A internet em McLuhan, Baudrillard e Habermas
1. Introdução
Jürgen Habermas, Jean Baudrillard e Marshal McLuhan são três dos mais
importantes teóricos da comunicação contemporâneos. Todos eles têm quadros de
referência analítica abrangentes que permitem enquadrar a maior parte das
facetas da comunicação e das suas implicações e manifestações sociais. Não
abordam apenas uma faceta da comunicação. Construíram - qualquer deles - um
conjunto complexo de conceitos inter-relacionados que permitem enquadrar a
maior parte das manifestações concretas das formas de comunicação em sociedade.
Tanto Habermas como Baudrillard e McLuhan construíram as suas teses complexas
antes da criação, desenvolvimento e generalização world wide web. Talvez seja
por isso pertinente perguntar: 1) Como é que a comunicação em rede que hoje
conhecemos se inscreve no complexo teórico de Habermas, Baudrillard e McLuhan?
2) Como é que os seus seguidores combinam as suas teses com os mais recentes
desenvolvimentos observados? 3) Como é que os próprios reagem ou reagiram à
internet, se é que existe registo histórico dessa reacção?
É isso que pretendemos fazer neste trabalho, o qual será, por isso mesmo, de
uma dupla natureza. Por um lado, será sobretudo teórico, identificando as teses
principais dos três autores e a forma como a moderna comunicação em rede
(Castells, 2009, p.8), se pode ou não inscrever nelas, seja segundo os próprios
seja segundo os seus seguidores e continuadores. Mas, por outro lado, será
também pontualmente histórico quando tentar recuperar registos de reacções
pessoais de Habermas, Baudrillard ou McLuhan às novas tecnologias de
comunicação, à internet e/ou a eventos despoletados por ambas.
A hipótese subjacente a esta análise é de que a magnitude das transformações
operadas pela comunicação em rede desafia até as mais bem estabelecidas e
sedimentadas formulações teóricas globais sobre comunicação. E que isso se
apresenta como mais um argumento para sustentar a tese de que a emergência da
comunicação em rede através da internet é em si mesma um elemento desregulador
com consequências massivas a todos os níveis da organização social, económica e
política.
2. Mashal McLuhan: a internet vista ao retrovisor
Marshal McLuhan nasceu em 1911 e publicou obras sobre teoria de comunicação
durante um período de mais de 40 anos, até à sua morte em 1980. Os seus
trabalhos mais importantes - The Mechanical Bride, The Gutenberg Galaxy e
Understanding Media (Marchessault, 2005, p. xv-xvi) - datam de 1951, 1962 e
1964, respectivamente. Por essa altura, McLuhan tinha já sedimentado o
essencial das suas ideias sobre a evolução dos media, bebendo sobretudo dos
ensinamentos de Harold Innis e Eric Havelock.
As teses de McLhuan sobre os media são holísticas - procuram explicar todos os
fenómenos mediáticos desde a primeira produção comunicativa registada entre
seres humanos - e são determinísticas, no sentido em que fazem depender o
fenómeno em estudo de um só factor dominante - neste caso a tecnologia. Por
isso, as teses de McLuhan não só traçam uma linha de causalidade que nos trouxe
do passado até ao presente, como permitem projectar essa linha no futuro. Ou
seja, como todas as teses determinísticas, o futuro será necessariamente a
continuação do presente segundo a linha traçada desde o passado. Por isso,
embora Marshal McLuhan não tivesse conhecido a internet e tivesse morrido antes
da criação da world wide web, é possível analisar as suas teses principais à
luz dos desenvolvimentos actuais das tecnologias de comunicação e informação e
dos usos sociais que delas são feitos, quer relendo as suas obras mais
importantes, quer usando como retrovisor teórico a leitura que destes temas é
feita pelos seus continuadores e seguidores.
Como foi salientado por vários autores por altura do centenário do seu
nascimento, em 2011, embora Marshal McLuhan tenha falecido no limiar da
revolução do computador pessoal, que havia de mudar o nosso mundo (Levinson,
1999, p.16), muitas das suas teses sobre comunicação parecem talhadas para
explicar o mundo de hoje. Kevin Kelly, por exemplo, é citado na contracapa do
livro de Paul Levinson afirmando que Toda a gente achava que McLuhan estava a
falar da televisão, mas na verdade aquilo de que ele estava a falar era
dainternet (Levinson, 1999, contracapa). Sendo uma formulação analítica de
muito grande envergadura, a teoria dos media e da comunicação de Marshal
McLuhan oferece um vasto campo de conceitos nos quais podemos pegar para os
cotejar com o que é hoje a realidade da comunicação na era dainternet. E o
primeiro desses conceitos é o já famoso the media is the message (o meio é a
mensagem). Para Marshal McLuhan, o meio é a mensagem não só porque as
características do meio - quente ou frio - tendem a determinar o tipo de
envolvimento que os destinatários estabelecem com ele; mas - sobretudo - porque
em McLuhan o meio é uma extensão do aparelho sensorial e do sistema nervoso
central do ser humano. E é por essa razão que nos condiciona como indivíduos e
como sociedade. Para McLuhan, é esse efeito que importa, muito mais que
qualquer efeito que possamos atribuir à mensagem que o meio veicula.
