Cidades principais e secundárias na Europa: uma caracterização dos contrastes à
escala da região urbana
1. Introdução
As cidades secundárias Europeias - cidades não capitais com significativa
importância à escala nacional ou internacional - têm recebido nos últimos
anos maior atenção, tanto em contextos de investigação como de políticas
públicas, tal como ilustrado por estudos recentes (OCDE, 2012; ESPON, 2012).
Uma rede densa de centros urbanos de média dimensão é uma característica
definidora do sistema urbano Europeu (Christiaanse et al., 2009), mas estas
cidades têm ainda de ultrapassar uma tradição de relativa negligência quando
comparadas com as grandes capitais, 'megacidades' e cidades globais
que absorvem a atenção de investigadores, planeadores e políticos.
Num continente caracterizado por inúmeras variantes culturais, políticas e
climáticas, é de esperar que as condições de vida e da economia nas cidades
secundárias variem significativamente nos vários países Europeus; e, de facto,
um relatório recente do ESPON (2012) relaciona directamente esta variação com
os diferentes sistemas urbanos nacionais: as cidades secundárias em países com
capitais dominantes (Portugal, França, Reino Unido) tendem a sofrer maior
negligência e ter menor sucesso económico relativo do que aquelas em países com
sistemas mais descentralizados (Alemanha, Holanda, Suíça). Este artigo
preocupa-se essencialmente com o primeiro grupo.
A investigação existente sobre as características e estratégias particulares
das cidades secundárias deixou uma área importante pouco explorada,
nomeadamente a crescente integração destas cidades com a 'região
urbana' envolvente, e as potenciais vantagens deste processo. De facto,
desenvolveram-se vastas regiões urbanizadas, policêntricas e interligadas tanto
à volta das cidades secundárias como das grandes capitais, mas o fenómeno[1]
tem sido tipicamente associado ao crescimento das metrópoles globais (Scott,
2001). No entanto, e no que respeita às eventuais vantagens da integração de
grande escala, as cidades secundárias, enquanto centros urbanos individuais,
estão habitualmente menos dotadas de funções urbanas importantes do que as
cidades principais (BBSR, 2011), o que sugere a necessidade de recorrer à
escala da região urbana para usufruir do conjunto de funções, actores e
actividades económicas necessárias à obtenção dos benefícios da aglomeração
(Ahrend et al., 2015; Meijers, 2008). Algo semelhante foi sugerido pelo
primeiro relatório ESPON 1.1.1 (2005), onde se referia que o potencial de
crescimento adicional de 'políticas de integração policêntrica' era
menos significativo nas grandes capitais dominantes do que em muitas cidades
médias menos hegemónicas. Por outro lado, no seu estudo sobre 'regiões
urbanas policêntricas' (RUP), definidas como conjuntos de cidades de
dimensão semelhante, relativamente próximas e significativamente interligadas
[2], Dieleman e Faludi (1998) e Lambregts (2006) acrescentam que a ausência de
uma cidade principal tende a prejudicar a definição de uma visão integradora
coerente. A meio caminho entre a organização em rede das RUP e a forte
hegemonia das cidades principais, as cidades secundárias podem ter melhores
razões e maior capacidade para uma integração mais profunda com a região
urbana. Isto justifica a relevância de considerar a 'região urbana da
cidade secundária' como um tema específico, tanto ao nível da
investigação académica como das políticas públicas.
Com diferentes reivindicações de universalidade, a procura de diferenças entre
cidades principais (ou grandes capitais) e cidades secundárias centrou-se na
actividade económica (Markusen et al., 1999; Hodos, 2011), trajectória
histórica e social (Hall, 1998; King, 2010), e relação com os sistemas
políticos (ESPON, 2012). Não existe muito trabalho comparativo sobre os padrões
de estrutura espacial e socioeconómica que possam ilustrar estas diferenças à
escala da região urbana. No entanto, alguns precedentes sugerem que se coloque
esta questão como base para um estudo dos processos de integração de grande
escala. A hipótese de Hohenberg de que as capitais crescem num contexto de
'lugar central' Christialleriano e as cidades secundárias tendem
para um sistema em rede (2004), ou a distinção entre metrópoles 'teia de
aranha' à volta de cidades dominantes de 'primeira ordem' e
metrópoles 'em rede' noutros locais, sugerida por Heynen, Loeckx e
Smets (1989) têm provavelmente uma manifestação espacial visível. Estas
interpretações são particularmente bem descritas pelo modelo tripartido de
desenvolvimento de regiões urbanas proposto por Champion (2001): o 'modo
centrífugo', baseado na expansão e descentralização de um núcleo original
monocêntrico; o 'modo de fusão', assente na integração e agregação
de um conjunto de centros de dimensão semelhante (habitualmente atribuído às
RUP); e o 'modo de incoporação', um modelo misto de expansão da
cidade central que se mistura e interage com uma série de outros centros e
fragmentos preexistentes com processos de desenvolvimento relativamente
autónomos.
