Public Engagement with Science and Technology: contributos para a definição do
conceito e a análise da sua aplicação no contexto português
Introdução
Há já três décadas, a Royal Society do Reino Unido publicou um relatório que
veio marcar o início de uma nova era na história da comunicação de ciência: o
Bodmer Report (Bodmer, 1985). O relatório reconhecia a existência de uma
correlação positiva entre o nível de conhecimentos e a atitude, mais ou menos
positiva, do público relativamente à ciência e tecnologia, e que esta
correlação era essencial para a legitimação social das mesmas.
Avançando com a criação de uma comissão para coordenar projetos na área (COPUS-
Committee on the Public Understanding of Science), o documento atribuiu à
comunicação e à popularização um papel preponderante na credibilização da
ciência, como tentativa de promover o entendimento da mesma como um elemento
essencial na construção da sociedade, estimular a responsabilidade pública
relativamente ao desenvolvimento científico e tecnológico, recrutar uma nova
geração de cientistas e engenheiros, e aumentar a aceitação das novas
tecnologias e da ciência com os benefícios comerciais e industriais que tal
acarreta (Bodmer, 1985).
Os inquéritos à perceção pública da ciência depois da aplicação de muitas
medidas assentes nas recomendações do Bodmer Report vieram contradizer um dos
seus argumentos principais, nomeadamente que o nível de literacia científica
está diretamente relacionado com as atitudes que os cidadãos demonstram
relativamente à ciência (Bauer, Durant & Evans, 1994; Luján & Atienza,
1997; Peter Peters, 2003; Torres-Albero, 2005). Esta tomada de consciência
impulsionou a reformulação dos seus princípios e a valorização de uma dimensão
contextual, baseada na articulação da ciência e o dia-a-dia dos cidadãos, nos
estudos de perceção (Eizaguirre, 2009; Wynne, 1991). Percebeu-se que existiam
outros elementos que podiam explicar a atitude dos indivíduos em relação às
questões científicas, nomeadamente as representações, os valores, as crenças e
a confiança nas fontes.
Além disso, as incertezas e riscos associados ao impacto que algumas áreas
científicas podiam ter na saúde pública e no meio ambiente (por ex.,
biotecnologia, energia nuclear, clonagem humana e alterações climáticas) vieram
questionar alguns dos paradigmas fundamentais da ciência (Beck, 1999).
Paralelamente, despontou também a "tecnociência" moderna, tendo-se
acentuado ainda mais a deterioração da imagem social da ciência como entidade
universalmente benéfica e livre de motivações interessadas, com a entrega de
grande parte da Investigação e Desenvolvimento (I&D) ao capital privado.
A busca por novas formas de negociação social das políticas científico-
tecnológicas fez surgir mais recentemente um novo conceito: o Public Engagement
with Science and Technology1 (From PUS to PEST, 2002). O PEST envolve o
compromisso entre sociedade e ciência, através do diálogo, em particular
através de uma discussão aberta e de igual para igual que possibilite aos
leigos tornarem-se os protagonistas nas decisões científicas com impacto social
(Pitrelli, 2003). Nesta abordagem participativa a ênfase já não está na difusão
do conhecimento, mas na sua apropriação, na sua integração com outros saberes e
na sua utilização na tomada de decisão, através de um processo de contribuição
mútua e de legitimação pública para o desenvolvimento de uma ciência mais
humanizada. Esta posição mais igualitária de envolvimento público, como parte
fundamental de uma democracia forte e consolidada, estabelece uma via de duplo
sentido: o conhecimento público da ciência e o conhecimento da comunidade
científica sobre o público.
Esta nova forma de ver a ciência implica a disponibilização à sociedade de
informações na medida e na linguagem adequadas (Macnaghten, Kearnes &
Wynne, 2005) e um envolvimento ativo dos cidadãos nas trajetórias sociotécnicas
(Katz-Kimchi, Martin, Weber & Taylor, 2011), um ponto especialmente crítico
quando um desenvolvimento técnico-científico é inovador e apresenta riscos ou
incertezas. Porém, se, por um lado, alguns autores salientam as vantagens deste
modelo na formulação de novas questões científicas com base nas ambivalências,
nas diversidades e nas incertezas expressas nos discursos dos cidadãos, na
documentação do seu conhecimento (Kotchetkova, Evans & Langer, 2008), e no
seu contributo significativo para a formulação de novas políticas (Parry et
al., S/D), outros há que destacam o facto de a sua teoria não estar em
convergência com a sua prática (Delgado, Kjølberg & Wickson, 2011).
Impõe-se, por isso, mapear diferentes formas de definir o conceito de
engagement e de pensar os propósitos que deve servir. Este artigo começa por
traçar a biografia da noção de PEST e enquadrá-la nos modelos de comunicação
pública da ciência com os seus diferentes modos de ver os públicos. De seguida,
discute-se algumas das diferentes formas de conceptualizar o engagement e de
formular os seus objetivos. O artigo analisa depois a forma como o conceito tem
sido definido em Portugal e termina com algumas considerações finais.
"Public Engagement with Science and Technology" e a comunicação
pública de ciência
Engagement é uma palavra de origem francesa que tem vindo a ser utilizada desde
o século XII e que começou por ter um significado associado a garantia
monetária ou documental, a "contrato na prestação de serviços"
(gage significa caução), "angariação de indivíduos para emigração ou para
o serviço militar" (Houaiss & Villar, 2001, p. 1147). A partir do
século XX, engagement adquire um novo significado associado a comprometimento/
compromisso em relação a algo, a uma causa ou à "participação ativa em
assuntos e circunstâncias de relevo político e social" (idem). Em finais
do século XX, o termo é apropriado pela área da governança para se referir à
participação pública, como uma nova perspetiva que pretende estimular o
desenvolvimento de novos sistemas democráticos que aproximem os cidadãos, cada
vez mais distantes dos debates políticos, da governação pública (Carvalho,
Carvalho, Araújo & Brites, 2010).
O termo foi aplicado também à ciência. Defendendo a aplicação de estratégias
participativas no processo de produção e de decisão científicas, teve início na
Europa, na década de 1990, um movimento, também muitas vezes denominado de
"participação pública" que postula a inclusão do público na
ciência, "sugerindo claramente um estado pré-existente de exclusão a ser
substituído por um movimento de inclusão ou envolvimento" (Bensaude
Vincent, 2014, p. 241) e a "construção de [um] relacionamento que toma
como certo existirem "lacunas"" entre duas entidades que se encontram
supostamente separadas (a ciência e o público) e que "requerem
"Pontes"" (Davies, 2013, p. 695).
