Um olhar sobre as mobilidades de profissionais qualificados portugueses nos
media estrangeiros
Introdução
A mobilidade de profissionais qualificados constitui um dos assuntos de relevo
para o debate sobre a geopolítica da ciência e da tecnologia no mundo (Araújo
et al, 2013). Assistimos, em particular a partir da segunda guerra mundial, a
várias discussões sobre a orientação dos fluxos migratórios e de mobilidade de
profissionais qualificados realizados dos países "colonizados",
rumo aos "colonizadores". Também no domínio da análise e
interpretação científicas, o termo "colonização" adquiriu vários
sentidos, sendo apropriado como modo de significação dos processos de difusão e
expansão dos resultados científicos e tecnológicos.
Do ponto de vista económico e, dir-se-ia, macroeconómico, a mobilidade de
qualificados sugere análises muito centradas sobre o tipo de capital que
circula através da deslocação pessoal e/ou virtual. Mas, tal como extensa
literatura tem notado (entre outros, Salt, 1992; Peixoto, 1999), a mobilidade,
enquanto deslocação efetiva, resulta, na grande maioria das vezes, de processos
de socialização e de "canalização" das opções e das tomadas de
decisão individuais, nos quais intervêm fatores de ordem cultural, associados
aos modos de relacionamento histórico entre países. Os primeiros estudos sobre
a mobilidade de qualificados enfatizam a interferência desta variável histórica
na formulação das decisões de partida de um país em relação a outro. E
enfatizam-na descrevendo, designadamente, dois pontos relativos aos movimentos
de deslocação de pessoas: que estas saem para "ajudar" o país e a
si mesmas; e que saem para ajudar os outros países optando, em primeira
escolha, por países com os quais existe afinidade histórica materializada na
partilha de uma língua e de uma memória comum.
Alguns estudos (Uriccio, 2008; Cogo e Badet, 2013; Araújo e Novordeck, 2013)
têm indicado como os media podem ser meios poderosos no processo de construção
de identidade a diversas escalas (individuais, nacionais e transnacionais).
Este poder é ainda mais ciclópico à medida que os seus conteúdos se tornam cada
vez mais acessíveis a todo o mundo de forma dinâmica e interativa, através de
universos digitais que favorecem o surgimento e a co-presença de uma
pluralidade de significados e de interpretações.
Assim, este texto tem como objetivo problematizar como os discursos sobre os
fluxos de mobilidade de altamente qualificados contribui para o debate sobre os
territórios de significação e de construção pós colonial, estabelecendo algumas
das principais características distintivas dos discursos científicos, políticos
e mediáticos que, de forma direta ou indireta, retomam os quadros de perceção
colónias e imperialistas, criando alguns contextos de conflito identiário.
Temos em atenção, em particular, os contextos de relacionamento entre Portugal,
Brasil e Angola. Confere-se especial atenção ao papel dos media na construção
de imagens e de representações, não unicamente sobre quem se move, mas,
sobretudo, sobre os países de origem e de destino dessa mobilidade. Nessa
linha, o artigo constitui uma produção reflexiva realizada com base na análise
de resultados científicos publicados acerca dos fluxos de mobilidade de
altamente qualificados, incluindo, paralelamente, a análise dos principais
eixos discursivos do tempo político presente acerca das mobilidades mais
recentes.
A análise de discurso contribui para a compreensão da temática proposta, ao
permitir aceder ás macro-estruturas que sustentam as práticas sociais dos
atores, ao ponto de as apresentarem como naturais e espontânea (Orlandi, 2005;
Pêcheux, 2002; Van Dijk, 2005). Permite, nomeadamente, perceber como o fenómeno
da mobilidade de qualificados aparece tratado como uma narrativa, não só porque
respeita uma cronologia, como introduz vários elementos
"dramáticos" na própria "história". Com efeito, como
afirma Carvalho (2000: 146), a "narrativa pode ser pensada como
envolvendo uma acção, uma conclusão ou resultado, personagens, e um palco ou
quadro de acção".
O texto organiza-se tendo por base dois pontos centrais. Primeiro, uma
apresentação da problemática sobre a mobilidade de qualificados e sua
relevância na afirmação das identidades nacionais. Num segundo ponto incide-se
sobre as vias de desconstrução dos discursos coloniais e a pertinência de criar
novos contextos de relacionamento e de representação.
A mobilidade de qualificados
A mobilidade efetiva de pessoas qualificadas entre países cujas relações
históricas passaram pelo fenómeno da colonização está envolta em várias
considerações de ordem classificativa e, pelo menos na segunda metade do século
XX, foi interpretada á luz dos processos etnocêntricos que caracterizaram o
modo como as sociedades foram sendo posicionadas numa escala temporal de tipo
evolucionista e ao qual estão ligadas as classificações centro/periferia e
norte/sul. Deste ponto de vista, aliás, a mobilidade dos qualificados seria
entendida como algo que se justifica à luz da necessidade de os países centrais
- implicitamente definidos como mais competitivos - expandirem a
procura dos seus recursos em direção aos países mais periféricos e, em
resultado, assumirem um papel pedagógico sobre estes, especialmente oferecendo-
se como centros de formação e de educação de excelência, podendo, assim,
expandir também as suas visões políticas e ideológicas. Mantendo a
terminologia, é nesse sentido que se entende que este debate centro/periferia
englobe muito mais do que a divisão impérios / colonizados e se estenda dentro
dos próprios "colonizadores". Algo que é evidente no contexto
Europeu, marcado pela permanência de fluxos mais densos historicamente, dos
países do sul, em relação aos do norte. Estes, identificados como países que
revelam maior capacidade atrativa, não só ao nível das ofertas de emprego, como
ao nível da oferta de melhores possibilidades de desenvolvimento de carreiras
e, assim, níveis de vida superiores.