Obviamente, considerando a primeira das duas acepções acima, uma emissão de
televisão, um trecho de rádio ou um texto escrito terão as mesmas
características quando vistos, ouvidos ou lidos num monitor de um computador
ligado à internet do que teriam no aparelho original para o qual foram
concebidos. O que verdadeiramente existe aqui de novo - e que se liga com o que
McLuhan deixou subentendido nos seus escritos - é o computador visto como uma
extensão do sistema nervoso central, não só coordenando as extensões sensoriais
que são a nossa utilização dos diversos media como, ainda mais importante,
introduzindo o conceito de extensão de consciência (McLuhan, 1964, p.73).
Devemos perceber, comparando as cronologias de desenvolvimento das tecnologias
de comunicação e das teorias de McLuhan sobre os media, que o académico
canadiano nunca conheceu a internet, mas viveu a tempo de conhecer e perceber
as implicações que o computador poderia ter nos media da época. Aliás,
conjugando os media como extensões da nossa sensibilidade e o computador como
extensão do nosso sistema nervoso central, Derrick de Kerkhove, num dos muito
eventos evocativos realizados em 2011, citou o próprio McLuhan em
Understanding Media (1962) com chamadas de atenção numéricas, para ilustrar o
carácter premonitório de vários pontos da sua análise face à realidade dos
nossos dias: The next medium, whatever it is (1) it may be the extension of
consciousness, (2) will include television as it's content, not as its
environment, and (3) will transform television into an art form.A computer as
(4) a research and communication instrument could (5) enhance retrieval, (6)
obsolesce mass library organization, (7) retrieve individual's encyclopedic
function and flip into (8) a private line to (9) speedly tailored data of (10)
a saleable kind.(Marshal McLuhan, citado por Derrick de Kerkhove, em
Ciastellardi, 2011, p.10). Num parágrafo como este temos a conjugação dos
vários media como extensões do sistema sensorial humano e do computador como
extensão do sistema nervoso central actuando num modelo global de comunicação
conjugável com as formas como a comunicação se materializa na prática hoje em
dia.
Um segundo conceito central nas teses de McLuhan é o conceito de aldeia global.
Recorde-se que, para McLuhan, o passado tribal do ser humano era vivido em
aldeias nas quais a comunicação era oral e todos os assuntos da aldeia
interessavam a todos os elementos da tribo. Antes da invenção da imprensa e da
passagem para um estado de comunicação literária, predominantemente escrita, em
que os campos de intervenção se especializaram. Mas, nos tempos modernos,
citando o próprio McLuhan, the electro-magnetic discoveries have recreated the
simultaneous ´field´ in all human affairs so that the human family now exists
under conditions of a ´global village´. We live in a single constricted space
resonant with tribal drums (McLuhan, 1962, p.31). Ou seja, os novos media
electrónicos não só mudaram o paradigma de comunicação (de escrito para oral)
como uniram todo o planeta numa aldeia única. Ora, se isso era já aparente no
tempo de McLuhan, sobretudo com a rádio e a televisão (descendentes directos do
telégrafo, que foi o primeiro dos media eléctricos) tornou-se ainda mais
manifesto nos tempos que correm, com o alcance global da internet e com o facto
de ela permitir combinar o efeito unificador dos eventos de carácter global com
a interacção com todos os membros da tribo electrónica em simultâneo e no
contexto desse evento. Aliás, há autores que levam ainda mais longe esta
leitura de McLuhan (como Walter Ong e Eric Havelock, por exemplo), que derivam
da oposição entre culturas orais e culturas escritas a hipótese de uma maior
capacidade de empatia dos seres humanos que tenderia a evoluir para uma
consciência global à escala humana (Rifkin, 2009, p.204-212). Aliás, o próprio
McLuhan o formula como pergunta em Understading Media: (...) might not our
current translation of our entire lives into the spiritual form of information
seem to make of the entire globe, and of the human family, a single
consciousness? (McLuhan, 1964, p. 73). Obviamente, estas extensões do
pensamento de Marshal McLuhan - que terminam frequentemente em utopias ou
distopias - são decorrências lógicas de uma abordagem simultaneamente holística
e determinística. De qualquer forma, a maneira como socialmente usamos a
comunicação na era da internet parece concluir e confirmar esta abordagem de
McLuhan relativa à aldeia global.
Como já aflorámos acima, Marshal McLuhan também dividiu os media do seu tempo
em cool ou hot. Para McLuhan eram cool ou frios os media que faziam a
extensão de um dos sentidos humanos em alta definição e portanto exigiam
pouco envolvimento por parte do destinatário; e eram hot ou quentes os
media que faziam a mesma extensão de um dos sentidos humanos, mas em baixa
definição, obrigando por isso a um maior envolvimento por parte do destinatário
(McLuhan, 1964, p.30-31). Ou seja, os media cool tendem a gerar uma maior
participação da audiência que os media hot. Por outro lado, Marshal nMcLuhan
também traçou uma história dos alfabetos humanos desde os ideográficos aos
fonéticos, identificando nesse processo um aumento de temperatura do media.
Ou seja, as escritas ideográficas eram um media frio porque exigiam grande
interpretação e desconstrução por parte do destinatário e as escritas
alfabéticas, pelo contrário, eram um media quente porque se impõem ao
destinatário sem necessidade de serem completados pelo destinatário e portanto
suscitando um menor grau de envolvimento (McLuhan, 1964, p.94-95).
