Sustentabilidade Um possível caminho para o sucesso empresarial?
A interacção entre as organizações e a sociedade mudou. Com a consolidação de
uma economia global e o aparecimento de novas tecnologias de comunicação, o
relacionamento entre empresas e sociedade modificou-se. Projectos públicos e
privados, ao focarem a melhoria da qualidade de vida de uma comunidade,
passaram, em certa medida, a fortalecer a identidade local, através da
articulação de valores, dos sistemas de informação, e pela mobilização do
Estado, da iniciativa privada e da sociedade civil (estes três últimos
considerados actores estratégicos num cenário de mudanças).
Ao buscarem soluções mais eficientes para as suas próprias necessidades e das
comunidades, estes actores estratégicos quebraram paradigmas. Passou-se então a
supor que os interesses do mercado e da Sociedade podem ser convergentes,
agregando competitividade e Sustentabilidade. O mercado começa a compreender
que a iniciativa privada é uma junção de interesses influenciada pelos valores
da estrutura social onde está inserida. As organizações vêem-se diante de uma
questão importante: como desenvolver a Sustentabilidade económica mantendo
metodologias e ideais próprios?
É neste cenário que o conceito de Sustentabilidade surge como requisito básico
para a sobrevivência das empresas no mercado. Ele e outros diversos termos, que
normalmente são confundidos como seus sinônimos (marketing social, cidadania
corporativa e filantropia empresarial, entre outros), têm-se instalado como um
discurso que sugere a rearticulação do papel das empresas na Sociedade.
São incontáveis os exemplos de empresas que procuram demonstrar em sua gestão e
em sua comunicação o compromisso com questões sociais. De uma forma geral, os
seus objectivos estão além de simplesmente informar. Pode-se dizer que, ao
comunicar acções que refletem algum compromisso com a Sustentabilidade, as
empresas procuram fazer com que ela se transforme numa vantagem competitiva.
Acredita-se que a comunicação daquele tipo de actividades possa ser mais
eficiente, conforme o sistema de comunicação adoptado pela empresa. Este assume
um papel importante nos programas e nas acções de Sustentabilidade, pois
identifica os targets a serem atingidos, define os canais de relacionamento
mais eficazes para esta interacção, enquanto consolida uma reputação
organizacional positiva através da divulgação da sua actuação social. A
comunicação é fundamental na gestão e nos procedimentos diários, auxiliando na
condução das políticas administrativas e evitando crises organizacionais.
É a partir desta visão que esta pesquisa tenta entender a relação entre o
conceito de Sustentabilidade e o sucesso empresarial, respondendo às seguintes
questões: As empresas que mais investem em acções que visam a Sustentabilidade
são as que obtém maior lucro? Quais os departamentos envolvidos nestes
contextos? Qual a visão dos gestores sobre o tema? Qual a importância da
Sustentabilidade para o sucesso da empresa?
Fundamentação teórica
A Sustentabilidade é um conceito amplo que se refere ao conjunto de acções
promovidas por empresas relativamente à Sociedade e que ultrapassam a esfera
directa e imediata da sua actividade económica. Torna-se, portanto, fundamental
esclarecer este conceito para que possamos definir da forma mais adequada um
horizonte comum de entendimento quanto aos referenciais mencionados ao longo
deste estudo.
Segundo Ioschpe (2005), a expressão Desenvolvimento Sustentável «(...) surge do
debate ecológico das décadas de 1960 e 1970 e vem sendo utilizada na área
social para referir os problemas de esforços desenvolvimentistas humanos de
longo prazo. A ideia que a pauta é que o uso hoje de recursos não deveria
reduzir os ganhos reais no futuro. Assim, o desenvolvimento é sustentável se
ele pode trazer às gerações futuras um nível de desenvolvimento per capita
igual ou superior àquele atingido pela geração presente» (Ioschpe, 2005, p.
137).