A partir do início deste século, com a publicação dos dois importantes
relatórios Science and Society (House of Lords, 2000) e Science and the Public
(Office of Science and Technology & The Wellcome Trust, 2000), o termo
adquire relevo e começa a surgir em vários documentos oficiais da Comissão
Europeia, nomeadamente no Plano de Ação "Ciência e Sociedade"
(Comissão Europeia, 2002), e nos relatórios da Royal Society de Londres (Royal
Society of Science & Royal Academy of Engineering, 2004), tendo-se
institucionalizado em 2007, na primeira conferência de envolvimento público
organizado pela União Europeia, em Lisboa (European Commission, 2008).
Porém, de acordo com Bensaude Vincent (2014, p. 243-4), verifica-se uma
discrepância entre o significante e o significado da expressão.
"Por um lado, o engagement defende o abandono da comunicação de ciência
convencional num único sentido (a partir de uma elite de cientistas para a
público leigo), a favor de uma comunicação a partir do público para os círculos
de investigação. Por outro lado, a expressão não foi introduzida por cientistas
ou ativistas sociais, mas através do meio burocrático da política e da
administração de ciência. O que significa que, ironicamente, enquanto o
significado enfatizou a necessidade de romper com a comunicação de cima para
baixo, o próprio significante viajou de cima para baixo".
O conceito nasce da "intersecção entre uma iniciativa top-down e uma
variedade de movimentos locais e de baixo para cima" (Bensaude Vincent,
2014, p. 244) e a sua definição varia consoante o contexto nacional onde é
aplicado, tendo bastante visibilidade e sucesso em vários países da Europa,
América do Norte, Australásia, entre outros (Davies, 2013; Hagendijk &
Irwin, 2006; Horst & Irwin, 2010; McCallie et al., 2009). Delgado et al.
(2011) dizem mesmo que esta é a "era do engagement" e não será
excessivo argumentar que há uma dimensão retórica associada ao termo. Contudo,
as definições de engagement e os objetivos das ações que se assumem como tal
nem sempre são coincidentes ou claros.
O PEST e os modelos de comunicação de ciência
Para ajudar a compreender a emergência e evolução do termo na área da
comunicação pública de ciência, começamos por sistematizar os vários modelos de
comunicação pública de ciência explorados na literatura, bem como os objetivos
que se estabelecem para cada um deles, com base nas perspetivas de Bucchi
(2008), Irwin (2008) e Trench (2008) (ver Tabela_1). Note-se que apesar de se
apresentar uma sequência temporal, ela serve apenas como mero indicador do
período em que os paradigmas e os modelos surgiram e tiveram predominância
simbólica, porque na prática eles não se anularam e todos se mantêm ainda
atuais, em muitos casos de uma forma combinada, dependendo dos contextos
socioculturais, económicos e políticos de cada sociedade.
Destacam-se duas orientações muito distintas: por um lado, a tese do défice (no
nível de conhecimentos), que propõe processos de comunicação numa única
direção, desde os cientistas até a sociedade, nos quais a chave é a
disseminação da informação, e, por outro, as teses do diálogo e participação,
que propõem processos dialógicos de comunicação, nos quais a participação e a
postura ativa do público são o foco de atenção (Lewenstein, 2003; House of
Lords, 2000).
Associado ainda ao modelo de diálogo mas partilhando já os ideais do modelo de
participação, o engagement é uma variante comunicacional que dominou os
processos comunicativos de ciência, a partir dos anos 90, ainda no âmbito do
paradigma da "compreensão pública da ciência" (ou PUS-Public
Understanding of Science). A noção de engagement,que tem também grande
centralidade no paradigma "ciência na sociedade", surge ligada a
uma tentativa de ouvir as opiniões dos cidadãos com o objetivo de redefinir a
investigação e de negociar as suas aplicações, com uma ênfase nas preocupações
que são expressadas pelo público e o modo como se posiciona face a diferentes
questões.
Com o modelo dialógico ficou clara a necessidade de proceder a uma
transformação da conceção de público, tendo em conta a sua capacidade de
processar a informação de acordo com as suas próprias experiências culturais e
sociais. Neste contexto, surgiram algumas posições em defesa de um modelo
baseado na experiência leiga (ou modelo de public engagement, como é referido
por muitos), concebido por Wynne (2006), e que supõe um reconhecimento da
importância de ouvir outras fontes de informação na produção do conhecimento
científico e na sua aplicação, nomeadamente aquilo que os cidadãos têm a dizer
a respeito de determinado tema, uma vez que uma aplicação adequada dos
desenvolvimentos científicos requer um conhecimento aprofundado do contexto
onde ocorrerá essa aplicação (Brossard & Lewenstein, 2010). Nesta
perspetiva, o olhar, a experiência e o conhecimento dos cidadãos não cientistas
tornam-se bastante relevantes no processo de produção de conhecimento e
sobretudo na resolução de controvérsias socio-científicas.
Assente na matriz dialógica, esta variante pretendia integrar outros saberes
nos processos de tomada de decisão, revalidando a posição da ciência na
sociedade e reconhecendo o valor dos conhecimentos das comunidades locais
(experiências de vida, práticas tradicionalmente desenvolvidas e saberes
passados de geração em geração), para além dos conhecimentos científicos, na
resolução de problemas (Lewenstein, 2003; Lewenstein & Brossard, 2006). O
conhecimento científico não é mais o único conhecimento válido, existindo
outros saberes que podem ter a mesma relevância para a resolução de um problema
específico. No fundo, preconiza-se que o conhecimento relevante não é produzido
apenas pela comunidade científica, a sua produção implica um diálogo, uma
consulta e uma aprendizagem mútua entre os cientistas e os cidadãos comuns e
que a comunicação não é linear mas complexa e envolve diversos interlocutores.
