Margens de silêncio nas notícias de saúde: o caso dos enfermeiros
Introdução
Uma análise extensiva das notícias de saúde publicadas durante os anos de 2012
e 2013 nos jornais diários Público, Diário de Notícias, Jornal de
NotíciaseCorreio da Manhã,e nos semanáriosExpressoeSol revela que os
enfermeiros representam menos de 2% das fontes de informação. Comparativamente,
os médicos representam 15% das fontes de informação de saúde citadas. O grupo
profissional dos enfermeiros não tem, assim, grande representatividade nas
notícias de saúde publicadas nos jornais nacionais. Os enfermeiros são atirados
para as margens de silêncio, sendo que raras vezes se constituem como fonte de
informação na saúde.
Enquanto construção social da realidade, as notícias reproduzem estruturas de
poder e marcam as agendas pública e política. As escolhas dos jornalistas, não
sendo aleatórias, estabelecem zonas de visibilidade e, por conseguinte, de
obscuridade. As representações mediáticas dos enfermeiros são, assim, uma
reprodução da realidade social e das diferenças de poder existentes entre
profissões ligadas à saúde. No entanto, uma rápida análise dos dados dos
últimos Censos à população portuguesa, em 2011, permite-nos perceber que o
número de enfermeiros a exercer (mais de 65 mil) é bastante superior ao número
de médicos (cerca de 43 mil), ou seja, as fontes citadas não refletem a
realidade social existente.
A saúde é uma área transversal à sociedade, afetando todos os cidadãos de forma
direta ou indireta. Assim, consideramos que o estudo da cobertura noticiosa da
saúde reveste-se de extrema importância, nomeadamente para pensar as relações
que se estabelecem entre jornalistas e fontes - e que contribuem para
perceber quem é chamado a falar sobre saúde e que tipo de temas se torna
notícia. No entanto, é igualmente importante olhar para o silêncio gerado pelos
media e para aqueles que raramente se tornam notícia.
Enquadramento teórico
Jornalismo na saúde e fontes de informação
Num relatório de aula que intitulámos "As Fontes de Informação: os
constrangimentos e os campos de autonomia dos jornalistas", feito no
âmbito das provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, procurámos a
definição de fonte no respetivo étimo latino, descobrindo que deste vocábulo
emergem significados como os de um lugar onde nasce perenemente água ou de algo
onde tudo começa. Também buscámos aqui a herança mitológica que o conceito
encerra, sublinhando que Fonteé o deus das nascentes, parecendo assegurar,
deste modo, uma realidade cristalina em tudo o que se abriga sob esta raiz
etimológica. Puro equívoco, percecionado de imediato quando se percorre a
árvore genealógica da mitologia. Fonteé filho de Jano, o deus das portas e das
passagens, representado simbolicamente com dois rostos que vigiam a entrada e a
saída, cujo templo se encontrava encerrado em tempo de paz e aberto em tempo de
guerra. Afinal, aquilo que parecia correr sem entraves, a água que se imaginava
passar livremente da fonte para qualquer destinatário, tem subjacente a si
comportas que podem neutralizar o seu normal fluir. Assim acontece com as
fontes de informação - neste texto consideramos fonte de informação como
sinónimo de fonte jornalística -, uma instância incontornável do processo
informativo que impõe quotidianamente aos jornalistas renovados obstáculos
(Lopes, 1998).
Percorrendo a literatura do campo do jornalismo, multiplicam-se as definições
de fonte de informação. Autor de um importante estudo publicado no livro
Deciding what's news: a study of CBS evening news, NBC nightly news,
Newsweek and Time, que transportou os estudos sobre o relacionamento entre
fontes e jornalistas para terrenos empíricos, Herbert Gans (1979: 80) define
assim as fontes de informação:
"Atores que os jornalistas observam ou entrevistam, incluindo
entrevistados que aparecem na televisão ou são citados em artigos de
revistas, e aqueles que apenas fornecem informação de base ou
sugestões de histórias. Para o meu objetivo, contudo, a caraterística
mais saliente das fontes é o facto de estas proporcionarem informação
enquanto membros ou representantes de grupos de interesse organizados
ou de setores ainda mais amplos da nação e da sociedade."