Inicialmente, o conceito de Sustentabilidade estava associado à questão da
preservação ambiental. Uma empresa era ambientalmente sustentável se praticasse
acções de desenvolvimento e preservação do ambiente. Neste caso,
«Sustentabilidade era basicamente sinônimo de meio ambiente» (Neto e Froes,
2004, p. 180). A Sustentabilidade era, portanto, uma dimensão da gestão
ambiental e não social.
A ideia de Sustentabilidade foi expressa como eco-desenvolvimento e consolidada
por Ignacy Sachs nos preparativos da Conferência de Estocolmo, em 1972. Segundo
ele, o eco-desenvolvimento seria «o desenvolvimento socialmente desejável,
economicamente viável e ecologicamente prudente» (Sachs, 1986, p. 113). Na
década de 1990, o termo Desenvolvimento Sustentável ganhou notoriedade, em
detrimento de eco-desenvolvimento, embora este também seja utilizado.
No entanto, este paradigma mudou. Segundo Neto e Froes, foi a «emergência da
equidade social como questão central. Ela entrou na ordem do dia, influenciada
pela noção de que o Desenvolvimento Sustentável exigia a harmonização de três
elementos: protecção ambiental, crescimento económico e equidade social» (Neto
e Froes, 2004, p. 182). De acordo com este novo modelo, uma empresa sustentável
é aquela que actua nas três dimensões: protecção ambiental, apoio e fomento ao
desenvolvimento económico, quer seja local, regional ou global, e estímulo e
garantia da equidade social. Sendo assim, as empresas devem adoptar e aprimorar
seus mecanismos de gestão.
Uma característica diferenciadora é a visão a longo prazo, pois a
Sustentabilidade adopta esta perspectiva. As acções que compõem este tipo de
gestão requerem algum tempo até que sua execução seja completa e os resultados
possam ser identificados. De forma distinta da filantropia, por exemplo, os
programas de Desenvolvimento Sustentável incluem uma acção conjunta entre
Estado e iniciativa privada.
O relatório Estado do Mundo 2004, realizado pelo Worldwatch Institute[1] ,
enfatiza de maneira pertinente a necessidade de um futuro sustentável, quando
afirma na sua apresentação que «é imperativo melhorar a gestão e a direcção dos
recursos naturais e ambientais. Isso significa diminuir as barreiras à
conservação ' entre elas políticas antiquadas, instituições frágeis e falta de
conhecimento técnico e financiamento ' e aumentar a eficiência no uso de
recursos essenciais, como água e energia. Igualmente importante é reconhecer
que a redução da degradação ambiental protege a saúde humana, torna a terra
mais produtiva e melhora diversos outros elementos do progresso económico e
social» (Iglesias, 2004, p. 34).
A definição clássica de Sustentabilidade é aquela publicada no relatório «Nosso
Futuro Comum», elaborado pela Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento em 1987, que diz: «Desenvolvimento Sustentável é aquele que
atende às necessidades sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem as suas próprias necessidades» (CMMAD, 1987, p. 213).
Para Buarque (2002), esta formulação é «uma resposta aos problemas e
desigualdades sociais, que comprometem a satisfação das necessidades de uma
parcela significativa da população mundial» (Buarque, 2002, p. 56). É também
uma resposta ao processo de degradação ambiental gerado pelo estilo dominante
de crescimento económico, que tende a limitar as oportunidades das gerações
futuras.
Actualmente é possível identificar diversas abordagens para o conceito de
Sustentabilidade desenvolvidas a partir dos anos 1990, como por exemplo The
Natural Step (2000), Capitalismo Natural (Hawken et al., 1999), Teoria dos
Capitais (Porritt, 2001; Dyllick e Hockerts, 2002) e Triple Bottom Line (Jhon
Elkington,1998).
