Política de dividendos e ciclo de vida das empresas
1. Introdução
A política de dividendos, a par do investimento e do financiamento, tem sido
considerada uma das principais decisões financeiras empresariais. Em
particular, a decisão sobre distribuição de dividendos tem impacto em diversos
aspectos económico-financeiros como o financiamento ou a tesouraria da empresa,
pois consubstancia uma afectação dos resultados líquidos gerados. No entanto, e
apesar da intensa investigação produzida nas últimas décadas, as conclusões não
são consensuais quanto às teorias explicativas ou aos determinantes,
financeiros ou outros, da política de dividendos das empresas.
Este trabalho tem como principal objectivo analisar a relação entre a teoria do
ciclo de vida das empresas e a sua política de dividendos, relacionando a fase
em que se encontram com a distribuição dos resultados efectuada. Para além
deste, pretende-se, também, testar as principais teorias e determinantes da
política de dividendos apontados por diversos trabalhos científicos. Assim,
abordar-se-ão, em especial, as teorias da sinalização e da agência e tentar-se-
á explicar o nível dos dividendos empresariais (dividend payout) pelo recurso
aos atributos frequentemente mencionados na literatura financeira sobre este
tema: a rendibilidade, a dimensão, o risco (variabilidade das vendas), o número
de investidores (propriedade), o crescimento dos resultados no presente e no
futuro (ano seguinte), o investimento, o endividamento, o crescimento das
vendas ou o payout do ano anterior.
Os potenciais conflitos de interesses entre gestores, credores e accionistas no
que respeita a diversas decisões (nomeadamente, sobre distribuir ou não
dividendos) servem de base à teoria da agência. A separação entre propriedade e
controlo da empresa, com os consequentes custos de delegação, por parte dos
accionistas, do poder de decisão nos gestores, pode influenciar decisivamente o
montante dos resultados a distribuir. Nas decisões sobre distribuição ou não de
dividendos, os conflitos de agência surgem, porque os accionistas preferem-nos,
enquanto que os gestores e os credores, de forma geral, preferem a retenção dos
resultados. Os primeiros actuam por aversão ao risco e os segundos pelo desejo
de aumentar as garantias patrimoniais e o montante de autofinanciamento,
melhorando a solvência e diminuindo o risco de falência.
A distribuição de dividendos pode ter um papel similar ao de outros mecanismos
de controlo da actividade dos gestores[1], segundo Rozeff, (1982) ou Holder et
al. (1998), por exemplo. Os factores utilizados para explicar a escolha dos
payoutsdas empresas são: (i) a percentagem da empresa detida por insiders,sendo
que o montante dos dividendos está negativamente relacionado com esta
percentagem; (ii) o número de accionistas, uma vez que quanto maior a dispersão
das acções, mais elevados tendem a ser os custos de agência e, portanto, o
montante dos dividendos; (iii) o crescimento da empresa, visto que o
crescimento tem relação directa com as necessidades de financiamento e, assim,
com menores montantes de dividendos distribuídos de maneira a reduzir as
necessidades de financiamento externo; (iv) o risco da empresa.
Um dos factos mais apontado na literatura, onde os dividendos e o endividamento
são cnsiderados como mecanismos para reduzir os custos de agência do capital
próprio (e em particular, o free cash-flow), é o de que os dividendos não
representam um compromisso financeiro por parte dos gestores, ao contrário do
serviço da dívida. Segundo Jensen (1986) e Ghoshen (1995), entre outros, é mais
fácil aos gestores fazerem cortes no montante dos dividendos distribuídos do
que suspender os pagamentos relativos ao endividamento da empresa. A
investigação efectuada com base nos efeitos de sinalização dos dividendos tem,
no entanto, apresentado fortes argumentos contra. Os gestores parecem
relutantes em alterar a política de dividendos, em virtude dos sinais que tais
alterações transmitem ao mercado e do seu previsível impacto na cotação das
acções.
Num mercado caracterizado por assimetrias de informação, uma variação na
política de dividendos é tida por muitos autores como uma das formas utilizadas
pelos gestores para transmitirem para o exterior essa informação marginal que
só eles possuem. Este efeito sinalizador ou “conteúdo informativo dos
dividendos”, resulta da confiança do gestor na capacidade da empresa para
sustentar um nível acrescido de cash-flow e do facto dos investidores
procurarem a melhor remuneração para o capital investido. O efeito sinalizador
incentiva políticas de distribuição estável de dividendos e desincentiva as
reduções destes, como forma de comunicar ao mercado a confiança dos gestores
numa evolução favorável da situação financeira da empresa[2].
