Os determinantes psicológicos do consumidor verde
1. Introdução
Nos últimos anos tem-se verificado uma preocupação crescente em relação à
temática ambiental entre a população em geral, os consumidores, os governos, as
empresas e os investigadores. Assim, a população tem reconhecido que o seu
comportamento é suscetível de influenciar o meio ambiente e os consumidores
tornaram-se mais preocupados com os seus hábitos diários e com as repercussões
que estes podem ter no meio ambiente, começando a ter uma maior preocupação
aquando da escolha dos produtos que adquirem e consomem. Os governos procuram
promover políticas de sustentabilidade ambiental, e as empresas reconhecem que
a adoção de um posicionamento socialmente responsável (Carroll, 1991) e a
oferta de produtos verdes suscetíveis de responder às necessidades do
consumidor (Gupta & Ogden, 2009) são aspetos chave para o desenvolvimento e
manutenção de uma vantagem competitiva (Wahid, Rahbar, & Shyan, 2011),
mesmo num cenário de crise económica (Miras-Rodríguez, Escobar-Perez &
Gallego, 2015). Este facto tem-se refletido no aumento do consumo de produtos
verdes, e tem impulsionado os marketersa aprofundar o conceito de marketing
verde (Pujari & Wright, 1996).
Na literatura, tem surgido um número crescente de estudos sobre o comportamento
do consumidor verde, quer em termos de descrição do seu perfil demográfico,
socioeconómico e psicográfico, quer em termos de modelização do comportamento e
da intenção de aquisição de produtos verdes (e.g., no caso português, os
trabalhos de Paço & Raposo, 2008 e 2009; Akehurst, Afonso, & Gonçalves,
2012; Marques & Almeida, 2013; Gonçalves, Menezes & Marques, 2015). No
entanto, alguns estudos (e.g., Kalafatis, Pollard, East & Tsogas, 1999;
Litvine & Wüstenhagen, 2011) concluíram que a presença de uma atitude pro-
ambientalista não conduz, necessariamente, a comportamentos amigos do ambiente
(i.e., comportamentos verdes).
Deste modo, revela-se importante aprofundar a discussão e a compreensão dos
determinantes da intenção e do comportamento do consumidor verde. Dos vários
modelos que procuram explicar comportamentos pro-ambientais, um dos mais
conhecidos é a Teoria do Comportamento Planeado (TCP), desenvolvida por Ajzen
(1985, 1991). A TCP pode ser usada para compreender e prever o comportamento de
aquisição de produtos verdes e para apoiar o desenvolvimento de programas no
sentido de promover atividades pro-ambientais (Litvine & Wüstenhagen,
2011). Efetivamente, para além da atitude pro-ambiental, relacionada com a
aquisição de produtos verdes, a TCP assume outros determinantes da intenção de
comportamento verde, como sejam, o controlo percebido e a norma subjetiva.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo estudar os determinantes da
intenção e do comportamento de compra de produtos verdes (e.g., atitudes,
normas sociais e controlo percebido) com base na TCP.
De seguida, é apresentada uma síntese da TCP e a listagem de alguns trabalhos
que a usaram no estudo do comportamento do consumidor verde. Depois são
descritas as opções metodológicas, nomeadamente em termos de hipóteses,
população-alvo, macro e micro estrutura do questionário desenvolvido, e métodos
estatísticos usados. Segue-se a análise e discussão dos resultados e finaliza-
se com uma conclusão.
2. Teoria do comportamento planeado
Quando se fala em comportamento verde do consumidor, existe uma fonte
importante que deve ser considerada, a Teoria do Comportamento Planeado (Ajzen,
1985, 1991). Esta teoria surgiu no âmbito da psicologia social e tem sido
utilizada por diversos autores para explicar o comportamento e as decisões de
compra dos consumidores, fornecendo resultados robustos (Han & Hansen,
2012) através de modelos conceptualmente simples (Litvine & Wüstenhagen,
2011).
A Teoria do Comportamento Planeado (TCP) (Ajzen, 1985, 1991) é derivada da
Teoria da Acção Racional (TAR) (Ajzen & Fishbein, 1980), sendo ambas uma
extensão do modelo multiatributos de Fishbein and Ajzen (1975). A TCP baseia-se
na premissa de que os indivíduos fazem uso racional da informação disponível
quando tomam decisões comportamentais (Conner & Armitage, 1998).
A Teoria do Comportamento Planeado prevê nas suas aplicações as crenças
comportamentais, as crenças normativas e as crenças de controlo. Tal como a
TAR, a TCP considera as intenções comportamentais como mediadoras da relação
atitude-comportamento. Ou seja, o comportamento é manifestado pelas intenções
pessoais em executá-lo. A TCP, no entanto, é considerada uma extensão à TAR ao
incluir o controlo percebido do comportamento, como determinante das intenções.
