Planos Regionais de Ordenamento do Território e governança territorial: do
discurso às evidências da prática
1. Introdução
A governança territorial é um conceito amplo, que tem vindo a ser utilizado em
múltiplas situações e objetos de aplicação e que merece ser estudado do ponto
de vista prático, no sentido de se conhecer melhor os entendimentos, os
contornos específicos e o alcance da sua adoção. Com este trabalho pretendemos
aprofundar o conhecimento da sua utilização nos processos de planeamento e
desenvolvimento territorial regional.
Este artigo apresenta a metodologia e os resultados e conclusões de uma
pesquisa sobre governança territorial e administração periférica que teve como
caso de estudo os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT).
1.1. Condições e requisitos de governança territorial
O conceito de governança territorial configura um campo concetual particular,
que se individualiza em razão da natureza do seu objeto - o território -
um objeto múltiplo e complexo, em si mesmo - e em razão do seu objetivo -
regular, governar ou gerir dinâmicas territoriais através da condução de uma
pluralidade de atores. Nos vários âmbitos espaciais, em função do território e
dos objetivos dos atores, as questões chave da governança podem apontar para
abordagens, significados e alcances distintos, todavia, as condições e
requisitos gerais do processo são análogos e comuns.
Os processos de governança territorial emergem de uma construção política e
social do território, traduzida em relacionamentos de atores nesse território,
e concretizam-se segundo lógicas e esquemas de organização e coordenação
(Davoudi et.al., 2008; Stocker, 2008). Nesta conceção a governança territorial
pode ser assumida como um instrumento de governabilidade do território aplicado
num determinado quadro ação, envolvendo governo e administração legítimos e
legitimados, atores económicos e sociais pró-ativos, organizações e cidadãos
envolvidos, territórios de atuação reconhecidos e instrumentos de gestão
fiáveis. Concetualizando a governança enquanto forma reinventada de governar,
Chamusca (2013: 42) refere que "… a questão estrutural reside na
governabilidade do território - estabilidade, coerência, e eficiência
institucional e política da administração e gestão dos territórios -
sendo que esta está relacionada com o respeito das leis e das estruturas
deliberativas, com o equilíbrio entre as reivindicações da sociedade … e os
efeitos concretos da ação do governo".
Tendo como objetivo a construção do modelo de análise empírica das estruturas
de suporte e dos processos de governança territorial desenvolvidos no âmbito da
implementação dos PROT e da gestão estratégica dos territórios, passamos a
identificar, do ponto de vista teórico, as condições e requisitos de governança
que se evidenciam como mais relevantes, recorrendo a uma sistematização
efectuada num trabalho antecedente (Carmo, 2013). Nesse trabalho identificaram-
se os requisitos básicos do processo de governança territorial em dois tópicos
que passamos a citar.
"A governança é um processo de construção do valor público em rede.
Exige: motivação e legitimidade de decisão fora dos circuitos formais e
hierárquicos; equilíbrio e representatividade dos atores; e prestação de contas
em moldes de responsabilização objectiva"(Carmo, 2013: 258).
Assume-se que o processo de formação do valor público é central no conceito de
governança, "o valor público é construído coletivamente por meio da
discussão e da deliberação, envolvendo membros eleitos e não eleitos das
estruturas de governo e outros atores chave" e que "a construção de
relações de sucesso é a chave para a governança em rede, para a accountabillity
democrática a ela associada e é também o objetivo central da gestão necessária
para a suportar" (Stocker, 2008: 32). A força do processo de governança é
motivacional, sendo mais dependente do estabelecimento de redes e parcerias e
de relacionamentos fundados no respeito mútuo e na aprendizagem partilhada, em
função de objetivos comuns, do que de regras de funcionamento.
Reconhece-se que a construção do valor público em governança, tendo muito de
motivacional e uma parte de informal, não pode preterir mecanismos que
salvaguardem a legitimidade das decisões, a proporcionalidade e a equidade dos
atores chamados ao processo, nem escamotear modelos de controlo que garantam a
transparência e o escrutínio dos assuntos a diversos níveis de compreensão.
"…a resolução de conflitos em torno de interesses legítimos mas
contraditórios ou até antagónicos não pode assentar exclusivamente em análises
de conformidade legal e técnica (visão moderna), e muito menos em decisões
arbitrárias decorrentes exclusivamente de preferências e interesses
particulares (visões individualista e neoliberal). Pressupõe convicções éticas
e valores definidos de forma explícita em relação tanto aos processos e
procedimentos de decisão quanto aos resultados visados." (Ferrão, 2011:
50).
Quanto à prestação de contas e responsabilização objetiva, adota-se o conceito
de accountability apresentado por Bovens (2007), que lhe imputa os sinónimos de
responsabilidade, transparência e confiança, alertando para a mutabilidade do
conceito em processos de deliberação e participação e dando nota de que a
accountabilitydeve alicerçar-se em mecanismos que garantam que os atores
providenciam ao fórum relevante, detentor da possibilidade de lhes imputar
consequências formais e informais, a informação necessária para o enquadramento
e compreensão dos assuntos.
"A governança exige capacitação institucional e social e não dispensa
governação na condução do processo e na coordenação das políticas"
(Carmo, 2013: 259).
Neste registo relevou Kirlin (1996), ao salientar que as grandes questões da
administração pública em democracia identificam-se com a necessidade de
incrementar a capacidade de aprendizagem social no contexto de sistemas
complexos, em que os decisores são os criadores e conformadores mas não os
executantes diretos, tendo em vista a devida compreensão dos assuntos e dos
valores em causa no quadro de um julgamento público dos cidadãos.
