Avaliação do património vegetal natural do Alto Douro Vinhateiro 2001 -2012
1. Introdução
1.1. Alto Douro Vinhateiro - Paisagem Cultural Evolutiva Viva
O Alto Douro Vinhateiro (ADV) localiza-se no coração da Região Demarcada do
Douro (RDD) desenvolvendo-se linearmente ao longo das duas margens do rio
Douro. Com uma área de 24 600 ha, que equivale a 10 % da área da RDD, o ADV
corresponde ao contínuo melhor preservado de uma paisagem esculpida ao longo de
séculos e que reflecte um processo singular de adaptação humana a condições
naturais fortemente condicionadoras à sua fixação (Figura_1).
O ADV integra a lista do Património Mundial da Unesco desde 2001, tendo sido
classificado como Paisagem Cultural Evolutiva Viva. Isto significa que o ADV
cumpre um conjunto de critérios que comprovam o seu valor universal
excepcional, a sua autenticidade e que está ainda salvaguardado por mecanismos
legais que asseguram a sua conservação.
Esta distinção acarreta obrigações entre as quais o dever de assegurar a….
"proteção, conservação, valorização e transmissão às gerações futuras do
património cultural e natural…" (UNESCO, 2013). Sempre que ocorrem
circunstâncias excepcionais que possam afetar o estado de conservação de um bem
e colocar em risco a sua integridade e autenticidade, tem início um processo de
acompanhamento reativo que obriga à elaboração de estudos e produção de
relatórios sobre o estado do bem ameaçado. Em 2012, em consequência do projecto
da Barragem Hidroeléctrica Foz Tua, a UNESCO deliberou que o estado português
deveria produzir um relatório actualizado sobre o estado geral de conservação
do ADV (UNESCO, 2012).
Este trabalho resulta da investigação efetuada no âmbito deste relatório
correspondendo aos estudos realizados especificamente sobre o património
natural vegetal (Andresen e Rebelo, 2013; Farinha-Marques e Fernandes, 2013).
Os principais objetivos foram a identificação, caracterização e quantificação
das classes de uso do solo que codificam o património natural vegetal do Alto
Douro Vinhateiro (ADV), para os cenários temporais de 2001 - 2012, de
modo a avaliar a sua evolução.
2. O Património Natural
2.1 Classes de Uso do Solo
Em 2001, o Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território para o Alto Douro
Vinhateiro (PIOT ADV) (Bianchi de Aguiar et al., 2001) propôs duas categorias
para a classificação do solo rural: espaços agrícolas e espaços naturais. Nesse
documento os espaços agrícolas foram definidos como "…áreas territoriais
prioritariamente de produção, onde prevalecem as culturas mediterrânicas
permanentes…" e os espaços naturais como "áreas territoriais
prioritariamente de conservação..." tendo sido identificadas duas
subcategorias: Matos Mediterrânicos e Galerias Ripícolas.
No presente trabalho foi incluída uma terceira classe: o Pinhais, por se
considerar que desenvolvem dinâmicas ecológicas próprias que deveriam ser
analisadas além de contribuírem para uma maior diversidade do mosaico
paisagístico. A classe Matos Mediterrânicos adopta a designação Matos e Matas,
por se entender que traduz melhor a variabilidade detetada neste tipo de
formações.
Os Matos e Matas são a classe de património natural mais estruturante e
emblemática ao nível da paisagem do ADV e abrange um conjunto muito vasto de
formações vegetais que podem ser diferenciadas, entre outras características,
com base no nível de estratificação presente. Esta classe engloba desde
comunidades arbustivas constituídas por apenas dois estratos: herbáceo e
arbustivo baixo, até comunidades estruturalmente complexas quanto ao número e
tipo de estratos presentes. Deste modo, considerando um crescendo de
complexidade estrutural este grupo inclui: 1) comunidades rupícolas, que se
desenvolvem sobre substrato rochoso, e que por isso revelam dificuldade em
formar um coberto contínuo e consistente; 2) comunidades arbustivas com
diferentes níveis de organização e complexidade estrutural dependendo do estado
sucessional e da variabilidade ambiental a que estão sujeitas; 3) comunidades
de matas/bosques, ou seja, que exibem um estrato arbóreo mais ou menos denso e
contínuo (Crespí et al, 2005).