Os estudos efectuados têm, em geral, corroborado o facto das alterações na
política de dividendos constituírem um sinal credível para os investidores,
capaz de reflectir a informação que os gestores possuem. Isto é devido
essencialmente aos elevados custos directos e indirectos que lhe estão
associados[3]. Tais custos levam os investidores a acreditarem que apenas as
empresas com fortes perspectivas futuras podem sinalizar essa sua boa forma e
que as empresas com problemas de cash flownão o podem fazer.
Bhattacharya (1979) foi um dos primeiros autores a utilizar a teoria dos sinais
para justificar o conteúdo informativo dos dividendos, considerando que os
gestores possuem um conhecimento preciso, aquando do anúncio do acréscimo de
dividendos, da qualidade do projecto, avaliada pela sua rendibilidade esperada,
enquanto que os investidores externos possuem informação imperfeita. A
superioridade da taxa de financiamento a obter, correspondente ao montante dos
dividendos anunciados não coberto pelos cash-flows gerados pelo projecto, os
custos de transacção suportados para obter o financiamento externo e o imposto
sobre os dividendos suportado pelos accionistas constituem os principais custos
de sinalização[4] que impedem as empresas de emitirem falsos sinais.
Uma outra corrente de investigação tem-se centrado na possibilidade das
alterações na política de dividendos reflectirem o desempenho financeiro da
empresa. Procura-se saber se alterações nos dividendos são precedidas ou, pelo
contrário, indicativas de alterações passadas ou futuras nos resultados obtidos
pela empresa e seus cash-flows. Nestes casos, a política de dividendos seria
consequência da evolução passada e presente dos resultados da empresa, por um
lado, ou anteciparia o desempenho desses resultados num futuro próximo, por
outro.
O ponto 2 revê alguns dos trabalhos que relacionam a temática dos dividendos
com o ciclo de vida das empresas (e as fases associadas ao mesmo) e nos pontos
seguintes descrevem-se e justificam-se as hipóteses de investigação e a
metodologia do trabalho empírico. Por fim, no ponto 6 são apresentados e
discutidos os resultados obtidos e no ponto 7 faz-se a síntese conclusiva.
2. O ciclo de vida das empresas e os dividendos
O modelo do ciclo de vida empresarial tem sido utilizado na tentativa de ajudar
a compreender o fenómeno de crescimento/desenvolvimento das empresas e suas
consequências a nível interno, ao longo do tempo e das diferentes fases, e
também para explicar as decisões financeiras das empresas. As oportunidades de
investimento, os fluxos de caixa disponíveis, os resultados obtidos, o
financiamento utilizado e os dividendos são variáveis financeiras que, entre
outras, têm sido associadas às diversas fases do ciclo de vida e às
características destas.
Alguns autores que se debruçaram sobre o estudo da política de dividendos
reconhecem a importância do ciclo de vida das organizações nessa ao utilizarem
o estado de maturidade para descrever as suas teorias. La Porta et al. (2000),
por exemplo, concluíram pela importância da fase do ciclo de vida nas
oportunidades de investimento e nas decisões sobre investimento e sobre
dividendos.
Holt (2003) concluiu que o comportamento financeiro das empresas pode ser
caracterizado em termos de um modelo de ciclo de vida: uma empresa nova e
pequena tem como finalidade investir e, excepto se as condições de mercado em
termos de crescimento e liquidez o permitirem, não tende a pagar dividendos. O
autor, tal como Alonso et al. (200) ou La Porta et al. (2000), por exemplo,
acentua a importância da variável investimento nesta relação.
Grullon et al. (2002) reconhecem a importância do ciclo de vida das
organizações na política de dividendos ao utilizarem o estado de maturidade
para descrever as suas teorias. Este trabalho tem como principal objectivo
relacionar as alterações da política de dividendos com as diversas fases do
ciclo de vida das empresa, ou seja, baseia-se na ideia de que as empresas
tendem a aumentar o seu payout à medida que se tornam mais maduras, devido à
diminuição das boas oportunidades de investimento. Assim, os autores defendem
que os aumentos nos dividendos devem estar associados a subsequentes declínios
na rendibilidade e no risco.