Quanto à importância da governação recorremos a Ferrão (2013), "A
passagem de uma ótica de governo a uma ótica de governança não pode ser
interpretada como um processo sequencial de natureza radical, em que a última
substitui a primeira anulando-a" e "…a excessiva focalização nas
formas de governança não tem favorecido uma análise mais dialética e normativa,
centrada na relação que deve existir entre formas de governo e de
governança" (Ferrão, 2013: 264). O autor desenvolve a temática no quadro
do que designa por institucionalização dos modos de governança, salientando que
"… as decisões tomadas no âmbito dos novos modos de governança -
baseadas em relações voluntárias e não hierárquicas […] devem ter alguma
tradução em instrumentos e regras democraticamente consagradas (legitimidade
política), de natureza juridicamente vinculativa [...] ou enquadradora de
comportamentos e práticas institucionais e individuais…"(Ferrão, 2013:
274).
Expostos os tópicos teóricos registamos que o processo de governança
territorial diz respeito um conjunto de atores e a um espaço de concretização
do objeto do debate e da deliberação e decisão destes, um espaço socioeconómico
contextualizado pelo território nas suas múltiplas dimensões: geográficas;
físico-ambientais; socioculturais; económicas; administrativas e organizativas.
Evidenciam-se, assim, como requisitos do processo de governança territorial: o
equilíbrio e representatividade dos atores envolvidos; a garantia da
legitimidade da decisão; a construção de mecanismos de relacionamento; a
definição da territorialidade da ação; a conceção de motores de confiança e
motivação; o balizamento dos objetos de deliberação; a criação de esquemas de
prestação de contas; a promoção de ferramentas de aprendizagem coletiva; e a
consagração de formas de participação.
1.2. Desafios do planeamento regional e da administração
A actividade de planeamento regional é uma função administrativa que assimila
as inerências da ordem político-institucional e organizativa da administração
pública portuguesa e dos processos de formação e partilha de poderes de base
territorial. Os desafios do planeamento regional estão, assim, intrinsecamente
ligados aos desafios que se colocam ao exercício administrativo, no reforço da
coordenação das políticas e dos atores públicos e da colaboração com agentes
externos e na superação de contextos adversos persistentes, nomeadamente os
apontados por Ferreira (2007): persistência da tendência pesada de centralismo;
existência de labirintos administrativos, radicados na segmentação e
fragmentação administrativa; opacidades do sistema e falta de organização do
trabalho em rede; legislação excessiva e dispersa com desconexões.
Os PROT, no quadro do sistema de gestão territorial e da política de
ordenamento do território, são instrumentos recentes. A sua configuração como
instrumentos de natureza estratégica surgiu com a criação do sistema de gestão
territorial em 1998 / 1999 - ainda incompletos - apenas em três dos
territórios regionais de planeamento foram concluídos com aprovação e entrada
em vigor - e frágeis - a sua assimilação e transposição para os
instrumentos de planeamento municipal, especial e setorial é muito exígua, dada
a inércia da dinâmica de planeamento em Portugal. Ademais o planeamento
territorial regional atravessa um período de estagnação, inerente à falta de
completamento da cobertura do país com estes planos e a uma indefinição de
futuro associada à reforma legislativa do sistema de gestão territorial, que
perdura desde 2011.
A ainda fraca valoração deste instrumento de desenvolvimento territorial é uma
consequência de problemas mais vastos intrínsecos à política de ordenamento do
território, ao sistema de planeamento e à organização administrativa
territorial mas, na nossa ótica, é também uma causa da não resolução de alguns
desses problemas.
Ferrão (2011: 26) aborda explicitamente os problemas da política de ordenamento
do território referindo-a como uma política duplamente fraca: "fraca em
relação à sua missão, dada a desproporção que se verifica entre a ambição dos
objetivos visados e as condições efetivas para os atingir; e fraca em relação
aos efeitos indesejados decorrentes de outras políticas, dada vulnerabilidade
em relação a impactes negativos à luz dos objetivos e princípios do ordenamento
do território". E, como fundamentos da fraqueza da política, aponta, por
um lado, a descredibilização precoce do sistema de ordenamento do território e
a existência de uma comunidade técnico-profissional e científica fragmentada e,
por outro, o predomínio de uma cultura político-administrativa pouco favorável
à coordenação intersectorial de base territorial e a ausência de uma cultura
cívica de ordenamento do território robusta.
Também o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT)
(Lei 58/2007, 04/09) identifica como problemas para o ordenamento do
território: i) o défice de cultura cívica valorizadora do ordenamento do
território, baseada no conhecimento rigoroso dos problemas, na participação dos
cidadãos e na capacitação técnica das instituições e agentes mais diretamente
envolvidos; ii) o défice de coordenação entre os principais atores
institucionais, públicos e privados, responsáveis por políticas e intervenções
com impacte territorial; iii) a complexidade, rigidez e centralismo e a
opacidade da legislação e dos procedimentos de planeamento e gestão territorial
que afetam a sua eficiência e aceitação social. O registo destes problemas
fundamenta objetivos estratégicos e operacionais assumidos pelo PNPOT que
determinam a promoção da participação cívica e institucional nos processos de
planeamento e desenvolvimento territorial e o incentivo de comportamentos
positivos e responsáveis face ao ordenamento do território.
Numa outra dimensão, o relatório ESPON (2006) aponta como principais pontos
críticos para o caso de Portugal: i) em primeiro lugar, a afirmação de que a
participação dos não eleitos no processo de formação das decisões ainda é vista
como uma ilegítima interferência e que os processos de participação são pouco
consequentes; ii) em segundo, a referência a que ainda prepondera uma visão
municipalista sem assimilação da lógica regional e que, em contraponto,
prepondera uma centralização de recursos. Esta referência levou a uma
recomendação de melhoria das conexões regionais e locais.
Estes diagnósticos contribuem para reforçar a ideia de que os PROT, na sua
atual configuração, enquanto instrumentos de desenvolvimento territorial,
elaborados e dinamizados na sua implementação pelas Comissões de Coordenação e
Desenvolvimento Regional (CCDR), na qualidade de serviços periféricos do Estado
responsáveis por executar as políticas de desenvolvimento regional, ordenamento
do território e ambiente e por promover a articulação intersectorial dos
serviços desconcentrados de âmbito regional e a coordenação das políticas
públicas com expressão territorial, têm um potencial que não deve ser
subestimado ou ignorado.
