Las Clases Trabajadoras en la Sociedad Compostelana del Siglo xix
Pernas Oroza, Hermínia, Las Clases Trabajadoras en la Sociedad Compostelana del
Siglo xix, Santiago de Compostela, Ed. Nigra Imaxe, S. L./Consorcio de
Santiago, 2001, 470 páginas.
A história social da Galiza tem sido a «Gata-Borralheira» dos estudos
históricos, mais ainda no que se refere à historia social urbana. A Galiza é
sobretudo rural, é um pais de camponeses, e os estudos dos seus historiadores
têm-se concentrado neste espaço. Daí, por exemplo, a grande importância da
investigação sobre o agrarismo no que toca à história social. Mas as cidades e
núcleos urbanos existem e, salvo honrosas excepções, carecem de estudos
pacientes e pormenorizados que nos conduzam ao bom conhecimento destas
realidades, cruciais no desenvolvimento histórico da Galiza.
O livro que estamos a recensear, fruto da tese de doutoramento da autora, é uma
honrosa excepção. Hermínia Pernas realiza neste trabalho um estudo da sociedade
santiaguense do século xix, no que vai além do que a tradicional história
social tencionava, nomeadamente o estudo do movimento obreiro, para elaborar um
retrato do conjunto dos sectores sociais. Santiago, como reitera a autora, não
é uma sociedade fabril nem de proletários, mas de artesãos, nem é um centro
industrializado propriamente dito, articulando-se a indústria em pequenas
fábricas com escasso número de operários, o que leva consigo necessariamente um
movimento obreiro restringido. Mas esta realidade não resultou numa falha para
o presente trabalho, já que é um exemplo da história social entendida como algo
mais do que o estudo exclusivo da classe operária industrial e da sua
organização sindical. Em Santiago não havia nessa altura obreiros fabris, mas
sim trabalhadores e classes populares, que são o objecto de estudo desta
investigação. Trata-se, portanto, de um visionamento de conjunto da heterogénea
«classe trabalhadora», incluindo não só obreiros industriais e artesãos, mas
também empregados, pequenos comerciantes, assalariados e, claro, camponeses,
porque a marca do rural está presente em todas as cidades galegas, sem
excepção.
Este trabalho conta com um avançado modelo de análise e com uma moderna
metodologia que permite a classificação e o estabelecimento de tipologias
válidas para apreender a ampla e complexa realidade social compostelana,
facilitando as comparações com investigações sobre outros núcleos urbanos, quer
espanhóis, quer estrangeiros. O tratamento sistemático de fontes censitárias
possibilitou a realização de um repertório estatístico verdadeiramente notável
que permite ao leitor a visualização e compreensão dos distintos grupos sociais
compostelanos em números e gráficos. Mas o uso combinado de outro tipo de
fontes, especialmente da imprensa periódica e da literatura da época, evita que
nos encontremos perante um estudo entediante, enriquecido com a reconstrução
dos diversos aspectos da vida quotidiana dos trabalhadores. Da mesma forma, é
assinalável, pela sua pertinência e informação suplementar, a colecção de
fotografias que acompanham e ilustram o texto.
As condicionantes da vida de conjunto das classes populares santiaguenses do
século xix são analisadas minuciosamente, começando pela sua dinâmica
demográfica e pela sua estrutura sócio-profissional, ao que é dedicado o
primeiro capítulo, insistindo-se, nos que se lhe seguem, nas suas condições de
vida e de trabalho, que se nos revelam certamente como precárias, e concluindo-
se pela sua cultura, abrangendo desde os níveis de estruturação aos espaços de
descanso e divertimento. Uma análise que não esquece a importância que as
mulheres têm em cada uma das parcelas, incluídas as manifestações de
descontento e o trabalho fora do casal ou as suas penosas condições de vida,
especialmente em fases como a velhice e a viuvez. Igualmente destacável é o
capítulo dedicado aos sectores marginais, àqueles que strictu sensu não fazem
parte das classes trabalhadoras, mas que são analisados nesta investigação, que
estuda em pormenor grupos como o das prostitutas, o dos delinquentes, o dos
pobres e o dos presos.
O objectivo final do livro é estabelecer a relação entre as condições
materiais, profissionais e sociais das classes trabalhadoras e o seu
comportamento político, e daí que, ainda que estejamos perante um estudo
eminentemente social, também aborde o lado político. No sexto e último capítulo
presta-se atenção, nomeadamente, ao associativismo propriamente operário, que
toma forma no último quartel do século xix, e a sua mobilização, com uma
profunda análise sobre a conflitualidade que esta gerou, indagando as formas de
manifestação, quer «tradicionais», como as revoltas de subsistência, quer
«formais», já ligadas e promovidas por partidos políticos. Com isto, a autora
demonstra que o mundo operário santiaguense não era um remanso de paz social,
mas um colectivo que lutou para obter melhorias nas suas condições de trabalho,
logrando conquistar os seus próprios espaços de cultura e sociabilidade,
lançando as bases para lograr a sua auto-organização.
Depois de abranger os diferentes aspectos da sociedade compostelana, Hermínia
Pernas acentua os marcados contrastes que esta apresenta. A estagnação e a
decadência em muitos dos âmbitos conjugam-se com sinais de mudança e
modernidade dentro dos parâmetros usuais numa sociedade predominantemente
agrária, como era a galega nessa altura. A sociedade de Santiago estava num
momento de mudança, e nesta obra sublinham-se os indícios da mesma, que matiza
a imagem tradicional da capital de Galiza como uma cidade levítica estagnada
social e economicamente no Antigo Regime.
Ana Cabana Iglesia