No caso da saúde, falamos de um campo que se preenche sobretudo com fontes
especializadas (médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos,
nutricionistas, investigadores em ciências médicas...), cujo discurso nem
sempre é fácil de descodificar. Há diversos trabalhos que salientam a
importância das competências técnicas destas fontes: McAllister (1992); Tanner
(2004); Albæk (2011). Rogério Santos (2006: 81) diz que esses interlocutores
"possuem um conhecimento específico de uma área do saber e uma relação
com os jornalistas que assenta em base científica". Segundo Elyse Amend e
David Secko (2012: 260), os jornalistas de saúde procuram especialistas para
descodificar aquilo de que se fala e para dotarem o trabalho jornalístico de
credibilidade. Tendo o poder de moldar as notícias e influenciar a opinião
pública (Soleu, 1994 in Kruvand, 2012: 567), este tipo de fontes desempenha um
papel crucial na construção noticiosa, adicionando novas perspetivas e dotando
as 'estórias' de algum equilíbrio. No entanto, dentro destas fontes
especializadas há fontes que valem mais do que outras: os médicos valem mais;
os enfermeiros valem pouco (Lopes et al., 2013: 72).
Devido à especificidade da informação que transmitem e, por vezes, à
proximidade que têm com os jornalistas que trabalham a este nível, as fontes
com mais conhecimentos científicos, com mais prestígio social ou com maior
notoriedade pública podem facilmente influenciar o conteúdo das notícias.
Apesar dos atores ligados ao campo da saúde estarem mais disponíveis para falar
com os jornalistas, nomeadamente os médicos, e de as instituições deste campo
revelarem uma preocupação crescente com a comunicação mediática, nem sempre os
jornalistas têm facilidade em estabelecer contacto. Porque as fontes de
informação não seguem os ritmos (velozes) dos media (Moreno Espinosa, 2010);
porque os jornalistas nem sempre dominam os temas que reportam com a
profundidade necessária que lhes permita desenvolver inesperados ângulos
noticiosos, levantar pertinentes questões, multiplicar fontes; porque os
jornalistas podem não ter uma agenda alargada de contactos que lhes permita
conhecer a pessoa mais habilitada para falar do assunto a tratar… Encontrar as
fontes certas pode constituir uma tarefa árdua, como refere Hodgetts et al.
(2008). É devido à dificuldade em alargar a agenda, nomeadamente em assuntos
especializados, que encontramos no jornalismo uma tendência em recorrer sempre
às mesmas fontes de informação.
Na verdade, falamos aqui de um campo nem sempre fácil de dominar por parte dos
jornalistas. A dificuldade pode começar logo por criar confiança dentro da
comunidade científica (Saari et al., 1998: 76 in Amend & Secko, 2012: 260).
Por outro lado, ao especializar-se neste domínio, com regras próprias, com
fontes muito específicas e com uma agenda muito particular, o jornalista que
cobre permanentemente assuntos de saúde pode ajudar o órgão onde trabalha a
apresentar uma tematização diferente dos media concorrentes num campo que
suscita interesse do público. No entanto, essa necessária especialização nem
sempre é fácil de entender por parte das redações devido aos custos acrescidos
que isso representa.
Estamos aqui perante um duplo desafio: o dos jornalistas saberem escolher as
melhores fontes para tratarem o acontecimento que têm em mãos; o das fontes em
se mostrarem disponíveis para falar com os jornalistas.