A classe Pinhais representa os povoamentos florestais dominados por pinheiro-
bravo (Pinus pinaster) plantados para exploração de madeira. A sua capacidade
para criar condições favoráveis para a ocorrência de espécies endémicas e sub-
endémicas torna-os relevantes ao nível do património natural (Fernandes,
2009).As Galerias Ripícolas constituem formações arbóreo-arbustivas de
extraordinária diversidade florística, associadas a linhas de drenagem natural
(linhas de água permanentes ou temporárias) e a margens de albufeiras.
Com exceção da classe de Pinhais as restantes classes consideradas podem
englobar um conjunto muito vasto de habitats, com características e valor
conservacionista distintos. Deste modo, entendeu-se ser importante listar os
habitats naturais do Anexo I da Diretiva 92/43/CEE (http://www.icnf.pt/) com
probabilidade de ocorrência no ADV, ainda que residual.
Assim, nas manchas de vegetação designadas por Matos e Matas podem ser
encontrados até 9 habitats[1] dos quais se destaca o habitat prioritário 9330 -
Florestas de Quercus suber(sobreiro). Este habitat caracteriza-se pelas
diversas variantes que pode apresentar em função da presença no estrato arbóreo
de outros fanerófitos, nomeadamente: Quercus fagineasubsp. Faginea(carvalho-
cerquinho),Q. robur(carvalho-alvarinho),Q. rotundifolia(azinheira), Q.
pyrenaica(carvalho-negral), Juniperus oxycedrus(zimbro),Fraxinus angustifolia
(freixo),Pinus pinastersubsp. atlantica(pinheiro bravo),Pyrus cordata
(escalheiro) e Arbutus unedo(medronheiro). A proteção e integridade destes
bosques é assegurada por orlas arbustivas extremamente diversificadas
constituídas essencialmente por matagais, medronhais e carrascais de azinheira.
Apesar da sua presença residual no ADV, os habitats prioritários 5110 e 9560
foram incluídos pelo facto de serem habitats com uma distribuição muito
reduzida o que aumenta a importância da sua conservação.
As galerias ripícolas podem incluir 3 habitats[2]: sendo de salientar o habitat
prioritário 91E0 - Florestas aluviais de Alnus glutinosa (amieiro) e Fraxinus
excelsior(freixo). Estes bosques caducifólios não se encontram em cursos de
água temporários ou de regimes torrenciais e caracterizam-se pelo seu biótopo
denso e sombrio que permite o aparecimento de inúmeros fetos: Asplenium
onopteris(avenca-negra),Athyrium filix-femina(feto-fêmea),Blechnum spicant
(feto-pente), Dryopterissp., Osmunda regalis(feto-real),Polystichum setiferum
(fentanha).
Identificaram-se ainda vários habitats com interesse conservacionista sem
enquadramento nas classes anteriores pelo que se agruparam numa classe
designada Outros[3]. Deste grupo constam 12 habitats relacionados
essencialmente com cursos de água, charnecas e pradarias, dos quais apenas o
habitat 6220 é prioritário.
2.2. Flora característica das classes patrimoniais avaliadas
2.2.1 Flora característica dos Matos e Matas
A variabilidade climática registada na Região Demarcada do Douro determina,
naturalmente, a distribuição da vegetação natural.
