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EuPTHUAp2182-74352013000300005

EuPTHUAp2182-74352013000300005

variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Mudanças nas políticas: Do (des)emprego à empregabilidade

Introdução Ao longo dos últimos quinze anos são várias e profundas as mudanças que podemos detetar nas políticas de emprego desenvolvidas nos países de capitalismo avançado, de entre as quais uma das componentes que mais se destaca é a componente da ativação. A literatura recente sobre o tema mostra que a ativação das políticas de emprego é uma tendência comum aos vários países da UE (Serrano Pascual, 2007; Bonoli, 2010), a qual teve origem nos países escandinavos em meados dos anos 90 do século xx.1 Apesar da generalização da distinção conceptual entre políticas ativas e políticas passivas de emprego, de que faremos uso também neste artigo, estamos perante dois conceitos que todavia carecem ser definidos com clareza.2 No essencial, as políticas ativas de emprego visam aumentar a participação de todos os membros da sociedade no mercado de trabalho e podem apresentar diferentes configurações em função do regime de Estado-Providência (Barbier, 2009). Nelas se incluem desde medidas que visam promover a adaptação da mão de obra através da formação profissional, até aos incentivos à criação de novos empregos.3 Por seu lado, as medidas passivas de emprego incluem as compensações financeiras atribuídas em caso de desemprego (e.g. subsídio de desemprego, subsídio de desemprego a tempo parcial, subsídio social de desemprego).4 No caso português, a tendência no sentido da ativação das medidas de proteção social destinadas, designadamente, aos desempregados é recente, em comparação com o que se verifica em outros países (e.g. Dinamarca, Suécia, Reino Unido), e foi reforçada no quadro das orientações políticas e dos processos de aprendizagem conjunta desenvolvidos no âmbito da Estratégia Europeia para o Emprego (EEE) (Valadas, 2011, 2012).

Neste artigo, analisa-se a trajetória de transição para políticas de emprego (mais) ativas, mostrando como estas transportam consigo uma matriz marcadamente neoliberal que se tem aprofundado e intensificado de forma mais proeminente desde a crise de 2008. Em termos ideológicos e políticos, sobrevaloriza-se a ênfase na competitividade das empresas, dos indivíduos e das nações, ao mesmo tempo que se considera necessário rever e/ou reestruturar os sistemas de regulação, redistribuição e proteção social, os quais, neste caso, importa restringir e retirar das funções assumidas pelo Estado (Standing, 2009). Tendo em conta o novo enquadramento macroeconómico e político, analisam-se as alterações nos apoios sociais concedidos aos desempregados, os quais fazem parte de um conjunto de medidas passivas de emprego, e o modo como estas intersectam o enfoque na ativação. Deste modo, excluímos da presente análise as alterações respeitantes à legislação laboral que enquadra o formato dos contratos de trabalho, as formas de despedimento (individual e coletivo), os períodos de férias, o tempo e duração do trabalho, entre muitos outros fatores.

Numa altura em que se discute o futuro do Estado-Providência e se analisam os efeitos das políticas de austeridade nas políticas sociais, Portugal revela-se um estudo de caso com interesse. Em primeiro lugar por se tratar de um dos Estados-membros da UE que registou, num período de aproximadamente dez anos, o maior crescimento da sua taxa de desemprego (depois da Grécia e da Espanha), bem como um aumento muito considerável da taxa de desemprego jovem, ao mesmo tempo que viu deteriorarem-se as condições de emprego (Tabela_1). Em segundo lugar devido à fragilidade das suas instituições e ao caráter desigual e ineficiente de muitos dos mecanismos de proteção social existentes. Um exemplo disto mesmo é o regime de proteção aos desempregados que, para além de não abranger um elevado número de trabalhadores, tem-se revelado pouco eficiente, em conjugação com outras medidas (ativas de emprego), na diminuição do tempo de desemprego. Estas debilidades estruturais ajudam-nos a compreender a especificidade e profundidade dos problemas que o país atualmente enfrenta, bem como o sentido de urgência na (re)configuração das próprias políticas.

