Modelo de organização adaptável a cenários turbulentos: O caso do setor
empresarial energético brasileiro
A empresa do Séc. XXI se encontra num ambiente cada vez mais turbulento e
precisa de um alto grau de adaptabilidade para se sustentar no tempo. De acordo
com as análises de inteligência da CIA (www.dni.gov) e outro observatório
prospetivo da Economist Intelligence Unit(www.eiu.com), depois de 11 de
setembro de 2001 a capacidade de adaptação se tornou um elemento-chave a ser
considerado em todos os projetos desenvolvidos por uma empresa.
Fundamentos teóricos
O referencial teórico se assenta sobre os conceitos fundadores do planejamento
prospetivo, dos sistemas adaptativos e de integração estrutural, como
categorias que determinam a capacidade de adaptação de uma organização para ser
sustentável no tempo.
A organização, para tomar decisões, deve ter uma ampla visão do que se espera
nos próximos anos, daí a importância do planejamento prospetivo, com os
cenários como mecanismos de aproximação ao futuro desejável. A análise de
cenários é uma aplicação de pensamento complexo, que permite antecipar
alternativas de solução para situações complexas futuras.
A prospetiva exploratória procura identificar diferentes futuros possíveis, os
futuribles,como denomina Hugues de Jouvenel[1], que podem se apresentar no
ambiente empresarial, onde a organização vai desenvolver suas operações, para
definir estratégias apropriadas que facilitem sua sustentabilidade.
Cada cenário que é formado por um sistema de hipóteses ou eventos descritos
coerentemente, que configura uma apreciação ou previsão do que pode acontecer,
constitui um elemento de apoio à capacidade de adaptação. Esta imaginação dos
possíveis eventos é o que Prigogine (1996) menciona como especulação sobre o
que poderia ter sido, sendo esta capacidade um dos traços fundamentais da
inteligência humana.
Um sistema é complexo, segundo Prigogine (1996), se seu comportamento global
emerge da interação do comportamento local de seus componentes, ou seja, o
sistema cria uma nova ordem. Isto permite compreender que a operação dos
sistemas complexos está altamente correlacionada à operação individual de seus
agentes, em sistemas sociais, de pessoas.
A teoria da complexidade é importante para as organizações que enfrentam
mudanças externas a um ritmo maior que as mudanças internas, tornando-se um
elemento dentro de um ambiente complexo e que precisa de uma capacidade para se
adaptar àquela turbulência. Assim, Anderson (1999) menciona que adaptação é a
passagem de uma organização através de uma série sem fim de microestados
organizacionais que emergem de interações locais entre agentes tentando
melhorar seus ingressos locais.
A tarefa principal da direção estratégica da empresa não é unicamente fazer o
planejamento prospetivo e definir programas de adaptação organizacional para
enfrentar situações imprevistas, mas também definir a capacidade para
improvisar e sobreviver no tempo, mesmo enfrentando cenários turbulentos.
Os gestores que devem gerenciar comportamentos adaptáveis têm duas alternativas
a sua disposição: uma é atingir adaptabilidade ao cenário por parte dos agentes
locais ou internos ao sistema e outra é (re)configurar a arquitetura
organizacional ou estrutura na qual os agentes se adaptam. Assim, o que se
procura desenhar não é uma estratégia emergente, mas o contexto adequado para
sua geração.
Para alcançar adaptabilidade a um cenário específico, os gestores podem mudar a
trajetória do comportamento de uma organização, através, por exemplo, de
mudanças na forma ou localização de um nicho do mercado, o que daria como
resultado a mobilização do sistema em novas direções.
Alterar o sistema de incentivos ou o contexto no qual opera, são outros
exemplos de mecanismos que os gestores têm para modelar o comportamento dentro
da organização. Também é possível influenciar a emergência de comportamento
adaptável, alterando a distribuição dos agentes na rede.
Em relação à diferença entre sistema e sistemas complexos, Jenkins e Youle
(1968) definem sistema como qualquer grupo de seres humanos e máquinas com um
objetivo definido. Enquanto sistemas complexos são considerados um agrupamento
de componentes, que podem ser desenhados de tal maneira que atinja um objetivo
da forma mais eficiente.
Simon (1982) cita que quanto maior o nível de responsabilidade, maior é a
interação entre os executivos, e, consequentemente, maior complexidade. E vice-
versa, quanto menor o nível menos interações, com resultado menor de
complexidade. Assim, complexidade organizacional é altamente correlacionada à
frequência de interações entre indivíduos dentro da organização, ou agentes
dentro do sistema.