Os PROT, pela sua natureza estratégica, pelo seu posicionamento vertical e
horizontal entre os vários instrumentos de desenvolvimento e de planeamento
territorial da competência dos vários sectores do Estado e das autarquias
locais e pelos processos de governança que desencadeiam, constituem
instrumentos fundamentais para a organização e funcionamento do sistema e para
a atuação das entidades públicas.
O trabalho a desenvolver para a implementação dos PROT visa principalmente
promover e sustentar o processo colaborativo de execução das orientações,
medidas e ações do plano, no contexto das atuações das várias entidades e
atores competentes em razão das matérias e domínios de ação. Este trabalho, por
si da maior importância, encerra potencialidades de geração e majoração de
dinâmicas colaborativas fundamentais para coordenação mais alargada de
políticas públicas no espaço territorial regional e para o fortalecimento da
política de ordenamento do território.
A gestão da elaboração e operacionalização destes planos pode constituir um
palco abrangente para a definição de novos processos e formas de trabalho que
valorizem mais o capital territorial regional e afirmem a governança
territorial como um processo organizado de promoção do diálogo político e
técnico fundamentado e de ponderação de interesses conflituais de forma
estruturada e objetivada, assumindo-se como um veículo para uma evolução no
desempenho administrativo.
A gestão da implementação dos PROT obriga a que as CCDR, enquanto serviços
responsáveis pela coordenação e promoção da execução das políticas territoriais
consagradas nos planos, adotem novas condutas de gestão processual, assumam a
liderança e desenvolvam um conjunto de iniciativas e tarefas, em articulação
com as demais entidades competentes por políticas públicas setoriais, em
parceria com os municípios e envolvendo os atores privados e as organizações
sociais. Este caminho passa pela motivação e mobilização dos vários
interlocutores territoriais a partir de referenciais comuns e pela capacitação
da sociedade civil e dos cidadãos para a criação de significados coletivos em
matérias do ordenamento do território.
São ainda escassas as análises sistemáticas sobre os sistemas de governança dos
PROT. As reflexões já produzidas (Carmo et.al., 2011, Marques, 2008; Pereira
2011) evidenciam as potencialidades dos mecanismos de governança desenvolvidos
na elaboração dos PROT, nomeadamente o capital de relacionamento e os processos
de aprendizagem colectiva construídos, mas, também, as grandes dificuldades de
manutenção das dinâmicas geradas. Revelam-se, pois, essenciais as estruturas de
monitorização, avaliação e gestão contínuas dos PROT que propiciem um quadro de
governabilidade territorial. A análise empírica deste trabalho partiu destas
expectativas sobre o papel dos PROT na melhoria da atividade administrativa e
visa conhecer o desenho e desempenho destas estruturas.
2. Metodologia
Partindo do quadro concetual e do conhecimento experiencial concebemos um
modelo de pesquisa orientado pela pergunta de partida: Têm os PROT contribuído
para o desenvolvimento de processos de governança territorial promovidos pelas
CCDR? E estarão as potencialidades desses processos a ser plenamente
aproveitadas?
2.1. Modelo de análise
O modelo de análise traduz uma estratégia de pesquisa que assenta numa
componente teórica - conhecimento adquirido no âmbito do enquadramento teórico
e contextual - e numa componente empírica - identificação de unidades de
observação, definição de domínios de análise e seleção dos métodos e técnicas
instrumentais de recolha e sistematização dos dados.
Nesta pesquisa recorremos ao método indutivo, para chegar a inferências gerais
a partir de observações, e a uma abordagem qualitativa, baseada na
sistematização de informação descritiva, recolhida por análise documental.
Considerando as duas questões encadeadas da pergunta de partida, pretendeu-se
responder: ao contributo dos PROT para o desenvolvimento de processos de
governança territorial ao nível regional, com base na análise dos conteúdos dos
planos, complementada pela análise das posições assumidas pelos atores
participantes; ao aproveitamento pleno das suas potencialidades, com base na
interpretação desses conteúdos à luz de requisitos do processo de governança
territorial, complementada pela consulta dos relatórios de monitorização
disponíveis ao público.
A. Objetivos da recolha dos dados
O que dizem os PROT? - Identificar no conteúdo documental dos PROT as
referências a matérias do domínio da governança territorial e sistematizar as
referências identificadas, segundo domínios de análise relevantes do ponto de
vista concetual.
O que defenderam os atores? - Identificar os entendimentos e as posições dos
atores envolvidos na elaboração dos PROT em matéria de governança territorial.
O que está a ser feito? - Identificar registos públicos da operacionalização
das orientações, diretrizes, medidas e ações de governança territorial.
B. Unidades de observação
Os PROT do território continental, incluindo planos em vigor e propostas
concluídas e submetidas a consulta pública - componentes referentes às
opções estratégicas, às normas orientadoras e aos programas de execução[1]; Os
pareceres finais das comissões de acompanhamento dos PROT e, complementarmente,
as atas das reuniões realizadas durante o processo de elaboração; Os relatórios
de monitorização e avaliação dos PROT em vigor.
C. Domínios de análise
A definição dos domínios de análise da informação teve por base: o
enquadramento teórico e contextual relativo às condições e os requisitos dos
processos de governança territorial e aos desafios do planeamento estratégico
regional; o nosso conhecimento experiencial das unidades de observação - os
PROT, nas componentes de plano e de processo administrativo - e o tipo de
respostas pretendidas.
A análise dos dados foi estruturada em três linhas de análise, a primeira
destinada a conhecer os sistemas de governança propostos, a segunda orientada
para identificar as dimensões de governança presentes nesses sistemas, e a
terceira visando percecionar os contextos em que os sistemas foram propostos e
sistematizar as preocupações subjacentes dos atores.