Expliquemos, a propósito, uma variação de enorme relevância para a
problemática.
Em muitos casos, os fluxos de mobilidade (e, por vezes, de emigração) são
predominantemente compostos de pessoas que procuram desenvolver níveis
superiores de aprendizagem noutros países. Portanto, a ideia subjacente é a de
que, noutro país, se podem desenvolver competências e obter credenciais
valorizadas nos países de origem, ainda que parte destes profissionais que se
movem não tenha em vista regressar, pelo menos temporariamente. Estes
movimentos classificam, sem dúvida, as relações entre países, sendo possível
destacar, ao longo da história, grandes fluxos de mobilidade entre países como
China e Estados Unidos, México e Estados Unidos, Polónia e Estados Unidos,
Brasil e Portugal, ou mesmo, Portugal e França e /ou Alemanha - neste
caso, particularmente ao nível do ensino pós-graduado - doutoramento e
pós-doutoramento. Alguns autores (Van Mol, 2008) apontam, justamente, a língua
e as afinidades culturais como duas grandes variáveis explicativas dos destinos
destas mobilidades. Trata-se, não obstante, de movimentos que também
caraterizam diferentes atitudes dos indivíduos e das famílias no quadro do seu
posicionamento social, pois a mobilidade académica - esta que acontece
predominantemente em razão do ensino - é, na maior parte dos países, uma
condição de sucesso pessoal e de acesso e/ou manutenção do lugar nas elites
dominantes, nos vários campos.
Mas, noutros casos, os fluxos de mobilidade dizem respeito a pessoas que já
possuem graus de ensino elevado e ou não conseguem obter emprego no seu país de
origem, ou tem conhecimento de melhores perspectivas noutros países,
reconhecendo terem competências capazes de serem valorizadas nesses contextos.
Existem múltiplas variações no que se refere a este tipo de perfil, mas importa
destacar, no seguimento dos objetivos deste texto, que este tipo de mobilidade
implica, por norma, uma conotação mais negativa para os países de origem,
nomeadamente para dos seus governantes, considerados incapazes de prover
condições de vida aos seus cidadãos, percebidos sendo obrigados a sair, sem que
se considere, com efeito, as variáveis sistémicas que contribuem para que a
disposição do emprego e dos recursos no espaço físico adquira a forma que tem,
normalmente desigual - com zonas centrais e atrativas e zonas em maior
declínio.
De alguma forma, a cada fase de discussão pública da mobilidade dos
qualificados - a que correspondem análises, reflexões e críticas sobre
quem se move e por que motivo o faz e para onde - estão implícitas, pelo
menos, duas discussões. Primeiro, acerca dos motivos por que os indivíduos,
sendo qualificados, saem de um país para outro. Parte-se da hipótese de que a
mobilidade só se desencadeia em virtude desses motivos que podendo ser de ordem
religiosa, política ou social, são, principalmente, de ordem económica.
Segundo, acerca dos destinos geográficos e políticos escolhidos para onde esses
indivíduos se movem, na medida em que podem configurar territórios mais ou
menos imaginados, mais ou menos conhecidos e sobre os quais recaem
representações e ideias preconcebidas que carregam imagens de poder/
subordinação. Várias composições cinematográficas revisitam continuamente este
padrão representacional que dirige a escolha dos lugares, assim como o modo de
os encarar.
É pertinente destacar que, embora os motivos que tendem a explicar a mobilidade
tenham sido o grande foco de atenção da maior parte dos estudos, resulta
importante identificar e explicitar os destinos para "onde" se faz
a mobilidade, neles descortinando o espaço ocupado pelas representações e pelas
memórias.
A diáspora migratória dos qualificados de um país inscreve-se sempre em
discursos de crítica e de frustração pela saída, entendida como
"obrigatória", mas também inscreve bastantes expetativas por parte
de quem fica, relativamente á capacidade desses quadros qualificados serem
agentes de construção da imagem externa desse país, contribuído para a sua
afirmação identitária. Isto partindo do princípio de que estes que saem e se
movem para o estrangeiro, sendo qualificados e altamente qualificados, são
portadores de conhecimentos e de saberes, não só valorizados nesse espaço
"estranho", mas também sinalizadores das qualidades das
instituições e das práticas dos países de origem.