Rzevski (2008) menciona que os sistemas complexos têm a capacidade de se auto-
organizar em resposta a eventos que afetam seu comportamento, e de se
coenvolver com o seu ambiente, e, consequentemente, suas propriedades são
emergentes e seu comportamento é adaptável a mudanças e resiliente a ataques.
Em relação à aplicação da teoria da complexidade a sistemas humanos, Stacey
(1996) afirma que é possível, por esses sistemas estarem conformados por redes
de feedback não linear e constituídos por indivíduos, grupos, organizações e
sociedade. Isto fortalece a ideia central da tese, de que uma organização
adaptável a cenários turbulentos forma em conjunto um sistema complexo.
Morgan (1996) refere que sistemas autopoiéticos são representados de uma forma
análoga pelo cérebro humano, que tem a capacidade de detetar e corrigir erros
que afetem suas operações. Já no caso organizacional, esta capacidade permite
que o sistema adaptativo mantenha a trajetória e alcance a sustentabilidade no
tempo.
Para integrar uma organização a um cenário turbulento é necessário um modelo
adaptável com interconexões dinâmicas que facilitem a aprendizagem constante
com uma autonomia semelhante à autopoiesis celular de Maturana e Varela
(1980b), onde o acoplamento estrutural ao cenário, no qual age, define seu
comportamento.
Deste modo, Varela (1989, p. 45) cita quatro características essenciais da
máquina autopoiética:
·Autonomia: porque todas as mudanças são subordinadas a manter sua própria
organização (no sentido de organizar e não de empresa);
·Individualidade: em manter invariável sua organização, ela conserva uma
identidade independente, e não integrada com um observador;
·Ter unidades: suas fronteiras são específicas para o funcionamento de seus
processos de autoprodução. As máquinas autopoiéticas não têm inputs nem output.
Os eventos externos podem causar perturbação, mas também gerar transformações
estruturais internas a fim de compensar estas perturbações.
Sistemas adaptativos inteligentes, segundo Liang (2004), precisam do seguinte:
uma nova filosofia gerencial com estrutura de conhecimento e cognição; uma nova
teoria de organização com um novo esquema mental; um novo modelo organizacional
baseado na inteligência humana; e uma nova estratégia gerencial, aplicada à
inteligência coletiva da organização. Estes temas são elementos que orientam a
pesquisa da capacidade de adaptação a cenários turbulentos.
A sustentabilidade organizacional tem a ver com continuidade organizacional.
Considerando sustentabilidade como sobrevivência ao longo do tempo, Van der
Heijden e colaboradores (2002) mencionam que sobrevivência significa criar
valores para os stakeholders,e que, entre os problemas de sobrevivência, estão
a incerteza, a mutação e a necessidade organizacional de se adaptar às mudanças
requeridas pelas condições de mercado.
Segundo Maturana e Varela (1984), a vida é um processo de conhecimento, assim
os seres vivos aprendem vivendo e vivem aprendendo. Este conceito trasladado a
termos corporativos significa que a vida organizacional é um processo de
sobrevivência que depende da capacidade de aprendizagem e processos de
feedbackde ajuste ao cenário turbulento.
Emery e Trist (1963) em seu artigo consideram que ambientes turbulentos são
muito complexos porque os processos dinâmicos que impactam a organização são
gerados pelo próprio ambiente em mudança.
A adaptação, na aceção biológica, é um processo através do qual um organismo se
ajusta ao seu ambiente, e consiste em mudanças na estrutura, baseadas na
experiência que ganha o sistema (Holland, 1997). Esta experiência adquirida é a
memória do sistema, onde o tempo de adaptação vai depender do tipo de sistema.
Assim, no caso de um sistema organizacional, este tempo pode variar de meses a
anos, e no caso de um sistema vivo de segundos, horas ou dias.
Para Nelson e Winter (1982), as adaptações (que podem parecer óbvias e fáceis
para um observador externo) podem ser bloqueadas na organização porque envolvem
uma perceção de ameaça ao equilíbrio político interno.
Por esta razão, procura-se reduzir o hiato entre perceção da realidade e a
mesma realidade entre os gestores da organização, onde a capacidade de
comunicação interna é a chave. Isso tem a ver com o que De Geus (1997) menciona
como flocking ou transferência do conhecimento na organização.