C1 - Caracterização dos Sistemas de Governança Territorial dos PROT
Na primeira linha de análise partimos de uma leitura comparada do conteúdo dos
planos para inferir os três domínios de análise e respectivos descritores de
suporte da sistematização da informação. O sistema de governança de cada plano
foi depois caracterizado em função do seu posicionamento em cada descritor.
Objetivos - caracterização do que se pretende alcançar com o sistema
proposto; Estruturas - tipificação das estruturas de governança propostas
nas suas vertentes, orgânica e funcional; Medidas e Ações - tipificação das
realizações de suporte ao funcionamento das estruturas de governança e
procedimentos inerentes, inscritos nos programas de execução.
C2 - Dimensões de Governança evidenciadas nos PROT
A sistematização das dimensões de governança presentes no conteúdo dos PROT foi
efectuada a partir de uma pré-identificação de nove domínios analíticos que
traduzem as condições e os requisitos de governança territorial considerados
mais relevantes no âmbito da implementação dos PROT. A pré-identificação dos
domínios baseou-se no quadro teórico e contextual e foi apenas afinada, na fase
de recolha de dados, na sua terminologia e amplitude de conceitos.
Envolvimento de atores - atores envolvidos nos sistemas de governança;
Tipo de interlocução - tipo de relacionamento entre atores, em função dos
atores envolvidos, de preocupações expressas no envolvimento e de funções
específicas;
Geometrias territoriais - âmbitos territoriais em que se processa a articulação
dos atores e dos relacionamentos verticais e horizontais inerentes;
Geração de motivação - fatores de motivação que levem os atores a reconhecer um
interesse particular no seu envolvimento no processo de governança, nas suas
componentes formais e informais;
Formação de valores comuns - objetos de discussão e de deliberação partilhada;
Legitimidade da decisão - papéis dos atores nas estruturas criadas e nos
processos e procedimentos de negociação e decisão em grupo;
Prestação de contas - âmbitos e formas de prestação de contas, nas vertentes de
disponibilização da informação e da efetivação do escrutínio e
responsabilização;
Capacitação e aprendizagem - processos e/ou de medidas e ações de capacitação
dos atores e procedimentos de fomento de aprendizagem organizacional;
Participação dos cidadãos - identificação de incentivos à participação e
envolvimento dos cidadãos no escrutínio da implementação do plano.
C3 - Identificação das posições dos vários atores envolvidos na
elaboração dos planos sobre o sistema de governança proposto. Registar as suas
preocupações explícitas ou implícitas e inferir a sua aderência à realidade em
execução.
D. Fontes e período de observação
Planos publicados - consultados em Diário da Republica; Planos concluídos -
consultados na Direção-Geral do Território e nas plataformas colaborativas on-
line; Documentos administrativos processuais (pareceres finais e atas das
comissões de acompanhamento) - consultados na Direção-Geral do
Território; Relatórios de monitorização e avaliação dos PROT em vigor (OVT e
Algarve) - consultados nos sites das CCDR. O período de observação decorreu de
junho a setembro de 2013.
3. Resultados
Decorre da leitura global da documentação que serviu de base à análise que os
PROT foram, durante a sua elaboração, um móbil para a ativação de sistemas de
relacionamento de atores e para a criação de sinergias de acção, entre
entidades responsáveis por diferentes interesses públicos, entre os níveis
central, regional e local da administração, em alguns domínios, entre
representantes de interesses públicos e privados e, de uma forma geral, ainda
que ténue, entre a administração e os cidadãos.
Tal traduziu-se no conteúdo dos PROT, todos propõem sistemas de governança
orientados para a monitorização, avaliação e gestão do plano durante a
implementação, com objetivos, não apenas de relato da sua execução, mas,
sobretudo, de efetivação de esquemas de interlocução regular entre atores que
representam políticas e interesses distintos. Estes conteúdos vão para além do
regulamentarmente exigido e podem ser lidos como uma iniciativa interna do
próprio plano, promovida pelas CCDR e partilhada pelo conjunto dos atores que
participaram no processo de elaboração.
Atente-se que o regime jurídico que regula o sistema de gestão territorial
apenas prevê que as entidades responsáveis pela elaboração dos instrumentos de
gestão territorial devem promover a permanente avaliação da adequação e
concretização da disciplina nestes consagrada e que, em matéria de regulação do
conteúdo material e documental dos PROT, o regime jurídico não prevê obrigações
de conteúdo quanto a esta matéria. Embora houvesse orientações da tutela para
que os PROT considerassem a sua monitorização (documento orientador, de 2005),
embora o PNPOT (desde 2007) referisse que a elaboração do PROT deveria ser uma
oportunidade para constituir um fórum de carácter intersectorial e
interinstitucional, e, pese embora, algumas das determinações de elaboração dos
PROT tivessem estabelecido a obrigação de previsão de ferramentas de
monitorização e avaliação, o facto é que os sistemas de monitorização,
avaliação e gestão consagrados nos PROT extravasam significativamente as
obrigações regulamentares que lhes são aplicáveis.
Sistemas de governança territorial
Todos os PROT analisados prevêem sistemas de governança territorial focados na
monitorização, avaliação e gestão da sua implementação, com designações
aproximadas, a que passaremos a referir-nos por SMAG. Os conteúdos referentes à
governança territorial em abstrato e aos SMAG em concreto, são tratados, em
geral, na parte introdutória do capítulo das normas orientadoras, segundo uma
abordagem mais estratégica, contextual e discursiva, e depois, no final do
plano, em pontos específicos dedicados ao SMAG, onde se apresentam e
desenvolvem as suas componentes operacionais, segundo uma abordagem mais
normativa. Quanto ao teor das matérias tratadas no âmbito destes sistemas,
verificamos que os objetivos, os atores alvo, as áreas temáticas principais e
as formas de organização da interlocução entre os atores são distintos nos
vários PROT, sendo percetível que as características específicas de cada
território, as experiências de gestão das CCDR e de determinados atores
participantes no processo influenciaram a conceção e o desenho das soluções.