Pretende-se explorar estas diferenças no sentido proposto pela literatura
citada acima: as cidades de 'primeira ordem'[3] tendem a ter um
papel historicamente dominante na respectiva região, que se assume nascer de
"um longo processo de descentralização extensiva de grandes cidades
centrais para núcleos adjacentes mais pequenos" (Hall e Pain, 2006: 3).
Ao contrário, as cidades secundárias, menos dotadas de funções e actividades
passíveis de descentralização, não gozaram, ao longo da sua história, da mesma
hegemonia e capacidade atractiva (de pessoas, empregos e actividades) em
relação à envolvente. Surge assim uma hipótese de carácter abrangente: as
cidades secundárias evoluíram para regiões urbanas com menor impacto dos
processos expansivos de grande escala da cidade central sobre a envolvente e os
outros centros; assim, estão menos sujeitas a hierarquias funcionais entre
centro e periferia e podem compor uma região urbana mais descentralizada e
interdependente, ainda que mais fragmentada (Cardoso e Meijers, 2013). Este
processo relaciona-se com o 'modo de incorporação' proposto por
Champion (2001), por vezes ignorado pelo debate polarizado entre os outros dois
modelos.
Importa, assim, conhecer os territórios morfológicos, funcionais e socio-
económicos onde o processo de integração de regiões urbanas se desenvolve -
aqui denominado metropolização, no sentido proposto por Indovina, 2004; ETH
Basel, 2010; ou Meijers et al., 2012. Os factores subjacentes -
complementaridade funcional, conectividade infra-estrutural, especialização
local, dispersão urbana, direccionalidade dos fluxos e morfologia - e a
forma como estes se agregam e relacionam, alteram as condições, velocidade e
eventual sucesso dos processos de integração funcional, institucional e
morfológica. No entanto, a integração tem sido vista como uma tendência geral
de todos os territórios (Indovina, 2004), variando apenas em intensidade. De
facto, algumas perspectivas (Roger, 2007; Ferrão, 2014) parecem interpretar
estruturas diferentes como expressão de processos mais 'avançados'
ou 'atrasados' de metropolização: as cidades principais tendem a
dominar económica e funcionalmente a sua região, e, através da crescente
descentralização, geram uma interdependência de grande escala fortemente
hierárquica - por isso, estariam 'avançadas' no processo de
integração. Pelo contrário, cidades menos dominantes não teriam projectado a
sua 'sombra'[4] sobre a região envolvente, produzindo menor impacto
nos restantes centros urbanos e por isso não gerariam (ainda) um processo de
integração significativo.
Note-se que a metropolização não espera necessariamente pela formação de uma
hierarquia centrífuga e o caso das regiões urbanas policêntricas (RUP)
demonstra outra forma de integração, neste caso de redes de cidades com
especializações diferentes. Mas a posição das cidades secundárias algures entre
as grandes cidades principais hegemónicas e as RUP em rede sugere uma situação
mais ambígua e particular. O que falta, em suma, é uma interpretação da
natureza diferente das regiões urbanas principais e secundárias enquanto
territórios metropolizados, que não se limite a procurar quão próximas ou
distantes as secundárias estão de um estado de progresso
'desejável', desenhado à medida para as principais. Falta ainda
discutir como diferentes estruturas territoriais - em particular nas
cidades secundárias - providenciam (ou não) condições férteis para diferentes
processos de integração.
Em concreto, e a partir destas considerações teóricas e metodológicas, o
presente artigo pretende discutir duas hipóteses de trabalho importantes para o
estudo diferenciado dos potenciais de integração de regiões urbanas em cidades
secundárias:
* As diferenças entre cidades primárias e secundárias acima propostas são
visíveis tanto no processo histórico de formação da região urbana como na sua
configuração espacial, funcional e sócio-económica actual, reflectindo a
predominância do 'path dependence' habitualmente atribuído aos
sistemas urbanos Europeus (Hohenberg, 2004) sobre os processos genéricos e
uniformizantes de carácter global.
* Essas diferenças são detectáveis em vários contextos nacionais, nomeadamente
onde exista um sistema de cidade principal e uma ou mais cidades secundárias,
e, não obstante influências locais (como as políticas públicas de ordenamento
territorial), definem um padrão comum de constrastes entre ambos os tipos de
região urbana.