De acordo com a “maturity hipothesis”, na fase de crescimento a empresa tem
mais projectos com VAL positivo, maiores resultados económicos, maiores
aumentos de capital, baixo free cash-flow e taxas elevadas de crescimento dos
resultados. Depois, a empresa passa por uma fase de transição em que todas
estas variáveis tendem a declinar. Ao entrar na fase de maturidade, o retorno
dos investimentos torna-se, cada vez mais, semelhante ao custo do capital e o
free cash-flow é elevado. Nesta fase de maturidade, as empresas têm menores
opções de crescimento, que significam o declínio nas oportunidades de
investimento com elevados retornos, e assim, também, menores necessidades de
recursos. Neste contexto, o aumento dos dividendos é informativo das
oportunidades de investimento, do declínio do risco sistemático e de menores
retornos do activo e dos investimentos.
Gup e Agrrawal (1996) apontam o ciclo de vida das empresas como uma ferramenta
realista e dinâmica no estudo das políticas financeiras seguidas pelas
empresas. Segundo estes autores, este ciclo explica o comportamento financeiro
das empresas, incluindo o crescimento, o risco e o retorno do capital, conforme
o quadro 1 apresentado a seguir.
Quadro 1 – Resumo das características financeiras nas diversas fases do ciclo
de vida
Fases Fase de Fase de expansão Fase de maturidade Fase de declínio
nascimento
Variáveis
Fluxos de Negativo Positivo baixo Positivo / Aumenta Positivo / Diminui
caixa
Endividamento Baixo Aumenta Elevado Diminui
Rendibilidade Perdas Lucros Lucros (começam a diminuir)Diminuição do lucro ou
prejuízo
Investimento Elevado Moderado Reduzido Inexistente
Política de Inexistente Reduzida (com tendência para Aumenta a distribuição de Elevada até iniciar
dividendos aumentar) resultados prejuízos
Fonte: Adaptado de Gup e Agrrawall (1996)
3. Hipóteses da investigação
As hipóteses relacionadas com o ciclo de vida prevêem um determinado
comportamento da política de dividendos, consoante a fase em que a empresa se
encontra. Após uma primeira análise dos dados, e visto que a amostra em estudo
contempla muitas empresas em estádios de crescimento diferentes, mais ou menos
acelerados, optou-se por tomar como exemplo Gup e Agrrawal (1996) e utilizar as
5 fases seguintes: nascimento, expansão acelerada, expansão moderada,
maturidade e declínio. Na fase de nascimento não há lugar a dividendos, até
porque a empresa pode não apresentar resultados positivos nesta fase. Nas fases
de crescimento ou expansão, a empresa paga ainda um reduzido montante de
dividendos, embora estes tendam a aumentar entre o crescimento acelerado e o
crescimento moderado. Na fase de maturidade estes aumentam bastante, para se
manterem até declinarem, por via dos prejuízos acumulados, durante a fase de
declínio. Neste contexto, as hipóteses relacionadas com o ciclo de vida das
empresas neste trabalho empírico são as seguintes:
Hipótese_1: A política de dividendos da empresa é influenciada pela fase do
ciclo de vida em que esta se encontra, ceteris paribus.
Hipótese_2: As empresas em fase de crescimento acelerado possuem um nível de
dividendos superior ao das empresas que se encontram na fase de nascimento,
ceteris paribus.
Hipótese_3: As empresas em fase de crescimento moderado possuem um nível de
dividendos superior ao das empresas que se encontram na fase de crescimento
acelerado, ceteris paribus.
Hipótese_4: As empresas em fase de maturidade possuem um nível de dividendos
superior ao das empresas que se encontram na fase de crescimento moderado,
ceteris paribus.
Hipótese_5: As empresas em fase de declínio possuem um nível de dividendos
inferior ao das empresas que se encontram na fase de maturidade, ceteris
paribus.