A notícia como construção social da realidade
A notícia como uma construção social da realidade resulta de uma conjugação de
vários agentes, pelo que Nisbet (2008) considera que a "cobertura
mediática não é um reflexo da realidade, mas sim um produto fabricado,
determinado por uma hierarquia de influências sociais". Há vários fatores
que influenciam o processo de agenda building ou construção da agenda
mediática, desde as variáveis económicas e culturais às próprias perceções e
preconceitos do jornalista relativamente ao mundo que o rodeia. A norte-
americana Rita Colistra define o agenda building como o processo de influenciar
as escolhas dos media (Colistra, 2012: 90). Estas escolhas feitas pelos
jornalistas não são aleatórias, relacionando-se com os conhecimentos prévios de
cada um, da sua cultura, do seu background. Podemos dizer que o jornalista é
influenciado por tudo o que o rodeia, seja o círculo de amigos, as suas
condições económicas ou até as orientações políticas. Por este motivo, o mesmo
assunto ou evento pode ser trabalhado de forma diferente por vários
jornalistas. O ângulo escolhido, as fontes a quem se dá voz, e as próprias
características do jornalista que conta a estória influenciam o processo de
construção da notícia. Também Shoemaker e Reese (1996 in Wallington et al.,
2010: 76) referem vários fatores que contribuem para a construção da notícia,
como as normas sociais e os valores dos jornalistas; os constrangimentos das
organizações, como os prazos e limites de tempo e espaço; as pressões das
organizações e grupos de interesse; e a confiança nos líderes governamentais e
da comunidade pelos jornalistas especializados, que geralmente estabelecem
hierarquias para o uso de fontes e de recursos no processo de construção da
notícia.
A socióloga americana Gaye Tuchman (1978) também não se revê na teoria de que
as notícias são um espelho da sociedade. Para ela, as notícias "ajudam a
constituir um fenómeno social partilhado, dado que, no processo de descrição de
um acontecimento, as notícias o definem e lhe dão forma" (1978: 184). É
através de uma analogia que Gaye Tuchman apresenta a sua teoria de que as
notícias são uma construção social da realidade. "A notícia é uma janela
sobre o mundo", diz a autora (Tuchman, 1978: 1). Está aqui bem presente a
teoria do news framing, que nos diz que a forma como um assunto é explorado
pelos media influencia a forma como o público pensa sobre esse assunto, ou
seja, a cobertura mediática afeta a importância desse assunto na agenda
pública. Dito de outra forma, a teoria do framing lida com o impacto que os
frames (ou ângulos) das notícias têm na agenda pública (Ghanem, 1997: 5). A
visão que temos sobre o mundo através de uma janela é influenciada por vários
fatores, "depende da janela ser grande ou pequena" ou do facto
"de os vidros serem opacos ou transparentes, da janela estar voltada para
uma rua ou para um beco" (1978: 1). Continuando na analogia da janela, o
mundo que vemos pela janela é diferente consoante o lugar onde nos
posicionamos, se estamos de frente para a janela ou a uma grande distância, por
exemplo. Gaye Tuchman explora, assim, os processos através dos quais as
notícias são socialmente construídas, partindo do pressuposto de que a notícia
é o produto de uma instituição social e depende das relações com outras
instituições (1978: 5). A autora introduz também o conceito de rede noticiosa,
ou seja, "um sistema hierárquico de recolha de informação" (1978:
24). A rede de notícias dá destaque a certos assuntos em detrimento de outros,
dependendo, por exemplo, do lugar geográfico onde estão posicionados os
correspondentes de determinada organização mediática. A forma como as empresas
de comunicação social escolhem organizar-se determina também aquilo que é
notícia, tornando lugares, instituições, e pessoas mais acessíveis aos media.
