Contemporary Portugal. Dimensions of Economic and Political Change
Stephen Syrett, Contemporary Portugal. Dimensions of Economic and Political
Change, Ashgate, Hampshire, UK, 2000.
É sempre refrescante ler estudos de especialistas estrangeiros sobre o nosso
país. Quando esse trabalho é rigoroso e bem documentado, pode mesmo chegar a
dar contributos inesperados e muito relevantes numa matéria que por cá se supõe
bem conhecida. O presente livro, sobre alguns aspectos do recente
desenvolvimento português, é uma colectânea de textos de vários autores,
produto de uma conferência organizada pela School of Social Sciences da
Middlesex University, e cai, evidentemente, nesta categoria.
O tema central da conferência e do volume é, já de si, desafiante. Trata-se de
tentar analisar um caso de "dramática mudança social" (p. 1),
aquele que Portugal sofreu nos últimos vinte e cinco anos. Assim, o livro nasce
de um espanto. "Mudanças fundamentais que noutros países europeus se
realizaram ao longo de meio século ou mais foram comprimidas em pouco mais de
duas décadas " (ibid.). Este espanto, só por si, vale como um contributo
precioso entre nós. Quem viveu a mudança e lhe suportou os custos tem tendência
para menosprezar as realizações e empolar as ameaças. Olhar pelos olhos de
outros traz assim um novo prisma que, neste caso, é mesmo muito informativo.
O primeiro capítulo de síntese e enquadramento, da autoria do editor professor
Stephen Syrett, é o único de natureza global, colocando os termos da questão de
forma clara e sólida. Bem documentado, o capítulo traça um quadro breve das
realizações e perspectivas do último quarto de século português. Ao lê-lo,
nota-se logo um dos melhores aspectos do livro, a ausência dos habituais
preconceitos que os analistas nacionais incluem sempre nas suas análises.
Nem sempre esses velhos preconceitos portugueses estão ausentes, até porque os
vários autores procuram citar estudos, especialistas e até notícias de jornais
portugueses. Mas sente-se um esforço de objectividade e um olhar novo e
rigoroso que tantas vezes falta em textos demasiado envolvidos. Esta atitude
tem também o seu reverso. Existe frequentemente um claro menosprezo pela
realidade nacional anterior às mudanças recentes. Portugal é visto como um país
miserável e lateral, que só recentemente acordou para o progresso.
O grande interesse deste volume está, sem dúvida, na elevada exigência
analítica que presidiu à sua concepção. Sem ligar a ideias feitas ou impressões
vagas, como tantas vezes acontece entre nós, a maioria das reflexões parte de
dados objectivos, estatísticas fiáveis e factos concretos. Este juízo, válido
para todo o livro, tem maior justeza em algumas partes e deve ser relativizado
noutras. Os capítulos sobre desenvolvimento regional (cap. 3), também de
Stephen Syrett, sobre turismo, de Allan Williams (cap. 4), e migração, de
Martin Eaton (cap. 5), são aqueles em que se sente mais esta exigência; nos
trabalhos sobre a história da integração europeia, de David Corkill (cap. 2), e
os meios de comunicação social, de Helena Sousa (cap. 6), é onde isso é menos
visível.
O livro, depois da introdução e enquadramento (cap. 1), segue com um estudo da
história da integração portuguesa na economia no pós-guerra (cap. 2). Embora
comece por dizer que "é errado desprezar o Portugal pré-1960 como
simplesmente ‘periférico’, ‘subdesenvolvido’ e ‘dependente’" (p. 25), é
isso precisamente que o texto faz. Começando a análise na adesão à EFTA, em
1959, esquece a participação no Plano Marshal, na OECE e outras instituições
prévias. Assim, o passo decisivo de 1959 fica inexplicado. O estudo das quatro
fases em que divide o período posterior, até à plena integração na CEE, é
objectivo e informativo, embora mais no campo europeu.
Os restantes capítulos são temáticos, tratando de algumas "dimensões da
mudança económica e política", como avisa o título. As dimensões
escolhidas são o desenvolvimento regional (cap. 3), o turismo (4), as migrações
(5), a liberalização dos media e telecomunicações (6), o ambiente (7) e a
mudança do sistema político a nível nacional (8) e local (9). O volume termina
com uma breve avaliação das perspectivas para o século XXI pelo professor David
Corkill (10).
A qualidade das análise realizadas é sempre elevada, fornecendo descrições
sólidas e perspicazes desses temas. Em alguns casos, como no já referido
capítulo sobre desenvolvimento regional (cap. 3) e sobre ambiente, do professor
Carlos Pereira da Silva (cap. 7), o nível do estudo é mesmo superior. Mas
também nos outros temas a qualidade média é muito elevada, ficando-se com um
quadro bem delineado e informativo sobre a realidade portuguesa que é difícil
encontrar entre nós.
O livro tem também alguns pontos fracos. Se o tratamento do processo de
liberalização da comunicação social é muito relevante e está bem analisado no
capítulo 6, de Helena Sousa, é um pouco estranho vê-lo combinado com a
liberalização das telecomunicações. É também pena que o excelente capítulo
sobre mobilidade do trabalho (cap. 5) seja forçado a terminar a sua análise
estatística em 1997, perdendo de vista o recente fenómeno da imigração do Leste
da Europa, que o texto refere, mas não analisa.
Mas a falha mais grave é a completa ausência de tratamento dos problemas da
educação, saúde, justiça e outros sectores sociais, que o capítulo 1 identifica
como centrais e carentes. Isto é grave se comparado com a larga atenção dada
aos aspectos político-institucionais, com dois excelentes textos sobre poder
central (cap. 8, de Richard Robinson) e local (cap. 9, de Carlos Nunes Silva).
É também imperdoável o erro de nomear o sucessor de Cavaco Silva à frente do
PSD como "Franco Nogueira" (p. 193).
O texto final, dirigido às perspectivas, faz um balanco dos "desafios da
maturidade", do "desafio europeu " e dos "desafios
estruturais". É um texto sóbrio, sério e equilibrado de David Corkill,
uma forma excelente de terminar este livro válido e informativo sobre o notável
processo recente da sociedade portuguesa.
João César das Neves