Este último modelo é um dos mais populares e vem sendo objecto de constantes
aperfeiçoamentos desde 1998, quando então foi proposto. O Triple Bottom Line
(ver Figura 1) enfatiza duas questões: a integração entre os aspectos
económicos, social e ambiental, e a integração entre as visões de curto e longo
prazo. Sobre a primeira delas, Elkington defende a ideia de que a
Sustentabilidade económica como condição isolada não é suficiente para a
Sustentabilidade global de uma empresa. Essa visão reducionista satisfaz a
concepção de mais curto prazo, exclusivamente. Porém, uma visão de longo prazo
requer um sistema interligado de ressonâncias múltiplas, que confirmam a
complexidade de sua abordagem. Sobre a questão das visões a curto e longo
prazo, o autor acredita que a ambição por lucros imediatos é completamente
oposta à Sustentabilidade, que exige da empresa a satisfação das necessidades
das gerações atuais e futuras sem prejuízos de qualquer tipo.
Figura 1
Sustentabilidade Corporativa, segundo a abordagem do «Triple Bottom Line»
Embora os outros modelos também sejam interessantes e apresentem aspectos
diretamente relacionados com o contexto social e económico no qual foram
desenvolvidos, para efeitos de esclarecimento é pertinente informar que o
Triple Bottom Line foi a abordagem adotada para o conceito de Sustentabilidade
neste estudo.
Breve panorama da Sustentabilidade em Portugal
Pode-se dizer que a publicação de recomendações sobre Sustentabilidade por
parte de entidades internacionais tornou-se mais constante nos últimos dez
anos. Tais publicações acabam por se tornar verdadeiros guias práticos em
determinados países, geralmente carentes de leis e recomendações governamentais
próprias. Este é o caso de Portugal que, em 2001, praticamente adotou o Livro
Verde ' um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas,
publicado pelo Conselho da Europa (CE) como um verdadeiro código de conduta
empresarial. «Na ausência de um acordo genérico em matéria de RSE
[responsabilidade social das empresas], entre as empresas nacionais ou fixadas
no País e o Estado português, o Livro Verde da CE orienta as organizações no
sentido de considerarem duas grandes vertentes de responsabilidade social ' a
interna e a externa ', que por sua vez se subdividem em categorias» (Vau, 2005,
p. 32).
Outro relatório importante, e que traça um panorama da RSC em Portugal, é o RSE
' EAP («Responsabilidade Social das Empresas ' Estado da Arte em Portugal»),
publicado em 2004, pela CECOA ( Centro de Formação Profissional para o Comércio
e Afins ). Entre outros assuntos, o relatório destaca o descontrolo de
poluentes. « As questões ambientais nunca se fizeram sentir de forma muito
intensa, talvez pelo facto de o nível de industrialização não ser muito
elevado. Os níveis de poluição eram relativamente baixos, comparativamente aos
de outros países europeus» (CECOA, 2004, p. 17). O RSE ' EAP também destaca a
adesão de Portugal a determinadas convenções ligadas ao tema. «Portugal é
membro da OIT desde 1919 e já ratificou 78 das suas convenções. Com relação às
leis e protocolos elaborados pela CE, o país assinou 99 delas de um total de
195 » (CECOA, 2004, p. 6).
O mesmo estudo indica que nos últimos dez anos houve mudanças substanciais e
alguns indicadores ao nível da poluição atmosférica e das águas, construção sem
controlo e destruição do património ambiental levaram à introdução de
legislação ambiental exigente, sobretudo impulsionada por pressões e
financiamentos por parte da União Europeia.
Pode-se dizer que, em 2001, a Sustentabilidade ganhou um pouco mais de
notoriedade em Portugal. Uma série de medidas legais e iniciativas por parte de
ONG (organizações não governamentais) criou um contexto propício para o
alargamento do debate sobre o tema. Tudo começou com a publicação de um parecer
pelo Conselho Económico e Social e pela actualização do regulamento relativo ao
governo das Sociedades cotadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Posteriormente, surgiram mais organizações relacionadas com o desenvolvimento
de forma sustentável, ocorreram diversos eventos sobre o assunto, aumentaram as
campanhas de marketing relacionadas com causas sociais e o número de relatórios
de Sustentabilidade publicados pelas empresas. Além disso, a Novadelta tornou-
se a primeira empresa portuguesa a obter a certificação de responsabilidade
social segundo a norma SA 8000. Este aspecto foi apelativo para os meios de
comunicação social, que passaram a dedicar um espaço sem precedentes ao
assunto.