A notícia como construção social da realidade tem como ponto de partida as
fontes de informação. Tuchman considera que é a carteira de contactos de um
jornalista que aumenta a sua capacidade de apresentar uma estória nova todos os
dias. Na mesma linha de pensamento, quanto mais elevado for o estatuto das
fontes, maior será o estatuto dos jornalistas (1978: 69). A autora nota, no
entanto, que há exceções. Vejamos o exemplo de uma secretária de um ministro,
que apesar do seu baixo estatuto social, em comparação com o ministro, tem
acesso privilegiado àquilo que se passa naquele ministério e pode constituir-se
como uma boa fonte de informação. Embora as fontes de informação sejam
essenciais ao jornalista, é preciso notar que as fontes não têm todas o mesmo
valor, nem sequer o mesmo tipo de acesso aos media. De facto, "os media
são mais acessíveis para determinados movimentos sociais, grupos de interesse,
e atores políticos do que para outros" (Tuchman, 1978: 133).
"Aqueles cujo poder é reconhecido claramente têm mais acesso aos media do
que os restantes", afirma a autora (1978: 133). Também Herbert Gans
refere que "embora teoricamente as fontes possam vir de qualquer lado, na
prática o seu acesso aos jornalistas reflete as hierarquias da sociedade"
(Gans, 1979: 119).
As notícias acabam, assim, por reproduzir as estruturas de poder da sociedade
em que se inserem, dando voz a determinadas fontes em detrimento de outras.
Deste modo, as escolhas que os jornalistas fazem ajudam a estabelecer zonas de
visibilidade - temas, assuntos e pessoas muito mediatizadas - e,
consequentemente, zonas de obscuridade. Para que determinados temas ou pessoas
sejam notícia, outros há que ficam nas zonas de sombra, seja porque têm um
estatuto social mais baixo, porque pertencem a uma minoria, ou simplesmente
porque não mantêm um contacto regular com os media.
No caso dos enfermeiros, em termos de estatuto social, "na hierarquia da
saúde estão bastante abaixo dos médicos, sendo muitas vezes tratados tanto
pelos médicos como pelos pacientes como pouco mais que serventes"
(Lupton, 2012: 123). A mesma autora refere que aos enfermeiros cabe muitas
vezes o "trabalho sujo", também percecionado como "trabalho
de mulher". As diferenças na representação mediática entre os médicos e
os enfermeiros, por exemplo, acabam por refletir os próprios papéis sociais
desempenhados por cada um dos grupos profissionais. Existe um
"diferencial de poder", que Deborah Lupton atribui a
"diferenças de género, classe social, e estatuto, bem como à natureza das
tarefas de cada um" (Lupton, 2012: 123).
Metodologia
Desenvolvida a partir de uma tese de doutoramento sobre a mediatização da saúde
na imprensa portuguesa, esta investigação tem como objetivo olhar para as zonas
de silêncio promovidas pelos media e onde se inserem os enfermeiros.
Pretendemos, com esta investigação, fazer um estudo de mapeamento, pelo que se
privilegiou a análise quantitativa dos dados, centrada na estatística
descritiva univariada e recorrendo ao programa de análise estatística de dados
Statistics Package for Social Sciences (SPSS). A nossa análise inclui os
jornais generalistas nacionais Expresso, Sol, Público, Jornal de Notícias,
Diário de NotíciaseCorreio da Manhã - dois semanários e quatro diários. A
análise que levámos a cabo compreende o período entre Janeiro de 2012 e
Dezembro de 2013, sendo que os meses de Agosto não são contabilizados por serem
por nós considerados atípicos em termos noticiosos. Deste modo, o corpus de
análise incorpora um total de 6936 textos.
No nosso estudo, a análise das notícias de saúde divide-se em dois níveis,
sendo que o primeiro nos permite caraterizar o tipo de texto que se publica na
imprensa portuguesa quando se fala de saúde; e o segundo é mais voltado para a
análise das fontes de informação neste campo. O primeiro nível de análise é
constituído por 12 variáveis: ano de análise, data, jornal, título, doença,
tipo de artigo, motivo de noticiabilidade, tempo da notícia, tamanho, lugar da
notícia, presençaenúmero de fontes de informação.
