Varieties of Religion Today: William James Revisited
Charles Taylor, Varieties of Religion Today — William James Revisited,
Cambridge, Harvard University Press, 2002 (2.ª ed., 2003), 127 páginas.
Se alguém escolheu a ciência como profissão, poder-se-á sentir de vez em quando
confrontado com um vago sentimento de derrota quando lhe surge a ideia de que
apenas os artigos científicos que saíram recentemente deveriam ser considerados
modernos, ou pelo menos cientificamente actuais. Nesses momentos parece quase
um alívio quando o cientista desiludido encontra um autor internacionalmente
reconhecido que encara um livro com mais de cem anos como extremamente
contemporâneo. "[…] it could have been written yesterday, as against
almost a hundred years ago" (p. V), escreve o filósofo canadiano Charles
Taylor no prefácio do seu livro Varieties of Religion Today — William James
Revisited, referindo- -se ao produto das famosas Gifford Lectures de William
James em Edimburgo nos anos de 1901-1902. Ou seja, Taylor fala do célebre livro
The Varieties of Religious Experience, que é hoje em dia apreciado por
unanimidade como o grande clássico da psicologia da religião. Aqui o fenómeno
religioso foi explicado por William James como uma experiência do interior
subjectivo, como um entusiasmo individual, ou como um sentimento original de
uma alta felicidade provocada pelo contacto com o divino, e Taylor repete logo
no princípio do seu livro a definição jamesiana da religião enquanto "the
feelings, acts and experiences of individual men in their solitude, so far as
they apprehend themselves to stand in relation to whatever they may consider
the divine" (p. 5). Desta maneira, o estado religioso de um indivíduo é
sempre um fenómeno psíquico, e por isso teoricamente incomunicável. Comparado
com este "first-hand religious experience" (p. 6) do indivíduo, o
papel das religiões institucionais e as suas formas sociais, ou seja, as
igrejas, são completamente secundários — e podem até sufocar todas as
experiências religiosas autênticas. Neste sentido, William James ignorou
voluntariamente o carácter social ou a prática colectiva de uma religião, mas
chamou já muito cedo a atenção para um individualismo religioso que coloca hoje
em dia a pergunta necessária de saber se o nosso individualismo contemporâneo
pode ser encarado como especificamente moderno.
Não foi talvez por acaso que as mesmas Gifford Lectures, desta vez na Primavera
de 1999, deram origem ao livro de Taylor. Estas lectures foram apresentadas
mais uma vez e de uma forma actual e aprofundada na Primavera de 2000 em Viena,
no Institute for Human Science, por ocasião do centenário do nascimento de Hans
Georg Gadamer. Originalmente, as lectures deveriam delinear o entendimento do
adjectivo "secular", que é geralmente, e muitas vezes de uma forma
impaciente, usado para a designação da época actual dentro da história humana.
Para a sua preparação, Taylor usou William James como uma das fontes mais
importantes. Estes estudos preparativos tiveram como resultado uma leve
modificação dos planos iniciais. Taylor raciocina agora sobre o papel da
religião na nossa "época secular", sempre sob a forma de uma
confrontação e conversação íntima com William James, e começa assim o primeiro
capítulo com a pergunta simples: "What is religious experience?"
Para responder a esta pergunta, Taylor parte do carácter anti-institucional do
entendimento jamesiano da religião e sublinha criticamente logo no princípio
que esta concepção do fenómeno religioso sofre de alguns "blind
spots" (p. 3). Assim, nas páginas seguintes, o leitor pode fazer uma
viagem sólida especialmente dentro da história e tradição cristã (e sobretudo
dentro da história do cristianismo romano-católico), na qual Taylor pretende
descobrir as origens deste "personal commitment" (p. 15) dentro da
religião. Já na Bíblia se encontram, por exemplo, indicações a partir das quais
é melhor oferecer a Deus um coração arrependido do que sacrificar animais
(salmo 51). Taylor continua com outras referências e aponta nomeadamente para o
IV Concílio de Latrão (1215), onde foi exigida pelo menos uma comunhão e uma
confissão anuais. A partir daqui cresce cada vez mais a necessidade de
interiorizar a religião: "From that point on, the pressure to adopt a
more personal, committed, inward form of religion continued, [...] reaching a
new stage with the Reformation" (p. 9). E este peso das obrigações ou
deveres interiores pode ser descoberto ainda em doutrinas morais secularizadas,
como, por exemplo, nas diversas formas do kantianismo. Taylor encontra-se neste
ponto perante uma situação ambivalente. Por um lado, a concepção jamesiana
oferece uma óptima possibilidade de confrontar a religião com as diversas
mundividências secularizadas. Por outro lado, a observação destas tradições
dentro do cristianismo conduz a uma certa limitação do fenómeno religioso em
James devido à sua "Protestant tradition of understanding" (p. 23).