Apesar disso, a compreensão e a aplicação do conceito de Responsabilidade
social corporativa (RSC) no direccionamento estratégico das organizações
portuguesas ainda eram muito limitadas. As entidades governamentais limitavam-
se a estudar o assunto sem, no entanto, colocá-lo em prática diariamente. A
maioria dos consumidores não estava atenta, nem disposta a mudar hábitos de
consumo. As empresas de grande dimensão ainda procuravam uma forma de lidar com
o assunto, mas com o intuito de unicamente aumentar o lucro financeiro e
potenciais certificações associadas.
Na verdade, o público português conhece o tema superficialmente. Esta afirmação
pode ser comprovada a partir de dois estudos importantes ' o primeiro foi feito
pela CSR Europe (2000) e o segundo foi realizado pela empresa Multivária em
parceria com a consultoria Sair da Casca (2004). Em ambos fica evidente a falta
de «activismo» por parte dos consumidores, de compromisso por parte do tecido
empresarial, de uma visão integrada da problemática nas entidades
governamentais e a ausência ou limitações em termos de informação nos meios de
comunicação social.
Alguns dos dados interessantes retirados das pesquisas supracitadas mostram:
· 3% dos portugueses podem ser considerados «activistas» (contra 26% da média
dos europeus também pesquisados);
· apenas 20% dos portugueses recomendariam uma empresa socialmente responsável
a outras pessoas e apenas 36% dessa percentagem não estariam dispostos a pagar
mais por produtos social e ambientalmente responsáveis;
· os cidadãos valorizam os aspectos relacionados com o consumo, seguindo a
pirâmide das necessidades e seus critérios de compra são mais valorizados pela
relação entre preço e qualidade. Isto somente se altera quando os cidadãos
consideram que os temas associados a Sustentabilidade são relevantes;
· as empresas dão pouca visibilidade às suas acções, apesar de reconhecerem que
a Sustentabilidade pode vir a ser uma vantagem competitiva importante;
· o conceito não está na ordem do dia das entidades governamentais, que
reconhecem seus limites de actuação neste sentido.
Desta forma, pode-se afirmar que a visão de que a Sustentabilidade pode se
transformar em uma vantagem competitiva ainda é limitada. Para efeitos de
esclarecimento, adoptou-se, neste estudo, o conceito de vantagem competitiva
segundo a teoria de Michael Porter. Ou seja, a forma como a estratégia é
escolhida e seguida pode determinar e sustentar o seu sucesso competitivo. «A
estratégia competitiva é a busca de uma posição competitiva favorável em uma
indústria, a arena fundamental onde ocorre a concorrência. A estratégia
competitiva visa estabelecer uma posição lucrativa e sustentável contra as
forças que determinam a concorrência na indústria» (Porter, 1985, p. 1).
Segundo Porter, em geral, as empresas podem adoptar três tipos de estratégia
competitiva: a) estratégia de liderança em custos, b) estratégia de
diferenciação e c) estratégia de foco. A primeira estratégia visa obter
vantagens competitivas pela oferta de produtos e serviços (normalmente
padronizados) a custos mais baixos do que os concorrentes. A estratégia de
diferenciação pretende atingir vantagens pela introdução de um ou mais
elementos de diferenciação nos produtos e serviços, que justifiquem preços mais
elevados. A última estratégia, estratégia de foco, tem por objectivo alcançar
as vantagens competitivas pela oferta de produtos ou serviços com menores
custos ou com diferenciação dos mesmos, mas em um segmento de mercado mais
restrito, pois traz na sua essência a preocupação com a diferenciação e criação
de valor através da imagem da organização perante seus diversos públicos.