O segundo nível de análise é referente às fontes de informação. Queremos saber
quem é chamado a falar sobre temas de saúde na imprensa generalista, de onde
vem, e que cargo ocupa, entre outros. Olhamos as fontes de informação pelo
ponto de vista do leitor, uma vez que nos importa avaliar se a citação de
fontes é feita de forma precisa e percetível ao público em geral. Importa ainda
referir que o investigador não transporta para a análise dos dados os
conhecimentos prévios acerca de determinado indivíduo, de forma a perceber as
falhas existentes na identificação das fontes cometidas pelo jornalista. As
fontes são caraterizadas quanto à sua geografia, tipo de fonte, identificação,
estatuto e especialidade médica (quando aplicável). O estatuto das fontes de
informação é encontrado a partir de uma tipologia por nós criada e que nos
permite saber se estamos a lidar com fontes oficiais, especializadas ou outras.
Análise e Discussão dos Resultados
Durante os anos de 2012 e 2013, analisámos 6936 textos de saúde. Os títulos
analisados são geralmente negativos (47%) ou neutros (36%), sendo que a
percentagem de textos com títulos positivos é de apenas 17%. Em termos de tipo
de artigo, a larga maioria pertence ao género notícia (93%). Estes dados
mostram uma tendência que não é única do jornalismo de saúde, em que tanto a
reportagem como a entrevista têm pouca representatividade. Quanto ao tempo da
notícia, parece haver boas notícias para o jornalismo. O ponto de situação, a
notícia que faz o follow-up de determinado assunto, representa 36% dos textos.
Quando não fazem pontos de situação, os jornalistas reportam-se ao dia
anterior. Uma vez que estamos a analisar a imprensa, quer isto dizer que 27%
dos artigos são sobre o próprio dia.
Olhando para os temas em notícia (Tabela_1), vemos que os jornalistas
privilegiaram as políticas de saúde, que representam 27,8% do total de notícias
publicadas. Inserem-se aqui as decisões políticas, de que são exemplo a
publicação de portarias ou diplomas governamentais; as inaugurações ou criação
de serviços; ou o fecho, gestão ou reorganização de serviços, apenas para citar
alguns exemplos. A política, sendo transversal à sociedade, acaba por marcar
fortemente o noticiário de saúde - esta tendência, aliás, já tinha sido
verificada em estudos anteriores (Araújo & Lopes, 2014; Lopes et al., 2013;
Lopes et al., 2012). O Jornal de Notícias é o jornal diário que mais espaço
dedica a notícias sobre políticas de saúde (10%), seguido do Diário de Notícias
(6,6%) e do Público (5,2%).
Destaque é dado também aos temas relacionados com Práticas Clínicas e
Tratamentos (16,8%) onde se incluem artigos noticiosos sobre atos clínicos, mas
também sobre dificuldade de acesso a tratamentos ou a suspeita de casos de
negligência. O Correio da Manhã dedica 5,7% dos textos a estes temas, seguido
do JN com 4,7%.
Ao darem visibilidade a determinados assuntos, os media também promovem o
silêncio sobre outros. E a prevenção não é um tema que seja muito apetecível
para os jornalistas, representando apenas 3,4% do total de textos publicados. O
DN é o jornal que mais mediatiza os temas ligados à prevenção da saúde (1,3%).
Neste sentido, pode pensar-se que os media ficam aquém do seu papel na promoção
da saúde e prevenção da doença. Serão, com certeza, várias as explicações para
esta realidade. Julgamos que o momento vivido nas redações terá um peso
significativo nestes dados, pela redução do número de jornalistas e pelas
dificuldades financeiras sentidas pelas empresas de comunicação social. As
saídas das redações são cada vez mais escassas e o espaço nos jornais também,
pelo que a prioridade é dada às chamadas hard news. Geralmente, a prevenção não
é notícia por si mesma, não tem valor-notícia. O tema da prevenção é abordado,
na maioria das vezes, em notícias cujo tema central não é esse. A título de
exemplo, podemos referir o caso de Angelina Jolie, atriz que foi notícia por se
ter submetido a uma dupla mastectomia preventiva, lançando o debate sobre o
cancro da mama e as formas de prevenção.
