A importância da certificação de sistemas de gestão da qualidade em Portugal
O aumento do número de empresas certificadas em Portugal e no Mundo tem vindo a
ocupar cada vez mais espaço nas análises sobre o desenvolvimento empresarial.
Num estudo realizado por Sampaio, Rodrigues e Saraiva (2009), os autores
procuraram associar o estado da certificação ISO 9001 em determinada região/
país ao seu nível de desenvolvimento económico.
Recuando a 1999, um inquérito dirigido a 928 empresas certificadas pela APCER,
LRQA, BVQI, TÜV e SGS-ICS e a 738 empresas não certificadas, visou aferir os
benefícios que resultam ou poderiam resultar da certificação. Na mesma linha de
pensamento, e em 2003, um estudo realizado pelo Instituto Português da
Qualidade, em que participaram 600 empresas portuguesas certificadas, procurou
identificar as vantagens obtidas com a certificação (Godinho, 2004).
Muito do desenvolvimento que vários países atingiram na conquista dos mercados
externos foi obtido pela vontade de satisfazer o desejo dos consumidores
através da qualidade, aplicando as teorias da «gestão pela qualidade» e da
«qualidade total» (Amaral, 1991).
Existem empresas em todo o Mundo que se distinguem pela qualidade dos produtos
que vendem e dos serviços que prestam, aos quais se aliam fatores como o
elevado grau de competitividade, a eficiência dos seus processos ou a
satisfação sempre crescente dos seus clientes. Não obstante, diversas empresas
optam por investir num sistema de gestão da qualidade não apenas pelas
vantagens competitivas que julgam poder vir a obter, mas tendo em vista outros
objetivos que se sobrepõem à questão do aumento da competitividade por si só.
Nesta perspetiva, dada a realidade da economia portuguesa relativamente ao
número de empresas certificadas, e considerando a evolução da certificação a
nível europeu e mundial, a presente investigação visou avaliar a opinião das
mesmas sobre a importância da certificação para o seu desenvolvimento
organizacional e, concretamente, identificar quais os fatores que justificam o
grau de importância atribuído.
Considerando as empresas como agentes do sistema macroeconómico, importa assim
analisar a certificação de sistemas de gestão da qualidade como fator de
desenvolvimento económico das empresas, em particular, e do país, de uma forma
geral, a qual pode ter reflexos diretos no emprego e no produto interno bruto,
ao nível do consumo privado, do investimento e das exportações.
Adicionalmente, e tendo em conta que muitas destas empresas se encontram no
âmbito do Sistema Português da Qualidade, procurou analisar-se o que este
enquadramento representa para elas, 26 anos após a sua criação.
Enquadramento teórico
Como todas as áreas do saber, por mais antigas que sejam, também a qualidade
foi evoluindo ao longo dos tempos. Um dos mais célebres nomes da gestão da
qualidade do Séc. XX, Joseph Juran (1985), afirmou que as preocupações com a
qualidade, por uma questão de sobrevivência humana, datam da Era Agrícola, há
cerca de oito mil anos.
Todavia, é com a 2.ª Revolução Industrial (final do Séc. XVIII e início do XIX)
que o controlo da qualidade assume relevo como técnica autónoma, com o início
da produção em massa. Estava-se na Era da Inspeção e o controlo da qualidade
baseava-se na avaliação da qualidade de produtos e serviços com recurso a
técnicas de inspeção.
No entanto, a qualidade tal como hoje a conhecemos, surge com a 2.ª Guerra
Mundial, quando a inspeção produto a produto foi substituída pelas técnicas
estatísticas de controlo da qualidade de Shewhart (1931). Entrava-se então na
segunda fase da qualidade ' a Era do Controlo Estatístico da Qualidade ' quando
Shewhart percebeu que a qualidade provinha, não dos inspetores, mas sim do
processo produtivo. Através da aplicação de técnicas de estatística sobre o
processo (CEP ' Controlo Estatístico do Processo), com recurso a técnicas de
amostragem de Harold Dodge (citado por Doane e Seward, 2007), surge o designado
Controlo da Qualidade.
O desenvolvimento de um método de controlo total da qualidade trouxe a
possibilidade de evitar que os defeitos ocorressem durante a produção ao invés
de tentar encontrar e eliminar as peças defeituosas. Os responsáveis por esta
revolução da qualidade foram a JUSE (Union of Japanese Scientists and
Engineers, 1947) e os estatísticos W. E. Deming, Shewhart, Kaoru Ishikawa e
Joseph Juran (citado por Godinho e Neto, 2001).
Armand V. Feigenbaun (1951) lança o livro Total Quality Control: Engineering
and Management do qual surgiu o conceito de TQC ' Total Quality Control.