A análise das respetivas mudanças que desenvolvemos neste artigo assenta na consulta exaustiva de material legislativo e em entrevistas a informadores privilegiados. Partimos assim de uma abordagem qualitativa a partir da qual analisamos as alterações que, no domínio da legislação, podemos detetar nas políticas dirigidas aos desempregados, bem como naqueles que são os princípios orientadores das políticas de emprego com particular enfoque na ativação. Tendo em conta a evolução do mercado de trabalho, a que se juntam, mais recentemente, os novos desafios decorrentes da crise internacional e os condicionalismos externos exercidos sobre Portugal (e.g. medidas de austeridade que integram o programa de assistência financeira), averiguamos qual o sentido das reformas do Estado-Providência neste domínio crucial da proteção social e quais as respetivas implicações no que concerne os direitos sociais (dos trabalhadores).

A nossa hipótese de partida é a de que, para além de tendências e orientações comuns definidas a uma escala supranacional/europeia, existem estratégias nacionais específicas que dependem de fatores históricos, condições institucionais e modos particulares de articulação entre diferentes atores (políticos e sociais).

O peso das condicionantes institucionais, político-económicas e culturais Num estudo clássico publicado em 2000, Duncan Gallie e Serge Paugam debruçaram- se sobre os diferentes modos como o Estado intervém na proteção social dos indivíduos em caso de perda de emprego. Na tipologia de regimes proposta pelos autores, Portugal integra o regime subprotetor de desemprego. De entre as características distintivas do modelo, assinala-se o facto de ser relativamente baixa a proporção de desempregados que recebe Subsídio de Desemprego (SD), de o montante auferido ser baixo, apesar de o nível de compensação financeira ser equivalente ou superior ao de regimes mais generosos ou protetores (e.g. regime universalista dos países escandinavos) e de a despesa do Estado com medidas ativas de emprego em percentagem do PIB ser baixa. Desde que o trabalho de Gallie e Paugam foi publicado até à atualidade ocorreram mudanças importantes.

Estas tiveram impactos significativos sobre as condições de elegibilidade, duração, generosidade e sanções aplicadas aos requerentes de SD e fragilizaram o nível de compensação financeira das prestações de desemprego.5 Se até 2012 este último era elevado ' correspondia a 75% da remuneração de referência, num montante máximo equivalente a 3,5 do Indexante de Apoios Sociais (IAS) ', apesar de circunscrito a um conjunto de trabalhadores com emprego permanente e carreiras contributivas (mais) longas e do nível ainda assim modesto do montante, as alterações introduzidas sob orientação do Programa de Assistência Financeira da UE e do FMI a Portugal vieram restringir ainda mais a sua generosidade.6 Na nossa perspetiva, os restantes traços do modelo mantêm-se. A subproteção concedida aos desempregados é agravada pela diminuição dos gastos com a proteção social por parte do Estado. Simultaneamente, ocorrem alterações bastante restritivas ao nível da legislação laboral que implicam uma progressiva erosão dos direitos sociais e representam novos riscos de pobreza e exclusão social para um conjunto agora mais diversificado e alargado de indivíduos. Para além destes aspetos, devemos ter em conta o aumento progressivo e substancial do número de desempregados ao longo, sobretudo, dos últimos cinco anos. Neste período assinala-se ainda uma diminuição e/ou reconfiguração dos gastos do Estado em políticas passivas e ativas de emprego, tal como podemos ver na Tabela_2. A despesa com medidas ativas de emprego é particularmente baixa em comparação com os valores apresentados por países como a Dinamarca (2,6%), a Finlândia (1,02%), a Holanda (1,1%), a Suécia (1,09%), no ano de 2011.

O número de participantes em medidas passivas de emprego decresceu entre 2010 e 2011. Também o número de participantes em medidas ativas de emprego regista uma diminuição desde 2009, invertendo assim a tendência de crescimento que se registara nos anos anteriores (Tabela_3).7 Ambas as tendências revelam que apesar de as necessidades dos trabalhadores e dos desempregados, em concreto, serem crescentes e prementes num período de grande insegurança social e económica, o Estado recua nos apoios que concede, na função mediadora e reguladora que exerce no mercado de trabalho.

Neste pano de fundo institucional, apontamos outro aspeto histórico-político relevante quando se analisa a configuração e os efeitos das políticas.