Grande parte dos profissionais qualificados, incluindo os que se movem dentro
de estruturas e/ou instituições, tais como diplomatas, adidos, gestores em
multinacionais, bancos, lobing e outras elites - recolhem a classificação de
"estrangeiros" e, portanto, na aceção de Rundell (2004), são as
personagens principais do cosmopolitismo que se afirma discursivamente como
eixo principal de política num futuro próximo. Um eixo de árdua
operacionalização, principalmente se considerarmos que grande parte da
mobilidade que envolve qualificados é ainda explicada em função da mobilidade
do capital (Harvey,2007; Castree, 2007). Wallerstein (2004;2006), por exemplo,
encara a "fuga de cérebros" como uma consequência da estrutura do
mundo capitalista, que cria condições de crescimento económico para alguns
países e de subdesenvolvimento para outros, ao favorecer a aplicação de
diferentes formas de controlo de trabalho e de distribuição do poder político.
Afirma ainda que tal acontece porque o sistema capitalista assenta numa divisão
internacional do trabalho que determina as relações entre diferentes regiões,
bem como as condições de trabalho dentro de cada região. Num outro estudo
recente sobre o mesmo assunto, os fluxos de mobilidade são analisados em termos
de "centro" e de "periferia", sendo veiculada a ideia
de que o centro (core) funciona sempre como atrator dos qualificados da
periferia (Miguélez e Moreno, 2013:4).
Assim, importa frisar que a mobilidade de qualificados tem sido um importante
veículo de critica social acerca da política nacional e europeia na maioria dos
países. Em Portugal, desde os exercícios de hapenning, encetados pelos jovens
bolseiros de investigação no aeroporto de Lisboa, vários atores sociais tem
vindo a protagonizar várias modalidades de crítica às políticas socioeconómicas
através da exposição dos fenómenos de mobilidade dos qualificados. Exemplos
dessa crítica constituem as mais recentes letras de músicas que dinamizam
algumas comunidades online, de Pedro Abrunhosa e de Rui Unas. A primeira,
apontando as dificuldades de adaptação aos países de acolhimento e a vontade de
regressar a Portugal e aos "braços da mãe"; a segunda, enfatizando
a vertente "obrigatória" da mobilidade, de quem "já (não)
quer voltar", face á impossibilidade de ter emprego em Portugal adequado
"as qualificações".
Enquanto esta discussão se vislumbra como um contexto privilegiado para a
geração de significações diversas e, por vezes, contraditórias, sobre o papel
das políticas e, também, sobre a tipologia das racionalidades individuais e
motivações, surgem questões de enorme relevância que importa desconstruir, no
que respeita á imagem dos países mais sinalizados como receptores ou como
centro de origem de qualificados.
Mesmo em contextos em que o paradigma da circulação de cérebros prevalece como
forma de explicação oficial através do qual a mobilidade surge retrata como
foco de ganhos recíprocos para os países e indivíduos envolvidos e
diferentemente do que ocorre com outros países, os novos fluxos migratórios
representam para os países outrora classificados como "impérios",
ou "metrópoles" e/ou "colónias", um enorme desafio no
contexto da competição intensa por recursos que caracteriza a circulação de
capital humano, cientifico e tecnológico no mundo. Primeiro, um desafio
político que se relaciona com o espaço conferido ao legado histórico e á forma
e ao grau em que este interfere na articulação das políticas e medidas com
impacto sobre a própria mobilidade (reconhecimento de diplomas, atribuição de
visto, etc.). Segundo, um desafio cultural que se associa aos modos de
construção e de reconstrução das imagens e representações dos próprios países e
povos e no qual estão implicados tanto atores individuais (os que se movem e os
residentes), como instituições, governos e media.
A literatura sobre a mobilidade e qualificados esteve durante bastante tempo
encerrada no debate acerca da drenagem de cérebros e os fenómenos de
desigualdade social e económica com ela relacionados (Peixoto, 1999; Góis e
Marques, 2007). Tal como Brandi (2001) explicita, esta literatura, com grande
influência política, enfatizou durante bastante tempo a ideia da perda para o
país de origem que representa a mobilidade pessoas com qualificação, ou que
buscam qualificações nos países de receção. Uma parte considerável destes
estudos versam sobre a área da saúde, uma das que mais implicações e marcas
visíveis deixa nos países de origem (Shah, 2006).
Mais do que a "perda", para os países de origem, a saída de
profissionais chegou a ser classificada como mecanismo de domínio, por parte
dos países mais desenvolvidos. Esta foi a linha de análise desenvolvida por
vários autores, a partir do quadro genérico de Patkins (1968), um autor que
recolhe ao rótulo de "nacionalista", ao argumentar em favor da
necessidade de os estados imporem medidas que favoreçam a fixação de pessoas
nacionais nos seus territórios e atraiam o regresso dos que saíram.