Feigenbaum encarava a qualidade como uma filosofia de gestão e um compromisso
com a excelência, em que um sistema da qualidade total deveria ser o único
objetivo de uma organização, orientado para o cliente e que pressuponha a
integração de todas as atividades da organização e o comprometimento de todos
os colaboradores, desde a gestão de topo ao pessoal menos qualificado.
É nesta altura que, nos anos 1950, se entra na fase seguinte ' a Era da
Garantia da Qualidade ' em que a ênfase passa a ser colocada na prevenção.
Defensor da mesma linha de pensamento, Philip B. Crosby (1979) cria, no início
dos anos 1960, o conceito de «zero defeitos» com base no qual tudo podia ser
bem feito à primeira vez.
Estes conceitos evoluíram até à década de 1980, dando origem à última fase que
se estende até hoje ' a Era da Gestão da Qualidade Total (Ganhão, 1991). A
ênfase é então colocada nos clientes e na sua satisfação como meio de
manutenção e aumento da participação das organizações no mercado. A gestão da
qualidade passa a ser aplicada em todas as áreas de uma organização ' recursos
humanos, finanças, marketing e compras ' e não apenas na produção. A gestão de
topo passa a assumir a qualidade como fator de competitividade e esta começa a
ser incluída na gestão estratégica das organizações.
No final da década de 1980, as organizações começam a investir em mecanismos e
ferramentas que contribuem para a redução de desperdícios e permitem a
otimização da conformidade dos seus produtos, tendo por finalidade o aumento da
sua eficiência. Com base na norma inglesa BS (British Standard) ' 5750, criada
durante a 2.ª Guerra Mundial com o objetivo de gerir o processo de produção das
munições, surgem, em 1987, as normas da família ISO 9000 «Quality Management
and Quality Assurance». As certificações dos «sistemas de garantia da
qualidade» das indústrias, de acordo com padrões adotados internacionalmente,
tornam-se um sucesso e a certificação dos sistemas de gestão da qualidade
começa a ser uma realidade.
Em 1989, é dado mais um passo na evolução da gestão da qualidade e na
preocupação pela excelência organizacional com a criação da European Foundation
for Quality Management (EFQM), organização sem fins lucrativos, cuja missão é
apoiar as empresas e serviços públicos a melhorarem o seu desempenho
organizacional, através da autoavaliação realizada com base no seu modelo de
excelência de gestão empresarial.
A nível nacional, numa fase de grandes transformações sociais, políticas e
económicas, que caracterizou a pré-adesão à Comunidade Económica e Europeia, e
em que era necessário adequar a nossa estrutura económica tornando-a mais
competitiva, surgiu, em 1983, o Sistema Nacional de Gestão da Qualidade (SNGQ).
Este sistema veio permitir a implementação de uma política nacional da
qualidade consubstanciada na promoção e dinamização das políticas de gestão da
qualidade e da certificação, fatores essenciais para o aumento da produtividade
e competitividade dos produtos nacionais e da redução do impacto negativo dos
processos produtivos sobre o ambiente.
O Sistema Português da Qualidade, como hoje é designado, define-se como o
conjunto integrado de entidades e organizações inter-relacionadas e inter-
atuantes que, seguindo princípios, regras, métodos, técnicas e especificações
reconhecidos e aceites a nível nacional, europeu e internacional, promove a
adoção de práticas e metodologias de acreditação como primeira forma de
credibilização e reconhecimento, quer no plano nacional, quer no plano
internacional, congrega esforços para a dinamização da qualidade em Portugal e
assegura a coordenação dos três subsistemas da Normalização, da Qualificação e
da Metrologia com vista ao desenvolvimento sustentado do país e ao aumento da
qualidade de vida da sociedade em geral.
Este sistema veio, assim, dar um novo impulso à competitividade da economia
portuguesa através da promoção e apoio à gestão da qualidade nas empresas,
particularmente às pequenas e médias empresas, visando a salvaguarda da saúde
pública, da segurança de pessoas e bens, a defesa do ambiente, a proteção dos
consumidores e a melhoria das condições de trabalho.
Após uma abordagem temática sobre a génese e a evolução da qualidade e os
conceitos a ela associados, detivemo-nos sobre os números da evolução da
certificação em Portugal e no Mundo, matéria que serviu de base à pesquisa cuja
operacionalização se encontra descrita a seguir.
A pesquisa
Na primeira fase desta investigação procurou-se fazer uma pesquisa
relativamente a estudos empíricos cujo denominador comum fosse a certificação
de sistemas de gestão da qualidade a nível nacional. No entanto, os dados
recolhidos não revelaram conclusões concretas sobre quais os fatores que mais
influenciam a certificação no nosso País.