Para alguns autores, as vantagens competitivas não precisam ter ligação com o
mundo real, pois elas podem ser puramente subjectivas e conceptuais. Oferecer
produtos e/ou serviços com preços baixos e com qualidade já não é a única
prioridade das empresas. Outros factores como o atendimento e a preocupação
ambiental e social, por exemplo, tornaram-se novos parâmetros para se
determinar as vantagens competitivas de uma empresa.
Actualmente, a sociedade começa a compreender que, tal como os governos
nacionais ou os organismos internacionais, as empresas são também responsáveis
pela transformação social. Assim, devem ser pressionadas a assumirem uma
actuação socialmente responsável na proporção de sua riqueza e de seu poder de
acção ' e na proporção daquilo que recebem da sociedade ' incluindo uma
comunicação transparente.
Metodologia de pesquisa
Para tentar responder as questões inicialmente propostas, foram adoptados
métodos sequenciais para a definição do universo, da amostra, do instrumento de
recolha de dados, pesquisa de campo, análise e interpretação de resultados.
Iniciou-se com um estudo exploratório, também chamado desk research[2], que tem
como principais características a informalidade e a criatividade e no qual
tenta-se obter um primeiro contacto com a situação a ser pesquisada. Também foi
utilizado o método descritivo de pesquisa chamado ad-hoc, no qual procura-se
descrever situações, nas quais ocorrem práticas ligadas ao conceito de
Sustentabilidade.
De seguida, foram escolhidas as técnicas de análise de conteúdo de entrevistas
e documentos ' na vertente qualitativa ' e inquérito por questionário ' na
vertente quantitativa. Os instrumentos utilizados (matrizes de questionário e
guia de perguntas para entrevista) foram especialmente concebidos para esta
investigação.
A estratégia de pesquisa consistiu, a princípio, em fazer um levantamento
criterioso do número de empresas actuantes no mercado português a serem
pesquisadas, a fim de identificar apenas aquelas que desenvolvem algum tipo de
acção social em Portugal. Elas constituem o universo desta pesquisa que,
segundo Richardson (1999), é «o conjunto de elementos que possuem determinadas
características para obtenção de dados e informações a respeito de algo».
Então, tomou-se como base as 110 empresas associadas ao BCSD Portugal-Conselho
Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável que actuam em 20 áreas
diferentes.
Em seguida, houve a formação da amostra da pesquisa. Para isso, foram adoptados
critérios de exclusão com o objectivo de tornar o grupo de empresas mais
coerente com a proposta de análise. De acordo com Gil (1996), a amostra é «uma
pequena parte dos elementos que compõe o universo. Quando essa amostra é
rigorosamente seleccionada, os resultados obtidos no levantamento tendem a
aproximar-se bastante daqueles que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar
todos os elementos do universo» (Gil, 1996, p. 21).
Foram adoptados três critérios para a selecção das empresas. O primeiro é a
presença diária na Sociedade. Procurou-se estudar segmentos de mercado que são
reconhecidos pelo público e cujos produtos e/ou serviços são utilizados
diariamente. O segundo critério é o nível de impacto ambiental gerado a partir
da produção e venda dos produtos/serviços. E, finalmente, a terceira condição é
a facilidade de comunicação com os entrevistados.
Após a aplicação dos critérios de exclusão, dez empresas ligadas a dois
sectores distintos (alimentar e de transportes) foram escolhidas para compor a
base desta investigação: Danone, Delta Cafés, Nestlé Portugal, Sumolis,
Lactogal, Transtejo, Metropolitano de Lisboa, Caminhos-de-Ferro Portugueses,
Companhia Carris-de-Ferro de Lisboa e Brisa.