É esta a linha de raciocínio que também atravessa as reflexões sobre a
internacionalização da ciência e do ensino superior (Veiga, 2012: Amaral, 2013;
Araújo e Silva, 2015). Alguns estudos mais específicos para o contexto das
relações entre os Estados Unidos da América e o resto do mundo enfatizaram,
inclusive, que a própria mobilidade oferece contextos de aprendizagem
ideológica adaptada a sustentar a conformação nos países de origem e,
principalmente, a estandardização de práticas que levam á hegemonia de certos
paradigmas com implicações sobre a economia, a sociedade e a política. O
alinhamento destes estudos carateriza-se por dar primazia á ideia de que, no
contexto da afirmação global e na luta pela obtenção de recursos, a nível
mundial, a "nacionalidade" dos conhecimentos, dos capitais e dos
produtos, é essencial. A propósito da ciência, Stoer e outros (2001) explicitam
a complexidade que envolve as redes de dependência entre países, nas quais os
indivíduos e famílias são envolvidos:
"Situado numa encruzilhada de forças que o transcendem, o campo
educativo surge com características afectadas por percursos
históricos do contexto em que tem lugar, surge influenciado por
interesses e poderes económicos, pelas relações Estado/mercado, por
orientações políticas e ideológicas, por localizações mais ou menos
centrais, e é ainda marcado por influências do global e do local que
nele conflituam" (Stoer et al., 2001: 14).
Há uns anos a esta parte, e com a amplificação do neoliberalismo, tem-se
verificado a imposição de um alinhamento discursivo marcado pela prevalência da
tese através da qual surge vincada a necessária circulação de capitais e,
portanto, de pessoas e qualificações (Gaillard e Gaillard,1998; Mogueréu,
2006). Aliada a uma intensa valorização do pós-nacional e do transnacional, o
discurso científico tem-se combinado com o discurso político na expressão da
mobilidade como condição necessária e essencial para a satisfação dos
interesses e escolhas individuais, não realizáveis nos contextos de origem. A
marca dominante deste discurso considera os aspectos mais negativos apontados
pela tese da "fuga de cérebros" e desloca-os num sentido positivo e
necessário. Trata-se de um complexo de argumentos gerados pela própria condição
da economia no mundo actual: tendencialmente desmaterializada e tendencialmente
desenraizada em termos espácio-temporais, e no contexto da qual a mobilidade de
pessoas surge como condição inerente e, portanto, quase não questionável. Desde
logo, o argumento principal é o de que a mobilidade de talentos não é uni, mas
bi ou multidireccional, uma vez que conduz a uma partilha de benefícios entre
países de envio e de acolhimento (Solimano, 2008), além de tudo, porque se
admite que os profissionais com sucesso no exterior acabam por contribuir para
o desenvolvimento dos seus próprios países, na geração e manutenção de redes de
ligação e de suporte á circulação de ideias, produtos e serviços. Um vasto
conjunto de literatura tem apostado nesta tese, procurando salientar os ganhos
existentes nos recursos mobilidade para todas as partes.
São conhecidas algumas iniciativas de melhoria dos modos de relacionamento
entre países no que respeita á gestão da mobilidade de qualificados. No
contexto europeu, a principal é a carta azul, a qual define algumas orientações
gerais sobre o modo como os diferentes estados devem tratar a mobilidade dos
qualificados (entrada e saída). Nosítio oficial (europa.eu) lê-se:
"The EU Blue Card scheme helps attract highly qualified migrants to
Europe, supporting Member States' and EU companies' efforts to fill gaps in
their labour markets that cannot be filled by their own nationals, other EU
nationals or legally resident non-EU nationals. It provides a common and
simplified procedure applicable in the EU Member States bound by the Directive
and ensures that potential migrants know what they need to do, whichever Member
State they are planning to go to, rather than having to face 24 different
systems".
Trata-se de uma legislação que fica atrás da carta verde norte americana. Esta
estipula condições de uso muito mais exequíveis do que a europeia, facilitando
a entrada de estrangeiros qualificados (Mosneaga, 2012:181), embora com uma
diferença significativa: enquanto na Europa, depois de cinco anos no país se
obtém automaticamente a autorização de residência permanente, nos EUA esta
obedece a um pedido expresso.
E, não obstante os objetivos protagonizados na carta, num dos últimos
relatórios sobre a Europa menciona-se, para o caso dos profissionais altamente
qualificados, de xenofobia e de atitudes negativas face àqueles:
"As for the Blue Card, it is at the moment an optimistic
theoretical perspective rather than accessible reality. There are in
fact many bureaucratic elements within this scheme that make it no
much different from regular national work permits. There is not
enough transparency and appropriate infrastructure for the legal
regime around the Blue Card in the EU. The Blue Card scheme's
implementation takes place at national labour markets and is at the
discretion of national legislatures, institutions and bureaucrats.
Different member states have different needs of high skill migrants
and even when facing such needs may show a more (like Sweden) or less
(like Germany) extrovert attitude for filling these needs. In
addition the continuing uneasiness of the public opinion related to
the crisis which fuels xenophobic discourses and an overall negative
attitude towards immigrants makes a proactive implementation of high-
skill migration policies in general and of the Blue Card scheme in
particular rather unlikely in the current context" (Isaakyan e
Triandafyllidou, 2013:9).
Diz-se ainda no referido relatório que:
"Thus migrants are often perceived to be "stealing
jobs" and high skill is being frequently confused in the public
eye, with low skill migration. While high-skilled immigrants are much
better accepted than low-skilled immigrants, their general rejection
is still rapidly progressing throughout the EU." (Isaakyan e
Triandafyllidou, 2013:4).