As hipóteses financeiras baseiam-se na relação positiva ou negativa que as
diversas variáveis financeiras (independentes) a testar – rendibilidade,
dimensão, risco, detentores do capital, crescimento dos resultados do ano,
crescimento dos resultados no ano seguinte, investimento, endividamento,
crescimento das vendas e payoutno ano anterior – têm com a variável dependente
– dividend payout, conforme a hipótese genericamente apresentada de seguida. A
relação esperada entre as variáveis é a proposta resumidamente no quadro nº 2.
Quadro nº 2 – Relação prevista entre os dividendos e cada uma das variáveis
financeiras
HipóteseVariável Relação expectável
6 Rendibilidade +
7 Dimensão +
8 Risco / Variabilidade dos resultados -
9 Propriedade / Nº detentores do capital +
10 Crescimento dos resultados no ano +
11 Crescimento dos resultados no ano seguinte +
12 Investimento -
13 Endividamento -
14 Crescimento das vendas -
15 Dividend payout do ano anterior +
Hipótese_de_investigação_6_a_15: O nível dos dividendos distribuídos pela
empresa está positivamente / negativamente relacionado com cada uma das
variáveis, ceteris paribus.
No quadro da teoria da agência, a relação positiva entre a rendibilidade e o
nível dos resultados distribuídos justifica-se, fundamentalmente, pela
existência de elevados montantes de free cash-flow, que favorecem os potenciais
conflitos de interesses entre investidores e gestores. A distribuição desses
fundos aos accionistas serve para acalmar as tensões conflituosas que possam
existir. Em termos da informação assimétrica, diversos trabalhos apontam para o
facto dos dividendos servirem para sinalizar ao mercado excedentes de
informação detida pelos insiders sobre os resultados passados, presentes e
perspectivas futuras.
A dimensão da empresa parece ter uma relação positiva com o nível de dividendos
distribuídos pela mesma, principalmente, devido aos custos de emissão de novas
acções. Estes crescem inversamente com o tamanho da empresa.
Em relação ao risco da empresa, aqui definido como a variabilidade dos
resultados, tem sido encontrada uma relação negativa com os dividendos. A
variabilidade dos resultados da empresa está associada à probabilidade destes
serem insuficientes para fazer face aos compromissos da empresa, nomeadamente,
perante os credores. Assim, a convicção dos gestores acerca da manutenção dos
níveis de dividendos no futuro é determinante para a sua tomada de decisão
sobre acréscimos no presente, parece que a pouca consistência dos resultados
empresariais não favorece as alterações à política de dividendos.
As conclusões de estudos efectuados no âmbito da teoria da agência mostram que
os dividendos podem ter um papel importante na resolução dos conflitos de
interesses entre sócios/accionistas e gestores/administradores, mas também que
a dispersão do capital tem uma relação significativa com a política de
dividendos. Assim, este trabalho testa a premissa, comum em estudos
semelhantes, de que o número de accionistas é uma aproximação aceitável para a
dispersão do capital.
Os resultados futuros são a variável mais utilizada para estudar a sinalização
através dos dividendos. No entanto, alguns dos trabalhos efectuados no âmbito
desta teoria apontam os resultados passados e presentes, e não só os futuros,
como variável explicativa da política de dividendos, encontrando uma relação
positiva entre as variáveis. Neste estudo testa-se a hipótese de quer o
crescimento dos resultados no ano, quer o crescimento dos resultados no ano
seguinte, possam ser variáveis com poder explicativo do montante de dividendos
distribuídos pela empresa.
As oportunidades de investimento são outra das variáveis financeiras com muito
eco nos trabalhos empíricos revistos. As conclusões vão, normalmente, no
sentido da existência de uma relação significativa e negativa entre as
oportunidades de investimento das empresas e os seus dividendos. Em termos
gerais, as empresas que têm melhores oportunidades de investimento tendem a
reter resultados e a investi-los nesses projectos, o que implica menores
montantes de dividendos (e vice-versa).
A hipótese de que o endividamento influencia a distribuição de resultados da
empresa foi abordada, também, por diferentes autores que atribuem ao
endividamento uma influência negativa nos dividendos. Esta relação deve ser
consequência do aumento do risco e das maiores oportunidades de investimento
que a empresa deve enfrentar quando recorre a maior financiamento externo.
A taxa de crescimento das vendas pode ser utilizada como medida do crescimento
da empresa e, assim, como variável explicativa da política de dividendos,
esperando-se encontrar uma relação significativamente negativa entre esta
variável independente e os dividendos justificada, em grande parte, pelo
aumento do investimento em fases de expansão da actividade empresarial.