Por se tratar de um conceito que se situa na fronteira entre o campo do diálogo
e da conversação (cf. Trench, 2008), do diálogo e da participação, do
envolvimento e da deliberação, o termo engagement é também muitas vezes
utilizado para se referir ao modelo de participação pública, em mais uma
indicação da multiplicidade de aceções que tem. Nascido a partir do paradigma
"Ciência na Sociedade", o modelo de participação pública traz uma
nova perspetiva sobre o papel dos cidadãos na formulação de políticas e no
debate em torno das inovações científico-tecnológicas para a melhoria da
qualidade de vida (Trench, 2008). Para alguns autores, o modelo de diálogo
acaba por ser apenas uma versão sofisticada do modelo de défice, uma vez que se
continua, muitas vezes, a ignorar as respostas dos indivíduos em relação à
informação (Lewenstein, 2003). Já no modelo de participação, a
"comunidade ampliada de pares" (Funtowicz & Ravetz, 1997),
constituída pelos vários públicos da ciência, é chamada para a discussão e para
o debate das questões científicas, com o objetivo de garantir a qualidade dos
resultados, de promover uma compreensão mútua e, fundamentalmente, de
estabelecer uma tomada de decisão conjunta e democrática.
O diálogo entre comunidade científica e cidadãos deixa de ser apenas uma
questão de conhecimento, passando a ser também de governança. Focalizado nos
aspetos políticos que envolvem os conhecimentos científicos e tecnológicos, o
novo modelo apoia-se nos ideais democráticos de uma ampla participação cidadã
nos processos decisórios e atribui autoridade ao público sobre as políticas e
os recursos.
Visões do público
O público é concebido de modos distintos nos diferentes modelos de comunicação
de ciência. No modelo do défice a ciência vê no público um ator ignorante,
permeável à persuasão e mesmo hostil, o que requer a defesa da ciência (Trench,
2008). O público é considerado um mero recetor de informação. A sua lacuna de
conhecimentos é preenchida através de uma disseminação top-down e num único
sentido. O modelo de diálogo pressupõe uma discussão entre cientistas e o
público, com vista a uma negociação e a uma consensualização, a partir de um
enquadramento e de um debate, em duas vias, acerca dos aspetos científicos, as
suas implicações sociais e políticas, e os seus benefícios, desvantagens e
custos (Gregory, Agar, Lock & Harris, 2007; Wooden, 2006).
Enquanto o modelo do défice vê o público como maioritariamente iletrado em
termos de conhecimento científico, impressionável, passivo, acrítico, descrente
e temeroso em relação à ciência, as perspetivas mais críticas que se
desenvolveram posteriormente, reconhecem a heterogeneidade do público ao nível
da sua constituição, do seu conhecimento científico, e da sua participação em
atividades desse cariz, o seu carácter ativo e a capacidade de utilizar o
conhecimento científico em seu benefício (Burns, O'Connor &
Stocklmayer, 2003; Einsiedel, 2008; Michael, 2002; Wynne, 1995) (ver Tabela_2).
Se no primeiro caso se justifica um esforço social, político e da própria
comunidade científica para promover e facilitar o acesso do público leigo ao
saber científico, no segundo caso a ênfase é colocada na análise dos processos
que colocam esses públicos em interação com a ciência, em termos de produção,
mediação e utilização, tendo em conta a multiplicidade de comunidades que
intervêm nesses processos.
Ao contrário do modelo de défice, no engagement os públicos mais do que simples
observadores, experimentadores da ciência e meros espectadores são
participantes ativos na discussão e análise dos temas e problemas. Pretende-se
que os cidadãos se envolvam, coloquem questões, troquem perspetivas,
conhecimentos e experiências; ou seja, que assumam as questões ao mesmo nível
que a comunidade científica, passando a ser um agente essencial para a produção
do próprio conhecimento, que resulta de uma interação entre especialistas e
leigos no contexto de "fóruns híbridos" (Callon, Lascoumes &
Barthe, 2001).
No modelo de participação, o público leigo não é mais visto como um obstáculo a
superar através de iniciativas de educação adequadas (como no modelo de
défice), nem como um elemento adicional que enriquece o conhecimento dos
profissionais (como no modelo de diálogo). Ele participa na deliberação de
políticas e "ajuda a definir a agenda para a comunicação da ciência e,
eventualmente, para a ciência", (Trench, 2008, p. 133) numa forma mais
"elevada" de envolvimento, através das contribuições que resultam
da sua avaliação do "porque sim" e do "porque não" dos vários aspetos da
ciência. Há, ainda, uma participação pública na negociação de sentidos, tendo
como referência na definição desses sentidos outras disciplinas e atividades
intelectuais e culturais que podem oferecer diferentes perceções sobre os
significados que a ciência pode ter para o público, a partir do processamento
das suas experiências e interpretações das artes e outras expressões culturais
(Trench, 2008).
Os objetivos do PEST
Como vimos nos pontos anteriores, existem várias noções de engagement,mas todas
elas acabam por se intersetar no facto de pressupor a integração dos públicos
não especialistas na discussão de temas científico-tecnológicos; de implicar
uma aprendizagem recíproca quer para esses públicos quer para a comunidade
científica; e de contribuir para o desenvolvimento social e económico por meio
da democratização dos processos de resolução de questões neste campo. Estas
zonas de interseção começam a divergir quando o engagement é entendido como uma
ferramenta estratégica para conseguir objetivos específicos. Como referem
diversos autores (e.g. Carr et al., 2013; Fiorino, 1990; Stirling, 2008), há
uma diversidade de posicionamentos a este respeito. Uns alegam razões de ordem
instrumental, outros de ordem substantiva Em termos instrumentais, a
participação dos cidadãos permite e facilita uma melhor aceitação de novas
aplicações e tecnologias, concorrendo para a construção de uma maior confiança
nos cientistas e nas instituições onde as mesmas são geradas. Ao nível das
razões substantivas, os autores salientam o seu papel na melhoria da qualidade
das decisões com a incorporação de diversas perspetivas no processo de
investigação e de decisão, contribuindo para a relevância e a eficácia dessas
tecnologias e das políticas com elas relacionadas. Os argumentos de ordem
normativa dizem respeito às questões da equidade e da justiça no acesso dos
cidadãos à informação e ao direito que devem ter em manifestar-se sobre uma
decisão acerca de uma tecnologia que pode afetar as suas vidas.
Diferentes entendimentos dos benefícios do PEST
Diferentes posicionamentos estão associados a diferentes perspetivas e
entendimentos sobre os processos de engagement. Quando o analisamos em termos
da sua abrangência, percebemos que, por um lado, é entendido como sendo
inclusivo, gerando benefícios mútuos e contribuindo favoravelmente para os
resultados da ciência, com a partilha de competências, conhecimentos e
capacidades, e para o desenvolvimento da sociedade e dos cidadãos, numa ação
politicamente transformativa. É um instrumento que valida a investigação
realizada e também as medidas de governança relacionadas com essa investigação
e as decisões tomadas pelos políticos relativamente a uma tecnologia (Carr et
al., 2013; Center for Advances in Public Engagement, 2008; Davies, 2013; NCCPE,
2012; RCUK, 2012). Como refere Stevenson (2011, p. 46), "esta "forma de
pensar", envolve a visualização da ciência num contexto mais amplo (…) é ver a
ciência de fora para dentro, e não de dentro para fora (…) encontrar um ponto
ou pontos de interesse comum com o "público"".