Apesar da forte expressão destes discursos acerca da circulação de pessoas
qualificadas, várias análises realizadas em diversos contextos nacionais têm
sublinhado a clara perda para os países de origem desencadeada pela mobilidade
de qualificados. É o caso do Irão, com forte mobilidade para os Estados Unidos
da América e Canadá e, também, o caso de Israel que apresenta um perfil
idêntico. Podem estender-se as citações, igualmente, a grande parte dos países
africanos, asiáticos e latino-americanos, especialmente México, Equador e
Argentina, isto apesar de serem cada vez mais conhecidos esforços no sentido de
dinamizar economicamente certas regiões, como forma fixar as suas populações,
como é o caso de algumas iniciativas em África (Mohamoud, 2005).
Portugal foi continuamente caracterizado como um país com dificuldade de
atracão de quadros qualificados, muito particularmente de investigadores
(Fontes, 2007; Araújo, 2007; Delicado, 2008,). Embora se identifiquem fluxos de
chegada, sobretudo de países de expressão portuguesa, esta tendência tem-se
mantido nos últimos anos, ao par do aumento da saída de jovens já formados, ou
em formação superior.
Neste texto pretende-se relacionar os fluxos de mobilidade e as suas
explicações com a sua apresentação nos media. Entende-se que estes são
instâncias que interferem na construção de representações sobre os países e os
profissionais envolvidos. Com efeito, Cogo e Badet (2013) problematizam a
construção discursiva dos meios de comunicação brasileiros em relação a
imigração de quadros qualificados que chegam ao Brasil, concluindo que as
"representações" sobre esses profissionais os separam sobretudo, em
função do valor da sua qualificação profissional no país de receção -
neste caso, o Brasil.
Nota metodológica
A pesquisa realizada compreendeu o período entre 2008 e 2014 e implicou quatro
meios de comunicação on line: a BBC News, o Financial Times, a Folha de São
Paulo e o Jornal de Angola. Os dois primeiros são reconhecidos pela reputação
internacional, recolhendo um leque muito alargado de audiências. Os dois
últimos foram escolhidos por serem também dois dos mais reputados jornais a
circular em dois territórios - Brasil e Angola. Na procura de conteúdos na
BBCNews e no Financial Times foram usadas duas categorias - "portuguese
skilled migration" e "brain drain in Portugal". Na Folha de
São Paulo a pesquisa foi realizada mediante as seguintes categorias:
"portugueses qualificados no Brasil" e "fuga de cérebros em
Portugal". No Jornal de Angola, apenas se alterou a categoria anterior
para "portugueses qualificados em Angola". Em detalhe, foram
recolhidos 36 conteúdos: 6 artigos da BBC Newse 5 do Financial Times.
Consideramos ainda 1 artigo da France 24 e 1 no jornal norte-americano San
Francisco Gate. Na base da pesquisa realizada através da rede de difusão
Angonoticias, foi considerado 1 artigo do Jornal de Angola e 1 do Novo Jornal.
Do jornal brasileiro O Globo recolheram-se 14 artigos e 7 da Folha de São
Paulo.
Orlandi (2005:11), baseado em Pêcheaux, afirma que "todo o enunciado toda
a sequência de enunciados é linguisticamente descritível como uma série (léxico
- sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar á
interpretação) Tal como afirma Carvalho (2000:143) "não há, no âmbito da
análise de discurso, um método uniforme de desconstrução e reconstrução dos
textos (que é, no fundo, o que se processa em qualquer análise). Muitas
abordagens não especificam sequer a forma de o fazer". Assim, depois de
sistematizar a informação recolhida, procurou-se perspectivar e elaborar uma
interpretação sobre esses "conteúdos", seguindo o alinhamento da
análise de discurso. Com esta opção, a análise passou a não ficar concentrada
apenas no que é dito, mas aberta à opacidade do que se diz. Na linha da
argumentação de Orlandi (2005:11) procurando-se a "compreensão do que o
sujeito diz em relação a outros dizeres, ao que ele não diz". Na análise
efetuada aos conteúdos dos artigos recolhidos, além da estrutura e forma do
discurso, teve-se em conta principalmente, a perspetiva e representações sobre
a mobilidade internacional de quadros qualificados portugueses, especialmente
para países de língua oficial portuguesa, incluindo as representações,
sentimentos e perspetivas em relação a Portugal.
Os discursos como práticas: inversos e reversos
Referindo-se a Fairclough (2001), Fred (2013) considera que o discurso da
globalização é excludente. Afirma também que o sentido (meaning) do que se diz
num certo discurso reflete vitórias e fracassos das lutas sociais passadas
(Fairclough, 2001, p.73 cit in Fred, 2013:7). Numa linha idêntica, ao analisar
os fenómenos de poder, Balandier (1992: 59) afirmara que "as aparências
que emergem do imaginário colectivo podem destruir as que são produzidas pela
sociedade convertendo, assim, as ilusões que mascaram a realidade em verdades
expostas sob o modo ilusório, através de metáforas, figuras e alegorias
fantasmagorias."