Na sequência de outras contribuições que pretendem iniciar esta discussão (por
exemplo a comparação da distribuição funcional de Lisboa e Porto efectuada por
Cardoso e Meijers, 2013), este artigo propõe comparar as diversas tipologias de
região urbana através de uma análise geodemográfica (Singleton e Spielman,
2014) de três capitais e três cidades secundárias Europeias. Esta comparação
não tem pretensões de universalidade: não se afirma que todas as relações
seguem este padrão, nem se oferece uma tipologia 'geral' da
estrutura metropolitana das capitais e cidades secundárias de aplicação
indiscriminada. No entanto, e para além de clarificar as hipóteses propostas, a
comparação sugere um conjunto de indicadores e características que podem servir
para procurar as diferenças entre outros conjuntos de cidades, e para discutir
que padrões podem ilustrar ou contestar os diferentes tipos de região urbana
que a literatura acima citada sugere. Contribui-se assim para os métodos de
investigação comparativa das cidades secundárias, assim como para as bases de
uma análise mais diferenciada dos processos de metropolização.
2. Metodologia
As eventuais diferenças estruturais entre cidades principais e secundárias à
escala da região urbana, baseiam-se na análise geodemográfica de três conjuntos
de cidades Europeias: Porto e Lisboa, Antuérpia e Bruxelas, e Londres e
Bristol. Para tal, utilizam-se sínteses ou ferramentas desenvolvidas pelos
institutos estatísticos de cada país ou agregam-se diversos indicadores avulsos
quando essa síntese não existir.
A escolha das cidades secundárias relevantes seguiu dois critérios: teriam que
se localizar em países com uma capital dominante, onde sejam visíveis
desproporções económicas (ESPON, 2012), políticas (Crouch e Le Galés, 2012) e
funcionais (BBSR, 2011; Ferrão, 2000); e teriam que fazer parte de regiões
urbanas de estrutura policêntrica e dispersa, sendo o núcleo institucional ou
cultural sem serem funcional ou demograficamente hegemónicas - ou seja,
nem cidades dominantes nem RUPs. As três cidades escolhidas cumprem estes
critérios. De facto, tanto Porto como Antuérpia têm sido amplamente descritas
como parte de uma 'cidade extensiva' ou 'difusa'
(Portas et al., 2007; Domingues, 2008; Meulder, 2008; Grosjean, 2010). O
crescimento urbano em Bristol é mais compacto, mas a cidade é o núcleo da
região Britânica em que a transição para o policentrismo funcional tem ocorrido
mais rapidamente (Burger et al., 2011).
2.1 Dados e Ferramentas
No caso do Porto e Lisboa, a fonte dos dados é o estudo 'Tipologia
socioeconómica das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto', realizado
pelo Instituto Nacional de Estatística (INE, 2014) com base na informação dos
censos de 2011. A área de análise corresponde às áreas metropolitanas de ambas
as cidades, tal como definidas na Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro. O estudo
baseia-se na definição de seis categorias socio-económicas construídas a partir
da variação de alguns indicadores principais e dos seus sub-indicadores:
envelhecimento da população, urbanização, movimentos pendulares, imigração e
qualificações. Depois de aplicar uma metodologia de análise de clusters para
definir estas categorias, os autores atribuíram-nas, conforme a sua
predominância demográfica, às subsecções estatísticas do censo nacional e
mapearam a sua distribuição geográfica em ambas as áreas metropolitanas,
fazendo aparecer grupos dominantes em localizações específicas que podem ser
associados a centros urbanos, subúrbios, zonas rurais, etc. As principais
características das tipologias do INE estão resumidas na tabela seguinte. Os
indicadores sem qualquer resultado apresentam resultados ambíguos e não são
relevantes para construir a tipologia específica.
Enquanto as metodologias do INE e ONS são até certo ponto compatíveis, não foi
possível encontrar um exercício de geodemografia semelhante para a Bélgica. Por
isso, para comparar Antuérpia e Bruxelas foi necessário recorrer aos
indicadores estatísticos individuais representativos das categorias acima,
produzidos pelas entidades oficiais a partir dos censos nacionais de 2011, como
se verá a seguir. Estes indicadores só existem à escala do município, o que os
torna menos precisos do que os anteriores.
3. Resultados
3.1 Conclusões do INE sobre Lisboa e Porto
As principais diferenças entre Lisboa e Porto estão relacionadas com as origens
e dinâmicas do processo de expansão e suburbanização. Lisboa corresponde ao
conceito típico de uma área metropolitana que evoluiu para uma região urbana
policêntrica de modo 'centrífugo': uma cidade central dominante que
suportou historicamente uma expansão em 'mancha de óleo',
gradualmente distribuída por áreas com pouco historial anterior de urbanização;
uma cronologia linear de emergência de subúrbios socialmente diferenciados ao
longo dos eixos de transporte mais importantes; forte presença da imigração,
ilustrando tanto essa diferenciação social como a maior integração da cidade
nos processos de globalização; e transformação sistemática de territórios
claramente rurais em áreas claramente urbanas (Ferrão, 2014).
