Editorial
EDITORIAL
Editorial
Fernandes, José1
1CEGOT | Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto; Via Panorâmica s/n, 4150-564 Porto, Portugal; jariofernandes@gmail.com
O número 7 da GOT - Revista de Geografia e Ordenamento do Território
reúne, como os anteriores, mais de uma dezena de textos. Mais uma vez não é
todo ele publicado em português e tem autores de várias nacionalidades, assim
como geógrafos e não geógrafos (economistas, juristas e arquitetos,
designadamente), alguns no processo de investigação para elaboração de tese de
doutoramento, outros (a maioria) doutores e integrados em carreira académica e
nalguns casos, sem ter ligação à academia, ou tendo-a, sendo conhecidos
internacionalmente por ocuparem lugar de grande responsabilidade, o que é o
caso de Joaquim Oliveira Martins, diretor da divisão de Políticas Regionais na
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que assina,
por convite, o texto de abertura com Enrique Garcilazo e William Tompson.
Face a anteriores edições, este número da GOT destaca-se pela grande quantidade
de textos de autores espanhóis, oriundos de várias universidades e comunidades:
três de Galiza, em coautorias de Francisco Armas e Carlos Macía, de Miguel
Pazos-Óton, Mateo Varela-Coronado e Rubén Lois-González e de Fernando Vicente e
Gonzalo Méndez; dois de Navarra, assinados por Rosário Alonso e por Miriam
Naveiro, um de Barcelona, de Sergi Martínez-Rigol e outro de Valência, da
autoria de Xosé Souto.
Como sempre, os textos estão ordenados pela ordem alfabética do apelido do
primeiro autor.
Relativamente aos temas, Enrique Garcilizo, Joaquim Martins e William Tompson,
desde uma perspetiva essencialmente económica, trazem-nos uma reflexão sobre a
dimensão espacial do desenvolvimento, num texto teórico mas de sólida
sustentação empírica. A sua abordagem, reunindo alguns dos avanços mais
recentes a propósito do desenvolvimento regional e das abordagens "place-
based", prestigia a GOT, mas, o que é sem dúvida mais importante, apela a
uma maior responsabilidade da Geografia e abre perspetivas sobre novos modos,
ditos inteligentes, de favorecer o desenvolvimento, o que é particularmente
significativo se consideramos os tempos exigentes que vivemos e a força de um
pensamento quase único nas políticas económicas.
Rosário Alonso aborda o direito a habitação digna e adequada para todos,
consagrado na constituição de vários países, designadamente a espanhola. A
partir da legislação, em especial a relativa à posse e uso do solo, demonstra a
importância desta - nem sempre considerada como no planeamento - na
compreensão da organização do território e muito especialmente na oferta
pública e privada da habitação.
Falam também de desenvolvimento, à escala regional, Francisco Armas e Carlas
Macía, abordando a forma como (não) penetram novas tecnologias e serviços
avançados de uma dita "sociedade de informação" em boa parte da
Região Norte de Portugal. Desenvolvem a esse propósito a ideia da existência de
um "fosso digital", especialmente penalizador para o
desenvolvimento de áreas com características rurais.
O quarto texto, de Rodrigo Cardoso, em contrapartida, centra-se em espaços
urbanos, tratando a questão da relação e diferença entre cidade principal e
segunda cidade em vários países. A partir de três conjuntos de cidades, traz-
nos alguma da reflexão que tem vindo a fazer na investigação que conduz e que
tem merecido o acompanhamento de reputados geógrafos britânicos, incluindo o
recém-falecido Peter Hall.
É de novo com espaços rurais que se preocupa o texto seguinte, da autoria
António e Maria Covas, dois reconhecidos especialistas em questões de
desenvolvimento em espaços de baixa densidade. Abordam o tema da dieta
mediterrânica e retomam conceitos explorados em textos anteriores da revista,
como o de inteligência territorial e sociedade de informação. A partir daí e em
especial do caso que estudaram, desenvolvem reflexão que merece bem ser
entendida - e atendida - em defesa de redes colaborativas capazes
de, em situações como a que tratam, alterar a cadeia de valor e promover ganhos
a partir de bens e serviços multifuncionais em espaços ditos
"tradicionais".
Pela primeira vez sou coautor de um texto na GOT, cumprindo decisão coletiva de
grupo de investigação a que pertenci, no projeto "Chronotope"
coordenado por Mattias Karrholm e em que assumi alguma responsabilidade no
domínio das políticas e do planeamento em centro de cidade. Além de nós dois, o
quinto texto deste número 7 é assinado por Pedro Chamusca, Lluis Frago, Arnaud
Gasnier e Charlotte Pujol, trazendo os contextos português (Porto), francês
(Toulouse), espanhol (Barcelona) e sueco (Malmo). O tema é o das
temporalidades, tomando as escalas nacional e urbana para análise comparada, o
que permite entre outros aspectos comprovar a reduzida importância do tempo nas
políticas urbanas e planeamento urbanístico, malgrado a apreciação que se faz a
propósito do aumento do seu significado na vida das pessoas e na ocupação de
lugares da cidade.
Uma revista aberta a todo o tipo de temas e escalas, acolhe com muito gosto o
texto de Manuel Fernandes, João Bento e Nicole Devy-Vareta que se centra em
aspetos consideravelmente diferentes dos demais, mas onde a dimensão geográfica
está muito presente e há indicações de ordenamento do território. Os autores
discutem o carácter autóctone (ou não) do pinheiro em Portugal (Pinus
sylvesyris L.), comummente dado como exótico, de que se avança no artigo prova
de existir há muito, com especial relevância na serra do Gerês, onde persiste
atualmente, considerando os autores que, pelo seu valor biogenético, merecia
mais atenção.