Ora, Marshal McLuhan não chegou a conhecer a internet e portanto não podemos
adivinhar se a teria considerado, de per se, um media frio ou quente (ou sequer
um media, já agora). Até porque a própria internet evoluiu de ser inicialmente
apenas um sustentáculo para informações veiculadas por texto escrito em forma
electrónica para ser hoje uma plataforma onde se conjugam todos os media
tradicionais: som, imagem em movimento, grafismos e texto escrito. Paul
Levinson, por exemplo, considera que a comunicação online é, sob qualquer
perspectiva, o meio mais interactivo da história e que a internet conjuga em si
dois media frios - o telefone e a televisão - e um media quente - o livro/
texto - aqui tornado mais frio pela sua natureza electrónica (Levinson, 1999,
p.114). O resultado é um media que suscita um alto envolvimento, não só por
essas suas características como também por permitir facilmente ligações entre
conteúdos muito diversos em locais distantes. Para Neil Postman, pelo
contrário, um computador ligado à internet é em tudo semelhante a uma televisão
em termos de ligação com a audiência, suscitando portanto o mesmo tipo de
consequências sociais alienadoras (Postman, 1992, pp.118-120). Para Derrick de
Kerkhove, como já vimos acima, a internet, mais do que um media, é um cérebro
colectivo com capacidade computacional inédita, conjugando milhões de
processadores em todo o mundo e acesso ilimitado a gigantescos bancos de
memória (De Kerckhove, 1997, p.54-55). É portanto muito mais do que apenas um
media.
Ou seja, o que parece mais seguro concluir da conjugação destas perspectivas é
que McLuhan percebeu, já no seu tempo, o potencial do computador, mas não
poderia antecipar a forma como ele seria utilizado para tornar exponenciais as
ligações entre diferentes media e, sobretudo, entre todos os indivíduos. Numa
palavra, não poderia adivinhar a arquitectura em rede que o computador ligado à
internet colocaria ao dispor dos utilizadores e que viria a influenciar a forma
como estes combinam e recombinam a informação, incluindo a originária dos media
tradicionais. E, como é evidente, não estamos aqui perante uma questão menor,
mas sim perante a evolução da organização básica do tecido social do ponto de
vista do fluxo de comunicação entre as suas diversas células. Ou seja, a visão
futurista de McLuhan gerada pela sua crença no determinismo tecnológico falhou
num ponto essencial: projectou uma evolução tecnológica correcta mas numa
ligação tradicional entre os media e os consumidores de media, quando, na
verdade, a internet evoluiu, até por razões subjectivas, para uma arquitectura
em rede. O que significa que se aplica aqui o conceito de domesticação
introduzido por Silverstone (2003): a tecnologia que tornou possível a internet
foi apropriada pelos indivíduos e integrada nos seus fluxos de uma forma que
não era necessariamente aquela que era imposta pela própria tecnologia.
Na esteira de McLuhan, Neil Postman foi o grande crítico daquilo que, nas suas
teses e nas de McLuhan, era o caminho imposto pela evolução tecnológica à
função social da informação. Primeiro com Amusing ourselves to death (2006),
com uma crítica à influência do entretenimento televisivo na cultura e
sociedade; e depois com Informing ourselves to death, um conceito introduzido
num discurso de 1990 e seguido no livro Technopoly: The Surrender of our
Culture to Technology (1992), o qual afirma que a tecnologia multiplica
exponencialmente a abundância de informação e com isso dilui as referências dos
indivíduos e corta a ligação entre a informação e a sua função, instituindo o
caos. Uma visão obviamente alarmista, mas não menos determinística que a de
McLuhan. Pegando no conceito anterior de Silverstone, diríamos que a tecnologia
- neste caso as tecnologias de informação que permitem aumentar
exponencialmente a abundância de informação - ainda estão a ser domesticadas e
apropriadas pelos usos específicos de cada contexto social, económico e outros.
3. Jean Baudrillard: a grande alucinação colectiva
Jean Baudrillard escreveu abundantemente entre 1968 e 2010. Tal como em McLuhan
e Habermas, teses de Baudrillard sobre comunicação fazem parte - determinante -
de uma visão geral da sociedade. Começou por teorizar sobre a comunicação como
um complemento do modo de produção capitalista (a crítica da economia política
do signo como complemento da crítica da economia política), mas
progressivamente começou a tomar as suas reflexões como uma base para uma nova
- e autónoma - teoria crítica da sociedade (Baudrillard, 1988, pp.3-4).
Segundo Baudrillard, nós consumimos os produtos como produtos e consumimos o
seu significado através da publicidade (Baudrillard, 1988, p.10), o que
significa que os objectos se constituem como um sistema dentro do domínio do
consumo, o sistema dos objectos que serviu de título ao seu primeiro livro.
Para ele, da moralidade puritana dominante nas sociedades tradicionais tínhamos
passando a uma moralidade predominantemente hedonística nas sociedades modernas
(Baudrillard, 1988, p.11). Sob a égide do consumo, os objectos adquirem
personalidade própria e relacionam-se entre si e com o sujeito mediante uma
linguagem complexa de signos e significados sociais. No âmbito dessas relações
desenvolve-se um código de standing, de reconhecimento de estatutos sociais
(Baudrillard, 1988, p.17) que funciona como uma forma de socialização, a nova
forma de socialização das sociedades modernas. É no entanto - uma tese que será
central em Baudrillard - um código de falsas relações sociais, por detrás do
qual as verdadeiras estruturas de produção e correspondentes relações socias -
da doutrina marxista - permanecem ilegíveis (Baudrillard, 1988, p21).