O Quadro_1 sistematiza a informação recolhida sobre os sistemas de governança
dos PROT e caracteriza-os em três domínios de análise. A nível de objetivos
podemos registar que em todos os casos é objetivo dos SMAG a monitorização e
avaliação da execução do PROT, no sentido da aplicação das suas orientações e
da realização das medidas e ações e, também, da perceção dos seus efeitos sobre
a evolução dos territórios onde incidem, incluindo o estudo de dinâmicas
territoriais específicas, mas apenas alguns consideram a possibilidade de
utilizar estes sistemas para desenvolver componentes abertas do plano, para
interpretar os seus conteúdos de natureza indicativa ou para promover a
adaptação de conteúdos específicos.
A articulação institucional, entendida como uma forma de estruturação e
fortalecimento do relacionamento entre as entidades mais importantes para o
plano, está bem presente em todos os PROT, mas as formas como essa articulação
se expressa são diferentes e traduzem-se de modo distinto no enunciar dos
objectivos. Nuns casos mais centradas no reforço da própria CCDR e dos seus
órgãos, dando maior enfoque às articulações internas e baseadas nos
instrumentos de gestão territorial, noutros, mais ligados à continuidade dos
trabalhos da comissão de acompanhamento da elaboração.
Um objetivo presente na maioria dos sistemas de governança é o de articulação
dos PROT com a gestão dos programas de financiamento comunitário, manifestado
na intenção de que o PROT sirva de enquadramento, quer para a definição
estratégica das linhas de apoio financeiro, quer para a definição de requisitos
regulamentares de acesso e de critérios de seleção de candidaturas, quer ainda
para a contratualização da gestão com entidades intermunicipais.
Embora presente nos enunciados, a matéria das parcerias com atores privados, na
sua componente operativa, é pouco desenvolvida e a exploração da participação e
envolvimento da sociedade civil e dos cidadãos assenta apenas na
disponibilização de informação, não havendo consistência de propostas que nos
permitisse registá-las.
Quanto às estruturas de suporte dos SMAG, encontramos três situações distintas.
No caso dos PROT Centro e Alentejo identificámos uma estrutura delineada
segundo uma perspetiva de melhoria funcional, que parte da ideia de reforço da
integração do trabalho desenvolvido pelos serviços e órgãos das CCDR e dos
mecanismos de articulação instituídos para a interação coordenada de planos
(sistema de gestão territorial) e para a coordenação intersectorial e
multinível (Conselho de Coordenação Intersectorial e Conselho da Região) para
dar corpo a uma estrutura de governança. A estrutura é convencional, suportada
pela definição de funções de direção e gestão estratégica, protagonizadas pelo
presidente da CCDR, por funções de gestão técnica, conduzidas pelos serviços da
CCDR, e por funções de concertação intersectorial e de articulação local,
assumidas, respetivamente pelos conselhos antes identificados.
No caso dos PROT OVT e AML, em vigor e alteração, e, parcialmente, do Norte,
identificámos uma estrutura desenhada numa perspetiva de inovação
organizacional, que parte da ideia de valorização da dinâmica de trabalho e da
proximidade e confiança de relacionamento geradas no seio da comissão de
acompanhamento da elaboração do plano, para institucionalizar uma estrutura de
governança específica, não convencional, centrada na monitorização, avaliação e
gestão da implementação do PROT. Esta estrutura é composta por uma comissão de
acompanhamento de natureza consultiva, que dá continuidade à comissão que
acompanhou a elaboração, mantendo o nível de representação e valorizando as
práticas de trabalho anteriores, por um núcleo de gestão operacional, com uma
parte de composição fixa, agregando a CCDR e os municípios associados, e outra
de composição variável, formando comissões temáticas, e, ainda, por um
observatório destinado a monitorizar a execução do plano, os seus efeitos
gerais e dinâmicas territoriais específicas. O PROT Norte apresenta uma
declinação desta estrutura tipo, que se traduz na redução da comissão de
acompanhamento às entidades públicas e num maior enfoque na articulação
interna.
No Algarve previu-se uma estrutura de acompanhamento composta pelas entidades
públicas representantes dos interesses mais relevantes e pelas autarquias
isoladas e em associação intermunicipal, sendo que, na sua concretização, esta
estrutura foi reconduzida ao observatório do PROT Algarve, criado por RCM como
entidade independente, com funções de acompanhamento, monitorização e avaliação
do PROT e do sistema de turismo nele previsto. O observatório é composto pela
CCDR, pela entidade nacional responsável pelo setor do turismo e pelos
municípios, detendo competências de monitorização e avaliação geral do plano e
dos seus efeitos e, também, competências específicas de concertação de
interesses e de conciliação de posições das entidades que intervêm nos
procedimentos de concretização dos núcleos de desenvolvimento turístico,
pressupondo um relacionamento com o sector privado.
Embora com abordagens distintas, a previsão de observatórios regionais,
articulados com o Observatório do Ordenamento do Território e do Urbanismo,
previsto no Regime Jurídico, são uma componente central dos SMAG em todos os
PROT.
Quanto a medidas e ações inscritas nos programas de execução dos PROT e
destinadas à criação e funcionamento das estruturas ou ao desenvolvimento de
componentes do SMAG, constatámos que as mesmas são exíguas. Na maioria das
situações registam-se ações agregadas, sem detalhe de orçamento e prioridade, e
centradas na elaboração de estudos e na produção de informação.
Dimensões de governança territorial
As dimensões da governança territorial, que identificámos com base nos
principais requisitos do processo de governança, estão presentes no conteúdo
dos vários PROT. Todos eles assumem a importância de princípios e objetivos de
governança territorial no desenvolvimento dos trabalhos de implementação do
plano e todos, com maior ou menor desenvolvimento, fazem referência aos
domínios de análise pré-identificadas.