Quando acontece um evento imprevisível, a organização entra em uma situação de
caos, onde a tomada de decisões envolve riscos não calculados. Assim, saber
gerenciar o risco é uma capacidade necessária da organização adaptável.
Vancoppenolle (2001) menciona três fases de gestão de continuidade de negócio
para superar uma crise: reconstruir a infraestrutura; retomar a atividade do
negócio; e continuar o serviço ao cliente em níveis aceitáveis. Estas fases
permitem estabelecer estratégias contingentes para que uma organização seja
minimamente afetada por efeitos de um cenário turbulento. Assim, o objetivo
principal da continuidade do negócio é permitir que uma empresa continue
funcionando, atendendo aos clientes depois de um desastre ou crise.
Objetivo
Identificar o pensamento de gestores em relação às características de um modelo
organizacional com capacidade de adaptação a ambientes turbulentos que permita
atingir a sustentabilidade da empresa no tempo.
Metodologia
A pesquisa tem uma abordagem qualitativa. O método usado para o tratamento dos
dados foi a Grounded Theory com apoio do software Atlas/ti. Este método tem um
sentido da análise bottom up, ou seja, da base para acima.
A coleta de dados foi feita por meio de entrevista em profundidade[2] de uma
amostra teórica. No caso do contexto complexo de um sistema, a causalidade não
linear é o resultado da perceção dos atores na área de pesquisa (Ramirez,
2008). Assim, complexidade e perceção têm fortes relações, o que justifica este
tipo de abordagem.
O tipo de pesquisa quanto aos fins é exploratório, porque se procuram as
categorias que deem origem à capacidade de adaptação em cenários turbulentos e
permitam atingir a sustentabilidade organizacional. Segundo Vergara (2007),
este tipo de pesquisa é apropriado quando há pouco conhecimento acumulado e
sistematizado, razão pela qual não comporta hipótese que poderá surgir durante
ou ao final da pesquisa. Quanto aos meios de investigação, a pesquisa é de
campo e bibliográfica.
O universo da pesquisa é o setor público de energia do Brasil (petróleo,
eletricidade e gás). Por ser uma amostragem teórica, o número de sujeitos da
pesquisa vai depender de acesso. Assim, Strauss e Corbin (1998) mencionam que a
amostragem teórica não pode ser planejada antes de embarcar em um estudo.
As decisões específicas de amostragem surgem durante o processo de pesquisa. O
tamanho da amostra foi de 15 questionários enviados por e-mail e de 8
entrevistas em profundidade.
Os sujeitos da pesquisa para o questionário de pré-teste do roteiro de
entrevista foram professores, executivos e experts no tema, em nível
internacional. E para as entrevistas em profundidade, seis altos executivos das
empresas brasileiras do setor de energia e dois experts na matéria da
pesquisa.
Análise de dados
Os dados foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica ' em livros,
revistas e outros meios escritos e virtuais ' e na pesquisa de campo através de
questionário enviado por e-mail e entrevistas em profundidade. As respostas do
questionário enviado por e-mail (15) serviram para revisar a funcionalidade e
ajustar as perguntas do roteiro de entrevista. As entrevistas (8) utilizadas
foram em profundidade, semiestruturadas.
Resultados
Da pesquisa de campo, e através de Grounded Theory, emergiram três categorias '
planejamento prospetivo, sistemas adaptativos e integração estrutural ', as
quais formam a capacidade de adaptação. Usando os eixos cartesianos para uma
representação visual se obtém a Figura_1.
Partindo dos três eixos é possível desenhar um cubo que representa a capacidade
de adaptação (ver Figura_2).
O cubo é a estrutura das categorias, propriedades e dimensões que configuram a
capacidade de adaptação ao cenário turbulento (ver Figura_3).
Cada categoria, propriedades e dimensões obtidas da pesquisa se detalham a
seguir.
Planejamento prospetivo ' Refere-se ao planejamento através de cenários futuros
úteis para a tomada de decisões estratégicas em situações com altos níveis de
mudança ambiental, complexidade e incerteza, caracterizada pela falta de
informação das variáveis, atividades e fatos futuros que limitam a capacidade
de planejamento da organização.
As propriedades (P) e dimensões (D) desta categoria são as seguintes:
velocidade de mudança do cenário de energia (P) alta (D); o escopo da visão (P)
longo (D); a duração do monitoramento do ambiente futuro (P) permanente (D); o
grau de inovação e P&D (P) elevado (D); e a adequação da estratégia
corporativa (P) é radical (D) e contínua (D).