As visões e os processos de constituição das epistemologias de conhecimento,
basilares para se perceber a formulação do discurso, estão, por norma,
arreigados no principio da permanência e da constância dos modos de
funcionamento e de relacionamento que não contam com as mudanças e os processo
de autonomização politica e económica. Quer dizer, os discursos, nas suas
múltiplas variações, como conjunto de ideias, sistemas de classificação e /ou
de representação são altamente vulneráveis á reprodução e ao reforço, mais do
que á inovação e á mudança, particularmente porque, desse modo, se mantêm
ordens e relações de poder.
No plano desta discussão, a mobilidade de profissionais entre países com
passados marcados por relações coloniais surgiria como fenómeno revelador de
contornos bastante distintos dos que marcaram a economia capitalista ocidental.
Mas, alguns discursos dominantes e que espelham o modo como os países -
Portugal, em especifico os representados externamente estão ultra carregados de
adjetivos que, mais do que prometerem e afirmarem uma nova realidade, repetem,
de forma deliberada as normalizações do passado, apenas mudando o sentido de
direção, assim constituindo o discurso numa lógica permanente de afirmação
linear:
"Now, in a historic role reversal, these onetime empire
builders are seeing legions of frustrated young people head to old
dominions in quest of a better life"; lê-se no jornal San
Francisco Gate de 16 de Abril de 2011.
A expressão "reversão histórica de papel", de todo o modo, surge
dispersa em vários discursos, de tipo mediático e/ou político e mesmo
reproduzidos na linguagem e nos discursos do senso comum, transportando todos
os elementos de um discurso ideológico, reificado, normalizador.
Com efeito, trata-se de posicionar os países num plano espacio temporal
estático, "como se" as condições estruturais de relacionamento
entre esses mesmos países se tivessem mantido inalteradas ao longo do tempo.
Objectivamente "reversão de papel" significa inversão de papel que
é intencionalmente marcado como "histórico", isto é, por outras
palavras, de "império", Portugal passa a "colónia" e de
"velhos domínios" os países que recebem os qualificados passam a
"a senhores".
A frase é ainda mais forte, ao mencionar-se, não claramente
"Portugal" ou Espanha, mas "estes construtores de
império" que "agora vêem", não muita gente, mas
"legiões", não de pessoas, mas de "jovens", sobretudo
"frustrados", para territórios que não são "países",
mas permanecem nominalizados como "antigos domínios".
O mesmo padrão discursivo é encontrado BBC News, 1 de Setembro de 2011, no qual
se afirma, no mesmo registo épico, que:
"Thousands of young unemployed professionals are escaping
Portugal's crippling economic crisis by finding jobs in former
colonies, such as Brazil and Angola. The reversal of traditional
migration patterns is fuelling talk of a lost generation".
Mas, em 2013 (26 de março), a mesma fonte reafirmaria:
"Tens of thousands of Portuguese are seeking work in places like
Angola and Mozambique, countries which were former colonies. Once
again it is engineers and those with specialist skills who are
gambling on a different future outside Europe."
De novo, observa-se o uso da palavra "reversão", mantendo o registo
épico marcado pelo plural indefinido "milhares de" que não
"saem" de Portugal, mas "escapam". Ainda mais incisivo,
afirma-se como condição "verificada" que "encontram
empregos" não apenas no Brasil e em Angola, mas em países - estes
- que são "antigas colónias". A afirmação dramática insiste
no uso de "reversão", imprimindo ainda mais ironia ao
"deslocamento" da imagem de Portugal que, assim, "perde uma
geração". A estrutura errante da narrativa é decisiva e marcante.
A juntar à dimensão épica marcada pela intensa "reversão"
("once again"), a narrativa alimenta-se da necessidade de enfatizar
o êxodo, apostando na polarização: de um lado - da Europa, dos
"antigos impérios", está tudo o que é mau e desgraça
("criplling") e de outro, tudo que é supostamente perspectivado
como melhor, da parte de quem efetua mobilidade, mas não conhecido pelo
enunciante do discurso, pois o quadro que apresenta é de aposta, de jogo, de
algo arriscado ("gambling").
É ainda na BBC News que, em 4 de Abril de 2013, se afirma, com o titulo
"Portugal's unemployed heading to Mozambique "paradise":
"The 39-year-old, who has a master's degree in tourism, left her
Algarve home for a life in the coastal Mozambique town of Vilanculos
four years ago after a three-month job hunt in her native country
ended in failure."
À medida que passa o tempo e a narrativa se desenvolve de 2011 a 2013 observa-
se uma certa convergência discurso, no sentido do carácter bíblico da
mobilidade, que surge apresentada, ainda assim, de modo irónico, perceptível
nas aspas que limitam a palavra "paraíso".
Usando a problematização elaborada por Djik (1998), constata-se a existência de
uma estrutura discursiva pautada e constituída pelo apropriação de passados
históricos, reconstituídos como guias de observação para as realidades novas,
não apenas porque se verificam no tempo presente, mas porque acontecem sob
modos de relacionamento e sobre padrões identitários nacionais e coletivos
efetivamente distintos. Desde logo, convém precisar que a expressão
"padrões tradicionais de imigração" reforça o padrão de
continuidade temporal, não tendo substância empírica condizente, dada a
relatividade do adjectivo "tradicional". Isto é, assume-se haver/
ter havido uma "tradição", como reforço da tese do "regresso/
inversão), mas essa tradição não é demonstrada, nem demonstrável (simplesmente
porque não existe enquanto tal, isto é, houve e há ao longo da história do
relacionamento Brasil-Portugal-Angola vagas diferentes, com percursos e
direções variáveis, ao longo do tempo).