No Baixo Corgo, a frescura atlântica ainda se faz sentir permitindo a presença
de sobreiro (Quercus suber) e carvalho-alvarinho (Quercus robur) nos estratos
arbóreos e um elenco notável de arbustos e sub-arbustos: medronheiro (Arbutus
unedo), o pilriteiro (Crataegus monogyna), o folhado (Viburnum tinus), a torga
(Calluna vulgaris), a urze branca (Erica arborea), os tojos (Ulexspp.), e ainda
a gilbardeira (Ruscus aculeatus), o estevão (Cistus populifoliussubsp.
populifolius), e o espargo-bravo (Asparagus acutifolius).
No Cima Corgo e sobretudo no Douro Superior a aspereza mediterrânica torna-se
mais limitativa ao desenvolvimento vegetal e só a rusticidade da azinheira
(Quercus rotundifolia) e do zimbro (Juniperus oxycedrussubsp. oxycedrus) lhes
permite resistir em tais condições. Em áreas mais circunscritas é possível
encontrar outros elementos notáveis como o carvalho-cerquinho (Quercus
fagineasubsp. faginea), a zêlha (Acer monspessulanum) e o zambujeiro (Olea
europaeasubsp. europaeavar. sylvestris). Nos estratos arbustivos são frequentes
a cornalheira (Pistacia terebinthus), o Lentisco (Phillyrea angustifolia); o
abrunheiro (Prunus spinosa), a esteva (Cistus ladanifersubsp. ladanifer), o
rosmaninho (Lavandula pedunculata), o trovisco (Daphne gnidium), a roselha
(Cistus albidus) e os sanganhos (Cistus salvifolius e Cistus psilosepalus).
2.2.2 Flora característica das Galerias Ripícolas
As condições ecológicas em que as Galerias Ripícolas se desenvolvem permitem-
lhes atingir uma grande complexidade estrutural. Acompanhando os cursos de água
manifestam características de bosques lineares, sobretudo quando exibem um
estrato arbóreo contínuo nas duas margens. Nestes espaços desenvolvem-se
espécies arbóreo-arbustivas típicas como amieiro (Alnus glutinosa), freixo
(Fraxinus angustifolia), ulmeiro (Ulmus minor), choupo-negro (Populus nigra),
choupo-branco (Populus alba), lodão (Celtis australis), várias espécies de
salgueiro (Salix atrocinerea, Salix albassp. vitelina, Salix salvifolia),
sabugueiro (Sambucus nigra) e salgueirinha (Lythrum salicaria). Os salgueirais
ocupam preferencialmente troços de afluentes do rio Douro onde o regime das
águas é mais agressivo e os solos são mais arenosos ou pedregosos (Ribeiro,
2000; Ribeiro e Diniz‚ 2004).
As comunidades ripícolas, especialmente as menos perturbadas, são também muito
ricas em espécies lianas herbáceas cuja presença decumbente sobre as copas das
árvores confere à galeria uma aspeto particular: lúpulo-bravio (Humulus
lupulus), a doce-amarga (Solanum dulcamara), a norça-branca (Bryonia dioica) e
a norça-preta (Tamus communis). A hera (Hedera helix), as madressilvas
(Lonicera spp.), as roseiras-bravas (Rosa spp.) e as silvas (Rubus spp.) são
lianas lenhosas igualmente características destes habitats.
2.2.3 Flora característica dos Pinhais
Em termos estruturais os Pinhais do ADV são constituídos por um estrato
muscícola-liquénico, um herbáceo e um ou mais estratos arbustivos, sobre os
quais se desenvolve um estrato arbóreo dominado fundamentalmente por Pinheiro
bravo (Pinus pinaster).