Referimo-nos à distância entre normas, regras, procedimentos formalmente determinados (law in the books) e a implementação concreta dos mesmos (law in action). Em Portugal, a responsabilidade pela regulamentação e administração das políticas de emprego recai primordialmente sobre o Estado central, com especial destaque para dois organismos públicos, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e a Segurança Social. Porém, a implementação das políticas incorpora aqui e ali condicionantes locais que traduzem a existência de meios financeiros e técnicos variáveis. Devem também considerar-se os efeitos das formas pessoalizadas de exercer funções técnicas e, em muitos casos também, políticas (Valadas, 2006).8 Outro aspeto a ter em conta tem a ver com a relação de estreita dependência simbólica, política e também económica que Portugal mantém com a UE. Desde a adesão do país à então CEE, os fundos comunitários constituíram um apoio determinante para a implementação de medidas sociais e de emprego. Atualmente, para além do FMI, instituições europeias como o BCE e a CE são determinantes no que concerne o financiamento e a orientação da política económica e financeira prosseguida em Portugal. Para além desta dimensão económico-política, reconhece-se a (pre)existência de um legado cognitivo europeu e de uma certa valorização positiva da Europa (Silva, 2009), que mesmo num período de austeridade levam Portugal a orientar a sua conduta no estreito cumprimento das imposições e normas internacionais/europeias.

Para além das características institucionais assinaladas, devemos também ter em atenção a conjuntura económica e política. Desde 1995, Portugal conheceu seis governos distintos, formados alternadamente pelo Partido Socialista (PS) (1995- 1999; 1999-2002; 2005-2009; 2009-2011) e por duas coligações entre os dois partidos mais à direita do espectro político, Partido Social-Democrata (PSD) e Centro Democrático Social-Partido Popular (CDS-PP) (2002-2005; desde 2011). As diferenças ideológicas que os caracterizam traduziram-se em medidas distintas, nomeadamente, no período imediatamente anterior à crise de 2008, como explicamos no ponto subsequente. Para além de objetivos políticos e estratégias de atuação com contornos diferenciados, o modo como têm sido abordados problemas estruturais do país como seja o desemprego, o baixo nível de qualificações, as dificuldades de financiamento e funcionamento da segurança social refletem condições económicas e financeiras dissemelhantes, a nível nacional mas também internacional. Fatores como a elevada abertura ao exterior e a dependência de mercados internacionais, contribuíram, progressivamente, para reduzir a margem de manobra do Estado e a capacidade de o tecido produtivo gerar recursos que assegurem uma maior autonomia financeira. Complementarmente, as restrições impostas pela adesão de Portugal à União Económica e Monetária (UEM) impuseram o cumprimento de determinados critérios de finanças públicas (e.g. défices públicos controlados) e retiraram capacidade de decisão política em várias matérias (e.g. gestão da economia nacional, regulação dos processos de produção, financiamento de transferências sociais e dos serviços públicos).

As condições políticas e económicas, o modo particular de funcionamento do mercado de trabalho e o modelo de Estado-Providência, a forma como se conjugam os atores e os seus sistemas de valores, inter-relacionam-se com as dinâmicas e orientações provenientes de organizações internacionais com as quais Portugal mantém relações privilegiadas, como é o caso da UE que acima referimos. De entre estas destaca-se a orientação neoliberal que, nos últimos anos, tem afetado as políticas de emprego, designadamente através da generalização da ideologia da flexibilidade (Freyssinet, 2007). Com impactos ao nível das condições de trabalho e das formas de contratação dos trabalhadores, esta tem contornos e efeitos concretos em função das especificidades de cada país. No caso português, o reforço da flexibilidade em todas as suas dimensões (e.g.

