Insucesso em redes de cooperação: Estudo multicasos
Redes de cooperação são apontadas como uma configuração que pode contribuir
para a sustentabilidade de pequenas e médias empresas. A sustentabilidade
pretendida neste tipo de arranjo está geralmente associada à competitividade.
Historicamente, a competitividade foi sendo gerada quase que exclusivamente
pelo esforço individual das organizações. Nesse contexto, a cooperação e a
competição foram visualizadas ao longo de décadas como uma dualidade quase que
indissolúvel no campo da competitividade e da estratégia empresarial. O modelo
híbrido de cooperar para competir só começou a ganhar força com os estudos de
Brandenburger e Stuart (1996) e Brandenburger e Nalebuff (1996) que popularizam
o termo coopetição (Rodrigues et al.,2007). Porter (1998), o idealizador das
estratégias de competição por empresas individuais, passou a considerar também
a estratégia de cooperação como uma alternativa de competir e de desenvolver
uma vantagem competitiva.
O debate sobre redes de cooperação ampliou-se. Estas se tornaram cada vez mais
difundidas, chamando a atenção de órgãos governamentais de vários países, o que
proporcionou também uma visão empreendedora e social a esta abordagem. De fato,
empresas que sempre empreenderam sozinhas precisam aprender a trabalhar de
forma cooperativa, desenvolvendo atributos necessários à cooperação. A falta
desses atributos pode ser responsável pela desistência das empresas de
cooperarem umas com as outras.
O Programa Redes de Cooperação da Universidade de Caxias do Sul (UCS) surgiu a
partir da iniciativa conjunta do governo do estado do Rio Grande do Sul,
interessado em estimular as empresas de pequeno porte, e da UCS, que se
encontra totalmente inserida e comprometida com a comunidade de Caxias do Sul e
com os municípios das cercanias, onde 80% das empresas têm menos de 10
funcionários. Por isso, tornou-se importante identificar os motivos que levaram
empresas integrantes dessas redes de cooperação a abandoná-las. Esta
identificação poderá auxiliar na construção de novas redes, tomando-se medidas
mais assertivas e, principalmente, no apoio às já existentes. A questão da
pesquisa, portanto, é: quais são os motivos que levaram empresas integrantes de
redes de cooperação a abandoná-las?
O sucesso em redes de cooperação
O arcabouço teórico sobre estratégias de cooperação e de coopetição fundamenta
a abordagem de redes de cooperação. Brandenburger e Stuart (1996) definem os
coopetidores [junção de cooperantes com competidores, a partir da tradução do
conceito original em inglês de coopetitors e coopetition] como competidores que
formam uma estrutura de múltiplos relacionamentos e de interdependência das
firmas rumo a uma rede de valor. Neste contexto, a coopetição revela-se como
uma estratégia de interdependência que permite às firmas simultaneamente
competirem e gerenciarem objetivos para criar valor e vantagem competitiva
(Dagnino e Padula, 2002).
O primeiro passo para o sucesso de redes de cooperação é a pré-disposição das
empresas em cooperar umas com as outras. Cooperação tem se revelado como uma
estratégia importante para conferir sustentabilidade principalmente às empresas
de pequeno porte, que enfrentam dificuldades inerentes à competitividade.
Estudos têm apontado que empresas configuradas em rede conseguem aumentar sua
competitividade na produção, no desenvolvimento e lançamento de novos produtos,
no acesso às novas tecnologias e matérias-primas e em conhecimento de
fornecedores (Balestrin; Vargas e Fayard, 2005; Barcellos et al., 2008; Olave e
Amato Neto, 2001; Peretti et al., 2010; Verschoore e Balestrin, 2008).
Estudos têm apontado que empresas configuradas em rede conseguem aumentar sua
competitividade na produção, no desenvolvimento e lançamento de novos produtos,
no acesso às novas tecnologias e matérias-primas e em conhecimento de
fornecedores.