Esta teoria baseou-se na premissa de que mantendo uma intenção constante, um
maior controlo percebido irá aumentar a probabilidade de que se realize o
comportamento de compra com sucesso, quando surgem as oportunidades. Ou seja,
existindo um determinado grau de controlo do comportamento dos indivíduos,
estes tendem a realizar as suas intenções quando as oportunidades aparecem. O
controlo real sobre o comportamento, refere-se à capacidade que os indivíduos
possuem em realizar realmente um determinado comportamento.
Assim, na TCP o comportamento é determinado pelas intenções e as intenções
comportamentais são determinadas por três fatores (Figura_1): (i) atitude em
relação ao comportamento ' a avaliação favorável ou desfavorável do consumidor
atribuída à realização do comportamento;(ii)norma subjetiva ' a perceção
individual da pressão social de realizar ou não um comportamento, i.e., as
expetativas dos grupos sociais (familiares, amigos, colegas); e (iii) controlo
percebido ' a avaliação individual da capacidade de realização do
comportamento. O controlo percebido também pode influenciar diretamente o
comportamento.
A TCP foi utilizada para explicar comportamentos pro-ambientais, como a
reciclagem e a separação de lixo doméstico (e.g., Cheung, Chan & Wong,
1999; Biswas, Licata, McKee, Pullig & Daughtridge, 2000; Chu & Chui,
2003; Kaiser & Gutscher, 2003; Oreg & Katz-Gerro, 2006; Davis,
O'Callaghan & Knox, 2009; Botetzagias, Dima & Malesios, 2015), o
consumo de energias renováveis (Litvine & Wüstenhagen, 2011), a utilização
de transportes públicos (Bamberg & Schmidt, 1998; Heath & Gifford,
2002), a redução do uso de veículos privados por questões ambientais (Oreg
& Katz-Gerro, 2006), o consumo de alimentos orgânicos (Sparks &
Shepherd, 1992; Han & Hansen, 2012), a escolha de hotéis ecológicos (Han
& Kim, 2010; Han, Hsu & Sheu 2010; Kim & Han, 2010; Chen &
Tung, 2014) e a compra de produtos verdes (Kalafatis et al., 1999; Chan &
Lau, 2002; Davis et al., 2009; Moser, 2015).
3. Metodologia
3.1. Hipóteses de investigação
A relação entre o comportamento do consumidor verde e a intenção de compra, e
entre esta e a atitude, a norma subjetiva e o controle percebido serão
efetuadas considerando o modelo definido a partir da Teoria do Comportamento
Planeado (TCP) desenvolvido por Ajzen (1985). Neste contexto, foram definidas
as seguintes hipóteses de investigação:
H1. Há uma relação positiva entre a atitude em relação à compra verde e a
intenção de compra verde;
H2. Há uma relação positiva entre a norma subjetiva e a intenção de compra
verde;
H3. Há uma relação positiva entre o controle percebido da compra verde e a
intenção de compra verde;
H4. Há uma relação positiva entre a intenção de compra verde e o comportamento
de compra verde.
3.2. Desenvolvimento do questionário
O questionário desenvolvido inicia-se com a apresentação do seguinte conceito
de produto verde ao consumidor: - Considere os produtos verdes como aqueles
que são fabricados segundo uma política deliberada de gestão ambiental, onde a
produção é efetuada segundo critérios de eficiência energética, conservação de
recursos naturais, preocupação com a saúde do consumidor, segurança ambiental,
facilidade de reutilização, durabilidade e biodegradabilidade. - Considere
produtos verdes que se encontram disponíveis no mercado português.
O questionário encontra-se estruturado, em termos de macroestrutura, em três
secções. Na primeira, uma questão geral e introdutória solicita a avaliação dos
hábitos de compra de produtos verdes por parte dos consumidores. A segunda
secção inclui questões relativas às variáveis extraídas do Modelo do
Comportamento Planeado (i.e., a atitude em relação à compra de produtos verdes,
a norma subjetiva, o controlo percebido do comportamento, a intenção de
comportamento e o comportamento de compra verde). Todos os itens das variáveis
latentes que integram o modelo foram medidos através de uma escala Likert de
sete pontos, sendo a respetiva fonte apresentada na Figura_2 que se segue. Para
as variáveis atitude, norma subjetiva e comportamento o valor mínimo (1)
corresponde à categoria discordo totalmente' e o valor máximo (7) a concordo
totalmente'. As categorias mínima (1) e máxima (7) da variável intenção de
compra são usadas para designar nunca' e sempre', respetivamente.