Por outro lado, há quem defina o engagement de uma forma mais estreita, quando
o restringem sobretudo à interação entre os cidadãos e as instituições de
ensino superior para favorecer a aprendizagem mútua e à discussão em torno dos
últimos resultados da investigação (Armbruster-Domeyer, Hermansson &
Modéer, 2011; Prikken & Burall, 2012), ou quando o centram apenas na
comunicação de ciência, com a transmissão de informações através de palestras
(Rowe & Frewer, 2005), deixando de fora os processos de formulação de
políticas para a ciência e a tecnologia.
Numa outra perspetiva, o engagement concretiza-se através de uma abordagem
comunicativa bidirecional, entre os cientistas e os cidadãos, para perceber o
que estes pensam acerca dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos e as
suas preocupações, antes de se proceder à tomada de decisões políticas
(Armbruster-Domeyer et al., 2011). À vertente deliberativa surgem muitas vezes
associados outros termos - a participação pública ou diálogo público
- pressupondo a intervenção dos decisores políticos (Rowe & Frewer,
2005).
Este último posicionamento vai ao encontro daquilo que é exposto em grande
parte da literatura científica. O engagement é o meio utilizado para chegar ao
diálogo e discutir temas de interesse mútuo entre a comunidade científica e os
cidadãos que possam vir a conduzir à implementação de políticas (Gregory et
al., 2007), melhorando, desta forma democrática, a tomada de decisões (Rowe,
Horlick-Jones, Walls, Poortinga & Pidgeon, 2008; Wooden, 2006). O público é
esclarecido através de um esforço por parte dos cientistas, tornando os aspetos
complexos da ciência mais transparentes, e da apresentação de várias abordagens
para a resolução de controvérsias científicas, inclusivamente os aspetos mais
incertos de campos ainda em desenvolvimento. Este diálogo atribui um papel de
destaque ao cidadão e requer transparência no processo de tomada de decisão
(Borchelt & Hudson, 2008). O ato de deliberar pressupõe, no entanto, outras
condições, nomeadamente a participação dos decisores políticos.
O engagement é, ainda, definido como: uma estratégia de intervenção em relação
à confiança do público (Bradbury, Branch & Focht, 1999); uma garantia de
qualidade no processo e do produto da ciência dita pós-normal2, conferida pela
pluralidade de perspetivas e compromissos da sociedade envolvida (Ravetz,
1999); uma estratégia de intervenção ao nível educativo, sendo visto como uma
ferramenta para promover a participação dos alunos em atividades de
aprendizagem produtivas no ensino superior, como forma de estimular a sua
ligação com a ciência através do interesse gerado por um conhecimento mais
aprofundado acerca desse tipo de temas3; ou aquilo que se faz nos centros e nos
museus de ciência para envolver os visitantes em experiências científicas,
tentando estimular o seu entusiasmo pela ciência. Surge ainda, outras vezes,
referenciado como componente institucional estratégica quando as instituições
se servem do envolvimento do público para dar o seu contributo para o bem-estar
da comunidade e para assegurar a sua própria sustentabilidade (Lewenstein,
2014).
Lewenstein & Brossard (2006) referem que o envolvimento do público pode
apresentar três níveis diferentes: 1) um nível mais passivo, através da mera
interação entre cidadãos e especialistas em ciência para discutir questões
científicas e as suas implicações éticas; (2) um nível intermédio, em que é
conferido algum poder aos cidadãos desde a definição do problema à determinação
da solução; e (3) um nível mais ativo, proporcionando real autoridade pública
aos cidadãos na definição de políticas públicas no domínio científico-
tecnológico com a sua participação direta na definição da agenda científica,
através de uma análise reflexiva e crítica da sua cultura científica,
preocupações e prioridades sociais. Nesta definição, o envolvimento do público
é entendido de forma lata, como algo que tanto pode referir-se à mera
transmissão de conhecimentos, como à capacitação dos cidadãos, como, ainda,
abarcar uma componente mais deliberativa ao nível da agenda científica.
Em investigação realizada no Reino Unido, Davies (2013) identificou três
aspetos dominantes na perceção de PEST por comunidades académicas. Primeiro, o
engagement é visto como múltiplo (ou diverso) nos seus impactos, produzindo um
conjunto vasto de possíveis resultados em momentos diferentes e em diferentes
contextos - melhorar a qualidade de vida, esclarecer e capacitar os
cidadãos, estabelecer relações de confiança, e legitimar o papel da ciência,
entre outros. Em segundo lugar, considera-se que é relacional porque supõe a
criação de relações novas e produtivas, entre a comunidade e/ou a instituição
científica e os cidadãos, com vista a um benefício mútuo, a uma colaboração, ao
cruzamento de conhecimentos e perspetivas. E, por último, existe a perceção de
que é orientado por resultados podendo afetar diferentes realidades de formas
diferentes.
Encontramos, portanto, uma grande diversidade nos entendimentos daquilo que o
engagement pode ser, mas essa diversidade parece coexistir pacificamente,
podendo ser caracterizada "em termos de múltiplos significados
sobrepostos, cada um derivado de uma história específica e envolvendo
diferentes práticas e experiências" (Davies, 2013, p. 702).
Interrogações e críticas
Apesar de o engagement ser tipicamente visto como positivo, existem, como nota
Davies (2013), "tensões" e heterogeneidades que outras pesquisas têm
enfatizado, nomeadamente as investigações levadas a cabo por Bickerstaff et al.
(2010), Davies (2008) e Irwin (2006). O PEST tem sido, também, objeto de
algumas críticas e suspeições.
Em primeiro lugar, os processos de engagement têm sido acusados de reproduzir
assunções do modelo do défice e de gerar o mesmo tipo de consequências (cf.