Em contraste, a região do Porto experimentou uma versão mais fraca destes
processos, parcialmente diluídos por uma dinâmica lenta e contínua de
urbanização difusa e localizada, baseada na densificação e diversificação
funcional de fragmentos urbanos existentes em espaços genericamente rurais,
mais do que na expansão da urbanização dominante sobre territórios por ocupar.
Este processo foi suportado por uma rede viária densa e
'rizomática' (Domingues, 2008) que servia necessidades de
mobilidade muito localizadas e actividades económicas dispersas nas
proximidades da habitação, resultando numa estrutura polinucleada reticular (Sá
Marques e Delgado, 2014), mais do que num policentrismo hierárquico. A ausência
de núcleos concentrados de emprego não gerava movimentos casa-trabalho
significativos.
Se a explicação completa destas diferenças remete para uma análise mais
profunda da estrutura territorial difusa e policêntrica do Noroeste de
Portugal, uma das razões para a sua permanência parcial até à actualidade
relaciona-se com o impacto - a 'força gravitacional' - da
cidade central sobre a região. O desenvolvimento do sector dos serviços no
Porto é pouco significativo e tardio, em parte porque o sector industrial
disperso e de pequena escala, que gerava muito emprego tanto em áreas urbanas
como rurais, não se agregou para atingir massa crítica e agir como um
consumidor maciço de serviços tradicionalmente concentrados na cidade central
(Domingues, 1994). O efeito de capitalidade (Dascher, 2002), baseado na
hierarquia de serviços públicos de alto nível em Lisboa, fez o resto: ao
contrário da capital, o Porto-cidade nunca agregou serviços de alto nível e
poder económico suficientes para consolidar uma centralidade funcional,
justificar os movimentos pendulares da população entre centro e periferia e
reunir massa crítica para despoletar um processo de descentralização no séc. XX
da grande cidade central para centros menores (Hall e Pain, 2006). Deste modo,
teve menos influência do que Lisboa na definição da estrutura espacial da
região urbana.
As consequências desta comparação já foram amplamente discutidas, sob
perspectivas morfológicas, históricas, institucionais e de planeamento (Rio
Fernandes, 2004; Portas et al., 2007). No entanto, o estudo do INE torna estas
diferenças visíveis, actualizadas, espacializadas e dá-lhes significado
socioeconómico. Assim, e com base na presença relativa das tipologias
socioeconómicas (em função da população metropolitana que agregam), são estas
as diferenças essenciais entre Lisboa e Porto:
* Os 'espaços autocentrados de menor densidade' são um tecido
conectivo ubíquo na região do Porto (52%) e quase residual na capital (6%).
São áreas de baixa densidade populacional e de urbanização, com um parque
habitacional envelhecido e dominado por habitação unifamiliar. Novos usos e
modelos urbanos coexistem de forma fragmentada com processos de urbanização
antigos, muitas vezes intocados pela suburbanização de grande escala que
emana da cidade central. As necessidades de mobilidade, dominadas pelo
automóvel, baseiam-se numa rede difusa de trajectos curtos casa-trabalho,
devido à prevalência de emprego local e de baixas qualificações, com pouca
integração funcional com os núcleos principais da região.
* Apesar de estar em franco decréscimo (entre 2001 e 2011), o '
(sub)urbano não qualificado' é muito significativo em Lisboa (21%) e
menos importante no Porto (7%). Estas áreas aparecem normalmente na periferia
imediata da cidade central e correspondem às expansões monofuncionais do séc.
XX, baseadas em habitação colectiva, com pouca qualidade tanto da edificação
como do espaço público, e uma população com qualificações mais baixas e
longos movimentos pendulares para núcleos de emprego distantes, que
influenciam pouco a escolha residencial, mais baseada em redes familiares e
sociais de proximidade (Marques da Costa e Costa, 2009). O transporte público
é o modo dominante e a imigração é ligeiramente superior à média.
* A presença dos 'espaços de imigração' é significativa em toda a
região de Lisboa (12%) mas residual no Porto (2%). Estas áreas são dominadas
por população nascida no estrangeiro, normalmente com elevada densidade
populacional. Os restantes indicadores apresentam tendências mistas mas há
alguma prevalência de utilização de transporte público e de arrendamento no
acesso à habitação.
3.2 Comparação com outras regiões urbanas Europeias
As diferenças estruturais entre as duas grandes áreas metropolitanas são
claras, e as razões fundamentais incluem os padrões de ocupação ao longo da
história, o papel da expansão da cidade central na sua permanência ou
desaparecimento, e a diferente integração de ambas as regiões nos processos de
internacionalização (Hodos, 2011). Importa agora expandir a lógica de análise
do estudo Português a mais casos de estudo e verificar se existem padrões
semelhantes na comparação entre outros conjuntos de cidade principal e
secundária, a partir de indicadores semelhantes, que possam contribuir, em
parte, para uma tipologia do respectivo papel e influência na estrutura
geodemográfica da região urbana como um todo.