Alguns estudos concluem que a política de dividendos tende a seguir o nível dos
resultados distribuídos nos últimos anos, nomeadamente, no ano imediatamente
anterior (em especial estudos efectuados nos países europeus). Assim, testa-se
neste trabalho a hipótese de a variável dividend payout do ano corrente poder
ser explicada pelo dividend payout do ano imediatamente anterior.
4. Metodologia de trabalho
A base de dados internacional WorldScope Global Database, que apresenta
informação económica e financeira de empresas de todo o mundo, é a fonte
secundária dos dados empresariais utilizados neste trabalho, que tem como ano
base do estudo 1996. Dos 15 países da União Europeia à data, seleccionaram-se
as empresas activas e que incluíam a informação necessária ao estudo, ficando a
amostra reduzida a 6 países. Seguidamente, optou-se por utilizar apenas os
dados das empresas cujo dividend payout era positivo mas menor ou igual à
unidade, ou seja, empresas que apresentavam resultados líquidos positivos e
distribuição de dividendos com um valor igual ou inferior ao dos resultados
obtidos (considerando-se esta uma situação mais normal dado que estas empresas
correspondiam a 72% do total dos casos). A amostra ficou assim em 517 empresas
alemãs, dinamarquesas, finlandesas, italianas, suecas e inglesas, cuja
repartição é a que se apresenta no gráfico nº 1.
Gráfico nº 1 – Nacionalidades das empresas da amostra
Relativamente às empresas da amostra por fase do ciclo de vida em que cada uma
se encontra, a distribuição é a constante no gráfico nº2.
Gráfico nº 2 – Empresas por fase do ciclo de vida na amostra
A fase do ciclo de vida em que cada empresa se encontra[5] foi introduzida no
estudo sob a forma de variáveis binárias ou dummy, sendo:
D1' - Empresa em fase de nascimento;
D2 - Empresa em fase de crescimento acelerado;
D3 - Empresa em fase de crescimento moderado;
D4 - Empresa na fase de maturidade.
As empresas que se encontrem na fase de declínio apresentam o valor zero em
todas as variáveis.
Tanto a variável dependente (ou a explicar) como as variáveis financeiras
independentes são variáveis métricas ou quantitativas, associadas a valores ou
a rácios contabilístico-financeiros. Estas são apresentadas a seguir no quadro
nº 3.
Quadro nº 3 – Definição operacional das variáveis métricas
A diferente influência das variáveis financeiras nas diversas fases do ciclo de
vida parece evidente e tem sido abordada nos diversos trabalhos que incluem o
ciclo de vida da empresa como factor justificativo da política de dividendos
seguida. Assim, como proposto por Pinto (1997), testam-se as diversas variáveis
para efeitos cruzados resultantes da interacção entre 10 variáveis explicativas
quantitativas e 4 variáveis explicativas binárias[6].
O modelo de regressão linear múltipla (MRLM) é um caso particular de análise de
regressão em que a relação entre as variáveis é linear, que é a técnica mais
utilizada neste tipo de trabalhos na área de estudos das Finanças Empresariais
quando se tenta medir a relação entre variáveis. Neste âmbito, testa-se o poder
explicativo de todas as variáveis incluídas: as 10 variáveis económico-
financeiras, as variáveis binárias relativas às 5 fases do ciclo de vida e as
variáveis para medir efeitos cruzados entre as anteriores. O modelo final
incluirá apenas as variáveis independentes que se apresentem estatisticamente
significativas e, portanto, explicativas do nível do payoutda empresa.
O método dos mínimos quadrados é o utilizado para estimar os parâmetros do
modelo. Este método estatístico para a estimação dos valores β exige que: 1) os
erros sejam aleatórios, independentes e com distribuição Normal de média zero e
variância constante; 2) a variância de Y seja constante ao longo dos X
(homocedasticidade); 3) as variáveis independentes não estejam correlacionadas
(sejam ortogonais) ou que a correlação existente seja fraca. Foram efectuados
os testes aos pressupostos (incluindo a análise dos resíduos) e à má
especificação do modelo.