Importa, no entanto, registar que o tratamento das matérias em análise assume
nos vários PROT uma grande amplitude, incluindo enquadramentos teóricos e
declarações de princípio e de intenção abstratas, a par, e em sobreposição, com
orientações e diretrizes normativas. Nesta realidade, para a sistematização
registada no Quadro_2 tivemos por base uma leitura global dos pontos
específicos referentes à matéria em estudo, extraindo, em primeiro lugar, as
referências com natureza de orientação ou diretriz e, em segundo,
complementando-as com a interpretação de referências mais amplas desde que
relacionadas com o quadro de ação definido pelas orientações e diretrizes, não
tendo sido consideradas referências presentes no enunciado mas para as quais
não encontrámos uma ligação percetível com aquele.
Em matéria de representatividade dos atores no processo de governança
territorial dos PROT verificamos que ao nível das estruturas o envolvimento é,
essencialmente, de natureza institucional e cariz público, centrado nas CCDR,
nas entidades da administração setorial e nos municípios associados. Apesar de
serem efetuadas várias referências à importância do reforço da interação
público-privado, em concreto não existem operacionalizações desenhadas e
passíveis de ser caracterizadas com objetividade, com exceção do Algarve.
No caso dos planos que preconizam estruturas de continuidade com as comissões
de acompanhamento da sua elaboração, os representantes dos interesses
económicos, sociais, culturais e ambientais estão representados ao nível
consultivo. No PROT Algarve, pode inferir-se a existência de uma participação
dos agentes privados no sistema de governança, não ao nível da estrutura, mas
dos trabalhos desta, no âmbito do turismo.
Este baixo nível de representação e de envolvimento dos atores privados na
estrutura de governança deve ser lido tendo em conta a natureza do instrumento
de planeamento que estamos a tratar. Primeiro, porque o seu posicionamento de
charneira no quadro do sistema de gestão territorial, apela, como vimos nos
pontos anteriores, a uma concentração de esforços na coordenação de políticas
públicas e na cooperação dos atores por estas responsáveis, bem como na
concretização da interação coordenada de instrumentos de planeamento da
responsabilidade das entidades públicas. Segundo, porque, tratando-se de um
instrumento de natureza estratégica, a concretização operativa das suas
orientações e diretrizes carece, na maioria dos seus conteúdos, de
desenvolvimento e materialização no âmbito dos planos reguladores da ocupação e
uso do solo, ficando o PROT mais afastado da execução privada direta. Não
obstante, em algumas matérias, a participação das organizações representativas
dos interesses privados é importante, face aos objetivos enunciados pelos PROT,
e teria sido possível prever um maior envolvimento das mesmas, atribuindo-lhes
responsabilidades de monitorização e comprometendo-as com algumas esferas de
decisão.
Os modelos de governança delineados no âmbito dos PROT são essencialmente
modelos de governança horizontal, entre a administração do Estado, periférica e
central desconcentrada, e modelos de articulação vertical, entre estas
entidades e as autarquias locais, isoladas ou em associação, destinados a
formalizar rotinas de articulação institucional. Os sistemas de governança de
índole funcional, como os do Centro e do Alentejo, manifestam, a par das
preocupações de articulação externa da CCDR, um grande enfoque na articulação
interna, entre os serviços da CCDR. Noutra linha de preocupações, o PROT OVT
salienta a necessidade de estabelecer uma articulação específica com as CCDR
Centro e Alentejo, tendo em vista garantir a aderência entre o PROT e os
Programas Operacionais Regionais. Esta referência é justificada pela
descoincidência da inserção regional do território do OVT, para efeitos de
planeamento e gestão territorial e de gestão de fundos comunitários
A geometria territorial predominantemente referida como base para o
estabelecimento de redes de interlocução reflete os dois âmbitos territoriais
administrativos existentes: o espaço regional, coincidente com o território de
atuação das CCDR; e o espaço intermunicipal, coincidente com o território de
atuação das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais. Pese
embora, nos seus conteúdos materiais de natureza técnica, os PROT apontem
orientações e diretrizes para espaços de atuação específicos e diversos das
circunscrições administrativas (espaços problema, espaços funcionais, unidades
territoriais, etc.), estas propostas não dão origem a desenvolvimentos
particulares no âmbito do sistema de governança. Esta lógica denota a forte
conotação da governança territorial com os mecanismos institucionais e com os
moldes formais de atuação e uma menor adesão a outros espaços de articulação
mais livre. As referências a compromissos de gestão territorial de áreas
funcionais, parcerias para o desenvolvimento de projetos, construções de
territórios de ação durante e em função do processo são ausentes ou abstratas.
Os fatores de geração de motivação não são identificados nos PROT enquanto tal.
Por isso, foram identificados a partir de uma interpretação das intenções que
perpassam os enquadramentos mais teóricos e das propostas do SMAG. Considerámos
como referências passíveis de incluir neste domínio de análise as realizações
que possam motivar os atores a interessar-se por ter um envolvimento no
processo de governança, desde a ideia de reforço do diálogo institucional, que
referenciamos no PROT AML em vigor, às menções, algo vagas, de concertação
estratégica e de parceria estratégica enunciadas nos PROT OVT e AML-Alteração,
aos propósitos de definição de procedimentos comuns, trocas de experiências e
divulgação de boas práticas, patentes nos PROT Centro e Alentejo, aos pactos
territoriais/ agendas estratégicas do PROT Norte e aos mecanismos de decisão
partilhada no domínio do turismo do Algarve e OVT.
O domínio de análise da formação de valores comuns está intrinsecamente ligado
ao da geração de motivação, uma vez que só pontualmente conseguimos referenciar
processos de construção de valor público em rede por meio de discussão e
deliberação, situação aplicável no caso do setor do turismo, nos PROT Algarve e
OVT, este com menor expressão. Todavia, podemos considerar que existe uma
formação de valores comuns em processos menos ambiciosos do ponto de vista
teórico mas de grande importância na prática, como a harmonização de
procedimentos e critérios técnicos, a formação de parcerias e redes e, no
geral, o próprio processo de monitorização, avaliação e gestão dos PROT na sua
globalidade.