Baudrillard identificou nos objectos uma lógica funcional do valor de uso, uma
lógica económica do valor de troca, uma lógica diferencial do valor de signo e,
sobretudo, uma lógica de troca simbólica (Habermas, 1988, p.57). Para este
pensador francês, as teses anteriores tinham já abordado os objectos - em
conjunto ou separadamente - nas três primeiras acepções - mas não na quarta,
que para ele era a mais importante e subsumia as restantes. Instituíam-se
portanto, três ordens sociais: a ordem da produção, a ordem do consumo e e
ordem da significação (Baudrillard, 1988, p.103). A ordem da significação é
aquela estruturação da sociedade onde se produzem os simulacros e simulações, o
principal contributo teórico de Baudrillard para a história das teorias da
comunicação.
Para Baudrillard, a imitação era o esquema de significação dominante na época
clássica, da Renascença à Revolução Industrial; a produção era o esquema
dominante na época industrial; e a simulação é o esquema de significação
dominante no nosso tempo (Baudrillard, 1988, p.135). É por meio de simulacros e
simulações que se estabelece uma espécie de hiper-realidade que não existe
senão no reino da simulação e cuja função - mais que efeito - é precisamente
ocultar a realidade (Baudrillard, 1998, p.146). Ou seja, a própria realidade é
hiper-realista e vivemos todos numa espécie de alucinação colectiva. Para
Baudrillard, podemos ver por todo o lado o mesmo genesis de simulacra: a
comutação inconsequente e insignificante entre o feio e o bonito na moda, entre
a esquerda e a direita na política, entre verdadeiro e falso nos media e entre
útil e inútil ao nível dos objectos (Baudriillard, 1998, p.128). Em todas essas
manifestações, o que a hiper-realidade mostra não é algo diferente da
realidade; é a própria ausência da realidade (Baudrillard, 1998, p.167-168). O
próprio Baudrillard dá exemplos do universo comunicativo para explicar como a
articulação de simulacros na hiper-realidade dos nossos dias oculta a própria
realidade, nomeadamente a Disneylândia, onde os imaginários não são na verdade
verdadeiros nem falsos (Baudrillad, 1998, p. 172) e o caso Watergate, que na
verdade não é um escândalo mas sim uma dissimulação destinada a esconder algo
(Baudrillard, 1998, p.173). Resta saber se a propagação destas simulações e
simulacros com a distribuição de informação na idade da internet e na sociedade
em rede na qual hoje vivemos serve para desmascarar ou para reforçar as
simulações, e portanto para reforçar e amplificar a hiper-realidade de
Baudrillard ou, pelo contrário, para desconstruir e denunciar essas simulações
da realidade e atingir a verdade. O que, a acontecer, aconteceria portanto já
num mundo diferente daquele que foi pensado por Baudrillard.
Segundo Baudrillard, até hoje houve duas grandes versões na análise dos media -
uma optimista e outra pessimista - sendo que a primeira se divide em duas
tonalidades: a primeira, tecnológica, é corporizada por Marshal McLuhan; a
segunda, ideológica, dialéctica e progressista no sentido marxista, foi
elaborada por vários autores, entre eles Hans Enzensberger, com o seu ensaio
Constituents od a Theory of Media (1970. Foi em oposição a esta visão que
Baudrillard escreveu o seu ensaio Requiem pelos media (1972), publicado como
um capítulo do livro Para uma Crítica da Economia Política do Signo (1981).
Ambos os ensaios fazem parte da antologia The New Media Reader citada na
bibliografia.
Para Baudrillard os mass media fabricam incomunicação, isto se aceitarmos que
a definição de comunicação implica uma troca, como um espaço recíproco de
discurso e resposta, e portanto também de responsabilidade (Baudrillard, 1998,
p207). Ou seja, os mass media fazem precisamente o contrário disso e, quando
muito, encenam simulações de resposta perfeitamente integradas no processo de
emissão e que em nada alteram a unilateralidade da comunicação.
Baudrillard identifica a evolução dos tipos de comunicação até ao mundo do
digital que nos rodeia hoje em dia (Baudrillard, 1998, p.143), mas não especula
sobre o efeito que os códigos binários poderão ter na computação e na internet.
O que afirma é que a sobreabundância de informação que caracteriza o nosso
tempo não reduz a incerteza. Pelo contrário, essa sobreabundância reforça a
própria incerteza e o campo do jogo de sombras onde se manifestam os simulacros
e simulações da hiper-realidade moderna (Baudrillard, 1998, 219-211). Os
eventos são encenados em múltiplos ecrãs que não são já apenas o ecrã da
televisão, mas sim os vários ecrãs da informação, esfera da informação, como
também lhe chama. No entanto, a simulação e a ausência encenada são as mesmas
em todos eles (Baudrillard, 1998, pp.213-214).
Mark Poster refere uma entrevista de Baudrillard na qual o teórico francês
confessava que continuava a usar a máquina de escrever, com cujas letras
impressas podia manter uma relação directa, pessoal e material. Com o ecrã,
isso não era possível. Ou seja, o ecrã - como todos os ecrãs em Baudrillard,
recorde-se - é um elemento de simulacro e simulação. Enquanto na máquina de
escrever continua a haver uma relação sujeito-objecto, no ecrã do computador,
segundo Baudrillard - interpretado por Poster - o sujeito tem que entrar no
ecrã, tem que se diluir nele para interagir com o conteúdo que está dentro do
ecrã (Poster, 2001, p.114). Esse é o poder sedutor que todos os ecrãs têm e que
Baudrillard atribuía por igual aos ecrãs da televisão ou aos ecrãs dos
computadores.