No caso Britânico, como vimos, a maioria das categorias socioeconómicas
utilizadas são relativamente parecidas, com cinco a sete tendências semelhantes
em sete possíveis (a oitava, referente aos movimentos pendulares, não é
utilizada pelo modelo do ONS). Algumas correspondências precisam de uma mistura
de classificações: os 'espaços autocentrados de menor densidade'
relacionam-se com a categoria 'hard-pressed living' do ONS, em
termos de tipo de emprego e qualificações, mas contêm elementos de 'rural
residents' no que respeita à localização na região e densidade; Portugal
tem provavelmente menos residentes rurais mais idosos com maior poder económico
e a vida fora dos centros urbanos é mais frequentemente sinónimo de uma
população com menos qualificações e poder de compra. O (sub)urbano novo
qualificado é semelhante à categoria 'cosmopolitan', mas aproxima-
se dos 'suburbanites' em termos de modelo de habitação e uso do
automóvel; os movimentos pendulares suburbanos em transporte público de
populações mais qualificadas não estão talvez tão generalizados em Portugal
como no Reino Unido, nomeadamente em redor de Londres.
Assim, em função da disparidade detectada entre Porto e Lisboa, as questões a
colocar para verificar possíveis relações similares em Londres e Bristol são as
seguintes:
* Há uma diferença visível no predomínio e localização das categorias
'hard-pressed living' e 'rural residents' nas regiões
de Londres e Bristol?
* A categoria 'multicultural metropolitans' é claramente mais
significativa à volta de Londres do que de Bristol (nomeadamente na forma de
expansões do séc. XX?)
* A categoria 'ethnicity central' é também mais dominante em
Londres?
As figuras 3 e 4 respondem a estas questões e podem estabelecer uma analogia
com a relação contrastante entre Lisboa e Porto. Os 'rural
residents' (cor verde) e 'hard-pressed living' (amarelo)
dominam em 22% das subsecções estatísticas da região urbana de Bristol, com
pequenos fragmentos dispersos dos primeiros ilustrando a ocupação mais antiga e
menos afectada pelos processos de suburbanização centrados na cidade principal.
Estes fragmentos concentram-se ao longo da rede viária reticular pré-
autoestradas, da mesma forma que o tecido urbano disperso coloniza a rede
viária na região do Porto (Portas et al., 2007). Os 'hard-pressed'
também surgem dispersos por toda a área urbana mas dominam nas periferias
externas dos núcleos urbanos principais - população menos qualificada, em
áreas de baixa densidade e emprego principalmente local (incluindo os sectores
primário e secundário)[5]. A conjugação de ambas as categorias não equivale ao
tecido de baixa densidade 'omnipresente' visível no Porto[6] mas a
sua distribuição e localização é semelhante: intercaladas com alguns
'suburbanites', elas dominam nas periferias externas e fora dos
núcleos urbanos.
Como em Lisboa, estas categorias são menos significativas em Londres, quando
comparadas com o domínio de outras tipologias, e, juntas, prevalecem em apenas
10% das subsecções estatísticas da região (quase exclusivamente fora da Grande
Londres). 'Hard-pressed living' aparece muito mais longe da cidade
principal e os 'rural residents' estão presentes ao longo da rede
viária anterior às auto-estradas. No entanto, tal como na comparação Porto-
Lisboa, ambas são ocultadas pelas categorias mais dominantes. A estrutura de
Londres está visivelmente organizada em redor de um núcleo central, com anéis
sucessivos de 'cosmopolitans' (11%), 'multicultural
metropolitans' (23%) e 'suburbanites' (12%) sugerindo um
processo de expansão centrífugo e socialmente diferenciado, tal como descrito
para Lisboa (Ferrão, 2014). Apesar de visualmente mais fragmentadas devido ao
método de mapeamento utilizado (e também a uma regulação urbanística
historicamente mais permissiva fora dos núcleos principais), as categorias
correspondentes '(sub)urbano não qualificado' e 'espaços
integrados de menor densidade' são igualmente visíveis a crescentes
distâncias do centro de Lisboa.
Novamente em analogia com o contraste Porto-Lisboa, a categoria
'multicultural metropolitans' (semelhante, lembre-se, ao
(sub)urbano não qualificado do INE: expansões predominantemente residenciais do
séc. XX entre o centro e os subúrbios, com densidades relativamente elevadas e
qualificações e emprego abaixo da média) é mais forte em Londres (23%) do que
em Bristol (9%), onde domina apenas nas áreas de expansão intensa das décadas
de 80 e 90 no limite Norte da cidade. Finalmente, e como seria de esperar, as
áreas de imigração são muito mais relevantes em Londres (20%) do que em Bristol
(3%). Uma diferença clara em relação a Lisboa é que em Londres estas áreas
estão muito concentradas no centro, ao passo que na capital Portuguesa estão
mais dispersas pela região urbana.