Os estratos arbustivos que constituem o seu sub-coberto têm grande variação de
fisionomia e porte em função do tipo de solos em que se instalaram e da
quantidade de luz que os pinheiros deixam penetrar. No geral, o sub-coberto é
dominado por nanofanerófitos com abundâncias limitadas pelo "mulch"
de acículas que se forma junto ao solo. Das espécies possíveis neste estrato
salientam-se as seguintes: queiroga (Erica umbellata), rosmaninho-menor
(Lavandula stoechassubsp. luisieri), Halimium umbellatumsubsp. viscosum, codeço
(Adenocarpus complicatus), carqueja (Pterospartum tridentatumsubsp.
lasianthum), tojo-molar (Ulex minor), sanganho (Cistus psilosepalus), tojo-
gadanho (Genista falcata), Anarrhinum bellidifolium, ansarina-dos-campos
(Linaria spartea), Narcissus triandrussubsp. triandrus e ranúnculo-das-paredes
(Ranunculus ollissiponensissubsp. ollissiponensis). Todas as espécies desta
listagem têm distribuição endémica ou sub-endémica atestando o valor
conservacionista destas comunidades.
2.3 Espécies exóticas mais disseminadas
As espécies exóticas que mais frequentemente revelam um comportamento invasor
com visibilidade ao nível da paisagem são a mimosa (Acacia dealbata), a
austrália (Acacia melanoxylon), a falsa-acácia (Robinia pseudoacacia) e o
ailanto (Ailanthus altissima). Até ao início do séc. XX o sumagre (Rhus
coriaria) foi cultivado na região de Trás os Montes e Alto Douro porque era
muito utilizado na indústria de curtumes devido à riqueza em taninos. O
abandono cultural e boa adaptabilidade à mediterraneidade transformou-o numa
espécie marginal e infestante de taludes. Várias outras espécies são também
comuns em margens de caminhos e em locais perturbados como por exemplo a
figueira-da-índia (Opuntia ficus indica) e a baga-moira (Phytollaca americana).
As margens lamacentas de alguns cursos de água encontram-se muito invadidas por
canaviais de cana (Arundo donax).
3. Metodologia
A metodologia adoptada encontra-se alicerçada em duas directrizes: 1) a
avaliação das áreas de património natural ocorre em áreas de amostragem; 2) a
avaliação das áreas de património natural decorre no contexto da matriz
paisagística, ou seja, a classificação das tipologias de vegetação é
determinada não só pela sua estrutura e composição florística, mas igualmente
pelo seu desempenho visual enquanto elemento integrante de um mosaico
paisagístico diverso e complexo. Esta metodologia encontra-se esquematizada na
Figura_5.
3.1. Delimitação de áreas de amostragem
Por questões operativas decorrentes de um prazo limitado para a avaliação de um
bem com 24 600 ha, a avaliação da evolução das manchas de vegetação natural foi
feita em áreas de amostragem. Os locais seleccionados coincidem com as sub-
unidades de paisagem identificadas no dossier de candidatura como
representativas da " diversidade e expressão do padrão da paisagem do
Alto Douro (…) (Bianchi de Aguiar et al., 2000) e que são: Vale do Corgo (492
ha) localizado no Baixo Corgo; Chanceleiros (455 ha) e Vale do Torto (458 ha)
localizados no Cima Corgo e Vale de Figueira (391 ha) que representa o Douro
Superior.
Dentro de cada uma das quatro paisagens de referência, os locais de amostragem
foram marcados com base em bacias visuais imediatas, geradas com recurso a
software ESRI's ArcInfo (ArcGIS 10.0), a partir de 3-4 pontos de
observação situados ao longo das principais vias de comunicação. Os limites
dessas bacias foram depois definidos pelos limites fisiográficos mais próximos
(linhas de festo e linhas de drenagem principais) e também pelo próprio limite
do ADV. Constituem na sua totalidade uma área de 1 796 ha e correspondem a uma
percentagem do ADV de 7,3% da área total (Figura_6).
Em cada uma das áreas de amostragem foi necessário identificar as manchas de
vegetação natural de cada uma das classes consideradas e avaliar a sua evolução
entre os anos 2001 e 2012.
3.2. Identificação e mapeamento das manchas de vegetação
A situação de 2001 estava já expressa no Plano Intermunicipal de Ordenamento do
Território do Alto Douro Vinhateiro. Contudo, a disponibilidade de tecnologias
mais avançadas e de bases de dados mais rigorosas e com melhor resolução
permitiram refinar a informação existente e colmatar algumas falhas. Desta
forma, os resultados apresentados para o ano de 2001 incluem algumas correções
que foram especialmente importantes para a avaliação da evolução das galerias
ripícolas.