Ao contrário da concepção jamesiana, Taylor destaca a impossibilidade de
separar a vida religiosa da sua expressão colectiva. Neste sentido, Taylor
aumenta a sua crítica, negando estritamente a ideia a partir da qual uma
experiência religiosa podia existir sem qualquer base social. Lembrando Hegel e
Wittgenstein, Taylor escreve: "The experience can have no content at all
if you can’t say anything about it" (p. 27). Mas estas considerações do
primeiro capítulo ajudam apenas a situar o olhar jamesiano no mapa dos modernos
fenómenos religiosos. Para Taylor não há dúvidas de que William James não era
capaz de observar o campo inteiro destes fenómenos, embora ele tivesse uma
visão extremamente nítida e intensa para as realidades do seu tempo.
Estas realidades serão o ponto principal do segundo capítulo. Taylor desenvolve
aqui alguns pensamentos que fazem entender, de uma maneira muito lúcida, a
situação espiritual no fim do século XIX e no princípio do século XX. Por
outras palavras, seguem-se análises notáveis dos tempos iniciais da
modernidade. Taylor começa com o ponto central na obra de James no qual ele
diferencia os "once-born" dos "twice-born". Os
primeiros vivem numa relação saudável com o universo, para eles o mundo
apresenta-se numa situação perfeita e divina. Na sua condição saudável
("healthy-minded"), eles não podem imaginar um mundo melhor e não
necessitam assim de praticamente nenhuma religião. Ao contrário dos segundos,
que podem ser descritos como os "sick souls" (ou "morbid-
minded"). Estes apenas reparam no lado obscuro do universo, na dor, nas
doenças ou, em geral, no sofrimento do mundo. Nestas almas doentes rebenta a
ideia da salvação; os "twice-born" têm de morrer nesta vida irreal
para nascerem outra vez na verdadeira vida real. Aqui encontra-se a essência de
todas as religiões da salvação. Nesta distinção, Taylor entende perfeitamente a
ironia de James e aponta para a identificação dele com os doentes (pp. 33 e
segs.). É especialmente neste ponto que surge para James a necessidade de uma
religião. Ao referir-se ao texto jamesiano The Will to Believe, de 1897, Taylor
mostra de uma forma excelente como James foi pessoalmente envolvido na oposição
contra os fortes movimentos agnósticos que consideraram a religião um fenómeno
ultrapassado: "Like any sensitive intellectual of his time and place,
James had to argue against the voices, within and without, that held that
religion was a thing of the past, that one could no longer in conscience
believe in this kind of thing in an age of science" (p. 43). Taylor tenta
agora elaborar, via Charles Baudelaire, uma descrição de uma certa melancolia
como verdadeiro espelho dos tempos a partir dos quais a modernidade arrancou.
Esta melancolia moderna é também largamente conhecida como "a morte de
Deus", "niilismo ocidental", ou como "o desencantamento
do mundo", ela apresenta-se, finalmente, como a perda definitiva de um
sentido do universo ou como o vazio absoluto: "Melancholy, modern style,
in the form of a sense of perhaps ultimate meaninglessness, is the recognized
modern threat" (p. 41). A partir deste ponto, James já não acredita que a
razão tem de conduzir automaticamente a qualquer forma de agnosticismo e
defende que o Will to Believe também pode ser considerado uma escolha racional.