O mesmo padrão de continuidade surge constatado na forma como se afirma a
partilha de uma certa "lei histórica" que conduz os qualificados a
moverem-se dos países que continuam a ser classificados como "menos
desenvolvidos", para os "mais desenvolvidos". A frase que se
cita a seguir, do Financial Times, de 18 de março de 2012, evidencia essa
permanência representacional, ao afirmar que a ida de portugueses para Angola
não se inscreve nesse alinhamento evolutivo, pois, em "vez" de
serem os africanos a deixarem as suas nações, verifica-se o que implicitamente
surge classificado como o "contrário":
"The phenomenon is in many ways a reverse brain drain -
instead of qualified Africans leaving for developed nations, many of
those beginning new lives in Mozambique are professionals, including
dentists, lawyers, architects and engineers."
No dia 13 de maio de 2013 escreve-se num num artigo sugestivamente intitulado
"novos gringos" vinca esta ideia de retorno da história e de ajuste
de contas, não de Portugal, mas da Europa com o mundo, progredindo no limite
temporal, indo até ao início do século XX:
"Diante do aperto no mercado de trabalho, o governo federal está se
mexendo para facilitar e incentivar a imigração de profissionais estrangeiros.
Faltam médicos, engenheiros, técnicos. O que faz lembrar os tempos em que São
Paulo assumiu a liderança da importação de mão-de-obra europeia, na passagem do
século 19 para o 20"
É, aliás, no Folha de S.Paulo, de 8 de Setembro de 2012 aparece assim tratada a
opinião de Paulo Portas, ministro dos negócios estrangeiros de Portugal, a qual
se situa, igualmente, no mesmo registo dual:
"O Brasil deve retribuir o que fizemos por dentistas, diz
chanceler de Portugal".
Em Junho de 2012, o mesmo jornal apresentava um artigo escrito por um
jornalista em que este apresenta a mobilidade como um meio de os sistemas em
crise encontrarem pontos de equilíbrio, mantendo a estrutura discursiva
alinhava pela repetição da história, "refazendo os passos".
"But I hope that plenty of ambitious young Europeans do take up
Oliveira's suggestion to pack their bags, at least for a while.
A century ago, entrepreneurial Europeans headed to the
"colonies". Retracing those steps, as those ex-colonies
swell in might,is not so odd. Migration has been a powerful force for
growth in human history. Fluid flows may yet be a means for a
profoundly unbalanced global economy to rebalanceitself."
A imprensa Angolana apresenta algumas demonstrações desse padrão, evidenciado
pelo uso do mesmo termo "inversão". Os media não exploraram em
profundidade os conteúdos relativos á entrada de Portugueses em Angola que é
coincidente com o crescimento daquele país e também com a deslocalização e
expansão de empresas estrangeiras naquele território. Também não deram conta da
vontade de regresso a Angola por parte de muitos portugueses nascidos ali, em
sessenta.
No caso especifico de Angola, mais do que o que acontece nos media Brasileiros,
o tema da cooperação surge bastante evidenciado nos artigos pesquisados, embora
seja mais presente justamente nos conteúdos cujos enunciantes são políticos.
Por exemplo, a 10 de Maio de 2010, o vice-ministro da saúde angolano era citado
no jornal de Angola, por afirmar:
"Esta cooperação vai fazer com que os nossos técnicos
participem em projectos de investigação em benefício dos dois
povos" (…) "Angola e Portugal precisam de incrementar a
cooperação no ramo da Saúde para corresponder ao nível das nossas
relações".
Mas é verificável a mesma tendência de valorização do fluxo em direção a Angola
como mecanismo de mudança de posições no tabuleiro histórico.
Afirma-se no Jornal de Notícias, de 3 de Março de 2009 (com difusão no
Angonotícias de 10 de março) que "Nos últimos três anos, registou-se uma
inversão nos fluxos migratórios entre Portugal e Angola. (…)"
Narrativa semelhante espelha-se no jornal Folha de S. Paulo. A 4 de Novembro de
2011, sob o título "O mundo dá voltas", a jornalista afirmava:
"O mundo efetivamente dá voltas. Houve um tempo longínquo em
que o Brasil era um oásis para portugueses que não tinham onde cair
mortos. Houve um tempo, até recente, em que Portugal foi um oásis
para os brasileiros sem perspectiva -de renda e de vida". Na
mesma peça, a jornalista explicita que "E eis que, com a crise
econômica internacional, a direção da migração volta a se
inverter."