A situação em 2012 foi obtida por rectificação e actualização da situação de
2001 tendo por base a informação proveniente da Carta de Uso e Ocupação do Solo
de Portugal Continental para o ano de 2007 (COS 2007, IGP), ortofotomapas de
2010, imagens de satélite de 2011/2012, disponibilizadas gratuitamente pelo
Google MapsTM e BingMapsTM, e ainda validação em campo para os casos em que
persistissem dúvidas.
Para além de uma análise rigorosa à variação em área das manchas de vegetação
natural o software utilizado, ESRI's ArcInfo (ArcGIS 10.0), permite a
produção de mapas que ao retratarem um momento específico permitem uma análise
visual imediata das alterações ocorridas.
4. Resultados
4.1 Avaliação do património natural no Vale do Corgo
O vale do Rio Corgo caracteriza-se por apresentar as principais manchas de
vegetação, concentradas ao longo da linha de água principal. Estas manchas são
compostas essencialmente por Matos e Matas, acompanhados, naturalmente, pelas
Galerias Ripícolas. Para além deste contínuo associado ao corredor ribeirinho
são ainda visíveis parcelas de pequena dimensão, muito dispersas e isoladas no
mosaico paisagístico. A organização das áreas de vegetação é visível na imagem
que representa o cenário de 2001 e na imagem que representa o cenário de 2012
(Figura_8).Deve salientar-se a perda de parcelas importantes de Pinhais, e
sobretudo de Matos e Matas, na margem direita e no troço Sul do local de
amostragem.
Em termos de valores globais, o cenário de 2001 revela uma área total de
parcelas de vegetação natural na ordem dos 77 ha, representando 15,6 % da área
total em estudo. Em 2012 esse valor desce para 64,7 ha, passando a representar
13,2 % da área total. Esta perda de 2,44% da área de património natural deve-se
sobretudo a um decréscimo na área de Matos e Matas, que perderam cerca de 9,3
ha (14,3%).(Figura_9).
No vale do Corgo a diminuição da área de Matos e Matas está relacionada com
plantação de vinhas novas e com o aumento da área de olival. No ADV várias
manchas de Matos e Matas revelam a presença de oliveiras denunciando que se
trata de olivais abandonados. Nos últimos anos, o dinamismo crescente da
indústria do azeite, tem levado à recuperação de alguns destes olivais,
bastando para isso uma limpeza da vegetação arbustiva que se desenvolveu em
consequência do abandono. Desta forma, uma parte da redução da área de Matos e
Matas também pode ser explicada pela recuperação destes olivais.
Apesar da diminuição da área de Pinhais e Eucaliptais não ser tão significativa
quanto a de Matos e Matas (perderam-se cerca de 4 ha) esse valor corresponde a
uma redução para metade na representatividade desta classe, neste local de
amostragem. A área de Galerias Ripícolas praticamente manteve-se; o ligeiro
aumento que se observa pode ser explicado pelo desenvolvimento das galerias
existentes e também na possibilidade de maior rigor na delimitação das
parcelas.
3.2 Avaliação do património natural em Chanceleiros
Entre os anos de 2001 e 2012 perderam-se em Chanceleiros cerca de 24,7 ha
(5,6%) de área de património natural. Em 2001 as parcelas de vegetação
representavam 25,4% do local de amostragem enquanto em 2012 representam 19,8%.
A maior transformação ocorreu nas áreas de Matos e Matas que perderam cerca de
27,8% da sua expressão territorial (Figura_10). Estas perdas estão sobretudo
relacionadas com plantações de vinhas novas e, em menor extensão, com a
recuperação de olivais.
