Los primeros libros de la Humanidad: el mundo antes de la imprenta y el libro
electrónico
RECENSÃO
Báez, Fernando (2013), Los primeros libros de la Humanidad: el mundo antes de
la imprenta y el libro electrónico. Madrid: Fórcola, 621 pp.
Los primeros libros de la Humanidad: el mundo antes de la imprenta y el libro
electrónico, de Fernando Báez, lançado no final de 2013 pela editora Fórcola no
Estado espanhol, é a mais recente monografia do autor dedicado ao combate à
destruição de bibliotecas históricas e livros raros, parte do património
bibliográfico mundial.
Nascido na Venezuela em 1963, licenciado em História e doutorado em Ciências da
Informação e Bibliotecas, Báez ganha particular notoriedade internacional com a
História universal da destruição dos livros (2004). Nela focou o ataque ao
património bibliográfico iraquiano após a invasão de 2003. Com edição
portuguesa pela Texto Editores em 2009, traduzida em dezassete línguas,
reescrita e reeditada em 2011, a obra passou a manual de estudo em algumas
universidades dos Estados Unidos da América e da Europa. O autor tem obra
premiada e o reconhecimento, entre outros, de especialistas e autores críticos
como Umberto Eco, Ernesto Manguel ou Noam Chomski. Que a destruição de livros
não decorre da ignorância ou do horror à cultura, mas sim do poder para
destruir a memória de povos, grupos sociais, ou escritores inconvenientes é a
tese central amplamente documentada. Perito em recuperação de bibliotecas
antigas devastadas por conflitos militares, especialista em várias línguas
clássicas e antigas, tem sido assessor em processos de recuperação e
salvaguarda do património bibliográfico e histórico mundial. Membro do Centro
Internacional de Estudios Árabes, define-se presentemente como ativista radical
contra a censura.
Da curiosidade em pisar a terra primeira, renomeada Byblos, onde se inventara o
livro no terceiro milénio AC e que aos livros dera nome, nasce o fio condutor
de Os primeiros livros,produzido em três anos em investigações que se
estenderam de Oriente a Ocidente, no rastro do livro e da escrita mais antigos.
De uma cultura de pastoreio, nessa mesma Byblos então sob dominação egípcia,
nasceu um outro nome a partir dos carateres alp' (boi) e bet' (casa),
incorporados, como em muitas outras culturas, no termo português alfabeto. Esta
minúcia do detalhe e do evento singular é acompanhada pelo contexto social,
tecnológico, histórico ao longo de toda a obra: quem lê não tem de se perder
nem soçobrar sob avalanches de dados, os fios explicativos vão sendo estendidos
e ligados por vezes de forma surpreendente e reveladora.
O ritmo histórico utilizado aparece entrecortado ora por silêncios e
supressões, ora por sobressaltos e acalmias que pautaram o surgimento de livros
primordiais. As marcações de tempo são feitas sobretudo pelos poderes
instituídos políticos, mas também religiosos, os que em cada momento decidiam
sobre a gravação ou apagamento da memória materializada. A narrativa parte da
atual Jbeil, ex-Biblos, antes Byblos, de um Líbano entre 2011 e 2012, cidade
onde a vida de Báez esteve uma vez mais sob ameaça, juntamente com tantas
outras vidas num novo conflito militar. A senda da investigação foi traçada
após inquirição prévia na Maktabat al-Iskandaryah (Bibliotheca Alexandrina).
Biblioteca que tão simbolicamente carregada tem estado pelas expectativas de um
encontro entre o passado da Alexandrina original, acabado em destruição e
arrumado numa Antiguidade Clássica, e um futuro sonhado e propagandeado como
recuperação e superação ' suportadas estas pelas tecnologias digitais e
corporizadas no emblemático edifício inaugurado em 2002 em Alexandria, em
financiamento conjunto da UNESCO e do governo egípcio para albergar a nova
Alexandrina,biblioteca do futuro.
No prefácio, como um aviso, Báez introduz a expressão o livro como metáfora do
mundo. E a metáfora é desdobrada a partir do objeto livro, da máquina para
pensar capaz de proteger a memória coletiva ou individual, em outras metáforas
' senão mesmo em outros tantos objetos ressignificados ' talismã, arquivo de
vida, reflexo da natureza [ ], um símbolo do mundo ou o próprio mundo, versão
de um código da vida como genoma da cultura, um sonho individual ou solitário e
um perigo para os tiranos (p. 26).