Nessa entrevista, Baudrillard respondeu o seguinte sobre qual era, do seu ponto
de vista, o potencial alcance das novas tecnologias:
I don't know much about this subject. I haven't gone beyond the fax
and the automatic answering machine. I have a very hard time getting
down to work on the screen because all I see there is a text in the
form of an image which I have a hard time entering. With my
typewriter, the text is at a distance; it is visible and I can work
with it. With the screen, it's different; one has to be inside; it is
possible to play with it but only if one is on the other side, and
immerses oneself in it. That scares me a little, and Cyberspace is
not of great use to me personally. (Thibaut, 1996)
Mas, com a criação do conceito de simulação do real por meio dos media,
Baudrillard de certa forma inaugura muito antes do tempo o debate e a
teorização que hoje é abundante sobre os mundos de realidade virtual e dos
universos virtuais paralelos. Mark Poster (Poster, 2001, p.133), cita o teórico
francês: A idade da simulação começa com a liquidação de todos os referentes.
Pior: pela sua ressurreição num sistema de signos. Para Baudrillard, a
simulação ameaçava - extinguia mesmo - a relação entre o verdadeiro e o falso.
É verdade que Baudrillard, nos seus escritos mais recentes, sempre que usou o
termo realidade virtual usou-o de uma forma indecifrável do conceito de
simulação. Ele não entende a passagem da simulação à realidade virtual como
algo de diferente natureza, mas apenas como a intensificação de um efeito
(Poster, 2001, p.135). O próprio Baudrillard, na entrevista já referida acima,
afirma que a internet irá sem dúvida explodir em todas as direcções, porque é
um meio em expansão e irá crescer em todos os domínios. Mas no final a questão
essencial permanece igual, e isso é que é o mais importante. (Thibaut, 1996).
Ou seja, para Baudrillard, a expansão dos ecrãs para a internet é irrelevante
porque o seu funcionamento fundamental como teatro das simulações da hiper-
realidade é o mesmo. Dito de outra forma, os ecrãs que nos servem a internet
são os mesmos que nos serviam e servem os mass media. E a sua natureza de
construtores de uma hiper-realidade é a mesma (Nunes, 1995, p.2). A forma como
através da internet podemos por exemplo, viajar para vários locais diferentes
sem sair do mesmo lugar representa, para Baudrillard, a materialização mais
evidente de uma presença que esconde, precisamente, a sua ausência (Nunes,
1995, p.4).
Segundo Mark Nunes, os comentários feitos por Baudrillard nos seus livros mais
recentes sugerem que para ele a comunicação telemática é aliás, a consumação
última dos objectivos da comunicação, o seu telos (Nunes, 1995, p.5). Levando a
leitura de Baudrillard aos últimos limites, diríamos, com Nunes, que a
telemática promove a dissuasão do que já aconteceu: o fim do espaço através do
ciberespaço, o fim do conhecimento através da informação e o fim da imaginação
através da hiper-realidade (Nunes, 1995, p.7). Deste ponto de vista, a
maximização da hiper-realidade consumada pela internet pode ser vista como um
manto que cobre toda a realidade ou também como um desafio a novos
entendimentos do que é o indivíduo, a sua personalidade e o seu corpo e do que
é a comunidade em que se insere (Nunes, 1995, p.11). Porque, embora ambicioso
na forma como engloba os mais avançados desenvolvimentos das tecnologias de
informação e comunicação - realidade virtual, mundos paralelos, supressão de
tempo/espaço - o pensamento de Baudrillard não indica uma fase seguinte e deixa
em aberto que a evolução se faça dentro deste quadro de análise. Ou seja, o
mundo não fecha na hiper-realidade, mas pode desenvolver-se nela.
Há no entanto teóricos que fazem uma distinção importante entre o conceito de
simulação da hiper-realidade de Baudrillard e a moderna realidade virtual com
tecnologias de simulação: no primeiro caso estamos perante uma relação passiva
e exterior entre o sujeito e o objecto da simulação, mesmo que mediada por um
ecrã, enquanto no segundo o sujeito mergulha dentro da realidade virtual e,
mais importante, pode interagir com ela usando sensores e elementos mecânicos
extensores do seu corpo (Poster, 2001, p.135). E isso pode fazer toda a
diferença.
Seja como for, Baudrillard vai muito mais longe no encontro com o mundo moderno
da comunicação do que poderia parecer à primeira vista. As suas teses,
holísticas e globalizantes como são, englobam uma explicação para a maior parte
do que têm sido os desenvolvimentos mais recentes da internet e não são
contraditadas por ela. Quando falamos de jogos de realidade virtual, de
colaboração (e comunicação) em tempo real à distância e/ou de algo
(aparentemente) tão simples como o Google Earth, para dar apenas três exemplos,
é impossível não pensar que qualquer dessas coisas está contida nas teses de
Baudrillard.
4. Jurgen Habermas: A esfera pública renascida
Jürgen Habermas é, dos três grandes teóricos da comunicação identificados neste
trabalho, o único que ainda é vivo. Por isso é, de certa forma, aquele que está
em melhores condições para ser ele próprio a confrontar as suas teses sobre a
teoria da comunicação com a realidade actual da comunicação na era da internet.