5. Resultados obtidos
Numa primeira análise dos dados, a variável a explicar mostrava ter valores
substancialmente diferentes entre as empresas dos vários países da amostra,
conforme se pode ver no gráfico nº 3, que apresenta as médias e as medianas do
dividend payout por país. Seguindo a linha de outros trabalhos (como Vieira e
Raposo (2007), por exemplo) que tentaram encontrar diferenças entre a política
de dividendos de vários países da Europa, introduziu-se então, como variáveis
explicativas, variáveis binárias relativas às 5 sub-amostras aqui estudadas.
Pretendeu-se, assim, diferenciar os resultados obtidos em termos de país de
origem das empresas em causa.
Gráfico nº 3 – Valores médios e mediano da variável dependente por país
Os resultados obtidos, apresentados no quadro nº 4, mostram que, das 10
variáveis financeiras propostas como explicativas do nível dos dividendos das
empresas, somente 6 delas são estatisticamente significativas. Neste contexto,
a rendibilidade, o crescimento dos resultados no período, o investimento, o
endividamento, o crescimento das vendas e o dividend payout de 1995 (ano
anterior) são variáveis explicativas da variável dependente (ou dividend
payout).
Quadro nº 4 – Variáveis propostas com poder explicativo[7]
Coeficiente de determinação R2=
0,868
Variáveis Coeficiente (β) Significância
Rendibilidade -0,513 0,000
Crescimento dos resultados -0,028 0,004
Investimento -0,005 0,103
Endividamento -0,006 0,817
Crescimento das vendas 0,251 0,000
Dividend 1995 0,021 0,215
Reino Unido 0,048 0,045
Dinamarca / Finlândia -0,173 0,000
Suécia -0,105 0,000
Fase 1 (Nascimento) 1,121 0,000
Fase1 dimensão -0,034 0,011
Fase1 crescimento dos resultados -0,026 0,171
Fase1 investimento -0,030 0,002
Fase 1 crescimento das vendas -0,475 0,000
Fase1 dividend 95 0,065 0,008
Fase2 risco -1,299 0,000
Fase2 crescimento dos resultados -0,241 0,000
Fase2 investimento 0,031 0,000
Fase2 endividamento -0,106 0,001
Fase2 dividend 95 0,380 0,000
Fase3 investimento 0,004 0,239
Relativamente às variáveis dummy representativas da fase do ciclo de vida em
que cada empresa da amostra se encontrava, apenas a fase nascimento tem poder
explicativo e apresenta um coeficiente positivo, contrariamente ao que se
previa inicialmente. Os diversos países integrantes da amostra mostram também
diferenças significativas, sendo que as empresas do Reino Unido são as que
apresentam maior distribuição de resultados e os menores valores são referentes
aos países do Norte da Europa: Suécia e Dinamarca e Finlândia (tal como se
podia ver no gráfico nº3).
Os resultados permitem, então, diferenciar as equações da regressão para cada
um dos países, nomeadamente, pelo valor da variável binária relativa ao país de
origem que assume o valor da ordenada na origem.
Assim, para a Alemanha e Itália ficaria:
Enquanto que para o Reino Unido ter-se-ia:
Para a Dinamarca / Finlândia seria:
E para a Suécia:
Os resultados apresentados rejeitam as hipóteses 2, 3, 4 e 5 relativas ao ciclo
de vida e que previam que as empresas pagavam tanto mais dividendos quanto mais
passavam pelas diversas fases do ciclo de vida até à maturidade, até entrarem
em declínio até deixarem de os pagar, como foi proposto por Grullon et al.
(2002) com a maturity hipothesis. Pelo contrário, os resultados mostram a fase
de nascimento como a fase em que, possivelmente, as empresas pagam mais
dividendos[8] (já que a variável relativa à fase 1 é a única a entrar na
regressão e tem um coeficiente positivo). A hipótese 1, que previa a influência
do ciclo de vida organizacional na política empresarial de dividendos, é também
rejeitada, uma vez que as fases, por si só, não explicam o payout.No entanto,
quando estas estão em presença de determinadas condições, nomeadamente
financeiras, já o explicam, pelo menos em parte, como evidenciam as variáveis
que medem efeitos cruzados e que entraram nas regressões encontradas para cada
país.