Delgado et al., 2011; Schiele, 2008). O tradicional pressuposto de que se o
público entender bem a ciência vai aceitá-la melhor ainda está presente em
muitas ações de engagement.Alguns autores ressaltam a circunstância de, muitas
vezes, essa participação acontecer num formato top-down, com uma primazia da
comunidade científica e dos decisores políticos sobre os públicos leigos na
condução do processo, sendo, por isso, muito restrito, curto ou pouco
democrático (Felt & Fochler, 2008; Irwin, 2008). Felt & Fochler (2008)
referem que se sabe muito pouco acerca das perspetivas dos cidadãos em relação
à importância da sua participação na governança da ciência, dos processos
sociais que esse envolvimento gera e do próprio significado que essa
participação adquire nas ações promovidas com esse objetivo, existindo um
"ideal ingénuo de neutralidade" associado à aos cidadãos neste tipo
de métodos.
Cormick (2011) acrescenta que muitas destas iniciativas são realizadas em
ambientes artificiais e providenciam matéria e dados difíceis de aplicar e
transferir para o mundo real. Além disso, ainda não há dados que provem que os
públicos que participam transportam o novo conhecimento e a nova atitude para a
sua comunidade e percebem os riscos e benefícios das novas tecnologias. Cormick
(2012) refere, também, que em alguns casos o envolvimento público equivale a um
ato de proselitismo ou de conversão da opinião de um grupo de parceiros
sociais, desenvolvendo-se de forma isolada e não tendo qualquer impacto na
tecnologia em desenvolvimento. Stilgoe, Lock & Wilsdon (2014) mencionam,
ainda, o facto de grande parte de ações de envolvimento ser promovida por
universidades ou entidades governamentais, ainda que uma parte considerável da
inovação provenha do setor privado.
Na mesma ordem de ideias, Stilgoe, Lock & Wilsdon (2014, p. 5) consideram
que a legitimidade do envolvimento não depende apenas dos seus inputs. Os
outputs são também importantes e parecem existir indícios, segundo os autores,
que esses resultados nem sempre são os mais desejados. "O envolvimento
público pode ser visto por instituições como uma oportunidade não para repensar
as suas políticas e práticas, mas para ganhar confiança para uma abordagem pré-
determinada" ou como uma ferramenta para fazer um levantamento
conveniente da opinião pública, e em vez de "abrir os processos de tomada
de decisão, o diálogo público pode ser implicado no seu encerramento, ao
prevenir que visões alternativas venham à superfície" (Idem, p. 6). Com a
institucionalização desse envolvimento, o interesse parece estar, em muitos
casos, na eficiência e não tanto na reflexividade.
Concordando com o que dizem Rowe & Frewer (2000), na opinião de Cronin
(2008) o envolvimento dos cidadãos pode gerar resultados contraditórios ou
polémicos, servindo o "diálogo" e as capacidades comunicacionais
dos cientistas como uma estratégia de gestão de conflitos com as comunidades. A
participação pode, enfim, servir como forma de legitimação social e mecanismo
de
accountability4
.
Subsiste, também, a crítica de que o PEST não assenta numa definição concreta
de democracia. Ainda que defenda que os cidadãos devem ter voz no processo de
construção do conhecimento científico, porque, de acordo com Callon (1999),
possuem um conhecimento diferenciado e competências que podem contribuir para o
desenvolvimento do conhecimento científico, não é explicado como se pode
concretizar essa democratização, nem se leva em conta os modelos de democracia
já existentes (Michael, 2002). Schiele (2008) refere também a questão da
legitimidade e da autoridade desses cidadãos.
Lewenstein (2011, p. 820-1) questiona "como é que se pode dar o estatuto
de colaboradores às pessoas na produção do conhecimento ao mesmo tempo que é
possível, e até provável, que elas não compreendam o próprio
conhecimento" e quando algumas dessas pessoas forem "apenas
ferramentas para a produção de conhecimento que só pode ser compreendido pelos
''especialistas""? O autor refere que se eles forem utilizados
apenas como "sujeitos experimentais, não gozam do estatuto nem da
autoridade de cocriadores de conhecimento".
O grande peso atribuído a valores e crenças tem desencadeado algumas críticas,
no seio da própria comunidade científica, a esta nova forma de envolver o
público na ciência (Durant, 1999). Logan (2001), por exemplo, questiona como é
que este modelo concebe a aprendizagem por parte de um público que não se
mostre disponível para tal, insatisfeito ou desmotivado para este tipo de
questões sem se mostrar paternalista em vez de didático. O tema da confiança
nas instituições adquire, também, alguma importância no processo. Os teóricos
que defendem este modelo não especificam de que forma é que se readquire a
confiança na ciência e a sua credibilidade, uma vez que as estratégias de
comunicação até então implementadas não mostraram conseguir resultados melhores
a este nível.
Sturgis & Allum (2004) consideram que a resposta para estas questões poderá
estar no "conhecimento institucional" e "político" da
ciência. Ou seja, conhecendo não só o método científico e os trâmites que
legitimam os resultados científicos, mas também as especificidades das relações
estabelecidas no seio da comunidade científica e os contextos institucionais
dos processos de produção de conhecimento científico, os cidadãos podem avaliar
com mais discernimento e contextualizar a informação científica e o grau de
credibilidade dessa informação, dos cientistas, das instituições científicas e
de outras fontes de informação.
Jasanoff (2003, p. 237) sublinha, ainda, que "a pesquisa empírica tem
mostrado consistentemente que a transparência pode exacerbar, em vez de acabar
com, a controvérsia, conduzindo as partes a desconstruir as posições umas das
outras em vez de deliberar eficazmente". O envolvimento dos públicos
torna-se assim "um instrumento para desafiar questões científicas por
motivos políticos. Pelo contrário, a participação pública é limitada por
discursos formais estabelecidos, tais como as avaliações de risco, pode não
admitir novos pontos de vista, críticas radicais, ou outras considerações fora
do enquadramento da questão que é tomado como certo".
A este propósito, Stilgoe, Lock & Wilsdon, (2014, p. 11), embora reconheçam
que estes processos podem abrir "discussões produtivas e surpreendentes
sobre a política e os propósitos da ciência", também referem que esse
envolvimento pode ser "utilizado para fechar debates vitais em áreas
contenciosas". Os autores consideram que "o envolvimento público
tem-se tornado tipicamente uma resposta processual a um desafio político mais
fundamental" e que os "exercícios de diálogo parecem microscópicos
contra o pano de fundo da ciência global e a sua governança" (Idem). Como
refere Cormick (2012, p. 36) "por vezes perdemo-nos nas metodologias,
esquecendo-nos que os cidadãos - todos os cidadãos - também devem ter algo a
dizer sobre a forma como eles querem ser envolvidos", questionando se
"são as formas como nós testamos e medimos as respostas públicas às novas
tecnologias um reflexo preciso sobre como o público realmente as
considera".