Tal como no vale do Corgo, também em Chanceleiros foram abandonados alguns
olivais e vinhas que, em 2012 evoluíram para Matos e Matas. A área ocupada por
Pinhais e Eucaliptais também se reduziu em cerca de 2,8 ha (8,4%). As Galerias
Ripícolas mantiveram a expressão que apresentavam em 2001.
A classe de Galerias Ripícolas adota, no presente trabalho, um caráter
abrangente de modo a representar igualmente formações vegetais que não revelam
um estrato arbóreo contínuo mas que se localizam em margem de albufeira, neste
caso na margem do rio Douro, ou ao longo de linhas de drenagem natural, sendo o
ribeiro de Covas o exemplo mais representativo. Na proximidade do rio Douro, a
vegetação ripícola intercala com matos e com outras culturas das quais os
laranjais são o exemplo mais representativo. A dificuldade de estabelecimento
de vegetação ripícola na margem do rio Douro pode estar relacionada com a
variação do nível de água nas albufeiras, que nesse caso não é muito
significativo por se tratarem de aproveitamentos hidroelétricos de "fio
de água". Aqui é sobretudo devido ao intenso declive destas margens que
rapidamente afastam o terreno do contacto com a água, não estimulando o
estabelecimento de espécies lenhosas ripícolas (Cortes, 2008).
Neste local de amostragem foi igualmente registada a presença de vegetação
exótica, sobretudo austrália (Acacia melanoxylon), falsa-acácia (Robinia
pseudo-acacia) e figueira-da-índia (Opuntia ficus-indica).
3.3 Avaliação do património natural no Vale do Torto
No vale do rio Torto nota-se um desequilíbrio na distribuição das manchas de
vegetação natural entre a vertente voltada a Norte e a vertente voltada a Sul.
Este facto pode estar relacionado com a maior aptidão das propriedades com
exposição Sul para a produção vitícola resultando numa maior ocupação do
território com esta cultura. Contudo, é ainda possível observar nas cotas mais
elevadas parcelas de grande dimensão ocupadas por Matos e Matas. As parcelas
que codificam o património natural no vale do rio Torto revelam algumas
características distintivas relativamente aos restantes locais de amostragem.
Na Figura_11 observam-se várias manchas de Matos e Matas com uma configuração
linear que parece acompanhar as curvas de nível. Estas manchas correspondem a
faixas de vegetação que persistiram após plantações de vinha, geralmente
"ao alto" ou em patamares, sobre áreas previamente ocupadas por
Matos e Matas. A sua forma longilínea deve-se à sua localização ao longo dos
acessos principais das propriedades, em taludes mais declivosos que separam os
caminhos dos talhões vitícolas. Estas parcelas são geralmente constituídas por
arbustos de médio a grande porte, que os agricultores se habituaram a
reconhecer atribuindo-lhes valor cinegético, ornamental ou mesmo de contenção
dos solos. É frequente encontrar nestes locais formações de mato alto de onde
sobressaem medronheiro (Arbutus unedo), cornalheira (Pistacia therebinthus),
lentisco (Phillyrea angustifolia), trovisco (Daphne gnidium) rosmaninho
(Lavandula pedunculata) e urzes (Erica spp.).
No vale do rio Torto, entre os anos de 2001 e 2012, não houve perda
significativa de área de património natural. Em 2001 as classes que descrevem
esse património correspondiam a 10% da área total do local de amostragem e esse
valor mantém-se em 2012.
Neste local de amostragem, a área de património natural atual é quase
inteiramente dominada por Matos e Matas (84,3%), que praticamente já revelavam
esta expressão em 2001 (84,7%). A ligeira perda observada na área ocupada por
Matos e Matas deve-se essencialmente à plantação de vinha. A ocupação de
Pinhais e Eucaliptais neste local de amostragem é residual (representa 0,2% da
área total de amostragem e 1,97% da área de património natural) e não sofreu
variações o mesmo acontecendo com as Galerias Ripícolas (Figura_12).