A pergunta que tem permeado alguns dos estudos de redes de cooperação é: «quais
são os elementos que precisam estar presentes nesses tipos de organizações
híbridas, uma vez que as empresas integrantes, em sua maioria, pertencem ao
mesmo segmento de mercado, e, individualmente, disputam os mesmos clientes?». A
presença destes elementos tende a contribuir para o sucesso de redes de
cooperação e não são explicados exclusivamente pelas teorias de Custos de
Transação e de Dependência de Recursos (Wegner et al., 2006). Segundo Zawislak
e Furlanetto (2000), tais elementos estão associados à confiança, reputação e
lealdade nas transações, os mesmos da cooperação entre indivíduos.
Para Wegneret al. (2006), a existência de objetivos comuns entre os
participantes, regras e sanções claras, participação nas decisões, comunicação
entre os membros e apoio técnico à rede são outros elementos que tendem a
contribuir para o sucesso de configuração em redes de cooperação. Envolvimento
e comprometimento são duas dimensões que, na visão de Hardy et al.(2003), são
fundamentais para a colaboração que é intrínseca à cooperação.
Aprendizado, cooperação, desenvolvimento de lideranças, quebra de paradigmas,
confiança, estratégias utilizadas para a tomada de decisões, comprometimento,
percepção de valor são atributos citados por gestores de empresas associadas a
uma Rede de Cooperação, como necessários para a manutenção e ascensão da mesma.
Bem como a busca, principalmente por empresas de micro a médio porte, de maior
competitividade, como propulsora da inserção da empresa em uma Rede (Barcellos
et al., 2008; Peretti et al., 2010).
Todeva e Knok (2005) apontaram que nos estudos sobre organizações híbridas
ainda há mais perguntas do que respostas. São estas lacunas teóricas e
empíricas que veem dando ímpeto às pesquisas sobre redes de cooperação.
O insucesso em redes de cooperação
O modelo (Figura 1) de Park e Ungson (2001) tem sido utilizado como referência
nos estudos de insucesso em redes de cooperação (Wegner e Padula, 2008; Pereira
et al.,2010). Segundo o modelo, problemas relacionados com a confiança,
reputação e comprometimento entre os membros da rede abalam os objetivos
desejados dessa configuração interorganizacional que são de equidade,
eficiência e adaptação em uma rede de cooperação, levando à falha na aliança e
consequentemente ao seu insucesso.
Figura_1
Um Modelo Integrativo de Fracasso de Alianças
A Figura_1 é elucidativa, pois indica que a falha da aliança emerge da
predominância do paradigma da competição entre os membros. O efeito resultante
é que as empresas continuam se enxergando como rivais, dando chance para o
oportunismo, devido aos integrantes não disporem de todas as informações no
mesmo momento. Como decorrência, algumas empresas, com oportunismo, podem obter
retornos maiores do que as outras. Mesmo que este efeito não se concretize, a
percepção dessa assimetria entre os membros é suficiente para dar início ao
colapso na cooperação. O oportunismo convive com um paradoxo, pois ele é a
causa principal para as falhas de mercado, bem como para a existência das
organizações (Williamson, 1985).
A presença de culturas diferentes na mesma rede é inquestionável, cada membro
traz consigo a sua maneira de fazer negócios e de lidar com a cooperação,
confiança, lealdade e comprometimento. Tais diferenças podem ser geradoras de
conflitos internos que comprometem a criação de sinergias, necessárias à
operação em rede. Corso e Fossa (2008) sugerem que o ideal seria a criação de
uma única cultura na rede contra a qual alguns grupos se posicionam, gerando
conflito com as demais empresas, cuja solução recai sobre «excluir-se da rede»
ou «acatar a decisão da rede, deixando-se influenciar pela cultura única».
A não obtenção de benefícios econômicos também é um dos motivos que levam as
empresas a saírem de suas redes. O volume dos benefícios obtidos pela aliança
não é suficiente para superar os custos de gerenciamento da rede, em parte
porque os recursos agregados pelos membros não são suficientes para viabilizá-
la (Wegner e Padula, 2008).