despedimentos, horários, organização e tempo de trabalho, formas de contratação) tem contribuído para um aumento substancial do emprego precário (e.g. temporário, a tempo parcial, flexível).9 Acresce que maior mobilidade10 e flexibilidade no emprego não têm sido contrabalançadas pelo reforço da proteção social nem por políticas eficazes de (re)integração dos desempregados no mercado de trabalho, que os ajude a lidar com a rapidez da mudança, a reduzir os ciclos de desemprego e/ou a facilitar a transição para novos (e melhores) empregos. A estratégia prosseguida consiste, eminentemente, em pôr em prática o princípio de que os trabalhadores aptos para o trabalho necessitam de se (re)inserir rapidamente no mercado de trabalho e em eliminar (ou reduzir) os apoios e/ou a ajuda financeira que possa desincentivar esse regresso/ingresso rápido. Em certa medida, poderíamos supor que estamos perante uma situação em que se desvaloriza a orientação de equilibrar e reforçar mutuamente as medidas que visam promover a flexibilidade e a segurança no trabalho contida na diretriz 7 da Estratégia 2020. Porém, uma leitura mais atenta revela que o enfoque privilegiado é, efetivamente, a promoção da mobilidade no emprego, para o que é necessário estender a proteção social a trabalhadores com contratos de trabalho menos estáveis (e.g. a termo, trabalho independente) e, ao mesmo tempo, clarificar os direitos e as responsabilidades dos desempregados na procura ativa de emprego (European Commission, 2010: 21).

Os significados e as práticas associados à ativação das políticas Em Portugal, o enfoque na ativação das políticas de emprego tem sido fortemente encorajado sob a influência de organizações internacionais, como é o caso das instituições europeias (e.g. CE, Conselhos Europeus) e também da OCDE. Na viragem do milénio, as instituições europeias defendiam que as políticas sociais devem ser compatíveis com os novos objetivos de crescimento económico e reforço da competitividade (Palier, 2008) e apontavam, como estratégias prioritárias, a criação de mais empregos, a diminuição dos benefícios sociais que desincentivem o regresso ao mercado de trabalho e a erradicação da rigidez dos mercados de trabalho. Mais recentemente, no quadro das medidas de austeridade impostas aos países sob programas de assistência financeira como é o caso de Portugal, estas orientações foram reforçadas. Também a OCDE partilha a mesma perspetiva e, num relatório recente sobre Portugal, recomenda a suavização e/ou a erradicação de fatores indesejáveis e/ou impeditivos de uma economia mais competitiva de que é exemplo a excessiva rigidez da legislação laboral sobre despedimentos (OECD, 2013).11 Outra recomendação considera a necessidade de tornar mais eficazes os gastos com a proteção social (ibidem).

Estas pressões, que derivam de dinâmicas externas, constrangem a margem de atuação dos governos. Sublinhe-se que os seus efeitos, de ordem económica e financeira, são imediatos, como comprovam as mudanças recentes no mercado de trabalho e no Estado-Providência português. Vejamos de que modo estas diretrizes têm sido concebidas e traduzidas em medidas concretas ao longo dos últimos quinze anos, tendo em atenção diferentes condições económicas e políticas.

Para além de se constituir em tendência mais ou menos institucionalizada, a trajetória de ativação das políticas de emprego foi mudando, podendo-se distinguir nela diferentes períodos12 e também especificidades no que toca aos grupos sociais abrangidos e ao conteúdo das próprias políticas. Um primeiro período coincidiu com a primeira fase da EEE (1997-2002). Nesta fase, o governo português, liderado pelo PS, elegeu a educação e o emprego como áreas de atuação estratégicas. Numa altura em que a taxa de desemprego era particularmente baixa foi edificada ' no contexto de realização do Plano Nacional de Emprego (PNE) ' uma abordagem eminentemente preventiva do desemprego jovem e também do desemprego de longa duração (DLD). Uma das novidades consistiu na elaboração de um Plano Pessoal de Emprego (PPE) adaptado às experiências e competências de cada indivíduo, através do qual se procurava reforçar o apoio na procura (ativa) de emprego, de uma forma personalizada.

Para além das boas intenções subjacentes a esta forma de intervenção, na prática o que se verificou foi uma preocupação de melhorar apenas os indicadores estatísticos, envolvendo mais jovens e DLD em medidas de formação profissional e/ou na procura ativa de emprego sem cuidar da eficácia destas medidas. Em suma, a ênfase foi colocada no cumprimento de metas que podemos considerar meramente indicativas (e estatísticas) e não tanto nos resultados (qualitativos) das políticas (Valadas, 2012).

