Migranti nella tempesta: avvistamenti per l´inizio del nuovo millennio
Ferruccio Gambino, Migranti nella tempesta: avvistamenti per l´inizio del nuovo
millennio, Ombre Corte/culture, Verona, 2003, 182 páginas.
Marzia Grassi
Ferruccio Gambino apresenta nesta obra uma interessante análise política sobre
alguns dos instrumentos mais pertinentes para a compreensão científica de
problemas que parecem relacionados com o contexto actual das migrações
internacionais. Dizemos parecem relacionados, não porque haja alguma dúvida
sobre a sua existência, mas antes para sublinharmos a complexidade deste tema
em termos de relações causa/efeito.
As questões tratadas no livro são essenciais e resultam de uma reflexão que o
autor desenvolve há vários anos. Com efeito, o livro reúne seis textos escritos
nas ultimas duas décadas do século XX (1979-1998), quatro dos quais já
publicados. Os dois inéditos (o quarto e o sexto em ordem de apresentação no
livro) correspondem a duas contribuições científicas apresentadas pelo autor
docente de Sociologia do Trabalho na Universidade de Pádua (Itália) no âmbito
de seminários internacionais, um dos quais em Lisboa em 1992. A apresentação
formal dos textos segue uma ordem cronológica muito útil, sobretudo para os
leitores não familiarizados com a história italiana.
No primeiro e no segundo texto, Ferruccio Gambino debruça-se sobre alguns
aspectos da contratação colectiva em Itália e apresenta uma leiura da expansão
da «nova» divisão internacional do trabalho, da mão-de-obra exposta ao mundo,
da precarização e da segregação do trabalho, aspectos que considera um
instrumento oportuno para analisar o modelo de produção e reprodução
capitalistas que rege o mundo actual.
A análise de Gambino tem o mérito de enquadrar a imigração em Itália a partir
da sua origem, anos 70 do século XX, em diferentes períodos. Assim, o autor
começa por destacar o esforço de alguns militantes políticos nos anos 70 do
século passado como tendo sido os primeiros a tentarem analisar a questão
migratória em Itália. Reconhece a dificuldade desta tarefa, pois durante um
século (1880 a 1980) tinha havido um muito bem sucedido esforço político de
«branqueamento» da população italiana. Em Itália, ao longo do século XX e até
os anos 80, as questões migratórias não eram, pura e simplesmente, abordadas. É
a partir da década de 80 que o país, reconvertido em país de acolhimento,
necessita de problematizar as questões ligadas a este fenómeno, questões
delicadas, uma vez que obrigavam a uma reflexão sobre as atitudes da população
em relação às diferenças. Mas o silêncio pactuado pelos diferentes regimes
políticos sobre esta questão não impede que, nos finais dos anos 70, a
imigração se ligue ao processo de enfraquecimento do movimento operário e à
erosão da contratação colectiva. Ferruccio Gambino é de opinião que a análise
do mercado de trabalho italiano necessita de ser feita tendo em consideração,
por um lado, os movimentos migratórios produtivos e a chegada de trabalhadores
migrantes e, por outro lado, a reacção do poder público que utiliza o trabalho
dos migrantes como arma de chantagem contra o trabalho organizado e as
conquistas sindicais dos anos 60 e 70. Quanto ao momento actual, a questão
migratória em Itália é vivida como um processo social muito importante que
origina um debate denso e emocionalmente intenso em todos os sectores da
sociedade.
No terceiro texto que o autor apresenta há um salto cronológico até à primeira
expedição no Golfo (1990-1991). O autor explica este salto temporal pela
impossibilidade de desenvolver um estudo de terreno sobre as questões abordadas
nos dois primeiros textos, por «motivi di forza maggiore». Ferruccio Gambino
relata que foi obrigado a uma «migração forçada» devido a acusações, das quais
será completamente ilibado, no âmbito da ofensiva política e judiciária contra
a «autonomia operária organizada», iniciada em 7 de Abril de 1979, com o
encarceramento de muitos dos seus dirigentes, que ficarão durante um longo
período em prisão preventiva antes de serem completamente absolvidos das
acusações.
Ferruccio Gambino, no texto que dá o título ao livro (Migranti nella tempesta),
oferece uma análise político-económica da operação «tempestade no deserto»,
habitualmente referida como um simples evento militar, destacando os fenómenos
de migração e o destino da gente comum nos países do Golfo. Em particular,
debruça-se sobre o destino da juventude iraquiana e dos migrantes do Golfo, bem
como sobre as deslocações livres e forçadas durante e depois da operação
militar.