O conceito de engagement em Portugal
Em alguns países da União Europeia, como por exemplo a Áustria, Dinamarca,
Finlândia, França, Alemanha, Holanda, Suécia e Reino Unido, e à semelhança do
que se passa também nos EUA, verifica-se uma preocupação por parte dos governos
em desenvolver os mecanismos e instrumentos adequados para impulsionar um maior
envolvimento da sociedade no debate e nas tomadas de decisão científico-
tecnológicas. Contudo, um estudo realizado em 2003 (Felt, 2003), que comparou
as políticas desenvolvidas neste domínio em seis países da União Europeia
(Áustria, Bélgica, França, Portugal, Reino Unido e Suécia), constatou que a
promoção de um envolvimento ativo da sociedade nas questões de C&T era
realizada de forma bastante diversa, uma vez que os conceitos e os objetivos
subjacentes às políticas são distintos, assim como são distintas as estruturas
institucionais e os instrumentos utilizados para fazer essa promoção. Existem,
ainda, diferenças ao nível dos atores sociais envolvidos e na forma como essas
políticas têm vindo a responder aos desafios e às controvérsias que a ciência
tem lançado na Europa.
Em Portugal, esses mecanismos participativos ainda não estão efetivamente
institucionalizados, havendo uma preocupação maior na promoção da compreensão
pública da ciência e de uma perceção positiva da ciência por parte dos cidadãos
(Miller et al., 2002). Durante muitos anos, a comunidade científica não teve as
condições sociais, políticas, económicas e institucionais (Gonçalves &
Castro, 2003) desejáveis para uma relação de proximidade com a sociedade. O
investimento público nos recursos humanos, em I&D, bem como na formação e
na educação científico-tecnológica foi relativamente baixo até meados dos anos
90. O longo período de ditadura que se manteve até aos anos 70 gerou um
contexto sociopolítico pouco aberto a iniciativas que estimulassem a liberdade
de expressão e, consequentemente, a participação pública nos processos
decisórios. Atualmente, ainda que a cultura de comunicação de ciência em
Portugal já esteja consolidada (European Commission, 2012), esta ainda se
encontra numa fase incipiente de participação pública.
A compreensão pública de ciência em Portugal recebeu maior atenção a partir de
meados dos anos 90. Na criação da Junta Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica, em 1967, foi definida como uma das suas funções a promoção de
iniciativas que visassem a divulgação da ciência e da tecnologia, mas essa
componente foi perdendo a sua importância na ação da Junta ao longo da sua
existência5. Apenas em 1995, com o Programa PRAXIS XXI, um concurso permanente
para a divulgação de C&T destinado a apoiar projetos de pequena, média e,
excecionalmente, de grande dimensão, e contribuir para a mobilização do
interesse da sociedade, em particular das camadas jovens, pela ciência, e, em
1997, com o surgimento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a
compreensão pública de ciência readquire nova importância. Nesta altura, é dada
uma especial ênfase à difusão e à divulgação da cultura e do conhecimento
científico e tecnológico, em particular quando relevante para fins educativos.
Em colaboração com a Agência Ciência Viva6, uma unidade do então Ministério da
Ciência e da Tecnologia criada em 1998, verifica-se uma modernização,
articulação, reforço e disponibilização pública de fontes de informação
científica e tecnológica.
Com uma forte incidência nas camadas mais jovens e na população escolar dos
ensinos básico e secundário, a Ciência Viva implementou um programa especial de
reforço da cultura científica para colmatar as deficiências que a população
portuguesa apresentava ao nível do conhecimento e da compreensão dos métodos
científicos, contribuindo desta forma para o incremento de uma atitude de
confiança em relação à ciência e de interesse por temas científicos (Magalhães
& Rodrigues, 2000). Na concretização desse objetivo têm sido aliadas do
Ciência Viva as escolas básicas e secundárias, na sua ação ao nível do ensino
experimental das ciências, na formação da cultura científica e tecnológica, e
as instituições científicas, na promoção de ações de comunicação e divulgação
de ciência. Paralelamente, foi lançada uma rede regional de centros de
recursos, ou, por outras palavras, de museus/centros de ciência, que também têm
tido uma atuação bastante relevante na aprendizagem experimental interativa das
ciências e das tecnologias (Ministério da Ciência e Ensino Superior, 2002).
Com a criação deste programa, a divulgação científica adquiriu de vez um
estatuto em vários programas de financiamento científicos executados nos
últimos anos. No Programa Operacional "Ciência, Tecnologia,
Inovação" 2000-2006 e 20107 a divulgação de ciência foi um dos três eixos
prioritários, tendo sido definidas como linhas de intervenção o lançamento de
um programa nacional de geminações entre instituições científicas e escolas dos
ensinos básico e secundário e a criação de um sistema de acompanhamento e
avaliação das condições de aprendizagem científica e, especialmente, das
aprendizagens experimentais efetivas dos alunos desses graus de ensino. No
Regulamento de Execução do Sistema de Apoio a Entidades do Sistema Científico e
Tecnológico Nacional do QREN 2007-20138 foi dedicada parte do financiamento a
projetos de promoção da cultura científica e tecnológica9 e no programa do XIX
Governo Constitucional, para além do incentivo à aproximação das universidades
à comunidade empresarial, aumentou-se o ratio em I&D sobre o PIB,
diversificou-se as fontes de financiamento e projetou-se o apoio na
"continuação dos programas de divulgação científica e de incentivo ao
envolvimento dos jovens na ciência" (XIX Governo Constitucional de
Portugal, 2011, p. 122). No programa Portugal 202010, que define as prioridades
de financiamento com fundos estruturais europeus para o período 2014-2020, esta
componente está implícita nas ações de "sensibilização e de
informação" e de "divulgação e disseminação de resultados de
I&D" (p. 117) associadas ao objetivo de aumentar a produção
científica de qualidade reconhecida internacionalmente, no âmbito do Objetivo
Temático 1 - Reforço da investigação, do desenvolvimento tecnológico e da
inovação.