A partir de 2002-2003, um reconhecimento ao nível europeu de que é necessário tornar a EEE mais eficaz. De entre os efeitos do exercício de avaliação conjunta destacam-se a reestruturação das políticas e a simplificação e alteração dos procedimentos. Progressivamente, a situação económica e do emprego foi-se degradando na generalidade dos países europeus (ibidem). Em Portugal, o crescimento do desemprego começou também a merecer alguma preocupação, pelo que a necessidade de harmonizar as diferentes políticas e de melhorar a sua eficácia ganhou destaque na agenda política (MTS, 2003). No domínio das políticas ativas de emprego, a atenção é alargada a grupos com particulares dificuldades de (re)inserção no mercado de trabalho (e.g.

trabalhadores mais velhos e pouco qualificados, DLD, imigrantes, indivíduos portadores de deficiência). Estamos perante uma nova fase nas políticas de emprego, que coincide com os três anos de administração de um governo de centro-direita (2002-2005), em que são reforçados os elementos coercivos da legislação. No caso especificamente do SD são reforçadas as sanções (e.g.

cessação da prestação) em caso de não aceitação de emprego adequado e introduzidas novas regras destinadas a promover a mobilidade geográfica (MTS, 2004). Este tipo de alterações vai ao encontro de objetivos que no contexto do Plano Nacional de Emprego (PNE) para o período 2003-2006 se pretende reforçar e que visam tornar o trabalho compensador, fomentar a participação no mercado de trabalho e eliminar as armadilhas da pobreza, do desemprego e da inatividade.

Outro aspeto relevante tem a ver com o reconhecimento de que urge adaptar o sistema de proteção social às novas formas de trabalho.

O governo do PS reeleito em 2005, agora com maioria absoluta, determinou a implementação de um conjunto de medidas de apoio ao emprego e/ou destinadas a melhorar a empregabilidade13 dos jovens, em particular. De entre estas salientamos: a diminuição da taxa contributiva por parte da entidade empregadora como forma de incentivar a contratação; apoios específicos para a contratação de jovens, desempregados e públicos específicos (e.g. ex- estagiários); programas de requalificação de jovens licenciados em áreas de baixa empregabilidade; reforço dos apoios financeiros à criação de empresas por parte de desempregados. Esta fase coincidiu com a revisão da Estratégia de Lisboa (em 2005), que determinou que os Planos Nacionais para o Emprego e os Relatórios Conjuntos sobre o Emprego passassem a constituir secções dos chamados Programas Nacionais de Reformas (PNR), definidos por períodos de três anos. Procede-se assim à integração da política de emprego na política económica, implicando uma menor monitorização por parte da CE das políticas de emprego dos Estados-membros. O objetivo primordial passa a ser o crescimento quantitativo do emprego e a ênfase nas componentes essenciais da ativação ' individualização, emprego e autonomia (dos trabalhadores e também dos desempregados) ganha relevância.14 A nível europeu as preocupações estão voltadas eminentemente para o controlo dos défices públicos, a redução da inflação e o aumento da competitividade das empresas. A necessidade de controlar as despesas sociais e de evitar a todo o custo medidas que criem desincentivos à permanência/integração dos indivíduos no mercado de trabalho é particularmente enfatizada (Palier, 2008).

Em Portugal, o enfoque na criação de emprego de qualidade perdeu notoriedade apesar de, em termos formais, algumas das medidas anteriores se terem estendido a outros grupos sociais, como as mulheres, os trabalhadores mais idosos, os deficientes e os imigrantes. Progressivamente, foram reforçados os critérios de acesso às prestações sociais; a aprendizagem ao longo da vida passou a ser vista como o mecanismo privilegiado para promover a empregabilidade; a taxa de atividade constituiu-se em instrumento estatístico de referência.

A preocupação com o controlo da despesa pública ganhou ainda maior destaque com o início da grande crise económica e financeira em 2008. Eminentemente marcada pela deterioração profunda das condições do mercado de trabalho, entramos numa outra fase da trajetória das políticas de emprego. Num primeiro momento, coincidindo com os últimos anos da governação socialista ( sem maioria absoluta), foram criadas medidas temporárias destinadas a estimular a criação de emprego (e.g. Iniciativa Investimento e Emprego 2009 e Iniciativa Emprego 2010) e, em certa medida, a enfrentar os efeitos sociais da crise.15 A estratégia escolhida consistiu em prosseguir o investimento público, tendo como grande preocupação a criação de mais empregos. Isto sucedeu apesar das recomendações dirigidas a Portugal pela CE no âmbito da implementação da EEE, em 2008, no sentido de um controlo mais rigoroso das despesas públicas em termos globais e da correção dos desequilíbrios orçamentais (Valadas, 2012: 389).