E - talvez por isso - é aquele em que essa confrontação está mais envolvida em
polémica.
Tal como McLuhan e Baudrillard, as teorias da comunicação de Habermas são
holísticas, no sentido em que enquadram os fenómenos da comunicação numa visão
geral da sociedade, tanto do ponto de vista sincrónico (o seu funcionamento)
como diacrónico (a sua evolução). Nesse sentido, Habermas desenvolveu a teoria
da esfera pública e da acção comunicativa como meio de explicar não só a
evolução e funcionamento da comunicação em sociedade, como também a forma como
essa evolução e funcionamento condicionam o modo de organização política,
económica e social. A teoria da esfera pública descreve um local ideal no qual
as escolhas colectivas são operadas por via do debate racional entre indivíduos
livres e conscientes e a teoria da acção comunicativa descreve a forma como os
percursos discursivos dos vários agentes produzem as escolhas sociais, dentro
da esfera pública ou fora dela. Embora seja um conceito ideal, para Habermas a
esfera pública é também um conceito historicamente real e delimitado, com o seu
apogeu entre o fim do Antigo Regime e o início da Revolução Industrial. Nesse
período histórico, coincidindo com a emergência da burguesia como classe social
dominante, Habermas aponta os cafés europeus onde se discutia literatura,
filosofia e política como o local no qual os cidadão exerciam o controlo do
governo da sociedade constrangidos apenas pela sua racionalidade e pela vontade
de contribuir para as melhores soluções colectivas. Para Habermas, esses locais
eram a aproximação mais perfeita do mundo moderno às características ideais da
democracia grega (Habermas, 1991, p. 160-2)
Nesse sentido, a esfera pública tem uma dupla função. Por um lado é o espaço
privilegiado de discussão e formação da opinião pública, que Habermas sempre
teve o cuidado de distinguir quer da opinião pública tal como anunciada por
qualquer tipo de sondagens ou estudos de opinião, quer das opiniões públicas
(no plural), por mais homogéneas que sejam, que se possam gerar entre grupos
sociais de indivíduos com interesses semelhantes. Esta distinção é importante
no contexto da confrontação quer com os estudos de opinião quer com os
múltiplos fóruns da internet. Mas - para Habermas - a esfera pública não serve
apenas para gerar uma opinião pública. Ela serve também para -
discursivamente - traduzir essa opinião pública em acção política colectiva,
sancionando e dirigindo o poder político num contexto democrático. Ou seja, o
livre debate de ideias - tal qual ele idealmente acontecia nos cafés europeus
referidos por Habermas - não era um fim em si mesmo, mas sim um meio para agir
sobre a sociedade, de onde resulta o conceito de acção comunicativa
(communicative action nas traduções inglesas), que é central nas teses de
Habermas (Habermas, 1987, p.113).
Por outro lado, a juntar aos conceitos de esfera pública e de acção
comunicativa, devemos igualmente recuperar o conceito de lifeworld, tal como
usado por Habermas. Sem uma tradução fácil, este conceito tem sido referido em
português como mundo vivido ou mundividência (mundivivência seria mais
correcto, se a Língua Portuguesa o permitisse...) e expressa a visão geral do
mundo e a forma como ela contextualiza e ao mesmo tempo é contextualizada pelas
acções comunicativas dos indivíduos na esfera pública (Habermas, 1987, p.119-
120). Ou seja, no conceito de lifeworld estão integradas não apenas as
experiências subjectivas dos indivíduos mas também as suas experiências sociais
de relação com os outros indivíduos, que simultaneamente condicionam e são
condicionadas pelo seu horizonte cognitivo, expresso através das suas
competências linguísticas e outras. É esta visão e vivência do mundo que
enforma as escolhas sociais dos agentes da esfera pública.
Ora, na época em que os jornais eram eminentemente literários e panfletários e
em que as motivações para a sua edição eram de luta e debate político em
respeito pelos princípios da esfera pública (Habermas, 1974, p.53-3), essa
mesma esfera pública atingiu, segundo Habermas, o seu apogeu. E foi
precisamente a institucionalização do debate público trazida pelos estados
constitucionais burgueses (Habermas, 1991, p.184) que tirou aos media a sua
função política e socialmente engajada e lhes atribuiu uma função comercial que
viria a estar na base do funcionamento dos modernos mass media enquanto
mediadores das escolhas políticas colectivas. Ou seja, os media continuaram a
desempenhar uma função de mediação e debate na esfera pública, mas a sua
natureza - e por arrasto a natureza desse debate e da própria esfera pública -
alteraram-se radicalmente.
Hoje, tal como no tempo em que Habermas escreveu as suas obras mais
importantes, os mass media servem como ponto de convergência dos interesses de
determinados grupos socioprofissionais, de interesses económicos e de
interesses políticos veiculados por partidos (Habermas, 1991, p.176). E, na
confluência desses interesses, estabelece-se uma aparência de debate e
consequente decisão colectiva, quase sempre com a espectacularização
característica dos modernos mass media. Para Habermas, no entanto, esse debate
- e portanto também a escolha colectiva - são ilusórios e surgem como um
substituto para a acção (Habermas, 1991, p.164) (4). E, sobretudo, veiculam
escolhas colectivas que não são o resultado da acção racional e desinteressada
dos indivíduos, mas sim da prevalência desses interesses privados e
particulares sobre o interesse colectivo. São por isso escolhas enviesadas e
incapazes de dirigirem correctamente a sociedade.