Atualmente a área da comunicação de ciência mantém-se adstrita a um único
ministério, o Ministério da Educação e Ciência11, e centralizada
governamentalmente na Agência Ciência Viva - Agência Nacional para a
Cultura Científica e Tecnológica. Em termos da ação das instituições de
investigação científica, a promoção do envolvimento do público na ciência em
Portugal situa-se, na maioria das vezes, em níveis pouco intensos, visando
sobretudo a consciencialização para a importância da C&T, através de uma
mudança de atitudes por meio da persuasão, ou a realização de ações meramente
informativas (Gonçalves & Castro, 2003b). Sustentadas fundamentalmente no
argumento instrumental, essas ações passam pela transmissão/disseminação do
conhecimento científico sem preocupações ao nível da avaliação do impacto dessa
informação ou da sua receção. A organização é maioritariamente unidirecional e
liderada pela comunidade científica ou pelos decisores políticos. As ocasiões
de efetivo diálogo e de consulta entre cientistas e cidadãos têm sido mais
escassas (Carvalho, Araújo, Carvalho, Costa & Teixeira, 2009).
Esta realidade espelha-se na forma como estas instituições se referem a esta
área de intervenção. Através de uma análise à missão, objetivos e planos
estratégicos de várias universidades, laboratórios e centros de investigação
científica, tal como expostos nas suas páginas web, percebemos que há uma
disparidade de termos utilizados para se referirem ao envolvimento do público
na ciência. No entanto, os objetivos estabelecidos são bastante semelhantes,
indo ao encontro do que acabamos de descrever.Assim, para se referirem a ações
de envolvimento público na ciência, as instituições utilizam as expressões
"divulgação científica"12, "ciência e sociedade"13 e
"outreach/extensão"14. Na descrição desse tipo de ações,
encontramos associações à "transmissão e difusão da ciência",
"transmissão/difusão do conhecimento", "disseminação e
valorização da investigação", "partilha de conhecimento",
"divulgação/disseminação de resultados", "compreensão pública
da cultura/ciência", "divulgação da produção de
conhecimento", "consciencialização" e a
"desenvolvimento e compreensão dos modos de criação e utilização de
conhecimento". No que concerne aos fundamentos que justificam a
importância desse tipo de ações, é referido o seu papel no reconhecimento da
"importância das implicações sociais e o interesse público [na]
investigação"15, a sua relevância para uma "maior compreensão do
processo científico subjacente à investigação e à descoberta"16, a sua
contribuição para a "compreensão pública da cultura, da análise e da
apresentação de soluções para os principais problemas do quotidiano"17 ou
o seu "papel determinante no estimular da curiosidade e do interesse pela
atividade científica, atraindo jovens e menos jovens para o estudo e para a
investigação em todas as áreas do conhecimento"18. Algumas instituições
salientam, ainda, as suas implicações na criação de "pontes com a
economia regional e com a sociedade"19, no "desenvolvimento social
e cultural da comunidade no seu todo"20, na "valorização social e
económica do conhecimento e da inovação organizacional"21, no
"desenvolvimento e compreensão dos modos de criação e utilização de
conhecimento"22 e na capacitação das "pessoas com informações e
capacidades de decisão"23.
Como podemos constatar, as ações de envolvimento do público na ciência nestas
instituições parecem situar-se com maior prevalência no quadro dos paradigmas
de alfabetização científica e de compreensão pública de ciência. Argumentos de
natureza instrumental estão bastante presentes em grande parte dos exemplos
analisados, ainda que tenhamos encontrado um ou outro caso enquadrados nos
argumentos substantivo e normativo, ao referir como objetivos deste tipo de
iniciativas a investigação de "modelos, processos e contextos de gestão,
governança e avaliação de ciência e instituições de ensino"24 e o seu
contributo para uma "participação pública mais efetiva nos processos de
decisão (…) sendo ao mesmo tempo científica e (por implicação)
democrática"25. De referir ainda que algumas universidades portuguesas
atribuem o papel de comunicar e divulgar ciência a museus de ciência
interativos associados, muitos deles parte integrante da rede de centros do
Ciência Viva, e que centram a sua atividade principal na difusão da cultura
científica e tecnológica através da observação e experimentação26.
Os princípios que caraterizam o paradigma da alfabetização científica também
parecem estar bastante presentes na própria legislação que regula o ensino
superior e a atividade de investigação científica. Formalmente, comunicar com o
seu envolvente é explicitamente referida como função das IES apenas em 2007,
através da Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro que regula o regime jurídico das
instituições de ensino superior. Pela primeira vez, é feita uma referência
explícita à divulgação da ciência e à sua ligação com a sociedade, frisando,
essencialmente, a sua importância para a difusão do conhecimento e a sua
valorização económica. Refere o número 4 do artigo 2º, que "as
instituições de ensino superior têm o direito e o dever de participar,
isoladamente ou através das suas unidades orgânicas, em atividades de ligação à
sociedade, designadamente de difusão e transferência de conhecimento, assim
como de valorização económica do conhecimento científico", acrescentando-
se no número 5 que "as instituições de ensino superior têm ainda o dever
de contribuir para a compreensão pública das humanidades, das artes, da ciência
e da tecnologia, promovendo e organizando ações de apoio à difusão da cultura
humanística, artística, científica e tecnológica, e disponibilizando os
recursos necessários a esses fins" (itálico nosso). O mesmo tipo de
objetivos está presente no Estatuto da Carreira Docente Universitária27, que
define como uma das funções destes docentes a participação em tarefas de
extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e
social do conhecimento (artigo 4º), e, de uma forma mais implícita (remetendo-
nos para os instrumentos legais já referidos), no Estatuto da Carreira de
Investigação Científica28, no conjunto das "outras atividades científicas
e técnicas enquadradas nas missões das respetivas instituições" (artigo
5º) que são atribuídas aos investigadores.
De alguma forma, podemos perceber que este enquadramento jurídico espelha a
filosofia da entidade governamental que regula o sistema científico (Ministério
da Educação e Ciência) e da principal estrutura financiadora deste tipo de
ações (Agência Viva).