No período que se iniciou em 2011, algumas das medidas anteriormente criadas foram suspensas ou mesmo abandonadas.16 Num contexto de agravamento da crise económica e financeira, marcado pela adesão do país ao Programa de Assistência Económica e Financeira UE/FMI, assiste-se a uma alteração da estratégia político-económica. Esta passa a estar eminentemente focada na contenção orçamental e no controle do défice público. Desde então, as mudanças introduzidas nas políticas de emprego visam, no essencial, diminuir os gastos com a proteção social, o que tem efeitos quer ao nível das regras de atribuição e funcionamento das prestações sociais, quer no que concerne as medidas ativas de emprego (e.g. programas de formação profissional, emprego subsidiado, criação do próprio emprego, estágios profissionais).

A decisão de agruparmos estes dois períodos numa mesma fase17 prende-se com o facto de o tipo e a gravidade dos problemas a enfrentar serem idênticos (ainda que mais intensos nos últimos três anos), a margem de autonomia do governo português ser muito limitada e os condicionalismos e as pressões externas exercidas conhecerem uma linha de continuidade, marcada eminentemente por medidas de austeridade que eliminam (e não apenas restringem) certos direitos sociais.18Sublinhe-se que as alterações nas prioridades da ação política aconteceram também no plano europeu. Depois de, em 2008, a CE ter proposto um plano de recuperação económica assente na ideia de que era necessário implementar uma estratégia coordenada para restabelecer a confiança dos consumidores e o investimento económico, a partir de 2010 as prioridades voltam-se para a criação de mecanismos que garantam a estabilidade financeira dos países da zona euro (e.g. mecanismo europeu de estabilização financeira).

Em Portugal é agora cada vez maior o número de pessoas disponíveis para trabalhar em empregos precários, mal remunerados, de curta duração, e mesmo estes no atual contexto de crise parecem diminuir. Ao mesmo tempo verifica-se que a proporção de desempregados que acede a benefícios sociais permanece baixa e inclusivamente o número de beneficiários de Subsídio de Desemprego diminuiu entre 2009 e 2011, refletindo o reforço das sanções impostas aos beneficiários e/ou as restrições às condições de elegibilidade e generosidade dos subsídios de desemprego, que abordamos no ponto seguinte (Tabela_4). Na interpretação destes dados, devemos também ter em atenção o facto de muitos desempregados esgotarem o prazo para receber subsídio de desemprego antes de terem encontrado um emprego.

Apesar do aumento da despesa da proteção social com o desemprego e os apoios ao emprego (de 7,8% em 1998 para 10,1% em 2011, do total das prestações sociais),19 a proporção de desempregados (desemprego registado) que não aufere de nenhuma proteção mantém-se elevada (40,3%), como mostra a Tabela_4.

A progressiva e mais extensa subproteção dos desempregados Tendo por base o modelo corporativo, de inspiração bismarckiana, as prestações sociais concedidas pelo Estado aos desempregados enquadram-se no sistema previdencial de segurança social. Estas são financiadas por contribuições sociais pagas pelos trabalhadores (11%) e empregadores (23,75%).20 Existe uma forte dependência do status e/ou grupo profissional, o que gera discrepâncias entre um número (cada vez mais limitado) de indivíduos com relações salariais estáveis e duradouras, inseridos em setores bem remunerados da força de trabalho e um vasto e maioritário grupo de trabalhadores que se encontram no mercado irregular e não institucional de trabalho (Valadas, 2012). Com especial incidência desde a crise de 2008, este desequilíbrio agravou-se, refletindo-se num aumento muito significativo, e transversal aos vários grupos do desemprego e com a proliferação de empregos flexíveis e precários. Estas tendências têm efeitos muito negativos no financiamento do sistema de segurança social e contribuem para o agravamento das desigualdades sociais, sendo que o grupo sobreprotegido tem vindo a diminuir e a ver restringidas as condições de sobreproteção.