A legitimidade da decisão é um requisito central dos processos de governança
que poderia considerar-se neste contexto bastante relativizado, uma vez que
predominam articulações horizontais e verticais de índole institucional e que
os próprios PROT remetem para a atuações gizadas pelo quadro de competências
das entidades e pelo quadro legal aplicável, como está patente no Quadro_2.
Todavia isto não quer dizer que não haja margem para decisão e problemas de
legitimidade e legitimação da decisão uma vez que a coordenação territorial de
políticas setoriais e a intervenção concorrente da administração regional e das
autarquias locais em matéria de ordenamento do território apresentam margens de
decisão muito amplas, com zonas de conflito e com necessidades de gestão desse
conflito. As redes previstas no âmbito do SMAG e a publicitação da informação
do processo de monitorização e avaliação são procedimentos que visam assegurar
a legitimidade e legitimação da decisão.
A prestação de contas é exercida, essencialmente, por via dos relatórios de
monitorização e avaliação, onde prepondera a apresentação do sistema de
indicadores e, em alguns casos, o relato do processo de implementação. Os
relatórios periódicos são bienais nos PROT, que prevêem sistemas de índole
funcional, e anuais nos demais, e na generalidade pretendem-se articulados com
os do Observatório do Ordenamento do Território e do Urbanismo e contribuintes
dos Relatórios de Estado do Ordenamento do Território, ambos previstos no
Regime Jurídico mas ainda não operacionalizados.
No segundo semestre de 2013, o PROT Algarve tinha disponível ao público um
relatório (datado de 2009), mas relativo apenas ao sistema de indicadores. O
PROT-OVT tinha disponíveis dois relatórios (datados de 2011 e 2012) mais
completos, apresentando o sistema de indicadores e também a monitorização do
programa de execução e o relato do próprio processo de gestão do PROT no âmbito
do SMAG, numa ótica de aprendizagem organizacional. Os relatórios garantem as
vertentes de publicitação e transparência da informação, sendo o escrutínio e a
responsabilização, num primeiro nível, cometido às comissões de acompanhamento
(nos casos em que estão previstas), que se pronunciam sobre os relatórios, e a
um segundo nível às comunidades técnicas e científicas e aos cidadãos em geral,
a partir da sua disponibilização pública on-line.
A capacitação e aprendizagem são também domínios de análise onde preponderam
referências difusas, não se traduzindo em concretizações detalhadas. Todavia, é
inegável que a constituição do sistema de informação e os estudos sobre as
dinâmicas territoriais são ações no domínio da capacitação das instituições e
das comunidades que a estes acedem. E é também inegável que as redes e esquemas
de interlocução proporcionam aprendizagem organizacional.
A participação dos cidadãos é enunciada como uma componente importante da
democracia participativa, mas a identificação de incentivos à participação e ao
envolvimento dos cidadãos no escrutínio da implementação do plano e do processo
de governança é incipiente. A participação é viabilizada pela disponibilização
de relatórios de monitorização, nos sites das CCDR, e pelos sistemas de
indicadores, via observatórios, sendo exígua a oferta de facilitadores
adicionais, tais como, sumários executivos ou dispositivos tecnológicos
facilitadores da interação (p.e. plataformas colaborativas) que melhorem a
comunicação a diferentes níveis de compreensão e interesse.
Visões dos atores
A identificação da visão dos atores resulta da leitura dos pareceres finais e
das atas das comissão de acompanhamentos, sendo que esta linha da pesquisa não
revelou material assinalável, não obstante a extensa dimensão dos pareceres.
Numa leitura geral constatamos apenas que no processo de elaboração dos PROT as
comissões de acompanhamento demonstraram uma aceitação tácita dos SMAG e
registaram algumas preocupações, sobretudo ao nível da concretização dos
sistemas de governança em medidas e ações concretas a inscrever nos programas
de execução e do envolvimento e participação das populações. Pode inferir-se,
também, algum ceticismo sobre a efetiva operacionalidade dos SMAG na partilha
de decisões.
4. Discussão e Conclusões
A situação dos vários PROT é muito diferenciada em termos de tempo de aplicação
e de relato da experiência entretanto adquirida. O PROT AML, que foi o primeiro
plano a ser elaborado na configuração de instrumento de natureza estratégica,
apresenta um conteúdo menos desenvolvido e a estrutura nele prevista não foi
operacionalizada. Os PROT Norte, Centro e AML-Alteração não estão em vigor, não
existindo, portanto, condições de avaliação das virtualidades ou debilidades
das estruturas previstas e dos resultados da sua operacionalização. Os PROT
Algarve, OVT e Alentejo, respetivamente em vigor desde 2007, 2009 e 2010,
desenvolveram as matérias da governança em moldes muito distintos e os dois
primeiros apresentam já relatórios de monitorização, o do Algarve focado no
sistema de indicadores e o do OVT mais abrangente.
É patente a existência de um elevado grau de discrepância entre os enunciados
teóricos constantes das normas orientadoras e mesmo dos pontos específicos
referentes ao SMAG e as concretizações. Os enunciados assumem um teor
discursivo, declarando os princípios, as virtualidades e os objetivos da
governança territorial com um grau de abrangência vasto, mas as referências a
procedimentos e formas de atuação, o envolvimento de atores e as competências
atribuídas são diminutos face às expetativas geradas pelo discurso. Assim, no
plano retórico enunciam-se instrumentos colaborativos, de debate, de
concertação e de decisão partilhada, envolvendo atores públicos e privados, mas
na prática não se identificam sedes, procedimentos e ferramentas para o
realizar.
Como evidências concretas de decisão partilhada, encontramos incumbências para
o desenvolvimento de algumas componentes abertas do plano, para interpretar os
seus conteúdos de natureza indicativa, para promover (propor) a adaptação de
conteúdos específicos, ou para concertar posições em domínios concretos, como é
caso do turismo, onde se inscrevem a gestão dos limiares de camas turísticas e
as conferências relativas aos procedimentos concursais dos núcleos de
desenvolvimento turístico do Algarve e o reconhecimento do interesse regional
dos núcleos de desenvolvimento económico associados a turismo e lazer do OVT.