Resultados
Os dados apresentados a seguir surgem como resultado dos questionários
aplicados às empresas, em informação recolhida dos sites das empresas e nos
relatórios de Sustentabilidade publicados em 2007, ou seja, referentes ao
desempenho das empresas durante o ano fiscal de 2006.
De uma forma geral, pode-se dizer que os resultados obtidos (ver Figura 2) são
muito semelhantes, embora as empresas actuem em mercados distintos e tenham
direcções estratégicas substancialmente diferentes.
Figura 2
Crescimento financeiro
● Crescimento financeiro
Não se podem ignorar as diferenças relevantes entre os mercados alimentar e de
transporte. Relativamente à Sustentabilidade, as dificuldades de inserção do
conceito na direcção estratégica também variam. Enquanto as empresas
alimentares actuam com venda directa para o retalho, as empresas de transporte
são atingidas por uma série de circunstâncias que vão além da simples prestação
do serviço. Adicionalmente, ter ou não sua origem como uma empresa estatal ou
manter alguma ligação com o governo pode interferir no desempenho financeiro.
Apesar dos resultados negativos, as empresas do sector de transporte valorizam
a gestão sustentável e acreditam que, em longo prazo, este panorama de prejuízo
financeiro é revertido. Este é o caso da Carris que deixa clara a relação entre
lucro e Sustentabilidade no seu relatório anual. «Se é certo que criar riqueza
é o que determina as empresas, porque viabiliza o desenvolvimento económico e o
bem-estar social, é igualmente certo que a mesma só é viável, no futuro, se for
sustentável, i.e., se não continuar a conduzir ao desperdício de recursos,
muitos dos quais são naturais e escassos, ou mesmo finitos, o que levaria ao
aumento da degradação, a prazo, das condições de vida no nosso planeta»
(Carris, 2007, p. 3).
A terceira empresa com maior crescimento financeiro do grupo alimentar, a
Sumol, destaca a importância do Triple Bottom Line. «Desde há muito que temos
boas práticas nas áreas sociais e ambientais e [a empresa] está profundamente
ciente das suas responsabilidades nesta matéria, considerando que o seu sucesso
económico-financeiro não terá futuro sem a gestão equilibrada das necessidades
sociais e ambientais e sem um bom relacionamento com todas as partes
interessadas» (Sumol, 2007, p. 4).
Segundo o Livro Verde, há uma ligação directa entre a Sustentabilidade e
rentabilidade. «Confrontadas com os desafios de um meio em mutação no âmbito da
globalização e, em particular, do mercado interno, as próprias empresas vão
tomando consciência de que a sua responsabilidade social é passível de se
revestir de um valor económico directo. (...) Assim, à semelhança da gestão de
qualidade, a responsabilidade social de uma empresa deve ser considerada como
um investimento e não como um encargo. (...) A experiência adquirida com o
investimento em tecnologias e práticas empresariais ambientalmente responsáveis
sugere que ir para além do simples cumprimento da lei aumenta a competitividade
da empresa» (Livro Verde, 2001, p. 3).
O meio académico ainda não criou um modelo quantitativo único que permita
relacionar a Sustentabilidade com o desempenho financeiro das empresas. Porém,
as últimas pesquisas realizadas indicam que se trata de uma boa oportunidade de
crescimento, especialmente em contextos de recessão. Em 2008, o IBM Institute
for Business Value realizou o estudo «Alcançando Crescimento Sustentável
Através da Responsabilidade Social Corporativa» [3]. As suas conclusões
reforçam a hipótese de que a Sustentabilidade contribui para o aumento da
rentabilidade: 68% dos entrevistados enfatizam a geração de receitas através de
iniciativas de RSC, 65% reconhecem que elas podem ter um impacto financeiro
positivo em seus resultados e 54% acreditam que elas oferecem uma vantagem
competitiva.