De facto, as investigações mencionadas anteriormente ' inquérito a 928 empresas
certificadas e a 738 empresas não certificadas (1999) , estudo sobre as
vantagens da certificação (2003) e estudo sobre o estado da certificação ISO
9001 (2009) ' visaram objetivos diferentes e não solucionavam as questões que
gostaríamos de ver respondidas.
A nível internacional analisaram-se também alguns estudos que considerámos
relevantes associados a esta problemática: «Comparative analysis of quality
costs and organization sizes in the manufacturing environment» (Rodchua, 2009),
«The effects of total quality management on corporate performance: an empirical
investigation» (Easton e Jarrell, 1998) e «Productivity and quality
improvement: an implementation Framework» (Reid, 2006). Sem se pretender ser
exaustivo, referiremos apenas alguns julgados como particularmente marcantes.
Rodchua (2009) refere que não existem diferenças significativas na prevenção e
nos custos internos de falhas entre pequenas e médias empresas e grandes
empresas. No setor secundário, os custos de falhas aumentaram de 70 para 80% do
total dos custos da qualidade, sendo que os principais problemas resultaram de
uma opção pela correção dos defeitos em detrimento da prevenção, do erro
humano, de processos inadequados ou da falta de dados fidedignos.
Rodchua chama a atenção para o facto da implementação de um programa de custos
da qualidade constituir uma ferramenta efetiva para o aumento da satisfação dos
clientes e dos lucros, referindo que Gryna (1999) havia já discutido os
benefícios do investimento em medir os custos da qualidade como um meio para
aumentar a eficiência dos processos, reduzir as reclamações de clientes e
aumentar o número de clientes.
Estudos consultados relacionam também a gestão da qualidade com a obtenção de
vantagens competitivas para as organizações ao nível da satisfação dos
clientes, da inovação (Easton e Jarrell, 1998) ou da eficiência dos processos
(Reid, 2006).
Da mesma forma, e no que diz respeito ao Sistema Português da Qualidade, a
pesquisa revelou também a escassez de estudos nesta área, com a exceção de um
realizado em 2001 pela Tecninvest, a 93 grandes empresas, através do qual se
tentava perceber qual a sua perceção sobre símbolos como os de Produto
Certificado, Marcação CE, Empresa Certificada, Empresa Acreditada e Símbolos de
Metrologia, Calibração, IPQ e SPQ. Os resultados obtidos demonstravam um baixo
índice de notoriedade, já que o símbolo do SPQ era apenas corretamente
percecionado por 29% das empresas.
Em nenhum dos casos, quer os objetivos quer os resultados alcançados, foram
semelhantes ao estudo que nos propusemos realizar, o que veio justificar em
pleno a presente investigação.
Metodologia
Face ao número de empresas certificadas no nosso país, e dada a importância que
as normas ISO 9001 (Sistemas de Gestão da Qualidade), ISO 14001 (Sistemas de
Gestão Ambiental) e/ou OHSAS 18001/NP 4397 (Sistemas de Gestão da Segurança e
Saúde do Trabalho) assumem no total de certificações, optou-se por incluir no
estudo apenas as empresas certificadas de acordo com estes referenciais.
O estudo teve por base um inquérito dirigido às empresas certificadas, com o
objetivo de aferir o grau de importância que a certificação assume na gestão
estratégica das organizações, por um lado, e por outro, identificar quais os
fatores que mais contribuem para a importância global da certificação.
Numa primeira fase, os dados sobre as empresas certificadas foram recolhidos
junto dos organismos de certificação a operar em Portugal e acreditados pelo
Instituto Português de Acreditação e os contactos obtidos através de pesquisa
na internet. De acordo com os dados oficiais disponibilizados pela
International Organization for Standardization (ISO) e pelo Guia das Empresas
Certificadas 2008, o número total de empresas certificadas em dezembro de 2007
era de 5816.
Assim, e tendo em conta um grau de confiança de 95% e uma margem de erro de 5%,
a amostra necessária deveria conter 361 respostas válidas. Para o efeito, foi
decidido enviar 400 questionários no sentido de precaver um número expectável
de não respostas, procurando manter a margem de erro prevista e o nível de
confiança considerado.
Para a recolha de dados foi elaborado um questionário estruturado,
compreendendo os atributos mais relevantes considerados na bibliografia, no
sentido de explicar o grau de importância atribuído à certificação. Para a sua
seleção, foram considerados os fatores que se encontravam mais frequentemente
associados a vantagens decorrentes da certificação de sistemas de gestão da
qualidade.