Recentemente foram introduzidas alterações nas prestações sociais concedidas aos desempregados,21 no que toca a regras de acesso,22 generosidade, duração e obrigações/sanções.23 Estas fazem parte de uma trajetória de reorientação na forma de conceber os apoios sociais concedidos aos desempregados, que enfatiza a necessidade de promover o (mais) rápido regresso à vida ativa e tem por objetivo reduzir a despesa pública (e.g. os encargos sociais).

Desde 2012, regista-se uma diminuição do período mínimo de remunerações (de 450 para 360 dias) o qual, no entanto, tem agora de ocorrer nos 24 meses imediatamente anteriores à situação de desemprego. No que toca à generosidade dos montantes atribuídos, Portugal é tradicionalmente apontado como um dos países onde a percentagem de substituição do rendimento é mais elevada (esta corresponde a 65% da remuneração de referência, situando-se previamente em 75%), o que não deve ser desligado do nível, tendencialmente baixo, da generalidade dos salários. Os valores máximo e mínimo dos montantes definidos são baixos (estes são fixados em proporção ao IAS).24 Para além disso, em 2012 foi introduzida uma redução do valor do SD em 10%, a partir dos primeiros 180 dias de concessão da prestação social. Foi também definido um prazo máximo de 540 dias em termos de duração, ainda que este possa ser ultrapassável, em geral, no caso de trabalhadores com uma carreira contributiva longa. Outra medida implementada pelo governo português no quadro das medidas de austeridade foi a introdução de uma contribuição fiscal sobre as prestações sociais concedidas em caso de desemprego e também de doença (respetivamente 6% e 5%), o que constitui uma novidade. Apesar de um desempregado poder ver prolongada a prestação social de desemprego (neste caso através do Subsídio Social de Desemprego Prolongado) caso não tenha resolvido a sua situação de desemprego, passam a ser as condições económicas do agregado familiar a determinar esse mesmo acesso, o mesmo acontecendo caso se trate de outras medidas de assistência social (e.g. RSI). Foram também implementadas novas e mais restritas formas de controlo e fiscalização dos beneficiários, as quais traduzem a procura de um novo equilíbrio entre direitos e obrigações que o Estado25 vem prosseguindo ao longo da última década e meia.

Outra dimensão onde se registam mudanças está relacionada com a condicionalidade dos direitos. Estes ficam suspensos ou podem ser retirados em caso de não cumprimento das obrigações definidas na legislação laboral, sendo estas reforçadas pela existência de sanções. Um dos objetivos centrais das restrições e/ou sanções impostas é incentivar a procura ativa de emprego por parte dos beneficiários, e promover a sua empregabilidade, i.e. adequando (e melhorando) as suas competências (e.g. qualificações, nível educacional) e os seus atributos às necessidades do mercado de trabalho. Nos casos em que os desempregados ingressem no mercado de trabalho (a tempo parcial) ou iniciem uma atividade independente antes de esgotado o prazo de atribuição das prestações de desemprego podem suspender as mesmas ou beneficiar do Subsídio de Desemprego Parcial (SDP). Medidas como a obrigatoriedade em participar em cursos de formação profissional, fazer prova de procura ativa de emprego foram tornadas obrigatórias a partir de 2003.26 As reformas introduzidas na proteção social concedida aos desempregados estão interligadas com as mudanças nas políticas ativas de emprego que acima salientámos. No caso português, a subproteção concedida aos desempregados tem vindo a agravar-se, apesar de algumas majorações concedidas em situações de insuficiência de recursos com o objetivo de atenuar, em certa medida, os efeitos muito negativos decorrentes da situação de desemprego massivo e da crise económica e financeira. Neste sentido, é a componente de ajuda social ou da solidariedade que, residualmente, se pretende salvaguardar. Altera-se assim o princípio da proteção social como uma forma de promover a desmercadorização do indivíduo.

Conclusão Neste artigo analisámos as mudanças qualitativas naquela que é uma das rubricas fundamentais da proteção social, o sistema social de proteção no desemprego.