A Tabela_2 mostra-nos os lugares que são notícia quando o tema é a saúde.
Metade do noticiário de saúde construído na imprensa portuguesa faz-se a nível
nacional. Incluem-se aqui todas as notícias que, por terem relevância para o
país, estão desenraizadas de um lugar específico. É o caso, por exemplo, da
publicação de uma portaria em Diário da República ou da mediatização de uma
efeméride como o Dia Nacional de Luta Contra a Sida. Uma explicação possível
para a predominância de um noticiário de saúde nacional prende-se com a
tematização dos textos. Um noticiário que é fortemente marcado pelos assuntos
políticos, como vimos, acaba por nos remeter para o país como um todo.
Quando não se referem ao todo do país, as notícias são geralmente referentes a
Lisboa ou ao Norte do país, com percentagens muito semelhantes (14,2% e 14,1%,
respetivamente). A nível nacional, o Alentejo é a região mais silenciada pelos
media - apenas 0,6% das notícias têm como pano de fundo o Alentejo.
Também o Algarve (1,2%) e as Ilhas (1,1%) não têm grande expressividade nas
notícias de saúde. Em termos internacionais, é a Europa o continente mais
mediatizado - com 3,2% do total de textos publicados. As notícias
internacionais ocupam 2,4% do noticiário: à semelhança daquilo que acontece
para as notícias nacionais, não têm uma geografia específica e referem-se, por
exemplo, a organismos supranacionais (como a Organização Mundial de Saúde).
Após analisarmos os textos, voltamo-nos agora para as fontes de informação
- que constituem um dos eixos centrais deste trabalho. E o jornalismo
dificilmente se faz sem recurso a fontes. Na nossa amostra, apenas 4% dos
textos não cita qualquer fonte. A larga maioria (96%) dos artigos recorre às
fontes de informação, sendo que 85% das fontes são identificadas. Quer isto
dizer que o leitor sabe qual o nome e o cargo ocupado pela fonte. No caso das
fontes não identificadas, que são 13% na nossa amostra, não se conhece o nome
mas sabe-se qual o cargo, ou vice-versa. As fontes anónimas, ou seja, aquelas
em relação às quais não existe qualquer tipo de informação, representam 2,4% do
total dos textos.
Apesar de estes serem dados positivos para o jornalismo, as fontes usadas pelos
jornalistas não são tão diversificadas quanto seria desejável. As fontes
masculinas dominam as notícias, representando 45% do total de fontes citadas
(Tabela_3). De facto, os números mostram que os homens são mais chamados a
falar sobre saúde do que as mulheres. Embora o jornalismo deva privilegiar a
pluralidade e diversidade de vozes e de grupos sociais, há investigações que
indicam que "a seleção de fontes de informação continua a ser muito
enviesada" (De Swert & Hooghe, 2010: 70), o que nos leva a questionar
a forma como os media noticiam a realidade, sub-representando as mulheres.
Sendo que os media são uma representação da realidade, os dados apontam para um
enviesamento de género promovido, durante este período de tempo, pelos jornais
analisados. Segundo os dados relativos ao último inquérito Censos (2011), a
percentagem de mulheres na população geral residente em Portugal era de 52.2%,
o que perfaz um número superior ao dos homens. No entanto, durante o período em
estudo, as fontes masculinas representam mais do dobro da percentagem reservada
às mulheres (que é de 16%). Também aqui, a explicação encontrada remete-nos
para outra das variáveis em análise, neste caso a do estatuto das fontes de
informação.
Para além dos homens, são as fontes documentais as mais citadas, nomeadamente
as fontes não pessoais individuais (25%). Incluem-se nesta categoria todas as
fontes documentais, tais como notas e comunicados de imprensa, estudos, ou
diplomas governamentais. O espaço ocupado por este tipo de fontes de informação
pode indicar uma presença significativa dos gabinetes de assessoria de
imprensa, que geralmente enviam documentos prontos a publicar aos jornalistas.