O quarto texto, inédito, corresponde a uma comunicação apresentada em Lisboa em
1992. Aqui o autor apresenta um estudo de caso situado geograficamente numa
região do norte da Itália, na província de Vicenza. A população local tem
historicamente uma escassa experiência de contactos com fenómenos de imigração
e o autor conta a «descoberta» por parte da população autóctone de que os
imigrantes, na sua maioria, não são pessoas «de passagem», mas sim indivíduos e
famílias inteiras que vieram para ficar. Esta análise fundamenta-se em dados
que resultam do trabalho de campo de Laura Corradi (35 entrevistas entre 1989 e
1991) no terreno norte-oriental italiano. É oportuno recordar que esta região
tem sido um lugar privilegiado de experiências ligadas ao fenómeno migratório
de diversa natureza: das lógicas católicas e sindicais de acolhimento
(refugiados vietnamitas dos anos 70, aos quais se seguiram outros vindos da
Eritreia, do Chile, da Argentina, do Uruguai e de Salvador, todos eles apoiados
pela diocese católica) às lógicas de recusa e oposição sintetizadas no racismo
da Liga Lombarda, que, no entanto, não impediu a utilização dos benefícios do
trabalho dos imigrados. Foi também nesta região que os poderes públicos e
burocráticos implantaram um modelo económico de «zona de desenvolvimento
especial». Este modelo fundamentou-se, segundo o nosso autor, na euforia
ideológica da economia subterrânea, que esconderia um ataque directo aos
direitos dos trabalhadores.
Se não fosse pela complexidade da questão da informalidade económica
porventura uma das mais debatidas na área da economia transnacional tanto em
termos teóricos e académicos como a nível político e nas grandes organizações
internacionais públicas preocupadas com a compreensão dos motivos do seu
crescimento exponencial , encontraríamos aqui uma clara explicação deste tema,
muito caro aos economistas do desenvolvimento. A explicação funcionalista que o
autor propõe não me parece completamente satisfatória em termos teóricos,
embora a considere muito pertinente em termos políticos e sindicais. É que os
actos económicos não existem isolados das relações sociais e culturais em que
se estruturam e das quais se alimentam. Analisá-los implica o seu enquadramento
na questão mais vasta da organização social e territorial no contexto do
movimento de pessoas, informação e mercadoria do mundo actual. As
características e as formas que este movimento assume obrigam à reformulação
paradigmática da organização social económica e política do planeta e ao
questionamento dos valores em que esta última se fundamenta.
Nos últimos dois textos «Aporie delle migrazioni internazionali» e
«Convergenze parziali del lavoro vivo» o autor oferece uma releitura da
teoria do imperialismo e das consequências políticas da divisão internacional
do trabalho. Questiona que estratos sociais e não só os migrantes têm
interesse em invocarem uma suspensão do senso comum e em distanciarem-se do
megatrend da superioridade civilizacional que enquadra as migrações nas
tendências de longo período do mundo globalizado. A questão migratória é um
fenómeno global que se relaciona com a questão da mão-de-obra também de uma
forma global e que põe em evidência as desigualdades e as lutas pela
redistribuição da riqueza. Depois de analisar a história das atitudes dos
países mais ricos no acolhimento da mão-de-obra a partir do período logo a
seguir à segunda guerra mundial, o autor sintetiza a questão com a frase «pede-
se mão-de-obra e chegam pessoas», sublinhando que isto implica considerar uma
maneira de acolher também os corpos, as mentes, os costumes, as línguas e as
aspirações dos que migram. O ponto de contacto do convívio entre populações de
acolhimento e migrantes torna-se, segundo este autor, o factor crucial para a
aquisição de capacidades de comunicação sociais e políticas. Defende por isso
que é esta a via que as sociedades de acolhimento devem percorrer, pois é a
única que poderá impedir a rigidez social.
O interesse deste livro situa-se sobretudo na capacidade de o autor conseguir
repensar a dimensão internacional das mudanças em curso e das relações sociais,
estendendo a análise além dos países ricos, aos lugares da mão-de-obra barata.
Os textos seleccionados são um contributo para a percepção da necessidade que
move os governos dos países industrializados a apropriarem-se dos recursos
naturais de outras regiões, provocando com isso a desestabilização de milhões
de pessoas.
Ferruccio Gambino trata aqui de questões incómodas, como seja a relação
estreita entre racismo, selecção e acumulação, questões hoje em dia ainda
inquietantemente actuais e que precisam de ser consideradas no contexto
político internacional caracterizado por recentes fluxos migratórios que ainda
estão longe de serem verdadeiramente livres. Os movimentos migratórios actuais,
como bem explica o autor, criam situações de graves desigualdades estruturais
que só podem ser explicadas com a interpretação do processo de transformação da
discriminação que o autor situa, no primeiro texto, no âmbito das lutas
anticoloniais e da necessidade de libertação do trabalho forçado. A relação de
causa-efeito entre a divisão internacional do trabalho e os fluxos migratórios
torna-se, com este texto, sem dúvida, mais clara, uma vez que o autor a situa
no contexto do actual ciclo liberalista. Os fluxos migratórios que a divisão
internacional do trabalho provoca levam o autor a situar a centralidade da
questão no direito de cidadania universal em defesa dos indivíduos, uma vez que
os direitos individuais são ofendidos sempre que se começa a falar de «nós» e
dos «outros» e sempre que se classificam os migrantes segundo critérios
étnicos, religiosos ou geográficos que acabam por fechá-los num gueto.