Assim, foram identificadas doze variáveis, sendo que as dez primeiras são as
que mais vezes foram apontadas como vantagens nos estudos empíricos referidos
anteriormente e as duas últimas por estarem diretamente associadas às normas de
gestão ambiental e de segurança e saúde do trabalho:
· Aumentar a quota de mercado/número de clientes;
· Aumentar os lucros da organização;
· Aumentar o nível de satisfação dos clientes;
· Diminuir o número de reclamações;
· Melhorar a imagem da organização;
· Melhorar internamente a organização (eficiência dos processos);
· Racionalizar recursos (financeiros e materiais);
· Reduzir custos e desperdícios (retrabalho, devoluções);
· Contribuir para o desenvolvimento sustentável;
· Proporcionar inovação (produto/processo, tecnológica, organizacional,
marketing);
· Prevenir os acidentes/incidentes de trabalho;
· Prevenir os impactes ambientais.
O questionário foi enviado às empresas aleatoriamente selecionadas, por correio
eletrónico, indicando o endereço de correio eletrónico destinado à receção dos
dados. O questionário esteve disponível para preenchimento durante os meses de
maio, junho e julho de 2009, tendo sido rececionadas 364 respostas válidas.
· O questionário
O questionário é composto por uma introdução, onde são explicitados os
objetivos da recolha de informação, pelas instruções de preenchimento e por 24
questões distribuídas por 4 áreas, sendo a última uma pergunta aberta.
Na primeira área, foram colocadas as questões de caracterização económica das
empresas como o número de trabalhadores, o volume de negócios, o setor
económico a que pertencem, a área geográfica onde estão inseridas, as
certificações que possuem, os organismos de certificação, se as certificações
estão no âmbito do Sistema Português da Qualidade e se as empresas beneficiaram
de financiamentos provenientes de Programas Comunitários para a implementação
dos seus sistemas de gestão.
Na segunda área foram colocados os fatores que podem explicar o grau de
importância atribuído à certificação, num total de doze. Para avaliar o grau de
importância de cada um deles optou-se pela utilização de uma escala de Likert,
por ser a mais utilizada quando se aplicam questionários de opinião, já que
originam informação de uma forma ordenada (Daykin e Moffatt, 2002).
A escala mais comum é composta por 5 níveis de resposta alternativa em que: 1 -
discordo completamente; 2 - discordo; 3 - não discordo nem concordo; 4 -
concordo; e 5 - concordo completamente ( Clason e Dormody, 1994). Este tipo de
escala permite evitar erros de distribuição ou quaisquer tendências de resposta
estereotipada, já que numa série contínua metade das respostas tendem a
corresponder às atitudes localizadas na parte esquerda ou superior da escala e
a outra metade na parte direita ou inferior, a alternativa. Desta forma, há uma
maior probabilidade das respostas se distribuírem ao longo da escala (Likert,
1932).
Assim, foi utilizada uma escala semelhante também com 5 níveis para classificar
o grau de importância em que: 1 - Nada importante, 2 - Pouco importante, 3 -
Nem importante / Nem sem importância; 4 - Importante; 5 - Muito importante. Foi
também acrescentada uma coluna com a opção de escolha «Não aplicável» já que
existem fatores que podem ser muito específicos de determinado sistema de
gestão ou que não se apliquem a determinado tipo de organização, por exemplo.
A terceira área do questionário destinou-se à classificação do grau de
importância atribuído à certificação de um modo geral, de acordo com a escala
de Likert aplicada anteriormente.
Na quarta e última área procurou obter-se a opinião das empresas certificadas
sobre a importância da certificação se enquadrar no âmbito do Sistema Português
da Qualidade. Após a indicação de «Sim» ou «Não», as empresas, se assim o
desejassem, explicariam numa resposta aberta as razões da sua escolha.
· O modelo de regressão ordinal
O modelo utilizado para avaliar quais os atributos relevantes na explicação da
importância global da certificação o modelo de regressão ordinal, estimado em
SPSS, versão 15, que constitui uma ferramenta utilizada em análise estatística,
sendo aconselhada quando as respostas resultantes de um estudo são ordinais ou
distintas das numéricas. Quando existem variáveis dependentes ordinais deverá
usar-se um modelo de regressão que evite a assunção de distâncias constantes
entre as classes da variável, porque a cada classe correspondem graus de
importância diferentes.