A falta de metas comuns e de objetivos entre os integrantes compromete o motivo
de existência da própria rede cujos motivos, no estudo de Zineldin e Dodourova
(2005), foram exclusivamente financeiros no início, mas passaram a ser de
conteúdo estratégico e gerencial a longo prazo.
Metodologia
A pesquisa é de natureza qualitativa baseada em estudo multicasos de seis redes
de cooperação que foram extintas a partir do ano de 2004 dentro do Programa de
Redes de Cooperação da Universidade de Caxias do Sul. O estudo de caso segundo
Yin (2001) é adequado para investigar um fenômeno contemporâneo, neste caso, a
estratégia de cooperação no escopo de redes de cooperação, dentro de um
contexto da vida real.
Com base nesse critério, as seis redes identificadas correspondem a toda
população de redes inativas no período de 2004 a 2010. As redes objeto deste
estudo se enquadram nos seguintes setores da atividade econômica: calçados de
couro, móveis, vinho e derivados da uva, organizações não-governamentais,
comércio e serviços em segurança e tecnologia, e vidraçarias. Foram
entrevistadas duas empresas em cada rede, totalizando 12 empresas. As empresas
entrevistadas pertencem, portanto, aos setores da indústria, comércio, serviços
e organizações não-governamentais sem fins lucrativos. Foram selecionados para
as entrevistas dois respondentes de cada rede.
Dentre os entrevistados selecionados, um teria de ter ocupado,
obrigatoriamente, a presidência da rede e o outro respondente poderia ser
indicado pelo presidente ou escolhido aleatoriamente na relação de integrantes
da rede. As entrevistas foram individuais, gravadas, em profundidade, mediante
guia de entrevista semiestruturado. Foram abordadas 13 questões: expectativas
ao entrar na rede, aspetos de liderança, aprendizagem, mudança, ganhos, perdas,
valor, clima, confiança, satisfação, insatisfação e se participaria novamente
de uma rede de cooperação. As entrevistas foram realizadas entre julho e
novembro de 2010, com duração de 30 a 60 minutos cada uma. Após sua gravação,
as entrevistas foram transcritas e analisadas por meio da análise de conteúdo,
classificando-se as variáveis manifestas pelos respondentes em categorias de
análise, conforme Bardin (2009).
Estudo multicasos de insucesso
O Quadro I apresenta os aspetos, citados pelos respondentes, que contribuíram
para a sua saída das respetivas redes. Alguns aspetos são comuns às diferentes
redes e são corroborados pela literatura. Outros aspetos são particulares, que,
ao se combinarem com os aspetos comuns, impulsionaram estas empresas a se
desligarem de suas redes. Algumas falas demonstram essa coexistência de motivos
particulares e de motivos provenientes da própria interação em rede.
Quadro_I
Motivos para abandono da rede segundo os respondentes
Um dos entrevistados da Rede de Indústria de Móveis apontou: «... foi saindo um
de cada vez...», «... havia reclamações quanto ao tempo gasto com deslocamentos
para fazer as reuniões...», «... alguns membros participavam somente para saber
como as demais empresas trabalhavam e não compartilhavam nada...», «...
estávamos em três empresas quando finalmente, resolvemos fechar a rede...».
Outro entrevistado, o da Rede de Fabricantes de Vinho e Derivados da Uva
revelou: «... a família reclamava da minha ausência nos negócios, no tratamento
do parreiral, na venda da uva para os clientes...», «... eu era o integrante
mais jovem da rede, os outros tinham mais idade e mais experiência do que eu
nos negócios com a uva...», «... o que eu falava era alvo de desconfiança...»,
«... eles achavam que as minhas idéias eram muito modernas...», «... aliado à
falta de confiança dos membros, resolvi abandonar a rede...».
A Figura 2 esquematiza e sintetiza os resultados das entrevistas apresentadas
no Quadro_I. Esses aspetos podem ser considerados como as possíveis variáveis
impulsionadoras da decisão de abandonar a rede e que devem ser testados em uma
nova fase desta pesquisa, a etapa quantitativa que já se encontra em andamento.