Segundo Habermas, uma vez vocacionados para exploração económica, os jornais
tornaram-se veículos de interesses (Habermas, 1991, p.185-2). Mas - para além
disso - Habermas também considerou que os novos media da sua época - rádio,
filme e televisão - eram substancialmente diferentes dos jornais, uma vez que
com estes - por causa das características próprias da descodificação da letra
impressa, o leitor tinha uma relação mais distanciada e reflexiva do que com os
novos media, que por isso tinham um impacto mais penetrante (Habermas, 1991,
p.172-3).
Quando surgiu a internet, muitos académicos procederam a extensões do seu
pensamento (Reinhgold, 2000, pp. 301-303) e, perante a world wide web, olharam
para muitas das suas características e potencialidades como um elemento de
revitalização da esfera pública precisamente nos termos em que Habermas a tinha
descrito na sua época áurea (Sustein, 2008, pp 90/91). O próprio Habermas ficou
em silêncio sobre a matéria e só se pronunciou sobre ela em 2006, afirmando o
seguinte:
The Internet has certainly reactivated the grassroots of an
egalitarian public of writers and readers. However, computer-mediated
communication in the web can claim unequivocal democratic merits only
for a special context: It can undermine the censorship of
authoritarian regimes that try to control and repress public opinion.
In the context of liberal regimes, the rise of millions of fragmented
chat rooms across the world tend instead to lead to the fragmentation
of large but politically focused mass audiences into a huge number of
isolated issue publics. Within established national public spheres,
the online debates of web users only promote political communication,
when news groups crystallize around the focal points of the quality
press, for example, national newspapers and political magazines.
(Habermas, 2006, p.423)
Ou seja, Habermas vê alguma utilidade na internet como forma de contornar a
censura em países com regimes políticos autoritários, mas não como forma de
enriquecimento da esfera pública devido à fragmentação do discurso que ela
induz. Essa fragmentação continua a impor como necessário o efeito unificador
dos media, o que confere à esfera pública na era da internet características
não substancialmente diferentes das anteriores, segundo Habermas. Para ele, os
media têm como função seleccionar e processar conteúdos politicamente
relevantes e assim intervir tanto na formação das opiniões públicas como na
distribuição de interesses influentes (Habermas, 2006, p.419). Nessa medida, o
que os media produzem - e Habermas considera necessário ao funcionamento do
sistema - são decisões colectivas unificadas que, segundo ele, a fragmentação
da internet não permite.
Na sequência desta intervenção, Howard Reinghold, que tinha usado
abundantemente as teses de Habermas no seu importante livro The Virtual
Community, de 1993, disse que o teórico alemão não entende um fenómeno que é
central para a aplicação da sua teoria (Reinhgold, 2007) e Axel Burns, outro
auto-intitulado habermasiano afirmou que Habermas não entende a internet e
que o pensador alemão tem uma aversão a aceitar ainternetcomo parte da esfera
pública ou (mais importante) a modificar o modelo da esfera pública para a era
da rede (Burns, 2007). Ambas as referências vêm de Stuart Geiger (Geiger,
2009).
Um dos seguidores de Habermas que mais trabalho produziu sobre as possíveis
adaptações das suas teses é nova era da internet foi Douglas Kellner. Em
primeiro lugar, Kellner considera que muitas das críticas feitas à esfera
pública de Habermas resultam do facto de ela ter sido concebida como um tipo
ideal, com naturais contingências de materialização em cada caso concreto
(Kellner, 2009, p. 7). Aliás, refere Kellner, o próprio Habermas a apresentou
assim (Habermas, 1992, p.422). Segundo Kellner, numa época de revolução
tecnológica na qual novas tecnologias estão a penetrar e a transformar
radicalmente todos os aspectos daquilo que Habermas discute como sistema e
lifeworld, as categorias de análise originais não podem continuar a ser
mantidas. (Kellner, 2009, p.14). Da mesma forma, Kellner acha que Habermas
falha na percepção de como os movimentos sociais tiram partido dos novos meios
de comunicação para se organizarem, se informarem e expandirem o campo de acção
política (Kellner, 2009, p.17). No fundo o que acontece é que Habermas não
considera os novos media como tal na esfera pública contemporânea porque deriva
todo o seu modelo da comunicação e discussão face-a-face e não da interacção
mediada pelos media e pela tecnologia (Kellner, 2009, p17-18). Por isso, para
Kellner (...) in the contemporary high-tech societies there is emerging a
significant expansion and redefinition of the public sphere - as I am
conceiving it, going beyond Habermas, to conceive of the public sphere as a
site of information, discussion, contestation, political struggle, and
organization that includes the broadcasting media and new cyberspaces as well
as the face-to-face interactions of everyday life. These developments,
connected primarily with multimedia and computer technologies, require a
reformulation and expansion of the concept of the public sphere (Kellner,
2009, p.18)
Para Kellner, os primeiros mass media, como a rádio e a televisão, e agora os
computadores ligados em rede, produziram novas esferas públicas para
informação, debate e participação, as quais contêm o potencial para revigorar a
democracia e difundir novas ideias, mas também para manipular, controlar e
intensificar as diferenças entre quem tem acesso às tecnologias e quem não tem
(Kellner, 2009, p.18-19). Mais uma vez, para se perceber se as novas
tecnologias de informação e comunicação têm um efeito positivo ou negativo na
constituição e funcionamento da esfera pública, teremos que olhar para a
maneira como essas tecnologias são apropriadas e domesticadas. Quem irá
controlar os media e as nova tecnologias? Como irá ser feito o controlo dos
media? Como irá ser feito o seu financiamento? Que tipos de conteúdos serão
distribuídos? (Kellner, 2009, p.19). Num quadro de crescente diversificação das
fontes de informação para lá dos media tradicionais - jornais, revistas,
televisões, rádios - como funcionará a esfera pública? É por causa de questões
como estas que Kellner conclui que as teses de Habermas são mais necessárias
que nunca para enfrentar os desafios do novo milénio. Mas que teremos que ir
muito mais além das suas posições originais para encontrar as respostas que
procuramos.