Segundo Daykin e Moffatt (2002), o uso da técnica de regressão linear na
modelação de dados ordinais, tradicionalmente designada por OLS (Ordinary Least
Squares) não é apropriado, pelas seguintes razões:
· Na regressão linear a diferença entre «discordo totalmente» e «discordo» é a
mesma que entre «discordo» e «não concordo nem discordo». Não há uma razão
lógica para esperar que estas diferenças sejam as mesmas só porque as
categorias refletem uma ordem. A interpretação que é dada pelo coeficiente de
regressão linear é em função do número de unidades que esperamos que a variável
dependente se altere como resposta ao aumento de uma unidade de uma variável
explicativa/independente. O modelo de regressão ordinal não faz este tipo de
interpretação;
· O modelo de regressão linear assume que dois inquiridos que dão a mesma
resposta têm exatamente a mesma atitude. Tal não deve ser interpretado dessa
forma, já que determinada resposta é consistente com um intervalo de atitudes.
Apesar das diferenças de atitude em relação a uma resposta não serem claramente
observáveis, o modelo deve alertar para o facto de tais diferenças existirem;
· Para além disso, no modelo de regressão linear a variável dependente é
assumida como contínua o que não se verifica em situações como a do estudo
realizado em que a variável dependente apenas pode assumir um conjunto restrito
de valores.
Assim, quando se recorre ao modelo de regressão ordinal, privilegiam-se os
designados cut points ou threshold em detrimento da distribuição das opiniões
em si.
Sabendo que o modelo de regressão ordinal se baseia no pressuposto de que y*i
depende linearmente de xi, de acordo com:
y*i =xi'ß+ ui, onde i = 1, , n. (1)
e que, desta forma, os parâmetros poderão ser interpretados como se se tratasse
de uma regressão linear, torna-se necessário observar os resultados com recurso
aos cut points, ou pontos de corte, que permitirão identificar em que áreas se
concentram ou não, o maior número de respostas.
Na presente investigação é possível observar a relação entre y* e a variável
observada y com 4 cut points, uma vez que se aplicou uma escala de Likert com 5
níveis.
y= 1 se - 8 < y* < k1
y= 2 se k1< y* < k2
y= 3 se k2< y* < k3(2)
y= 4 se k3< y* < k4
y= 5 se y* > k4.
Se, por exemplo, a maioria dos respondentes estiver totalmente de acordo ou em
total desacordo, é expectável que os cut points estejam concentrados a meio da
distribuição. Pelo contrário, se os respondentes não tiverem opiniões vincadas,
os cut points estarão dispersos.
Para avaliar a significância global do modelo existem diversas medidas
fornecidas pelo SPSS e associadas ao modelo de regressão ordinal. Com elas,
pretende-se avaliar se o conjunto das variáveis independentes, que constituem o
modelo objeto de análise, permite uma melhor predição da variável dependente do
que aquela que seria obtida a partir de um modelo constituído apenas pela
constante.
Para avaliar a significância estatística individual das variáveis independentes
para a explicação da variável dependente, pode calcular-se o valor do teste de
Waldque testa a hipótese do coeficiente da variável ser zero, ou seja, da
variável não ser relevante para a explicação da variável dependente (H0 =
coeficiente associado à iésima variável ser igual a 0).
Normalmente são utilizados níveis de significância de 0,05 ou 0,01. Na presente
investigação, o nível de significância considerado foi de 0,05. Assim, quando o
p-value (probabilidade associada ao valor do teste) é inferior a 0,05 rejeita-
se a hipótese nula (H0) e quando o p-value é superior a 0,05 não se rejeita a
hipótese nula.
Para avaliar a qualidade do ajustamento do modelo, são efetuados diversos
testes como o LR (Likelihood Ratio), assim como as estatísticas R2 de Cox and
Snell, o R2de Nagelkerke e o de R2de McFadden.
A estatística de LR segue uma distribuição do tipo qui-quadrado com i graus de
liberdade, com i igual ao número de variáveis independentes. Se a probabilidade
associada ao teste for inferior a 0,05, rejeita-se a hipótese nula, concluindo-
se que existe pelo menos uma variável independente com um contributo relevante
para a previsão da variável independente (Menard, 2002).
Na avaliação do modelo importa também medir o grau explicativo entre o conjunto
de variáveis independentes e a variável dependente. Esta avaliação é dada
através dos indicadores que tentam uma aproximação do R2, ou seja, os pseudo
R2.
O SPSS disponibiliza os seguintes pseudo R2: Cox and Snell, Nagelkerke e
McFadden.
O R2 de Cox and Snell é uma medida que considera a dimensão da amostra, nunca
atingindo o valor de 1, mesmo que as variáveis independentes expliquem
perfeitamente a variável dependente (Long e Freese, 2006, p. 110).
O R2de Nagelkerke consiste num ajustamento do R2 de Cox and Snell, no sentido
desta medida poder atingir o valor de 1 caso se verifique um ajustamento
perfeito (Long e Freese, 2006, p. 110).