(Um leitor com alguns conhecimentos da literatura ibérica lembrar-se-á aqui do
clássico O Sentimento Trágico da Vida, de Miguel de Unamuno, que usou, apenas
quinze anos mais tarde, argumentos extremamente iguais para um fim quase
idêntico.) Devido a esta defesa da fé e especialmente a esta análise da
modernidade, Taylor encara James, no final do segundo capítulo, como: "
[…] our great philosopher of the cusp […] He describes a crucial site of
modernity and articulates the decisive drama enacted there" (p. 59).
Embora a confrontação directa com James termine neste ponto, Taylor usa as
argumentações dos primeiros dois capítulos para entender esta crescente
necessidade de se decidir entre fé e agnosticismo, ou, em geral, a compreensão
programática do papel contemporâneo da religião. Este papel apenas pode ser
entendido sob dois pressupostos. Por um lado, a esfera pública do nosso mundo
torna-se cada vez mais secular e neutral. Isso significa que a moldura social,
onde acontecem estas decisões individuais, tem cada vez menos possibilidades de
representar uma ou outra posição. Por outro lado, estas decisões criam uma
paisagem espiritual onde há cada vez menos hipóteses de estabelecer relações
colectivas. Taylor não quer oferecer nenhuma descrição geral, mas entende,
através destes dois pressupostos, a recente história ocidental como dividida em
três formações. A designação destas formações depende da relação "between
adhering to God and belonging to the state — hence my epithet
‘Durkheimian’". Em primeiro lugar, temos a formação "paleo-
Durkheimian", que dominou nos países católicos, onde ser membro da Igreja
e ter identidade nacional significaram a mesma coisa. De seguida, podemos falar
de uma formação "neo-Durkheimian", na qual já há um alto grau de
individualismo, mas onde um povo inteiro, independentemente de uma pluralidade
de denominações religiosas, entende o seu destino dirigido por uma vontade
divina. Influenciado pelo livro Public Religions in the Modern World, de José
Casanova (1994), Taylor chama a atenção para o facto de os políticos
conservadores e a direita cristã, especialmente nos Estados Unidos, tentarem
estabelecer novamente esta formação "neo- -Durkheimian" (p. 94). E,
finalmente, Taylor apresenta a formação "post-Durkheimian" do nosso
tempo, onde já não existe qualquer relação entre orientação religiosa e
identificação nacional. "Paleo-, neo-, post-Durkheimian describe ideal
types. My claim is not that any of these provides the total description, but
that our history has moved through these dispensations, and that the latter has
come more and more to color our age" (p. 97).
Este nosso mundo "post-Durheimian " podia agora parecer um
paradigma do mundo "Jamesian" (p. 111), e Taylor pergunta-se no
último capítulo se James tinha razão em reduzir o fenómeno religioso às
experiências individuais. Taylor responde a esta pergunta negativamente com
dois argumentos. Em primeiro lugar, sempre é pensável a possibilidade de um
regresso do nosso tempo "post-Durkheimian" a uma formação
"paleo-" ou "neo-Durkheimian ". Em segundo, todos os
sistemas religiosos já têm em si a tendência para provocar certos desvios. Os
custos espirituais podem ser de vez em quando demasiado altos para continuarem
no mesmo sistema religioso. O crente tem sempre a possibilidade de mudar o
sistema. Em conclusão, nenhum indivíduo está plenamente satisfeito com a sua
experiência religiosa sem a possibilidade de partilhar a mesma, tendo em conta
que cada indivíduo religioso tem a tendência para desenvolver uma vida
religiosa. Contudo, para além destas críticas, não há dúvidas para Taylor de
que James ainda continua a ser uma referência importante para a compreensão do
nosso mundo: "James’s book lives on so strongly in our world" (p.
116).
Taylor, por si, na sua confrontação com William James, não conseguiu escrever
nenhum novo clássico dentro da psicologia ou sociologia da religião. Porém, o
livro Varieties of Religion Today continua a desempenhar uma função notável
para a compreensão da esfera religiosa no nosso mundo contemporâneo, provocando
alguns pensamentos controversos e mais profundos especialmente em termos da
definição dos conceitos (muitas vezes erroneamente interpretados)
"secular" e "individualismo". E, por fim, Taylor
sublinhou mais uma vez a necessidade de ler e reler os clássicos, um conselho
que poderá parecer muito pouco moderno...
STEFFEN DIX