Relativamente ao comportamento de compra, o valor mínimo e máximo representam,
respectivamente, nunca' e sempre' para a frequência de compra, nada' e
muito' para os gastos em produtos verdes e 0' e mais de 10' para o número de
produtos verdes adquiridos.
Por fim, são colocadas questões relativas ao perfil do indivíduo, em termos de
variáveis demográficas (sexo, idade e estado civil) e sócio-económicas
(habilitações e rendimento).
3.3. Processo de amostragem e métodos estatísticos
No presente estudo a população alvo é constituída por consumidores portugueses
que colaboram numa empresa portuguesa de implementação nacional, de ambos os
sexos, com idade superior a 18 anos e residentes em Portugal.
A recolha de dados foi efetuada através de um questionário divulgado numa
versão on-line, via e-mail, para todos os colaboradores da empresa, sendo
obtidas 282 respostas válidas (taxa de resposta de 28%) através de um
procedimento de amostragem, não aleatório, por conveniência (Malhotra, 2010).
Na caracterização estatística do perfil dos inquiridos foram utilizadas tabelas
de frequência e estatísticas descritivas. A abordagem de equações estruturais
foi utilizado no sentido de testar as relações entre as variáveis (Hair,
Tatham, Anderson & Black, 2009).
4. Análise e discussão dos resultados
4.1 Perfil demográfico e sócio-económico dos respondentes
No presente estudo foi utilizada uma amostra composta por um conjunto
diversificado de indivíduos com mais de 18 anos, a residir em Portugal, com o
fator comum de trabalharem na mesma empresa. Após a aplicação do questionário,
foi possível obter uma amostra, caracterizada em termos demográficos e sócio-
económicos no quadro que se segue (Quadro_1).
A amostra é constituída por 282 respondentes, em que 167 são do sexo feminino
(59,2%) e 115 respondentes do sexo masculino (40,8%). A idade média é de 44,1
(D.P.=10,4), variando entre 18 e 70 anos. No que respeita às habilitações,
observa-se que cerca de 74% dos indivíduos possuem pelo menos o grau de
licenciatura. Relativamente à variável rendimento verificou-se que 171 dos
respondentes (60,6%) aufere entre 1.001, a 2.000, seguido de 65 inquiridos
(23,0%) que aufere entre 2.001 a 4.000. Os restantes inquiridos auferem
entre 500 a 1.000 (10,3%) e mais de 4.000 (6,0%). Em relação ao estado
civil podemos observar que 184 respondentes são casados (65,2%), seguidos de 66
inquiridos (23,4%) que são solteiros, 28 respondentes (9,9%) são divorciados,
sendo que 4 dos inquiridos são viúvos.
4.2 Comportamento verde e os seus determinantes
Dos produtos verdes listados, os que registaram uma maior frequência de
aquisição nos últimos três meses pelos inquiridos foram as lâmpadas
economizadoras e os produtos biodegradáveis. Por outro lado, os produtos menos
adquiridos são aqueles que têm um período de vida superior, como o carro amigo
do ambiente ou o telemóvel ecológico (Quadro_2).
Relativamente à intenção de comportamento e ao comportamento verde conseguimos
depreender através do Quadro_3 que os inquiridos de uma forma geral têm
intenção e comportamento de compra verde. Efetivamente, a maioria dos
inquiridos identifica como benéfica a compra de produtos verdes relativamente
ao meio ambiente. É referido que as pessoas mais próximas dos inquiridos
aprovariam a compra de produtos verdes, considerando aqui a norma social, e a
sua aceitação social. Relativamente à compra de produtos verdes, os inquiridos
são capazes de tomar a decisão de comprar produtos verdes, ou seja, têm um
controlo percebido relativamente à compra de produtos verdes. As variáveis
atitude, norma subjetiva e controlo percebido, intenção de comportamento e
comportamento de compra, foram medidos numa escala de Likert de 7 pontos. As
pontuações médias dos itens variaram entre 3,32 e 6,34. Em termos relativos os
itens que integram os determinantes da intenção de comportamento assumem
valores médios superiores à intenção e esta relativamente ao comportamento.
4.2.1 Análise fatorial e fiabilidade dos construtos
De forma a selecionar os itensfinais a utilizar na estimação do modelo
confirmatório utilizaram-se duas técnicas: a primeira, a análise fatorial
exploratória usando o método das componentes principais com rotação varimax,
que é realizada a todos os itensdos construtos no sentido de se verificar, para
a realidade em causa, se faz sentido manter a escala sem nenhum tipo de
ajustamento e para verificar se existe correlação entre as variáveis
confirmando a sua aplicação. A segunda, a análise do coeficiente Alpha de
Cronbach, que avalia a fiabilidade na vertente consistência interna dos itens.