O R2de McFadden indica em que medida a inclusão das variáveis independentes no
modelo contribui para reduzir a variância do resultado, variando entre 0 e 1,
sendo que 0 significa que o conjunto das variáveis independentes não contribui
para a previsão da variável dependente e 1 que esse conjunto de variáveis
explica plenamente a variável dependente (Long e Freese, 2006, p. 109).
Por último, é possível efetuar o Teste das Linhas Paralelas (Test of Parallel
Lines) que permite analisar se os parâmetros de localização (declives dos
coeficientes) são os mesmos ao longo de todas as classes de resposta. Caso se
verifique a homogeneidade dos declives, aceita-se a hipótese nula, validando-se
o modelo (Maroco, 2007).
A análise dos dados
Em 31 de julho de 2009, data limite para a receção dos questionários,
contabilizavam-se 364 respostas válidas. Os pontos seguintes compreendem uma
descrição sucinta dos principais resultados amostrais obtidos.
· Dimensão das empresas, atividade económica e distribuição geográfica
A análise dos dados recolhidos revela que a maioria das empresas certificadas
respondentes são médias ou grandes empresas. Esta classificação está de acordo
com a Recomendação da Comissão 96/280/CE, de 3 de abril, relativa à definição
de pequenas e médias empresas.
De acordo com os dados obtidos, 34,7% das empresas respondentes encontra-se no
escalão que se situa entre os 50 e os 250 trabalhadores e 33,6% indicou ter
mais de 250 trabalhadores. Relativamente ao volume de negócios, 32% das
empresas respondentes revelou ter um volume de negócios anual superior a
43.000.000, o que, de acordo com a referida recomendação, está associado a
empresas de grande dimensão. Ainda, 20,6% das empresas revelou ter um volume de
negócios anual situado entre os 10.000.001 e os 43.000.000.
No que diz respeito ao setor económico, 57,9 % das empresas respondentes
pertencem ao setor terciário, 35,9% ao setor secundário e apenas 6,2% se
encontram inseridas no setor primário.
No que se refere à distribuição das empresas por áreas geográficas, os dados
obtidos foram os seguintes: 33,6% das empresas certificadas respondentes
localizam-se na Região Norte do país, 20,9% na Região Centro e 20,7% na Região
da Grande Lisboa. Alentejo e Algarve têm 7,2% e as Regiões Autónomas dos Açores
e Madeira, 5,5% e 5% respetivamente.
Estes resultados espelham a realidade das empresas certificadas em Portugal já
que, segundo o Guia das Empresas Certificadas 2008, o Norte é a região com
maior número de empresas certificadas, seguida das regiões Centro e Lisboa, com
valores muito semelhantes, e do Alentejo.
· Importância atribuída à certificação em geral e a cada um dos fatores
Relativamente à certificação em geral e a cada fator potencialmente explicativo
da importância global da certificação analisado individualmente, foram
calculadas as medidas relativas à média, mediana, moda e desvio-padrão, tal
como se pode verificar na tabela seguinte. O objetivo foi observar a perceção
que as empresas respondentes têm acerca de cada uma destas variáveis.
TABELA 1
Quadro comparativo da importância atribuída às variáveis
O fator «Melhorar internamente a organização (eficiência dos processos)» foi o
que obteve a média mais elevada com 4,57. O que obteve a média mais baixa com
3,5 foi o «Aumentar os lucros da organização».
Quando analisado o desvio-padrão, verifica-se uma maior dispersão relativamente
aos fatores 2.1, 2.2, 2.11 e 2.12 (descritos na Tabela 1). Tal poderá estar
associado ao facto destes fatores não constituírem vantagens transversais às
três normas ou a todos os tipos de organizações. Uma organização pública, por
exemplo, não procura com a certificação o aumento da quota de mercado ou dos
lucros, já que a nível estatal não existe concorrência de mercado nem os
serviços públicos têm como objetivo o lucro. Uma das características do setor
público é precisamente a função afetação que se traduz na provisão de bens ou
serviços públicos que, sendo desejados pelos cidadãos, não encontram provisão
através do funcionamento dos mercados (Pereira et al., 2007).
No caso dos fatores 2.11. e 2.12. estes encontram-se associados à OHSAS 18001/
NP 4397 e à ISO 14001, respetivamente, pelo que, à partida, o maior grau de
importância deverá ser atribuído pelas empresas que têm estas normas
implementadas e que, por isso, mais facilmente retiram da certificação este
tipo de vantagens.
De uma forma geral, as empresas respondentes classificaram os fatores
potencialmente explicativos da certificação como importantes e muito
importantes, nunca assumindo a moda nem a mediana valores inferiores a 4.
No que diz respeito à importância da certificação em geral, foram também
analisadas as pontuações atribuídas em termos de percentagem. Assim, os
resultados revelaram que para 54,02% dos respondentes a certificação é
importante e para 40,17% muito importante.