Debruçámo-nos, em concreto, sobre as mudanças registadas nas políticas (ativas e passivas) de emprego que, doravante, substituímos pela designação políticas de empregabilidade autónoma, no sentido em que as responsabilidades pelo desenvolvimento de competências e pela gestão do processo de (re)integração no mercado de trabalho recaem eminentemente sobre o indivíduo. Perante uma realidade em profunda transformação, este conceito analítico retrata melhor aquele que é hoje o desígnio orientador das políticas de emprego: tornar os desempregados empregáveis, fazê-los regressar o mais rapidamente possível ao mercado de trabalho. Está em causa o abandono da ideia (keynesiana) de que a melhor via para promover o crescimento e o emprego é através da ação do Estado (Palier, 2004). Em sentido diferente, assiste-se à consolidação de uma abordagem eminentemente individualista, que apela ao acionamento de outro tipo de respostas por parte de instituições sociais que não o Estado (e.g. a família e/ou outro tipo de redes sociais, instituições da sociedade civil, instituições privadas). A estas orientações liga-se um novo tipo de pressão social e política que enfatiza a necessidade de alterar o comportamento, a motivação dos indivíduos, e que considera serem estes os principais (e únicos?) responsáveis pela sua própria inserção (e sobrevivência) no mercado de trabalho. Estamos perante a consolidação de uma nova ética do (e para com o) trabalho, inerente a uma forma de organização das sociedades em moldes diferentes dos do passado recente, que se caracteriza, entre outros aspetos, pela transição da coletivização do risco para a individualização do risco (e.g. de desemprego mas também de doença, de acidente, de ser um trabalhador pobre, precário). Esta é a primeira conclusão que retiramos deste artigo, que realça mudanças importantes nos princípios orientadores das políticas.

Uma segunda ideia consiste em reconhecer que a crise económica e financeira, que desde 2008 afeta com especial intensidade os países de capitalismo avançado, fez avançar de forma mais rápida e intensa a intenção política de reestruturar o Estado-Providência. Em países como Portugal, onde as dificuldades económicas têm uma dimensão maior e a dependência financeira e política de organizações internacionais (e.g. UE, FMI) condiciona a margem de liberdade de que o Estado e outros atores dispõem, os efeitos da diminuição drástica das funções sociais do Estado (e.g. em áreas como o emprego e a segurança social) são particularmente intensos e, como demonstramos no texto, geradores de maiores desigualdades sociais.

Quando hoje olhamos para as políticas que visam minorar os riscos de desemprego e promover (em termos formais) uma maior igualdade de oportunidades no acesso ao mercado de trabalho, Portugal deve ser considerado um caso de insucesso.

Para tal contribuiu (e é também seu efeito) a degradação progressiva e profunda do mercado de trabalho ' marcada pelo aumento do desemprego e uma diminuição do emprego sem precedentes (especialmente intensa desde o ano de 2010), a par dos fenómenos de terciarização e feminização ', mas também o modo como as políticas no domínio do (des)emprego têm sido concebidas, desenhadas e implementadas.

Neste texto, mostrámos como a imposição de sanções e as restrições nas condições de elegibilidade dos beneficiários de apoios sociais têm reforçado a situação de vulnerabilidade social e económica dos indivíduos desempregados e suas famílias. Vimos também como os objetivos de contenção de custos e de devolução ao mercado de trabalho do maior número possível de indivíduos, no prazo mais curto possível (e a qualquer custo), apesar de integrarem o paradigma político-económico dominante, têm um alcance limitado na melhoria das condições de ingresso/regresso dos desempregados no/ao mercado de trabalho. O reforço da coesão social e o aumento da qualidade de vida estão hoje mais comprometidos, não pela débil (re)inserção dos indivíduos no mercado de trabalho como pelo facto de, em muitos casos, ela não eliminar os riscos de pobreza e exclusão social.

Como consequência do agravamento da situação política e financeira do país, as assimetrias clássicas focadas na posse ou não de determinados atributos (e.g. associados ao género, formação/educação) têm vindo a tornar-se mais transversais e interclassistas,27 no sentido em que passaram a afetar também outros grupos sociais e a criar novas formas de exclusão e divisão social (e.g.

jovens vs. idosos; trabalhadores do setor privado vs. trabalhadores do setor público; nacionais vs. imigrantes; trabalhadores precários vs. trabalhadores estáveis). No fundo está em causa uma das maiores contradições de um modelo de crescimento económico e de desenvolvimento em que, sendo o trabalho o fator principal de integração social, este não é, cada vez mais, um bem escasso como tão pouco garante o direito a uma vida digna.


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