3.4 Avaliação do património natural em Vale Figueira
A vertente voltada a Sul de Vale de Figueira é quase totalmente dominada por
Matos e Matas que se desenvolvem sobre afloramentos rochosos e escarpas. Estas
parcelas não mostram sinais de ocupação cultural prévia, olival ou vinha,
contrariamente ao que se verificava em muitas manchas de Matos e Matos dos
outros locais de amostragem. Para este facto podem concorrer vários factores: o
posicionamento mais interior de vale de Figueira no contexto do ADV; as
difíceis acessibilidades, os elevados declives desta encosta de natureza
escarpada, mas sobretudo o tipo de afloramentos rochosos de geologia granítica.
Toda a conjuntura é diferente na encosta voltada a Norte, que revela uma maior
ocupação do território com vinha. As Galerias Ripícolas revelam um carácter
descontínuo, alternado com parcelas de matos. Este comportamento, semelhante ao
descrito para a bacia de Chanceleiros, atribui-se da mesma forma à proximidade
da linha de caminho e ferro e dificuldade da vegetação arbórea ripícola se
estabelecer em margem muito declivosa de albufeira. Contudo, neste local de
amostragem a presença de exóticas é menos evidente.
Vale de Figueira revela a maior proporção de área ocupada por património
natural de entre todos os locais de amostragem analisados. Em 2001 esse valor
era de 160,9 ha correspondendo a 41,1% da área total, em 2012 passou para 155,7
ha, correspondendo a 39,8 % da área total. Esta variação aconteceu
essencialmente nas áreas de Matos e Matas e em Pinhais e Eucaliptais. Contudo
se no primeiro caso as perdas representam apenas uma diminuição de 2,2% da
representatividade da classe, no caso dos Pinhais e Eucaliptais representam uma
redução de 48,9% dessa mesma representatividade (Figura_13). A variação na área
de Matos e Matas está sobretudo relacionada com a plantação de vinhas novas, no
caso das perdas e com o abandono de olivais e corte de pinheiros no caso das
novas áreas de 2012.
5. Discussão e Conclusões
Os locais de amostragem analisados em cada uma das paisagens de referência
revelaram alguma distinção no que respeita ao seu património natural. Este
caráter distintivo observa-se quer ao nível da proporção de espaço ocupado
pelas parcelas que o codificam quer ao nível da distribuição e organização
espacial dessas parcelas.
Todos os locais de amostragem tiveram uma variação negativa da área ocupada
pelo património natural mas de um modo geral, a diminuição foi pouco
significativa: Vale do rio Torto - 0,05%; Vale de Figueira - 1,3%; Vale do rio
Corgo - 2,5%; destaca-se Chanceleiros com 5,4%. A preservação da área de
património natural no vale do rio Torto é um dado relevante uma vez que este é
o local com menor área de património natural - 10,6% da área total. Segue-se o
vale do rio Corgo com 13,1%, Chanceleiros com 19,9% e vale de Figueira onde
quase 40% da área total está ocupada com manchas de vegetação natural.
Nos locais de amostragem analisados, deteta-se uma tendência para a redução da
área de património natural que acontece sobretudo à custa da diminuição da área
de Matos e Matas e de Pinhal e Eucaliptal. As Galerias Ripícolas tendem a ser
preservadas.
Tendo em conta as reflexões anteriores foram encontrados indícios que suscitam
alguma atenção relativamente à situação de referência. Salienta-se a redução na
área de Matos e Matas e a de Pinhal e Eucaliptal, com consequências
assinaláveis para a redução do mosaico paisagístico e tendência para maior
homogeneização da paisagem.
A classe de Matos e Matas é muito abrangente englobando desde formações
arbustivas pioneiras até comunidades subarbóreas pré-climácicas. Deste modo,
temos um conjunto vasto de formações vegetais lenhosas que evidenciam
estruturas, composições e combinações florísticas diferentes. Neste contexto, a
variação em área desta classe informa essencialmente sobre o seu efeito no
mosaico paisagístico e na disponibilidade habitat, mais do que sobre a sua
funcionalidade.
