imprensa junto das empresas
no sentido de incrementarem a sua responsabilidade e a sua responsabilização
social e ambiental, têm de ter em atenção, em simultâneo, os critérios éticos e
os de eficiência, assim como a aplicação da medida justa em cada caso. Amartya
Sen (1999/02) ' prémio Nobel de Economia de 1998 ', relembrando os ensinamentos
de Buda, igualmente aponta para o «caminho do meio».
Não é só importante analisar os limites para além dos quais a estratégia pode
tornar-se menos eficiente ou mesmo ineficiente, mas também as situações em que
a ética e a RSE podem ser cruciais para a estratégia e o desenvolvimento das
organizações.
Nota
[1]Jürgen (Josef) Stroop, general das SS durante a Segunda Guerra Mundial,
criminoso de guerra, declarado carrasco dos judeus do gueto de Varsóvia em
1943, assassino de centenas de milhares de pessoas de várias nacionalidades na
Polónia, Grécia, Ucrânia, França e Alemanha, condenado à pena de morte pelo
Tribunal Militar norte-americano em Dachau e pelo Tribunal Distrital de
Varsóvia. Enforcado em 1951.