A hipótese 6 relativa à rendibilidade é rejeitada, uma vez que se previa uma
relação positiva desta com a variável dependente, hipótese apoiada nas teorias
da agência e da informação assimétrica e sinalização, e a relação encontrada,
segundo os resultados da regressão em duas fases, é negativa. Eventualmente, a
explicação poderá estar relacionada com o investimento efectuado, ou seja,
maiores níveis de rendibilidade estão muitas vezes associados a maiores níveis
de investimento e, assim, a menos resultados distribuídos.
Relativamente às hipóteses 7, 8 e 9, associadas a relações positivas da
dimensão e do número de investidores com os dividendos e negativa da
variabilidade das vendas (risco) com os mesmos, estas são rejeitadas por não
ter sido encontrado significância estatística destas variáveis no modelo
encontrado. No entanto, alguns efeitos foram encontrados como aquele que a
variável dimensão associada à primeira fase do ciclo de vida (nascimento)
empresarial tem nos dividendos, ou o do risco associado à fase 2 (crescimento
acelerado). O número de investidores é uma das variáveis mais usadas e aceites
pelos diversos estudos relativos às políticas de dividendos das empresas
europeias. Assim, Bancel et al. (2009), por exemplo, concluíram, de acordo com
a teoria da agência, que os dividendos pagos pelas empresas da UE dependiam do
nível de concentração dos investidores. No entanto, outros autores encontraram
uma relação não linear entre as duas variáveis e que depende, não só da
concentração da propriedade, mas também das características dos accionistas,
com base no comportamento de empresas sedeadas no Reino Unido.
Relativamente à associação encontrada entre o crescimento dos resultados no
exercício e o nível dos dividendos pagos pelas empresas, esta é de sinal
negativo ao contrário do que previa a hipótese 10, proposta pela teoria da
sinalização, com um comportamento possivelmente idêntico ao da variável
rendibilidade. Assim, esta variável associada às fases 1 e 2 do ciclo de vida
tem um efeito negativo na distribuição de resultados por parte da empresa.
O crescimento dos resultados no ano seguinte (1997), que também segundo a
teoria da sinalização, teria uma relação positiva com os dividendos pagos no
exercício, corroborada por trabalhos como o de Goergen et al.(2009), não
apresentou, neste estudo, evidência de explicarem a variável dependente.
As variáveis financeiras relativas ao investimento, ao endividamento, ao
crescimento das vendas no exercício e ao nível dos dividendos do ano anterior
(dividend95) mostraram ser estatisticamente significativas no modelo
explicativo dos dividendos para as empresas dos 6 países da amostra. No
entanto, as variáveis endividamento e crescimento das vendas apresentam neste
trabalho uma relação positiva com os dividendos, contrariamente ao previsto nas
hipóteses 13 e 14. Conforme a hipótese 12, baseada em conclusões como as do
estudo de Gul (1999), o investimento mostrou ter uma associação negativa
significativa com a variável dependente, enquanto que o payout relativo a 1995,
também de acordo com a hipótese 15, evidencia uma associação positiva com a
mesma. De salientar que, no que se refere a estudos tendo por base empresas
europeias, esta relação é especialmente significativa para países como a
Alemanha e a Itália como concluem Bancel et al. (2009).
Em relação aos efeitos cruzados encontrou-se, também, relação entre os
dividendos e o investimento consoante a fase do ciclo de vida em que a empresa
se encontra. Assim, na fase 1 o investimento tem efeito negativo e nas fases 2
e 3 este tem efeito positivo sobre a política de distribuição de resultados (na
última o efeito é, contudo, inferior).
Também outras variáveis financeiras apresentam efeitos cruzados com a fase do
ciclo de vida em que determinada empresa se encontra. Assim, o endividamento,
conjugado com a situação da empresa na fase 2, apresenta relação negativa com a
variável dependente, enquanto que na fase 1, o crescimento das vendas está
negativamente relacionado com a política de dividendos. O dividend payout
relativo ao ano anterior, associado às fases 1 ou 2, tem efeito positivo nos
dividendos do exercício (sendo este efeito maior no caso da fase 2).