Ainda assim, algumas considerações podem ser registadas. Por exemplo, as
comunidades arbustivas tendem a revelar uma elevada redundância
intercomunitária, ou seja, elevada capacidade de partilha de informação
florística com as restantes classes em análise. Esta função será tão mais
importante se atendermos aos dados de Fernandes (2009) que indicam que, neste
agro-ecossistema, as comunidades arbustivas estabelecem trocas preferenciais
com Galerias Ripícolas que são as comunidades que concentram maior diversidade
florística. Ainda a este respeito, e se aceitarmos que a redundância é um
parâmetro que permite a diferentes taxa apresentarem a mesma funcionalidade,
tal como proposto por Loreau (2001), então, podemos deduzir que uma elevada
redundância intercomunitária, aqui assegurada pela classe de Matos e Matas,
confere a este agro-ecossistema uma elevada estabilidade garantindo a
funcionalidade dos seus processos ecológicos.
Tendo presente estas informações será fácil perceber que alterações importantes
na representatividade da classe de Matos e Matas, pode alterar a funcionalidade
do agro-ecossistema e desse modo a sua capacidade de recuperar o equilíbrio
após perturbações.
A diminuição das áreas de Pinhais e Eucaliptais deve igualmente ser acompanhada
com alguma preocupação. De facto, em Fernandes (2009) estas formações vegetais
revelaram um comportamento claramente divergente em relação às restantes
formações vegetais (bosques, comunidades arbustivas, arvenses, ruderais,
rupícolas, ripícolas, vinhas e olivais). Este comportamento verificou-se em
todas as análises efectuadas permitindo deduzir dois aspectos importantes
relativamente ao seu comportamento estrutural e funcionalidade: 1) os pinhais
revelaram ser as comunidades com menor redundância intercomunitária, 2) apesar
da escassa diversidade florística os pinhais conseguem estabelecer numerosas e
diversas combinações florístico-estruturais com a flora disponível revelando
uma baixa redundância intracomunitária.
Estes resultados indicam que perante perturbações, os pinhais poderão ter
dificuldade em recuperar a sua diversidade específica porque têm dificuldade em
partilhar o seu património florístico, ou seja, são comunidades mais frágeis.
Mas, por outro lado, a resistência do ecossistema encontra nestas formações um
importante conjunto de respostas (em resultado da baixa redundância
intracomunitária) que fazem dos pinhais um tipo de formação vegetal importante
na gestão da funcionalidade destas paisagens.
As Galerias Ripícolas, graças às condições ecológicas diferenciadoras das
restantes comunidades vegetais, têm sido referidas como importantes
reservatórios de diversidade florística o que lhes confere capacidades notáveis
para a manutenção de um repositório fundamental de informação florística,
essencial para a manutenção de mecanismos de resistência e resiliência do
ecossistema (Fernandes, 2009). A continuidade do desempenho destas importantes
funções parece estar salvaguardada pelo menos no que respeita à disponibilidade
de habitat. Contudo, recomenda-se a realização de estudos que incidam sobre a
composição e estrutura destas formações vegetais no sentido de monitorizar
igualmente a sua qualidade ecológica.
Pode-se afirmar que o contributo do património natural nas paisagens de
referência analisadas em cada um dos locais de amostragem continua a revelar-se
muito importante do ponto de vista da manutenção do caráter de mosaico
paisagístico. Apesar das transformações indicadas para o período 2001-2012,
estas revelam uma tendência de média-baixa incidência, embora em alguns casos
(exº. Chanceleiros) poderem revelar-se mais expressivas e, por isso, sugerir
atenção especial, pelo efeito negativo que demostram com a diminuição do
caráter de mosaico, a homogeneização pela expansão expressiva da vinha em
patamares, e alguma perda de diversidade sensorial e ecológica.