O urbanismo é também o tema do texto assinado por Paolo Marcolin, Joaquim
Flores e João Cortesão. Todavia, não é de habitação que tratam, antes da
valorização de uma margem de rio (a direita do Douro, em Gondomar, no caso),
como resultado de um investimento orientado para o tempo livre das pessoas, em
que uma pista pedonal e ciclável constitui o elemento mais visível. Mais do que
a análise do projeto ou a discussão sobre a importância acrescida destes
espaços no uso do tempo dos residentes na proximidade, o tema central é a
construção de uma metodologia capaz de avaliar os elementos que podem
fundamentar o "êxito" do projeto.
Num tempo em que muito se fala de avaliação e monitorização de investimentos,
fala-se mais ainda porventura do encontro (ou desencontro) entre urbano e
rural, em trabalhos que muitas vezes, tratam de redes e coesão territorial, ou
olham para a baixa densidade numa oposição (ou complementaridade) entre
produtivismo e multifuncionalidade. Helder Marques vai mais longe, num texto
muito bem estruturado sobre o verde produtivo na Área Metropolitana do Porto,
projetando o existente no horizonte 2020. Para tanto, toma por base a análise
das dinâmicas e dos contextos e propõe uma tipologia onde se cruzam aspetos de
natureza ambiental e económica, a considerar em medidas de política,
designadamente as do quadro 2014-2020, ainda em processo de construção.
Sergi-Marinez Rigol trata o Raval, um bairro fora dos percursos da maioria dos
turistas e dos mais desvalorizados em Barcelona. Tem por referência na sua
abordagem, mais do que os efeitos da crise vivida pela cidade e região desde
2008, as dificuldades que este espaço conhece há muito e as diversas tentativas
de regeneração/ reabilitação /revitalização que tiveram lugar, as quais -
como noutros ditos "lugares-problema" pelo mundo fora -, ao
se concentrarem em aspetos de natureza arquitectónica e desvalorizar a dimensão
social, redundaram em fracasso, especialmente se o sucesso for visto como
alteração da perceção que se tem do local a partir do seu exterior.
Neste caso como noutros, há muito que se defendem abordagens integradas,
capazes de ultrapassar a soma de perspetivas sectoriais (por vezes até
conflituantes), sendo certo que nunca o resultado final de qualquer tentativa
nesse sentido permitirá um resultado completa e universalmente satisfatório.
Como contributo a uma abordagem multissectorial e multidisciplinar, Miriam
Naveiro propõe o recurso a mapas cognitivos, complementar de sistemas de
indicadores, potenciador do envolvimento dos cidadãos na formulação de
políticas de desenvolvimento e sua gestão.
Nuno Oliveira, conhecido sobretudo pelo seu desempenho como diretor do Parque
Biológico de Gaia, ainda que também investigador científico e autor de
múltiplas obras, assina um artigo sobre o que considera ser ação pioneira do
que chama de turismo ornitológico. Partindo da figura de Alfred Smith que, no
século XIX, visitou Portugal com o fim de observar e identificar aves, lembra a
importância que este motivo de viagem pode ter no nosso país, o que acontece,
por coincidência, no ano em que a Câmara de Vila Real de Santo António
candidata a prémio nacional de boas práticas municipais um projeto neste
domínio.
O texto de Miguel Pazos-Óton, Mateo Varela-Cornado e Rubén Lois-González encara
a dimensão regional do litoral do Norte de Portugal e da Galiza. Face à elevada
densidade populacional que se verifica e à existência de uma rede de cidades
que parece (ou apenas deve?) funcionar cada vez mais em sistema, a que os
autores chamam de "corredor urbano atlântico", alerta-se para a
importância do sistema de transporte ferroviário de alta velocidade. Este
sistema é importante não apenas no quadro da intermodalidade e, por
consequência, significativo reforço das condições de mobilidade deste espaço
regional, onde se concentra elevado número de pessoas e estabelecimentos
industriais e de comércio e serviços, como se abrem possibilidades pouco
potenciadas ainda pela abertura europeia, devido à divisão administrativa e em
especial à fragilidade da governança portuguesa.
É também sobre Galiza e o Norte de Portugal que nos fala Xosé Souto, geógrafo
galego da Universidade de Valência. Tal como Miriam Naveiro, centra-se em
aspetos de natureza metodológica e em especial nas representações do
território, ressaltando do que nos trás, a necessidade de dar corpo à
reconhecida importância da abordagem multiescalar no planeamento e gestão, em
especial quando orientados para o desenvolvimento de base espacial.
Por fim (respeitando a ordem alfabética), Fernando Vicente e Gonzalo Méndez,
docentes da Universidade de Vigo, abordam ainda a relação entre Portugal e
Espanha, centrando-se na dimensão transfronteiriça e em especial nos projetos
de avaliação ambiental que têm incidido sobre estes territórios. Abordam em
particular o que consideram ser uma das suas dimensões mais relevantes deste
tipo de estudos, o da participação pública, para dar conta das deficiências do
processo e da consequente apreensão pelos cidadãos dos efeitos desta medida de
ordenamento do território.
Como os temas são diversos, nada tem o editor a acrescentar, poupando-me assim
este facto a discorrer sobre qualquer temática, objeto ou metodologia.
Apresentados os artigos, esperando não desvirtuar o que os autores neles
pretendem transmitir, resta-me a todos convidar à leitura, esperando que
desfrutem e que com ela possam alimentar, um pouco que seja, o gosto da
aprendizagem que, espero, possa continuar a acompanhar-nos vida fora.
Porto, 26 de Junho de 2015
O editor,
José Alberto Rio Fernandes