No caso específico da saúde, a falta de especialização do jornalista também
concorre para este dado.
Olhamos agora para o estatuto das fontes de informação, a partir de uma
tipologia por nós criada. A análise desta variável também nos diz que há grupos
da sociedade que estão sub-representados, por oposição a outros que são muito
mediatizados.
As fontes com maior peso no noticiário da saúde são as oficiais (quer seja no
campo da saúde ou fora dele, sendo que em conjunto representam 22,2%),
realidade que é transversal a outras áreas do jornalismo. No caso da saúde, são
os políticos, os administradores de hospitais, as assessorias do ministério, ou
organismos como a Direção-Geral de Saúde as fontes privilegiadas pelos
jornalistas. Uma vez que os temas em notícia estão geralmente ligados às
políticas de saúde, os jornalistas tendem a recorrer àqueles que fazem as
políticas. São também as fontes oficiais quem tem poderosas e organizadas
assessorias de comunicação, que preparam informação para os media e tentam, de
forma muito clara, marcar a agenda. Estas fontes organizadas sabem lidar com os
jornalistas e conhecem as rotinas mediáticas, tendo um acesso privilegiado
junto dosmedia.Importa também referir que as fontes oficiais no campo da saúde
são sobretudo masculinas, o que concorre para a hegemonia do sexo masculino no
noticiário de saúde.
Ainda no campo da saúde, mas em termos de fontes especializadas, são os médicos
o grupo profissional mais visível nas notícias de saúde (15,2%). Quer seja a
título individual ou em nome coletivo, os médicos são a preferência dos
jornalistas que escrevem sobre saúde, constituindo-se como o grupo profissional
mais bem representado da nossa amostra. Em segundo lugar, mas já bastante
distantes dos números alcançados pelos médicos, aparecem os investigadores, que
ocupam 5,5% do espaço mediático dedicado à saúde, seguidos dos farmacêuticos
(2%). Os enfermeiros não têm grande expressividade nas notícias de saúde
publicadas na imprensa portuguesa, representados em apenas 1,6% dos textos.
Estes dados surgem apesar de o número de enfermeiros em Portugal (mais de
65.000) ser muito superior ao de médicos (que contabilizam cerca de 43.800),
segundo o Pordata 2012.
Mais abaixo em termos de visibilidade mediática ficam os laboratórios (0,5%),
os psicólogos (0,4%) e os nutricionistas (0,2%).
Conclusão
Ao longo de dois anos (2012 e 2013), analisámos perto de 7000 artigos
noticiosos sobre saúde repartidos por seis jornais nacionais. Os géneros
noticiosos de entrevista e reportagem são menosprezados pelos jornais, sendo
que a maioria de textos publicados pertence ao género notícia e apresenta
ângulos negativos.
Percebemos que os jornalistas que trabalham a saúde nas redações portuguesas
dão prioridade às políticas de saúde, o que não é alheio ao facto de haver uma
predominância de fontes oficiais. Os jornalistas recorrem àqueles que fazem as
políticas para se pronunciarem nas notícias. De facto, as fontes mais
mediatizadas nas notícias de saúde são as oficiais - e esta realidade não
é exclusiva do jornalismo de saúde. Outro dado que importa sublinhar é o facto
de as fontes que ocupam cargos oficiais serem do sexo masculino, o que pode
ajudar a explicar a predominância de vozes masculinas nas notícias de saúde.
São também as fontes oficiais quem tem poderosos e organizados gabinetes de
assessoria de comunicação, que preparam informação para os media e tentam
marcar a agenda através dos chamados subsídios de informação. Estas fontes
organizadas sabem lidar com os jornalistas e conhecem as rotinas mediáticas,
tendo um acesso privilegiado junto dosmedia.Deste modo, confirmámos, neste
estudo, algumas tendências que tínhamos vindo a perceber no noticiário de saúde
construído na imprensa portuguesa.