Apenas 5,8% das opiniões ficaram situadas abaixo da média, sendo que 4,7%
consideraram que a certificação não é importante nem sem importância, para 1,2%
dos respondentes é pouco importante e apenas 0,3% consideraram a certificação
nada importante.
· Estimação do modelo de regressão ordinal
Na sequência dos procedimentos descritos anteriormente, a avaliação do modelo
foi feita em SPSS, com recurso a uma regressão ordinal (PLUM).
A escolha da função de Link foi selecionada de acordo com os critérios de
distribuição de frequências/probabilidades que as classes da variável
dependente apresentam. Segundo Maroco (2007), a escolha da função mais adequada
é muito importante, já que se não for apropriada, pode comprometer a
significância do modelo e a sua capacidade preditiva. Deste modo, face aos
dados obtidos, optou-se pela utilização da funçãoComplementary Log-Log, que é a
mais adequada quando as classes da variável dependente de maior ordem são as
mais frequentes.
Os resultados obtidos (ver Tabela 2) indiciam claramente que deverá existir
pelo menos uma variável explicativa no modelo.
TABELA 2
Model fitting information (12 variáveis)
A Tabela 3 apresenta, por seu lado, as estimativas dos Threshold e dos
coeficientes de regressão associados às variáveis independentes, os seus erros-
padrão, a estatística de Wald e o p-value do teste.
TABELA 3
Parameter estimates (12 variáveis)
Os resultados indicam que existem apenas três variáveis independentes
estatisticamente significativas:
· Aumentar a quota de mercado/número de clientes;
· Melhorar internamente a organização (eficiência dos processos);
· Reduzir custos e desperdícios (retrabalho, devoluções).
O passo seguinte foi estimar o modelo considerando apenas as três variáveis
identificadas e atestar a sua eficácia na explicação da variável dependente,
satisfazendo os requisitos de validação, para que este possa ser utilizado para
efeitos de predição.
Os valores apresentados na Tabela 4 confirmam que as três variáveis
selecionadas apresentam um grau explicativo significativo sobre a variável
dependente. Segundo Tabbachick e Fidell (2006), valores entre 0,2 e 0,4 para o
indicador R2 de McFadden são considerados bastante satisfatórios.
TABELA 4
Pseudo R-Square
Na Tabela 5 podemos observar um Threshold[p3 = 1] com um p-value superior a
0,05. A justificação para este valor pode indiciar que o mesmo se refere a um
outlier. De facto, apenas uma empresa respondente atribuiu a classificação de 1
na questão relativa à importância da certificação em geral. Acrescenta-se, no
entanto, que o modelo estimado não se altera significativamente com a remoção
desta observação, pelo que se optou por mantê-la no modelo.
TABELA 5
Parameter estimates (3 variáveis)
Relativamente ao grau de importância das variáveis, é de salientar o sinal
positivo de todos os três coeficientes estimados, o que significa que quanto
maior o score da importância atribuída a uma variável específica, maior a
importância global da certificação.
A Tabela 6 apresenta um p-value de 0,123 o que permite não rejeitar a hipótese
nula que postula que os declives são homogéneos. A hipótese nula indica que os
parâmetros de localização (declives dos coeficientes) são os mesmos ao longo de
todas as categorias de resposta, logo o pressuposto da homogeneidade dos
declives do modelo não foi posto em causa.
TABELA 6
Teste of parallel lines (3 variáveis)
Em seguida compararam-se as classificações corretas obtidas pelo modelo, face
às observadas na amostra e cujos resultados se podem observar na Tabela 7.
TABELA 7
Quadro comparativo da «Importância da certificação em geral» com a variável
PRE_1
Do cruzamento das classes da variável dependente, com as classes previstas para
a variável dependente conclui-se, assim, que o modelo classificou corretamente
72,3% dos casos, o que significa que tem boas capacidades preditivas. Segundo
Maroco (2007, p. 709), se a percentagem de casos classificados corretamente
pelo modelo for superior em pelo menos 25% à percentagem de classificação
proporcional por acaso, considera-se que o modelo tem boas propriedades
preditivas.
Face aos resultados alcançados, é possível concluir que a importância geral da
certificação depende de três variáveis explicativas consideradas ' « Aumentar a
quota de mercado/número de clientes», «Melhorar internamente a organização
(eficiência dos processos)» e «Reduzir custos e desperdícios (retrabalho,
devoluções)» -, enquanto as restantes não contribuem de forma significativa
para a importância atribuída à certificação.