Uma ilustração clara do impacto diferenciado de um centro dominante numa região
urbana é a forma como em Bristol os núcleos mais pequenos, mas historicamente
importantes de Bath, Yate, Clevedon e Weston-super-Mare replicam em parte o
padrão socioeconómico da cidade principal, com a maior parte das categorias
presentes em proporções e localizações semelhantes. A hipótese sugerida é que
uma centralidade urbana que agrega toda a diversidade de tipos socioeconómicos
com relações mútuas semelhantes às de centros maiores pôde manter o seu papel
de comunidade multifuncional e socialmente diversa, em vez de se tornar
principalmente um satélite do centro dominante. Pelo contrário, muitos centros
secundários em redor de Londres, como Slough ou Luton, são dominados por uma
única tipologia (há 68% de 'multicultural metropolitans' em Luton e
93% em Slough), apesar da sua maior dimensão em comparação com as cidades perto
de Bristol[7]. Só as cidades mais afastadas da capital, como Oxford ou
Southend, ou pequenas cidades históricas, como Windsor, atingem uma diversidade
tipológica equivalente[8].
Este aspecto do contraste entre cidades principais hegemónicas e cidades
secundárias é mais claro no Reino Unido do que em Portugal. Em Lisboa, como em
Londres, é visível o domínio da descentralização de grande escala a partir do
centro, diluindo gradualmente outras centralidades históricas e produzindo uma
hierarquia principal à escala da cidade-região. No caso do Porto, a aparente
falta de outros centros que repliquem a maioria das tipologias socioeconómicas,
como em Bristol, está menos ligada à questão da permanência do que à ausência
original de núcleos urbanos com massa crítica suficiente fora da aglomeração
principal. Tal como Antuérpia, a região é, como um todo, mais densa do que
Bristol, mas tem menos picos de densidade e é não é tão
'policêntrica' (morfologicamente) como a região Britânica. Com a
possível excepção da zona de Vila do Conde-Póvoa de Varzim, a restante região
urbana caracteriza-se por uma urbanização mais contínua e homogénea, sem áreas
de concentração excepcional.
Bruxelas e Antuérpia
Referimos já que a ausência de um estudo semelhante para o caso de Bruxelas e
Antuérpia obriga a agregar indicadores individuais disponíveis à escala do
município, o que torna a análise menos precisa. Por exemplo, não podemos
confirmar se o tecido urbano de baixa densidade 'coloniza' a rede
viária anterior às auto-estradas, como no Porto, ou se os centros urbanos
menores replicam a diversidade socioeconómica da cidade maior (ou seja, mantêm
o seu papel como centralidades de pleno direito), como em Bristol. Mesmo assim,
a análise avalia alguns aspectos das diferenças estruturais entre cidades
principais e secundárias assim formuladas nos dois casos anteriores:
* As cidades secundárias têm uma proporção maior de 'espaços
autocentrados de menor densidade' / 'rural'+'hard-
pressed living' - territórios fragmentados longe dos centros
principais, menos afectados pelas hierarquias funcionais de escala
metropolitana, com densidades mais baixas, pouca imigração, baixas
qualificações e mais emprego local, com movimentos pendulares mais curtos.
São como um tecido conectivo de densidade variável em toda a região urbana.
* As cidades principais têm uma presença maior do '(sub)urbano não
qualificado' / 'multicultural metropolitans' - áreas
mais densas, principalmente residenciais, com mais imigração e movimentos
pendulares longos. Com o '(sub)urbano novo qualificado' /
'cosmopolitans' e os 'espaços integrados de menor
densidade' / 'suburbanites' tendem a agregar-se em
'anéis' a distâncias crescentes do núcleo, sugerindo uma expansão
de tipo centrífugo e socialmente diferenciada.
* As áreas dominadas pela imigração são mais significativas nas cidades
principais e tanto podem estar concentradas no centro como dispersas pela
região urbana.
As figuras 5_a_10, produzidas pela ferramenta de mapeamento dos censos
nacionais de 2011 (Direction générale Statistique, 2014) ou desenvolvidos para
este artigo com GIS, ilustram os seguintes indicadores.
* Demografia: densidade populacional por município
* Qualificações: percentagem da população que concluiu o ensino secundário
* Habitação: moradias unifamiliares como percentagem do parque habitacional
* Imigração: residentes de nacionalidade estrangeira
* Localização do Emprego: pessoas a trabalhar no seu município de residência
* Uso do solo: uso residencial como percentagem da mancha construída
Tratando-se de cidades muito próximas, há mais aspectos comuns a ambas as
regiões urbanas. A densidade populacional (fig._5) é muito mais elevada no
centro de Bruxelas, mas similar na restante área urbana de ambas as cidades.