Sistemas adaptativos ' Considera a organização um sistema de elementos internos
e externos interligados por relações dinâmicas não lineares e cujo
comportamento depende da adaptação organizacional ao entorno e da gestão do
gerente.
As propriedades (P) e dimensões (D) desta categoria são as seguintes: uma visão
sistêmica (P) forte (D); um grau defeedback(P) elevado (D); uma velocidade de
aprendizagem (P) alta (D); uma adaptação da cultura organizacional (P) alta
(D); um nível de liderança (P) forte (D); um grau de memória do sistema (P)
elevado (D) considerando que a adaptação da cultura brasileira (P) é alta (D);
um planejamento do processo de transformação (P) contínuo (D); a duração do
processo de transformação (P) curto (D); um ajuste de trabalho em equipe (P)
flexível (D); e adaptação das competências para manter a identidade (P)
contínua (D).
Integração estrutural 'Como seu nome indica, esta categoria permite a conexão
dentro da empresa e com o ambiente. Suas propriedades e dimensões são as
seguintes: comunicação (P) rápida (D); estrutura (P) flexível (D); e controle
(P) contínuo (D).
Quando a capacidade de adaptação de uma empresa (cubo) se integra com o cenário
turbulento (esfera) gera o Modelo de Organização Adaptável a Cenários
Turbulentos que permite atingir a sustentabilidade organizacional.
Na Figura_4, é possível visualizar a mencionada integração, onde as setas
representam os circuitos de feedback que facilitam a adaptação.
A última categoria emergente da pesquisa e produto da capacidade de adaptação
ao cenário turbulento é a sustentabilidade organizacional.
Sustentabilidade organizacional ' Refere-se à habilidade de sobrevivência de
uma empresa ao longo do tempo diante de situações de instabilidade. A
propriedade e a dimensão desta categoria são: continuidade de negócio (P) longa
(D).
No Quadro apresentam-se a localização das propriedades e as dimensões das
categorias emergentes na pesquisa, tendo o Planejamento Prospetivo (PP) cinco
propriedades, os Sistemas Adaptativos (SA) 11 propriedades, a Integração
Estrutural (IE) três propriedades e a Sustentabilidade Organizacional (SO) uma
propriedade, dando um total de 20 propriedades.
Conclusões
Uma empresa que deseja ser sustentável no tempo precisa de capacidade de
adaptação às mudanças do entorno, mais ainda quando o entorno é turbulento e
complexo.
A capacidade de adaptação está configurada pelo planejamento prospetivo,
sistemas adaptativos e integração estrutural. Deste modo, empresas que incluam
essas três categorias na sua análise organizacional terão maiores
possibilidades de reação em face de cenários adversos porque a visualização
futura dos eventos, a flexibilidade dos sistemas e a sua integração com o
entorno oferecem uma vantagem estratégica de supervivência.
A medição da capacidade de adaptação para atingir a sustentabilidade
organizacional é possível através das dimensões de cada propriedade dentro das
três categorias mencionadas. Portanto, as empresas que possuam as dimensões
recomendadas no modelo serão mais adaptativas do que aquelas que não as
considerem. Por exemplo, uma empresa com grau de inovação e P&D baixo no
lugar de elevado, adaptação da cultura organizacional média no lugar de alta,
grau defeedback baixo no lugar de alto terá dificuldades para se adaptar ao
entorno.
A sustentabilidade organizacional é resultado da efetiva combinação das
propriedades e dimensões do planejamento prospetivo, sistemas adaptativos e
integração estrutural, o que significa que devem atuar integradamente e
acompanhando as variações do ambiente.
É importante mencionar que para uma efetiva capacidade adaptativa, a psicologia
humana é a chave, porque se os indivíduos envolvidos na adaptação não estiverem
satisfeitos com os resultados planejados, qualquer intento de mudança vai ser
rejeitado.
Finalmente, a integração estrutural entre a empresa e o cenário turbulento
configura um único sistema parecido à «unidade concreta» da «máquina
autopoiética» de Varela (1984), com autonomia, individualidade e fronteiras
específicas, porém, com a diferença que o Modelo de Organização Adaptável a
Cenários Turbulentos é semiautônomo porque precisa de certo nível de controle
para seu funcionamento.