É interessante, contudo, verificar que a comunidade científica começa a
apresentar novas perspetivas em relação ao envolvimento dos cidadãos na
ciência, posicionando-se, por vezes, de forma que se aproxima já do paradigma
"ciência na sociedade" e do modelo dialógico. Vários estudos
(Conceição, Gomes, Pereira, Abrantes & Costa, 2008; Jesuíno & Diego,
2003; Lamas, Araújo, Bettencourt-Dias & Coutinho, 2007; Machado &
Conde, 1988; Pinto & Carvalho, 2011; Portela, 2010) mostram que as
principais motivações dos cientistas para comunicar publicamente sobre ciência
se centram na questão da disseminação científica e da legitimação da ciência,
salientando a relevância de divulgar ciência e promover a cultura científica
para a captação de alunos, mas também o desejo de descomplexificar a ciência, a
vontade de fascinar o público com a ciência produzida e mostrar a importância/
utilidade daquilo que se está a pesquisar junto da comunidade. É salientado,
ainda, o importante papel que os cientistas devem ter no envolvimento da
sociedade nas suas atividades como forma de as tornar mais familiares para o
cidadão comum, tendo em consideração que a ciência é parte da nossa cultura, à
semelhança da arte e da música, e de servir de inspiração aos jovens como
tentativa de os atrair para uma carreira científica. Para além destas
preocupações, no estudo de Pinto & Carvalho (2011) a comunidade científica
refere também a obrigação de manter os cidadãos informados acerca dos
resultados das suas investigações, perante o facto de essas investigações serem
realizadas com o dinheiro dos seus impostos, e a importância de envolver os
cidadãos nas tomadas de decisão relativas ao financiamento atribuído à C&T,
fundamentalmente nas áreas de maior controvérsia científica e que colocam
questões éticas.
Ao nível governamental, existem algumas estruturas formalizadas responsáveis
por gerir e incrementar a participação e o envolvimento cidadão na governança
da C&T, nomeadamente o Conselho Superior de Ciência, Tecnologia e
Inovação29 - reativado em 2003 como fórum de reflexão que reúne personalidades
dos sectores político, académico e empresarial - e o Gabinete Coordenador da
Política Científica e Tecnológica30 - composto por representantes das
instituições académicas e científicas, públicas e privadas. Com uma atividade
bastante intensa nesta área existiu, ainda, durante bastantes anos a Comissão
Parlamentar de Ciência e Tecnologia (substituída entretanto pela Comissão
Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura31), tendo promovido diversos debates
públicos e Cafés de Ciência para discutir a política científica e os impactos
sociais da C&T. Outras organizações públicas, privadas e mistas têm tentado
promover debates em torno de alguns temas relacionados com a C&T, mas a sua
expressividade ainda é reduzida (Alves, 2011). As oportunidades de participação
pública na C&T em Portugal com repercussão inequívoca nas tomadas de
decisão continuam a ser escassas, ainda que, de acordo com Alves (2011, p. 25),
haja "uma pressão emergente para uma discussão pública mais ampla acerca
de procedimentos para envolver os cidadãos e movimentos cívicos num nível mais
elevado de democratização em matéria de ciência na sociedade".
Portanto, como podemos constatar de uma forma geral, o envolvimento do público
na ciência em Portugal situa-se a um nível ainda relativamente passivo, visando
essencialmente uma consciencialização para a importância da ciência e a
comunicação de resultados, a partir de uma interação muito pouco dialógica
entre os cidadãos e os cientistas. A partir de uma transmissão simplificada do
que é ciência é difundida uma visão progressista e otimista em relação às suas
potencialidades, muito à semelhança daquilo que acontece no paradigma da
alfabetização científica. A vertente da aprendizagem mútua entre os cidadãos e
os especialistas e o objetivo de capacitar os cidadãos para a tomada de
decisões parecem estar, ainda, ausentes do conceito em prática de envolvimento
cidadão na ciência em Portugal, embora sejam, por vezes, identificadas como
potencialidades desse relacionamento nas perceções da comunidade científica.
Considerações finais
As noções de engagement e de participação pública tornaram-se lugares-comuns
nos discursos sobre a relação entre a comunidade científica e (o resto d)a
sociedade. No entanto, os entendimentos sobre o conceito de PEST não são
completamente coincidentes. Este artigo procurou contextualizar o PEST nas
diferentes propostas de comunicação pública de ciência, mapear as posições de
diferentes autores e identificar zonas de convergência.
Podemos perceber que, para muitos autores, o engagement pressupõe uma
aprendizagem mútua entre vários públicos, estimulando-os a procurar em
conjunto, através de um diálogo, novos pontos de vista que permitam entender os
problemas e as oportunidades que são geradas pela ciência. Pressupõe, ainda,
umempowerment dos cidadãos, o estímulo e o incentivo à participação ativa em
atividades científicas e o incremento da consciência da importância da ciência
para a sociedade. O engagementnão se focaliza no ato de ensinar ciência, mas no
contributo valioso que as diferentes perspetivas, conhecimentos e valores
culturais, sociais e éticos dos públicos, mais ou menos leigos, podem ter para
uma política científica mais democrata e mais cívica (Kurath & Gisler,
2009).
No entanto, o engagement não é uma panaceia para os problemas e desafios que a
governança da ciência enfrenta. O PEST tem várias limitações e pode ser
condicionado negativamente por múltiplos fatores. Identificar esses limites e
os paradoxos e tensões da teoria e da prática de engagement pode contribuir
para a consciencialização de investigadores, técnicos e outros profissionais
envolvidos nessas ações e para formulações mais adequadas às questões em causa
e aos contextos sociais específicos em que as ações se possam desenvolver.
Assim, para além das questões teóricas e conceptuais, é fundamental analisar a
prática do engagement, ou seja as ações concretas de envolvimento dos públicos.
O design dessas ações depende das definições de engagement e também das
posições normativas de que se parte.
Este artigo apresenta uma primeira análise da forma como a regulamentação legal
e as instituições de ensino superior e de investigação em Portugal integram as
questões relacionadas com o engagement. Como vimos, a aprendizagem mútua entre
os cidadãos e a comunidade científica e a capacitação dos cidadãos para a
tomada de decisões ainda não integram os discursos normativos e institucionais
que enquadram a atividade científica em Portugal e isso parece refletir-se nos
posicionamentos que a comunidade científica assume em relação a esse
envolvimento. Fundamentos de natureza instrumental ainda predominam em grande
parte dos argumentos dos cientistas em relação às potencialidades do engagement
e na base concetual da maioria das ações de comunicação de ciência
implementadas.
Será importante que, no futuro, a investigação se centre sobre as práticas
concretas de engagement e que através de estudos de caso, da observação de
práticas e de outras abordagens, se analise a relação entre cientistas e
públicos (ou, por outras palavras, entre comunidade científica e cidadãos),
atendendo à abertura existente nas ações para interagir de uma forma dialogante
e para integrar os resultados dessa interação nas políticas científicas, nas
agendas de investigação e no planeamento da aplicação dos seus resultados.