● Estrutura organizacional
A estruturação organizacional da Delta pode ser considerada um bom exemplo em
termos de departamentos de RSC (ver Figura 3). A empresa criou o Codes '
Conselho para Desenvolvimento Sustentável ' que é, na verdade, o órgão
responsável pela elaboração e disseminação da estratégia de responsabilidade
social do Grupo Nabeiro. Pertencem a este órgão os responsáveis e
representantes de todas as áreas da organização, nomeadamente os colaboradores,
e as áreas de I&D, de Ambiente, Financeira, de Qualidade, de Segurança
Alimentar, de Higiene, Saúde e Segurança, de Recursos Humanos, de Marketing, de
Administração e de Acção Social.
Figura 3
Departamentos de RSC
Foi a partir de diversas reuniões com o Codes que a empresa pôde identificar as
partes interessadas, a apresentação e o conteúdo no seu relatório de
Sustentabilidade 2007. «Ele é dedicado em particular a todos os nossos clientes
e colaboradores. Através deste relatório, não só procuramos responder às suas
expectativas em relação à gestão integrada da Delta, como os desafiamos a
cumprir, com a Delta, o ambicioso objectivo do Desenvolvimento Sustentável da
cadeia de fornecimento, procurando construir um planeta mais justo» (Delta,
2007, p. 6).
Mesmo nas empresas em que há um departamento de Sustentabilidade «formalizado»,
percebe-se a necessidade do envolvimento de outros sectores da empresa na
implantação e realização das actividades. Quase sempre há um profissional da
área de comunicação e marketing que coordena os projectos, mas que conta com a
ajuda constante de advogados e directores de recursos humanos. Os primeiros
normalmente tratam das questões jurídicas, analisando a lei e dando ou não seu
aval para a implantação de acções. Já os directores de recursos humanos
disponibilizam informações e participam na formulação de actividades e do plano
de comunicação voltado para os funcionários e accionistas.
Para a direcção da consultoria Sair da Casca, «as estratégias de
responsabilidade social e de comunicação podem ser montadas por alguém do
departamento de comunicação ou de Sustentabilidade (se houver) e depois têm de
ser partilhadas com todas as direcções departamentais. Isto deve ser assim
porque há alguém que se relaciona mais com os fornecedores, há outra pessoa que
se responsabiliza pelas compras. A ideia é trabalhar com o seu sector natural,
no qual já se actua no dia-a-dia. Obviamente, deve haver um líder, um
organizador que, preferencialmente, tenha um bom entendimento do que é
Sustentabilidade e irá coordenar a comunicação entre as partes responsáveis e
envolvidas».
● Sucesso empresarial
Depois de informarem as principais áreas de trabalho, os entrevistados
relacionaram a realização das actividades de Sustentabilidade com o sucesso
empresarial alcançado. Aqui, cabe esclarecer que se entende por «sucesso» seja
um conjunto de resultados favoráveis de tentativas ou esforços; seja a obtenção
de mais lucro ou de agregação de valor para os diversos stakeholders. Os
resultados são analisados na Figura 4.
Figura 4
RSC e sucesso empresarial
A maior parte das empresas (70%) indicou «muito importante» ou apenas
«importante» como resposta; entre elas estão todas aquelas ligadas ao sector
alimentar. Já as empresas do sector de transporte apresentaram respostas
diversas e justificações. Carris e CP consideram regular a importância da
Sustentabilidade para o sucesso da empresa e justificaram a sua opção com o
facto de que os clientes de transporte público ainda não estão muito atentos ao
posicionamento de Sustentabilidade assumido pelas empresas. Consequentemente,
não mudam seus comportamentos de utilização de serviços, contribuindo para que
as empresas vejam o conceito como uma obrigação e não como uma vantagem
competitiva.
A parcela do gráfico «pouco importante» corresponde a Transtejo. A empresa, que
nos últimos anos tem apresentado prejuízo financeiro, acredita que as
actividades que visam a incorporação do conceito pela empresa ainda não têm
relação com o desempenho económico e que a visibilidade dos compromissos
ligados à Sustentabilidade é mínima.