Os valores da estatística Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e os resultados do Teste de
Bartlett para cada construto revelaram a adequação da análise fatorial (Quadro
4).
Adicionalmente, são apresentados os pesos fatoriais obtidos com as análises
fatoriais exploratórias realizadas e os coeficientes Alpha de Cronbach que
relevaram fiabilidade adequada dos itens selecionados para integrar o modelo em
estudo (Quadro_5).
4.2.2 Análise fatorial confirmatória dos construtos
O modelo revelou um bom ajustamento, sendo apresentados na tabela que se segue
os pesos de cada item que integra a análise. A fiabilidade compósita (FC) dos
factores revelou-se elevada, tendo variado entre 0,81 para o controlo percebido
e 0,97 para a norma subjetiva. A variância extraída média (AVE), um indicador
da validade convergente dos factores, revelou-se também adequada tendo variado
entre 0,71 para o controlo percebido e a atitude e 0,78 para a norma subjetiva.
A validade discriminante também se encontra assegurada, dado que para cada par
de variáveis latentes os valores de AVE são superiores aos quadrados da
correlação entre fatores (Quadro_6).
4.2.3 Modelo de equações estruturais
Após a análise da qualidade do ajustamento, foi estimado o modelo estrutural
proposto, de modo a verificar se as hipóteses de pesquisa são confirmadas ou
não. Após a estimação do modelo estrutural, é possível concluir que todas as
hipóteses são suportadas.
As variáveis atitude, norma subjetiva e controlo percebido estabelecem uma
relação positiva com a intenção de comportamento verde, ou seja, um incremento
em cada uma destas variáveis irá aumentar a intenção e o comportamento verde.
Por sua vez, a variável intenção de comportamento verde estabelece uma relação
positiva com a variável comportamento verde, demonstrando assim que qualquer
incremento numa das variáveis irá aumentar o comportamento de compra verde
(Quadro_7).
A Figura_3 esquematiza os determinantes do comportamento de compra de acordo
com o modelo de equações estruturais.
5. Conclusão
No presente trabalho analisou-se a intenção e o comportamento de compra de
produtos verdes usando como quadro teórico a Teoria do Comportamento Planeado.
Com base numa amostra de 282 colaboradores de uma empresa pública portuguesa,
concluiu-se que as quatro hipóteses de investigação foram suportadas. Assim, os
resultados obtidos revelaram que as variáveis atitude, norma subjetiva e
controlo percebido têm influência na intenção comportamental, que vão gerar um
comportamento, que resulta na aquisição de produtos verdes. No entanto, apesar
de no presente estudo se concluir que a atitude é uma variável relevante na
explicação da intenção e do comportamento verde, a variável com maior
influência na intenção comportamental é a norma subjetiva.
Face ao exposto, conclui-se que a Teoria do Comportamento Planeado se revelou
um importante preditor do comportamento de compra verde. Assim, dado que os
valores médios dos itens relativos ao comportamento são inferiores aos valores
médios da intenção comportamental, a TCP indicou que a atitude, a norma
subjetiva e o controlo percebido podem ser trabalhadas tendo em vista uma
mudança comportamental através do fornecimento de informação e de campanhas
quer pelas empresas, quer de campanhas públicas de marketing social. Por
exemplo, dado que se concluiu que a norma subjetiva é a variável com maior
influência na intenção comportamental, poderá ser determinante para os governos
encorajar o comportamento do público na compra verde (Gupta & Ogden, 2009)
direcionando programas de consciencialização da sociedade no que diz respeito
aos seus hábitos de consumo. A importância dos grupos de referência e da norma
subjetiva nas questões ambientais foi destacada em estudos anteriores (e.g.,
Santos, 2013). O comportamento de compra verde é um fator importante na medida
em que pode encorajar, futuramente, o comportamento de compra verde de outros
consumidores.
Uma das limitações deste estudo prende-se com o facto de o questionário ter
sido efetuado a colaboradores de uma mesma e única empresa. Apesar de existir
heterogeneidade demográfica e socioeconómica nos colaboradores, a amostra
escolhida possui algumas semelhanças que no que se refere ao local de trabalho,
que podem ter enviesado os resultados, demonstrando alguns comportamentos
semelhantes. Em estudos futuros poderá ser interessante incluir outro tipo de
variáveis na explicação da intenção de comportamento e do comportamento, tais
como variáveis económicas ou situacionais.