Figura_2
Motivos para o abandono da rede pelas empresas pesquisadas
A partir da análise dos resultados (Quadro_1 e Figura_2) infere-se que os
aspetos posicionados no lado esquerdo da Figura_2 podem ser considerados como
aspetos culturais característicos do comportamento individual de cada empresa,
anteriormente à rede, e que se não forem neutralizados podem contribuir para o
insucesso da rede. Os aspetos posicionados no lado direito da Figura_2 seriam
considerados como os aspetos estruturais, que, em suas ausências, tal como
apresentado no Quadro II, a chance de insucesso torna-se provável. Os dois
aspetos posicionados ao centro (superior e inferior) da Figura_2 poderiam ser
considerados como aspetos negativos, decorrentes do estabelecimento de uma
cultura única na rede, e que ao estarem presentes expõem a rede ao risco de
insucesso.
Quadro_II
Associação dos resultados empíricos com a teoria de redes
Estas análises dos dados empíricos da pesquisa, combinadas com o referencial
teórico sobre sucessos e insucessos em alianças estratégicas, e especificamente
em redes de cooperação, tornaram possível a construção do Quadro_II.
Baseado nos resultados desta pesquisa é possível dizer que a decisão em
abandonar a rede começa com a cultura de cada membro, proveniente do modo como
faz negócios em sua empresa. A existência de discrepâncias dos aspetos
estruturais que dão sustentação à rede faz com que os problemas inerentes ao
estabelecimento de uma cultura única sejam ressaltados. Dependendo da percepção
de cada membro e da capacidade de vencer os conflitos internos, a empresa
manifestará a tendência de permanecer ou de sair da rede.
Pode-se inferir que as mesmas características que são necessárias para o
sucesso de uma rede de cooperação são as que levam ao insucesso da rede no
momento em que deixam de estar presentes. A pergunta que ainda não foi
respondida por esta pesquisa, e que será o alvo do próximo estudo, é: que peso
cada variável apresentada na Figura_2 exerce sobre a decisão do integrante em
abandonar a rede?
Conclusão
A Visão Baseada em Recursos (RBV) se revelou importante para explicar e dar
fundamento aos diferentes tipos de alianças estratégicas entre firmas (DAS;
TENG, 2000). Os resultados desta pesquisa apontam, tal como pronunciado por
outros autores, que a configuração em rede de cooperação, uma forma particular
no contexto de alianças estratégicas, pode ser mais bem compreendida indo além
das abordagens tradicionais da RBV e da Economia dos Custos de Transação.
Se cada integrante da rede não possuir disposição interna - aquela que começa
no indivíduo ' para abrir mão do seu individualismo e de seus objetivos
particulares a favor de algumas decisões-chave que proporcionarão ganhos
coletivos importantes, a rede estará permanentemente vulnerável e exposta ao
insucesso.
As empresas pesquisadas, ex-integrantes de redes de cooperação, são
caracteristicamente de pequeno porte, assim como o são as demais empresas que
abandonaram as redes de cooperação que integravam. São representativas da
população de empresas da região de Caxias do Sul, onde 80% são de pequeno
porte, independentemente do setor em que atuam. A maioria destas empresas é uma
extensão do círculo familiar e, caracteristicamente, está muito centrada na
figura do proprietário e de sua família. Faz todo o sentido afirmar que nestas
empresas as decisões são tomadas dentro do círculo familiar. Ao integrar a
rede, o representante da empresa passa a fazer parte de outro círculo que
congrega várias empresas com o mesmo perfil. Se cada integrante da rede não
possuir disposição interna ' aquela que começa no indivíduo ' para abrir mão do
seu individualismo e de seus objetivos particulares a favor de algumas
decisões-chave que proporcionarão ganhos coletivos importantes, a rede estará
permanentemente vulnerável e exposta ao insucesso.