O fascínio pelo livro e a paixão pelo labor bibliográfico e bibliófilo ficam
declarados nas páginas iniciais: nenhum desapego, pelo contrário, um
envolvimento com o livro sempre cozido por linhas de discurso com forte carga
emocional. Se podemos encontrar vislumbres de romantismo nesse envolvimento, é
por certo um romantismo desenganado, de enfrentamentos, pessoais ou não, de
dissabores e obstáculos por vezes inultrapassáveis (como superar a destruição
de um livro único?) mas não demovido, antes atiçado. Toda a memória é uma
heresia nestes tempos (p.13) e contra estes tempos escreveu Báez um livro
mais.
Este viajante, como gosta de se nomear, passa para o escrever por regiões
arriscadas do Egito a Beirute ' depois de estar no Azerbaijão, Marrocos,
Líbia, Tunísia, Afeganistão e Kuwait ' para seguir para Islamabade e a
comunidade islâmica de Quetta em Chiltan (Paquistão). Recordando que os livros
viajaram em caravanas de camelos dentro daquele Oriente e depois para além
dele, em volta do Mediterrâneo, para Petra, pela Rota da Seda e pela Europa,
em vagas de textos para mudar o mundo em circuitos e em conflitos ainda
abertos pela recuperação dos textos roubados pelos poderes imperiais recentes,
o autor tinge a obra com as cores de uma demanda, uma busca de origens através
dos continentes.
Duas grandes secções, uma para a escrita e o livro mais antigo e uma outra para
o códice, primeira forma de livro manuscrito, dividem o conteúdo. O livro, sem
mais, deve nesta monografia ser entendido como suporte físico da escrita '
argila, tecido, papiro, cordão de quipo,1 entre outros.
Percorre-se esta história do livro temporizada pelos 5000 anos que mediaram
entre as primeiras escritas e a disseminação da imprensa, e os séculos i a xv,
com um enfoque nos anos do livro manuscrito. Destacando os livros sagrados
(sobretudo islâmicos, judeus e cristãos) e as suas formas de contacto e
influência, os livros jurídicos e literários são também abordados, com
evidência para as rotas em que se entrecruzaram e se embateram saberes,
práticas e interesses vinculados ao livro.
É sabido o privilégio de que gozaram os manuscritos considerados fundamentais
para a denominada civilização ocidental, na preservação, cópia e difusão, por
parte dos poderes instituídos. Pode-se conjeturar que a familiaridade e o
conhecimento profundo que Báez tem, não só de determinadas línguas escritas
antigas como de determinados autores ' entre os quais o árabe e alguns autores
islamitas, para além da sua especialidade em Aristóteles e Averróis ' tenham
facilitado também uma abordagem mais profunda dessas escritas e desses textos.
Capítulos particulares dedicados a livros indonésios e chineses, aos clássicos
budistas, à feitura do livro japonês, aos códices maias e astecas e aos quipos
incas, bem como as frequentes e estimulantes referências transversais a
culturas de África e da Ásia e ainda da América Central, os detalhes sobre
venturas e desventuras de feitores de livros e de escritas colmatam muitas das
interrogações que sobram no final da leitura sobre outras regiões, outras
escritas e outros textos. Aqui está em jogo a tensão entre mundo globalizado e
zonas de desconhecimento e escuridão, num intento que parece ter sido de
abrangência mundial ' sem alguma vez ser afirmado ' e que parece ainda
concretizado dentro dos limites contidos nas possibilidades deste presente.
O livro configura-se, como tal, como obra de referência destacada na História
do Livro para consulta e manuseio frequente por especialistas e por quem
investigue domínios afins, sobretudo pela capacidade de síntese e de
interligações temáticas e não menos pela bibliografia e notas abundantes do
autor.
Por fim se esclarece o sentido da Nota introdutória onde afirma que o livro
como processo e como agente de permuta social [ ] altera o próprio processo que
lhe dá origem. [ ] O livro muda a história que o muda.
NOTAS
* Doutorada em Sociologia pela Universidade do Porto (UP). É investigadora de
pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais com o projeto A biblioteca no
tempo: bibliotecas dos paradigmas do impresso, do oral e do digital. É
investigadora associada do Instituto de Sociologia da UP. Tem investigado
questões das bibliotecas públicas e novas tecnologias, dos usos das bibliotecas
públicas, das bibliotecas prisionais e ainda da leitura, com enfoque na leitura
pública e privada das mulheres.
1
Nome quéchua dado a um dispositivo de escrita da região Andina, composto por
um cordão principal com cordões pendentes, coloridos, com nós; o uso que deles
fez a administração do Império Inca é o mais divulgado.