5. Conclusão
Dos três grandes teóricos da comunicação aqui em análise, McLuhan seria
provavelmente o único que não teria problemas em confrontar as suas teses com a
internet tal como nós a conhecemos hoje em dia. Muito pelo contrário! E com
razão, uma vez que muito do que foi a evolução tecnológica da internet desde a
criação da world wide web é uma decorrência das tecnologias que McLuhan já
conhecia no seu tempo e que ele identificou com precisão (a importância dada ao
telégrafo - muitas vezes esquecido - é um bom exemplo). Mas o que McLuhan não
conseguiu prever - e por isso também não foi capaz de integrar nas suas teses -
foram as manifestações sociais da tecnologia. Na verdade, para McLuhan, essa
foi sempre uma questão menos relevante face ao carácter impositivo que a
técnica dos media tinha na sua construção teórica. E daí derivou talvez a falha
mais importante do seu pensamento, que foi não ter identificado a arquitectura
em rede que a comunicação na internet adoptou e que é ela própria resultado de
várias contingências não, como explica Manuel Castells (Castells, 2001, pp.34-
41). Em boa parte, as tecnologias de informação e comunicação evoluíram
conforme Marshal McLuhan previra. Mas é a sua apropriação social que explica o
seu desenvolvimento actual.
Pelo contrário, os outros dois pensadores aqui analisados - Habermas e
Baudrillard - construíram antes de mais edifícios sociológicos, até bastante
desligados das técnicas ou tecnologias de comunicação em concreto, mas muito
habilitados a explicarem o funcionamento global da sociedade e o papel central
que nesse funcionamento - em ambos os casos - tem o processo de comunicação.
Obviamente existe um elemento alienatório das massas que nos sugere alguma
semelhança entre as formas como Habermas e Baudrillard viam o problema.
Habermas achava que os media, ao deixarem-se ocupar por interesses
particulares, não conseguiam instituir uma verdadeira esfera pública e
encenavam um debate de ideias que não era verdadeiro; e Baudrillard achava que,
pela sua própria ideologia, os media encenavam uma hiper-realidade que ocultava
a própria realidade. Mas, não só chegavam lá de forma muito diferente, como -
mais importante - seguiam em frente por caminhos ainda mais diversos. Para o
pensador alemão, nas sociedades modernas a esfera pública regulada pelos media
falhava o cumprimento da sua missão; para o pensador francês, ao contrário, a
hiper-realidade, mais do que um falhanço, era a evolução lógica do sistema de
comunicação (e significação) na sociedade. Aliás, o próprio Baudrillard afirma
que não vê esta passividade e alienação como como algo que o deva tornar
pessimista, mas antes irónico e antagonístico (Baudrillard, 1998, p.208), ou
seja, sublinhando o carácter dialéctico da sua abordagem, que é afinal a razão
que o leva a não fechar totalmente a porta à possibilidade de uma subversão do
código dos media, de um discurso alternativo e de uma reciprocidade radical da
troca simbólica (Habermas, 1998, p.208). Essa fresta aberta na porta não se
consegue encontrar em Habermas. Embora por escolha própria, pois, como vimos,
alguns dos seus seguidores acham que as novas tecnologias de informação e
comunicação trazidas pelo computador e a internet, com a apropriação e
incorporação social que estão a ter, têm condições de revitalizar a esfera
pública ideal de Habermas e com isso projectar as suas teses no futuro.
Por outro lado, tanto para Baudrillard como para McLuhan os media atingem na
era contemporânea uma época de clímax. Mas enquanto McLuhan vê esse clímax como
a consumação da utopia da aldeia global, Baudrillard vê-o como um mundo
desolado de comunicação irreal (Nunes, 1995, p.5). Aliás, o filósofo francês vê
esse facto como a base para criação de um mundo fragmentado de experiências
individuais que, afinal, não está assim tão longe da fragmentação da internet
que leva Habermas a descartar o seu putativo papel na revitalização da esfera
pública.
Em suma, se em McLuhan temos um optimista alimentado pelo determinismo
tecnológico, em Habermas e Baudrillard temos provavelmente dois pessimistas de
origem marxista, que sentem mais dificuldade em encaixar nas suas teses a
internet e os novos modelos de comunicação da sociedade em rede ou fazem-no
estabelecendo uma continuidade não relevante com o passado. Uma coisa é certa:
qualquer destes pensadores deixou raízes profundas na análise da sociedade e
dos media dentro dela que servirão certamente de base a muitos investigadores
no futuro - sejam eles mais optimistas ou mais pessimistas - para continuarem a
estudar o fenómeno que eles procuraram explicar.