Esta dualidade entre a ambição e a concretização é menos visível nos PROT que
optaram por uma perspetiva funcional e mais alinhada com as competências das
CCDR e seus órgãos.
A análise realizada tornou evidente o interesse que a matéria da governança
territorial registou no contexto da elaboração e implementação dos PROT,
denotando-se uma preocupação generalizada em atuar sobre a melhoria das
condições do exercício administrativo, sobretudo ao nível da coordenação das
políticas públicas e dos instrumentos de planeamento no território regional e,
em alguns casos mais restritos, de concertar interesses públicos e privados em
torno de setores ou projetos específicos.
Efetivamente a leitura conjunta dos domínios de análise relativos ao
envolvimento de atores, ao tipo de interlocução e às geometrias territoriais
leva-nos a inferir que os sistemas de governança dos PROT estão mais
preocupados em concretizar adequados níveis de interação de planos e de
políticas públicas e de interlocução entre entidades administrativas do que em
partir dessa realidade para outras formas mais inovadoras de governança
territorial. Esta conclusão, na nossa perspetiva, não menoriza os sistemas
previstos nos PROT, antes pelo contrário, consciencializa-nos de um problema da
função administrativa e da atividade de planeamento em particular, e apela à
utilização destes instrumentos de planeamento para melhorar as práticas
existentes.
A exiguidade da afirmação de posições por parte do fórum de atores que
acompanhou a elaboração dos PROT, face a um assunto que a todos eles diz
respeito, leva-nos a inferir algumas explicações cumulativas: a mais direta é a
existência de uma consonância de pensamento com as abordagens do assunto
apresentadas pelas CCDR, na linha de pensamento de que "só se critica
quando se discorda"; a segunda é a manifestação de um alheamento face a
uma matéria que ainda é pouco apreendida e que está muito mais alinhada com os
discursos do que com as práticas, segundo o pensamento de que "se está
mencionado está tratado"; a terceira é a de que as preocupações de
coordenação, cooperação e concertação de políticas, atores e interesses são
principalmente das CCDR e escapam, ainda, ao cerne das preocupações dos demais
atores envolvidos, na linha de pensamento de que "a coordenação é um
problema de quem coordena e não de quem tem de se coordenar".
As abordagens dos vários PROT, sendo diferenciadas, denotam, na nossa leitura
de contexto, preocupações comuns das CCDR quanto à necessidade de reforço da
governança territorial, nuns casos impulsionando a ação da estrutura formal de
serviços e órgãos constituídos, no sentido de dotar "velhos serviços com
novas condutas" e noutros, promovendo a criação de estruturas novas, mais
ou menos convencionais, no sentido de motivar "novas estruturas para
velhos trabalhos". Não tivemos, nesta pesquisa, condições para avaliar a
adequação das soluções, nem tal se pretendia, mas apenas para registar as
sintonias e divergências dos entendimentos de partida, as formas alternativas
de concretização e alguns resultados demonstrados, considerando-se de interesse
que a mesma seja continuada e desenvolvida.
A avaliação das práticas de governança territorial preconizadas nos PROT
enquadra-se nas preocupações mais gerais de avaliação das políticas públicas e
é uma obrigação da comunidade científica e técnica que trabalha nas áreas do
ordenamento do território, não só numa perspetiva de gerar maior aderência dos
discursos às práticas e de transformar o conhecimento teórico em processos
operativos, mas também numa perspetiva de contributo para a formação de uma
cultura administrativa e cívica mais sólida no domínio das políticas
territoriais. Consideramos, aliás, que linhas de investigação da governança dos
PROT são não só de interesse e utilidade evidentes, como podem criar uma maior
aproximação entre as CCDR e a comunidade académica, fora dos esquemas
tradicionais da consultoria próprios da elaboração dos planos, com efeitos
positivos na transformação do conhecimento nos dois sentidos.
Seja por necessidades específicas ou por interesse mais geral, os PROT
apresentam propostas de sistemas de governança e esquemas de interlocução
horizontal e vertical com significado no panorama da atividade administrativa
de planeamento no domínio do ordenamento do território. Sendo evidente das
inferências da análise efetuada que estes planos contribuíram para o
desenvolvimento de processos de governança territorial promovidos pelas CCDR,
não podemos concluir que as potencialidades destes planos estejam a ser
plenamente aproveitadas. Independentemente da modalidade e do grau de
operacionalização destas estruturas justifica-se uma monitorização orientada
que contribua para um melhor conhecimento e aproveitamento das mesmas.
Numa trajectória de convergência à escala europeia e mundial os instrumentos de
planeamento de natureza estratégica têm vindo a afirmar-se face aos
instrumentos de planeamento de natureza regulamentar, como consequência do
maior alinhamento das práticas de planeamento participativo, colaborativo e
deliberativo com as necessidades de flexibilidade da resposta dos planos e dos
processos de planeamento em contextos sociais de grande complexidade e
mutabilidade e com a nova racionalidade de partilha do poder do Estado com
outros atores, no quadro dos modelos político-institucionais contemporâneos.
Nesta linha de afirmação dos instrumentos de planeamento estratégico colocam-se
grandes desafios a uma organização administrativa como a portuguesa, que tem
raízes profundas no funcionamento hierárquico e individualista das instituições
e no planeamento racional e regulamentar do uso do solo, sendo necessário
percorrer um caminho de adaptação das culturas institucionais e organizacionais
que passa pela mobilização e capacitação dos atores envolvidos e pela afirmação
de protagonistas, sob a forma de instituições e instrumentos, que enquadrem,
promovam e dinamizem processos de transformação, assegurando a manutenção dos
referenciais fundamentais da acção pública. É neste quadro que os PROT devem
ser pensados e conduzidos.