Uma urbanização contínua de baixa densidade é uma característica típica do
território Belga desde o período pré-industrial, tal como no caso do Noroeste
de Portugal, e com uma explicação semelhante (Meulder, 2008; Grosjean, 2010).
Mas outros indicadores menos dependentes da permanência história da morfologia
urbana demonstram a maior proximidade de Antuérpia a alguns aspectos
'típicos' das cidades secundárias:
* As zonas de baixa densidade em redor de Antuérpia têm uma população
visivelmente menos qualificada do que os arredores de Bruxelas (fig._6).
Note-se que isto não nos diz que Antuérpia tem menos trabalhadores
qualificados do que a capital, mas tipifica a respectiva distribuição
geográfica em cada região urbana.
* Nestas áreas existe uma elevada percentagem de moradias unifamiliares (fig.
7), com pouca imigração, excepto nos municípios junto à fronteira Holandesa
(fig._8). Em contrapartida, a imigração, organizada em anel à volta da cidade
central, é muito elevada na região de Bruxelas (30% contra 9% na província de
Antuérpia).
* A percentagem de moradias unifamiliares também é elevada na região de
Bruxelas, mas há um 'anel' mais visível em redor da cidade
central com menor incidência desta tipologia (fig._7), sugerindo uma
urbanização mais densa.
* A região urbana de Antuérpia parece seguir uma tendência mais clara de
emprego local e movimentos pendulares mais curtos, com maior percentagem de
pessoas a trabalhar no seu município de residência (fig._9).
* A região de Bruxelas tem uma proporção maior de uso residencial do território
construído (fig._10), sugerindo maior predomínio de expansão monofuncional de
tipo suburbano à volta da capital, por oposição ao território multifuncional
de Antuérpia, menos alterado pela expansão intensiva a partir da cidade
dominante; um palimpsesto da ocupação histórica, onde "indústria,
comércio, habitação e agricultura coabitam negligentemente." (Meulder,
2008, p.29).
Pese embora o menor detalhe da análise, é assim possível sintetizar a resposta
à configuração avançada para os outros dois casos da seguinte forma:
* Algumas tendências sugerem que categorias socioeconómicas semelhantes aos
'autocentrados de menor densidade' /
'rural'+'hard-pressed living' estão de facto mais
presentes em Antuérpia do que em Bruxelas. Isto é visível nos indicadores que
ilustram a distribuição geográfica da população com menos qualificações,
menos imigração, uso do solo mais multifuncional e emprego mais localizado.
* Algumas tendências também sugerem que as tipologias socioeconómicas do tipo
(sub)urbano não qualificado / 'multicultural metropolitans'
dominam mais na região urbana da capital. Isto é visível nos indicadores que
ilustram a distribuição geográfica de população mais qualificada, da
imigração, densidade ligeiramente superior, predomínio do uso do solo
residencial e maior distância casa-trabalho.
* Estes contrastes são parcialmente ocultados pelas semelhanças resultantes da
proximidade entre as duas regiões urbanas e pela morfologia geral do
território. Não se pode afirmar que Bruxelas condicione o processo de
urbanização regional da mesma forma que Lisboa e Londres, nem que exista (ou
não) uma hierarquia funcional diferenciada a esta escala. A permanência das
estruturas morfológicas históricas parece ser mais forte na Bélgica, o que
pode ter contrabalançado o processo típico de expansão e descentralização da
cidade central.
* A proporção de áreas correspondentes aos espaços de imigração é o aspecto em
que o contraste entre ambas as regiões é mais claro, aqui reforçado pelo
papel internacional de Bruxelas. No entanto, a correspondência geográfica
entre as áreas de imigração, de habitação unifamiliar e de qualificações mais
altas sugere que este é um tipo socioeconómico de imigração diferente de
Lisboa e Londres. Estas duas capitais estão mais perto da visão de Hodos
(2011), que refere os fluxos de imigração maiores e menos selectivos,
expressão de maior integração na globalização, como a diferença típica entre
cidades principais e secundárias.
4. Discussão e Conclusões
Este artigo pretende contribuir para a investigação dos processos de
metropolização das regiões urbanas secundárias como um problema específico,
apesar da grande quantidade de investigação sobre o tema genérico da região
urbana, e para uma tipificação das relações de contraste entre cidades
principais e secundárias, cuja manifestação espacial e socioeconómica não foi
alvo de tanta atenção como os aspectos políticos, históricos e sociais. As
hipóteses em estudo são que as diferenças históricas dos processos de formação
das regiões urbanas em cidades principais e secundárias são visíveis na sua
configuração espacial e socioeconómica actual; e que essas diferenças,
analisadas em contextos diferentes, constituem um padrão de contrastes
'típicos' entre os dois tipos de sistema urbano.