Tendo em conta as equações encontradas por país de origem das empresas da
amostra, pode-se observar que o Reino Unido apresenta, tendencialmente, uma
política de dividendos mais generosa, seguida da Alemanha e da Itália, com o
mesmo tipo de dividend payout, e por fim, os países do norte da Europa como a
Dinamarca, a Finlândia e a Suécia. Destes, o conjunto da Dinamarca e da
Finlândia é o que apresenta uma política de dividendos mais restritiva, tendo
por base o valor da ordenada na origem e que é o factor distintivo das equações
apresentadas. Se, por um lado, era previsível que o Reino Unido apresentasse
níveis de dividendos mais elevados, conforme conclusões do trabalho efectuado
por Eije e Megginson (2006), relativamente aos países da Europa continental
[como também foi referido por La Porta et al. (2000)], por outro, as conclusões
relativas aos países escandinavos não estão totalmente de acordo com o
esperado, uma vez que, segundo os mesmos autores, as empresas dos países da
zona euro são as que pagam menores dividendos, em relação a empresas como as
inglesas, suecas ou dinamarquesas, por exemplo[9].
A ideia geralmente aceite de que os dividendos se concentram, cada vez mais, em
empresas grandes, muito rentáveis e com poucas oportunidades de investimento
não é comprovada pelos resultados deste trabalho. Aliás, nas conclusões do seu
trabalho, Dennis e Osobov (2008) ligaram a confirmação desta hipótese, através
dos resultados obtidos, com a teoria do ciclo de vida empresarial (e com a free
cash-flow hipothesis). Assim, as empresas de maior dimensão, mais rentáveis,
com baixo nível de investimento e com mais free cah-flow seriam as mais maduras
e as que, portanto, pagariam os dividendos mais elevados. Do presente estudo
apenas se pode concluir que, em determinadas condições, algumas fases do ciclo
de vida das empresas podem ter alguma influência na política de dividendos das
mesmas.
6. Síntese conclusiva e considerações finais
Com este trabalho pretendeu-se testar o poder explicativo da fase do ciclo de
vida da empresa e dos principais determinantes financeiros da política de
dividendos apontados, essencialmente, por estudos efectuados no âmbito das
teorias da agência e da informação assimétrica e sinalização. Assim, para além
do perfil do comportamento dos dividendos ao longo da vida da empresa, a
rendibilidade, a dimensão, a variabilidade das vendas, o número de
investidores, o crescimento dos resultados no presente e no ano seguinte, o
investimento, o endividamento, o crescimento das vendas ou o payout do ano
anterior, foram testados como explicativos da política de dividendos. Este
estudo, tal como tem vindo a ser cada vez mais frequente nos últimos anos,
baseou-se também na informação relativa a empresas europeias, utilizando uma
amostra de 517 empresas alemãs, dinamarquesas, finlandesas, inglesas, italianas
e suecas.
As conclusões rejeitam as hipóteses relativas ao ciclo de vida da empresa, isto
é, os resultados mostram que a fase em que a empresa se encontra não explica a
sua política de dividendos. No entanto, esta em conjugação com algumas
variáveis financeiras (variáveis para medir efeitos cruzados) parecem ter poder
explicativo do payout. Algumas variáveis financeiras aparecem aqui por si só
explicativas do payout para todos os países do estudo: rendibilidade,
crescimento dos resultados, investimento, endividamento, crescimento das
vendas, e payout relativo ao ano anterior. No entanto, apenas as relações
negativas encontradas entre o investimento e o endividamento e positiva entre o
dividend payoutdo ano anterior, por um lado, e a variável dependente ou
dividend payout, por outro, estiveram de acordo com as hipóteses previamente
enunciadas.
Durante a realização do presente estudo, algumas limitações surgiram sem
possibilidade de serem ultrapassadas. Assim, algumas variáveis a testar não
puderam ser operacionalizadas (uma vez que algumas informações não foram
possíveis de obter, já, como por exemplo, os dados relativos aos gestores /
administradores das empresas), algumas observações foram retiradas da amostra
por existirem dados incompletos (o que levou a incluir apenas empresas de 6
países europeus), a utilização de dados de natureza seccional limitou o âmbito
da análise (uma vez que a utilização simultânea de dados de natureza
cronológica e seccional permitiria outras abordagens e conclusões
enriquecidas), entre outras. Para trabalhos futuros pretende-se, assim, tentar
colmatar as limitações referidas, através de um maior número de variáveis
explicativas, utilizando observações de um maior número de países para que seja
possível estabelecer comparações e criar um modelo que possa cruzar dados de
natureza cronológica e seccional.