Estamos em presença do mesmo tipo de estrutura narrativa, através da qual a
história surge apresentada como um fluxo de ciclos que se repetem, que
regressam, de onde se extraem sobretudo, "lições" e de podem
acontecer "ajustes de contas". Alem disso, a narrativa, delimita-se
entre posições de poder dinâmicas, às quais subjaz uma ancoragem temporal
centrada na imprevisibilidade do futuro: os mesmos que "dominam"
num certo período, podem ser os que precisam de ajuda, noutro, tal como se
observa na Folha de S. Paulo (4 de Novembro de 2011):
"Em vez de só os brasileiros tentarem uma vida melhor no
Primeiro Mundo, cidadãos dos países ricos e também (ou
principalmente) da América Latina, da África e da Ásia fazem o
caminho inverso. Convém discutir seriamente a questão da mobilidade
nesses tempos de globalização. Hoje, eles é que precisam entrar aqui.
Amanhã, somos nós que precisaremos entrar lá de novo. Nunca se
sabe".
No mesmo jornal, do mesmo dia (4 de Novembro de 2011), é, aliás, citado o
cônsul do Brasil em Lisboa, cuja afirmação segue o mesmo sentido, embora
reforçado, por um lado, pela nomeação do fenómeno da mobilidade como
"fuga de cérebros" e, por outro, por uma certa ideia sobre a
posição de privilégio do Brasil, por receber os portugueses:
"São pessoas cada vez mais especializadas. Constitui uma de
fuga de cérebros, mas desta vez o destino é o Brasil. Não é uma
migração dos países menos desenvolvidos para os países ricos, como se
dizia nos anos 60"
Esta breve análise de alguma imprensa internacional - justamente,
imprensa que tem capacidade para produzir discursos com alto potencial de
performatividade no contexto dos modos de relacionamento social e político
entre povos, veicula, assim, uma estrutura que se afirma ainda nos contextos de
ação quotidiana, da experiência de vida dos sujeitos.
Um estudo realizado acerca da trajetória de investigadores portugueses e também
de estrangeiros em Portugal mostra que ficam vincadas no discurso, quando o
assunto são as experiencias de quem vive contextos que envolvem passados
coloniais, as referências a esse passado como utensílio de justificação, servem
para um exercício de constante posicionamento/auto posicionamento dos sujeitos,
carregado de algumas indefinições, mas também de preconceitos que ora (auto)
valorizam, ora (auto) inferiorizam.
Interessante é verificar que estes processos contínuos de autodefinição não são
marcados por hegemonias identitárias nas quais seja perfeitamente definível
quem é o "nós" e quem são "eles". São dispersos e
variam até de acordo com o conhecimento dos próprios atores sobre esse mesmo
passado colonial e, sobretudo, variam dentro dos próprios grupos brasileiros/
angolanos/portugueses, sendo observável o efeito de quem, como estrangeiro, se
vê fora do grupo de portugueses (estando lá) e do grupo de estrangeiros
(estando cá), muito concretamente, partir dos discursos produzidos e conduzidos
pelos media.
Nota final
A observação da imprensa estrangeira, particularmente de países centrais que
acumulam passados como potências imperialistas, dá conta do tom reificado do
discurso preso, não só porque se refere à "necessária" dependência
das colónias em relação às metrópoles, ou seja dos "menos"
desenvolvidos em relação aos "mais" desenvolvidos, mas, também e
ironicamente, á ideia da dependência dos mais desenvolvidos em relação ao menos
desenvolvidos, protagonizando-se o que se afirma no discurso como movimento
"inverso".
Como se observa, libertar o pensamento da sua tonalidade colonial não é um
processo fácil, até porque ela se enraíza em afirmações de poder altamente
constitutivas dos modos de relacionamento entre sociedades. Apesar da vasta
literatura que percorre os vários países envolvidos em passados coloniais, é
evidente a necessidade de aprofundar os modos pelos quais este passado é re-
atualizado e a importância que representam na construção de caminhos de futuro.
Neste texto, que tem um caráter introdutório e exploratório, pretendeu-se
mostrar as vulnerabilidades que assistem a alguns países com experiencias de
colonização, no que concerne ao modo como os discursos e as linguagens com
poder de modelação de representações no espaço global vincam a presença e a
permanência de classificações expressivas e/ou reivindicativas desse passado
colonial e sua suposta capacidade constitutiva no presente. Incidiu-se esta
reflexão no contexto da análise das imagens, discursos e alguma experiencias de
profissionais qualificados em mobilidade.
Observou-se que, de um fenómeno entendível na sua estrita dimensão pessoal,
como projeto que resulta da avaliação dos custos e oportunidades oferecidas
pelo percurso de saída mais ou menos temporária, passamos para a sua
problematização enquanto eixo de definição identitária, enquanto nódulo de
significações históricas que apõem os posicionamentos auto atribuídos entre
países. Nesse sentido, interessa diagnosticar o estado das representações
sociais sobre o fenómeno e criar espaços de reflexividade global, em particular
em relação aos autores e protagonistas de discursos com poder, propícios á
inovação discursiva que permita aos discursos dominantes (e massificados) sair
das cápsulas coloniais e etnocêntricas. Este projeto, especialmente orientado
para a análise dos discursos mediáticos, é ainda mais pertinente no contexto
das relações que se estabelecem no domínio da ciência, ensino e investigação,
áreas marcadas pelas mobilidades de curta e de longa duração e sobre as quais
recaem esperanças futuras de construção de comunidades genuinamente
comunicativas.