Da análise geodemográfica de três casos de estudo Europeus resulta que, de
facto, apesar de Londres, Lisboa e Bruxelas serem muito diferentes entre si,
tal como Bristol, Porto e Antuérpia, os contrastes entre cada cidade principal
e cidade secundária seguem padrões aproximados. Alguns, como a presença maciça
da imigração, são muito claros. Outros são mais ambíguos, mas suficientemente
visíveis para justificar mais investigação de outros casos Europeus. As três
regiões urbanas secundárias revelam uma presença maior de áreas de baixa
densidade, maior ruralidade, menos qualificações e emprego mais local. Estas
são áreas sobre as quais se pode sugerir que o impacto da expansão centrífuga
da cidade dominante foi menor. Por outro lado, as três capitais revelam maior
presença de zonas densas e monofuncionais, com distâncias casa-trabalho
maiores, que podem ser associadas a uma descentralização intensiva e
socialmente diferenciada. Enquanto nas cidades secundárias há uma maior
tendência para que os centros menores mantenham a sua diversidade
socioeconómica, as capitais tendem a transformar esses núcleos urbanos em
'satélites' de tipologia dominante. De uma forma geral, é possível
afirmar que a configuração das regiões urbanas secundárias em estudo se
aproxima do modo de incorporação teorizado por Champion (2001)
A ambiguidade prende-se com a forma como as regiões urbanas eventualmente se
desviam do padrão. Cada caso tem as suas particularidades - a ausência de
centros alternativos fortes na região do Porto, as densidades equivalentes
causadas pela proximidade entre Antuérpia e Bruxelas, ou a pouca variação das
distâncias casa-trabalho em Bristol. Cada contexto urbano está dependente de
uma mistura complexa de acidentes históricos e processos de longa duração aos
quais a relativa estabilidade do sistema urbano Europeu confere maior
visibilidade - o 'path dependence' (Hohenberg, 2004). Da
mesma forma, os processos de urbanização foras influenciados por um historial
de políticas de ordenamento cujos traços são visíveis no território: a expansão
de Londres no séc. 19 a partir de eixos ferroviários centrífugos pode ser
confrontada com a pouca infrastrutura intra-regional em Bristol, por exemplo.
Os condicionamentos locais são tão ou mais importantes que os modelos genéricos
na evolução dos sistemas urbanos, o que pede uma metodologia de análise baseada
no local e específico a par do universal e genérico.
Os resultados revelam diferenças fundamentais entre algumas cidades principais
e secundárias, mas será necessária mais investigação para as explicar e
generalizar. Por exemplo, serão estes padrões extensíveis à maioria dos
sistemas urbanos nacionais baseados em capitais dominantes e cidades de
'segunda ordem', somando mais um aos contrastes detectados pelo
ESPON (2012) e outros estudos? Terão os países com sistemas urbanos mais
horizontais igualmente cidades 'dominantes' na região urbana, no
sentido que aqui foi discutido?
Finalmente, estas diferenças sugerem processos de metropolização diferentes, e
não mais ou menos 'avançados', como por vezes se sugere. A
metropolização é tratada aqui no sentido da emergência de uma 'cidade
extensiva' de escala regional, a partir da crescente integração
funcional, espacial e institucional de regiões urbanizadas. Trata-se, em
particular, de uma valorização da ideia de 'cidade de cidades'
(Nello, 2001), mais do que do 'urbano sem cidade' que muitas vezes
se associa (negativamente) à urbanização generalizada dos territórios. Mas se,
como vimos, a literatura sugere que as cidades menores e menos dominantes têm
maior necessidade de integração com a região urbana para congregar funções e
massa crítica, e se a presença de uma cidade central - mas não hegemónica
- até contribui para esse processo, então a visão de um processo de
metropolização 'atrasado' não se justifica. A ausência de uma
hierarquia funcional, socioeconómica e até cultural de grande escala entre
'centro' e 'periferia', não significa que um processo
de integração não esteja em curso, inclusivamente de formas mais horizontais e
menos condicionadas. Pelo contrário, uma história de relações horizontais,
pouca percepção do domínio da cidade central, uma noção de interdependência
geral e a semi-autonomia dos vários centros pode criar uma paisagem política
diametralmente oposta às descrições de relações rigidamente hierárquicas nas
regiões urbanas das grandes capitais (veja-se o estudo de Phelps et al. (2006)
sobre a tensão entre a enorme dependência e a vontade de afirmação dos centros
menores em redor das capitais). É importante saber se as características
específicas de (algumas) regiões urbanas secundárias podem ser tornadas
operativas como factores de uma estratégia de metropolização policêntrica,
integradora e justa.
NOTA:"Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia - POPH/
FSE: SFRH/BD/80157/2011"