Pode-se concluir que as empresas do sector alimentar possuem a visão de que a
Sustentabilidade pode transformar-se numa vantagem competitiva. Para estas
empresas, a ligação entre o conceito e o sucesso empresarial já é evidente.
Potencialmente, por enfrentarem crises financeiras sérias, as empresas do
sector de transporte ainda não adquiriram a mesma visão. Carris, CP e Transtejo
sabem que é preciso investir e comunicar mais seus compromissos (especialmente
com a vertente ambiental da Sustentabilidade), mas deixam claro que primeiro
têm de alcançar um mínimo equilíbrio económico.
Considerações finais
Ainda existem alguns desafios a serem superados pelas empresas portuguesas para
que a Sustentabilidade seja perfeitamente compreendida e praticada. As empresas
que não se preocuparem em conhecer a realidade à sua volta, provavelmente
perderão espaço diante das que se ajustarem a essa situação. É preciso procurar
caminhos alternativos de relação com os stakeholders, transformar o público
interno em verdadeiros parceiros, assumir compromissos com o público externo e
fortalecer sua missão junto da Sociedade.
A Sustentabilidade virou uma prioridade inevitável para os gestores em qualquer
país. Governos, ativistas e os media hoje cobram de empresas a responsabilidade
pelas consequências sociais de suas atividades. Programas ou projectos
altamente visíveis costumam gerar publicidade favorável para a empresa. No
entanto, apesar de toda a atenção que atraem, estas iniciativas costumam ser
contraproducentes.
Michael Porter sugere outra maneira de encarar a relação entre empresa e
Sociedade ' na qual sucesso empresarial e bem-estar social não são um jogo de
soma zero. Estudos recentes feitos por ele procuram criar um modelo a ser usado
pela empresa para identificar as conseqüências sociais de seus atos, determinar
que problemas abordar e descobrir o meio mais eficaz de enfrentá-los e, ao
mesmo tempo, fortalecer o contexto competitivo no qual ela, a empresa, atua.
«Ao analisar oportunidades com o emprego de diretrizes idênticas às que
norteiam suas decisões de negócios, a empresa descobrirá que Sustentabilidade
pode ser muito mais do que um custo ou uma limitação - pode ser uma incrível
fonte de inovação e vantagem competitiva» (Porter, 2007, p. 14).
No estudo de caso destas empresas evidenciou-se que ainda há muito trabalho por
ser feito, a começar pelos próprios gestores. É preciso que eles atualizem-se
sobre as práticas inovadoras de gestão nas quais a Sustentabilidade tem um
papel central. Se por um lado as empresas alimentícias têm a questão dos
alimentos funcionais como uma forte vantagem competitiva, por outro precisam
aprender a trabalhar em conjunto com associações médicas e nutricionais de
forma a estabelecer a oferta destes produtos de forma responsável. Já no caso
das empresas de transporte, definitivamente a questão ambiental é a que mais
preocupa. Uma vez que os danos são inerentes à prática da actividade, então o
que resta é criar outras fontes de compensação para o estrago feito ao meio-
ambiente. Um bom exemplo recente é a Campanha da Semana da Mobilidade realizada
pela Carris em Lisboa.
A verdade é que independente da área de actuação, todas as empresas têm de
enfrentar certas «desvantagens competitivas» para produzir e oferecer seus
produtos e/ou serviços. A grande diferença estará naquelas que perceberem o
mais rápido possível o quanto a Sustentabilidade pode ajudá-las a enfrentar
estas desvantagens e, eventualmente, inclusive gerar lucro em termos
financeiros ou agregação de valores positivos junto aos seus stakeholders.
Transformar a RSC em uma forte vantagem competitiva requer, entre outras
coisas, alguma análise (Qual a real missão da empresa? De que forma ela pode
contribuir para minimizar os problemas da Sociedade?), tempo (mudanças
organizacionais não acontecem de um dia para outro) e disponibilidade (é
preciso querer e ter apoio dos stakeholders).