Neste artigo, quisemos, acima de tudo, pensar sobre os silêncios promovidos
pelas notícias. Em termos de temas, a prevenção da doença fica na sombra
mediática. Apontamos como possível explicação o momento que é atualmente
atravessado pelas redações, que lutam com dificuldades financeiras e veem o
corpo de jornalistas a diminuir. O facto de a prevenção não ser notícia em si
mesma, carecendo de um "gancho" noticioso, contribui para a sua
baixa visibilidade nos jornais. Quando olhamos para os lugares mais
mediatizados pelos jornalistas, percebemos facilmente que há zonas geográficas
que raramente são notícia. É o caso do Alentejo, que se constitui como a região
nacional mais silenciada pelos media, do Algarve, e das ilhas da Madeira e dos
Açores. Para estes silenciamentos contribui o facto de os jornais analisados
não terem, na sua maioria, redações ou correspondentes nestas zonas do país.
Importa explicar que, no caso do JN e do Público, é a partir do Norte que se
publicam a maioria das notícias de saúde. De facto, as jornalistas que
geralmente trabalham a saúde nestes diários estão localizadas no Porto. E este
dado pode fazer a diferença no momento de escolher as fontes de informação para
determinada notícia. No caso dos restantes jornais, as redações principais
estão localizadas em Lisboa - o que certamente não é alheio à escolha de
fontes e da própria notícia.
As fontes de informação são também um dos eixos fundamentais do nosso trabalho,
e neste aspeto há algumas boas notícias. O jornalismo de saúde é construído com
recurso a fontes de informação, sendo que a larga maioria das fontes é
identificada. A percentagem de fontes anónimas é residual, no que toca ao
jornalismo de saúde promovido pela imprensa portuguesa. No entanto, as fontes
usadas pelos jornalistas não são tão diversificadas quanto seria desejável,
deixando alguns grupos da sociedade sub-representados. Há, de facto, algumas
classes profissionais que são atiradas para as margens de silêncio. É o caso
das mulheres, que não são muito procuradas pelos jornalistas, dos enfermeiros,
dos psicólogos, dos nutricionistas… Destacamos aqui o grupo dos enfermeiros,
que não tem grande representatividade no noticiário de saúde. Os médicos são as
fontes especializadas mais procuradas pelos jornalistas, quer seja para falarem
a título individual ou como representantes de um grupo. Estes dados não são
condizentes com a realidade, sendo que o número de enfermeiros (mais de 65.000)
a exercer em Portugal é bastante superior ao dos médicos (cerca de 43.800).
Apoiamo-nos na teoria de que as notícias são uma construção social da
realidade, ajudando a reproduzir as estruturas de poder da sociedade em que se
inserem. Os jornalistas dão, assim, voz a determinadas fontes em detrimento de
outras. As escolhas dos jornalistas, embora não sejam aleatórias, ajudam a
estabelecer zonas de visibilidade e de obscuridade. É claro, pela análise que
aqui apresentamos, que a mediatização de determinado tema ou fonte contribui
para o silenciamento de outros. Em relação às fontes, apresentamos algumas
pistas para a pouca visibilidade, como o estatuto social mais baixo, o facto de
pertencerem a uma minoria, ou de não manterem um contacto regular com os
jornalistas. As fontes que têm acesso a gabinetes de assessoria, por exemplo,
têm um acesso mais fácil aos media. Relativamente aos enfermeiros, consideramos
que contribui para a sua baixa mediatização o facto de estarem abaixo dos
médicos em termos de estatuto social, ou seja, são percecionados pela sociedade
como tendo menos poder e importância (Lupton, 2012). As diferenças encontradas
na representação mediática entre estas duas classes profissionais refletem
também os papéis sociais desempenhados por ambos.