De entre as três variáveis explicativas, a variável «Reduzir custos e
desperdícios (retrabalho, devoluções)» é a que tem mais influência quando se
avalia a importância da certificação. Este dado assume especial importância uma
vez que traduz uma preocupação pela procura da eficácia e eficiência da
aplicabilidade das normas na melhoria efetiva do desempenho das organizações,
razão que esteve na génese da criação da Normalização e que caracterizou a Era
da Garantia da Qualidade.
Os resultados da presente investigação vêm demonstrar que, 50 anos após a
criação do conceito de «zero defeitos» com base no qual tudo podia ser bem
feito à primeira vez, eliminando erros, prevenindo-se a sua ocorrência e
eliminando os custos da qualidade, a importância da qualidade continua a reger-
se pelos mesmos pressupostos.
Segundo Heldman (2005), se evitarmos o aparecimento de problemas, antes de mais
nada, teremos custos menores, o cumprimento dos requisitos é facilitado e os
custos da qualidade correspondem ao custo do não cumprimento, não do
retrabalho.
Este estudo visou também aferir em que medida o sistema continua a dar resposta
às necessidades das empresas ao questioná-las sobre a importância da
certificação se enquadrar no âmbito do SPQ.
Com base nos resultados amostrais obtidos estima-se, com 95% de confiança, que
a proporção de empresas no universo que consideram importante que a
certificação se enquadre no SPQ se situe entre 0,76 e 0,86.
Conclusões e questões para futura investigação
O principal objetivo da presente investigação foi ficar a conhecer o grau de
importância que as empresas certificadas em Portugal atribuem à certificação de
uma forma geral e quais os fatores que podem determinar esse grau de
importância.
Para explicar o grau de importância atribuído à certificação foram selecionados
doze atributos considerados relevantes durante a pesquisa bibliográfica
justificados na «Metodologia».
O inquérito decorreu entre 1 de maio e 31 de julho de 2009 tendo sido recebidos
364 questionários válidos.
As respostas obtidas revelam que a maioria das empresas certificadas
respondentes são médias/grandes empresas (68,3%). Por outro lado, 32% revelou
ter um volume anual de negócios superior a 43.000.000 e 20,6% entre os
10.000.001 e os 43.000.000.
Dado que o tecido empresarial português é composto maioritariamente por micro e
pequenas empresas, representando estas 99,4% do total das empresas portuguesas,
e que as médias e grandes empresas apenas representam 0,7% do total, estes
resultados poderão ser preocupantes.
Apesar do investimento inicial ser largamente compensado pelas vantagens
obtidas a médio e longo prazo com a certificação, os resultados revelam que a
qualidade poderá não ser uma prioridade estratégica das micro e pequenas
empresas, pelo que é urgente que se criem condições para que a implementação de
sistemas de gestão, sejam eles da qualidade, ambiente, segurança e saúde do
trabalho ou outro, possa ser uma realidade neste tipo de organizações.
É de particular importância que o fator que mais se destaca seja o «Reduzir
custos e desperdícios (retrabalho, devoluções)», já que revela a preocupação
pela procura da eficácia e eficiência da aplicabilidade das normas na melhoria
efetiva do desempenho das organizações. Tal vem demonstrar que, 50 anos após a
criação do conceito «zero defeitos», a preocupação pela eliminação dos erros,
prevenindo-se a sua ocorrência e eliminando os custos da qualidade, continua a
ser uma prioridade.
É de salientar ainda que 81% das empresas em estudo considerem importante que a
certificação se enquadre no SPQ. Estes resultados vêm demonstrar que 26 anos
após a criação do SPQ, as empresas certificadas em Portugal continuam a
considerá-lo uma mais-valia, fundamentalmente em termos de credibilização e
reconhecimento no mercado nacional e como meio de uniformização de critérios de
avaliação da qualidade.
Em suma, pode afirmar-se que as normas de gestão da qualidade e a certificação
continuam a desempenhar o papel para o qual foram criadas e que se prende com a
finalidade de encontrar soluções para problemas recorrentes, aumentando a
produtividade e reduzindo os desperdícios, contribuindo, assim, para a
conservação de recursos naturais e do meio ambiente.
Os resultados deste estudo revelam também que existem pontos importantes neste
âmbito que seriam importantes explorar. Um dos que nos pareceu mais relevante
consiste em averiguar quais as razões que estão subjacentes ao baixo número de
micro e pequenas empresas certificadas em Portugal, dado que estas representam
99,4% do tecido empresarial português.
A concluir, deixamos, por isso, duas interrogações: Será que as micro e
pequenas empresas não encaram a certificação de sistemas de gestão da qualidade
como um fator de competitividade? Será que são apenas as médias e grandes
empresas que têm ao seu dispor recursos que lhes permitem investir na
certificação de sistemas de gestão da qualidade?