Recasting Culture and Space in Iberian Contexts
Sharon R. Roseman e Shawn S. Parkhurst (eds.), Recasting Culture and Space in
Iberian Contexts, Albany, State University of New York Press, 2008, 313
páginas.
Esta colecção de ensaios foi coordenada pelos antropólogos Sharon Roseman
(Memorial University of Newfoundland) e Shawn Parkhurst (University of
Louisvillle). Estes dois autores têm em comum a sua formação doutoral em
antropologia pela mesma universidade — a Universidade de Califórnia, Berkeley —
e também os seus interesses de investigação por terrenos ibéricos lusófonos
(Portugal e Galiza). A canadiana Sharon Roseman tem realizado um extenso
trabalho de terreno na Galiza, mais concretamente na “Costa da Morte” da
província da Corunha. Shawn Parkhurst tem levado a cabo um importante trabalho
de investigação no Alto Douro e dirige actualmente o Centro de Estudos
Portugueses da Universidade de Louisville. A obra apresenta contributos de
autores que são referências para os antropólogos que trabalham sobre a
Península Ibérica: João Leal, Brian Juan O’Neill, António Medeiros, Susan M.
DiGiacomo, Oriol Pi- Sunyer, Maria Cátedra, José Manuel Sobral, Jacqueline Urla
e James W. Fernandez.
O livro está estruturado da seguinte forma: uma introdução, quatro partes e um
posfácio. Na introdução, os editores reflectem sobre a relação entre cultura e
espaço no que denominam “antropologia ibérica”, que, em nosso entender, é um
conceito mais geográfico do que problemático, confirmado pelos autores e pelos
temas escolhidos nesta publicação. Na intenção dos editores, a obra pretende
servir de base para reespacializar a antropologia, ligando os contextos
históricos — séculos XIX e XX — com tradições intelectuais específicas,
discursos e práticas quotidianas. Desta forma, o espaço, na tradição de autores
como Lefebvre, Harvey ou Soja, é um vector através do qual podem ser analisadas
as relações entre o poder e a cultura.
Na primeira parte, centrada em casos portugueses, abordam-se os espaços
coloniais e a produção de identidades nacionais. São três os capítulos e os
autores que tratam desta questão: João Leal, Brian O´Neill e António Medeiros.
João Leal apresenta um texto numa perspectiva de questionamento da “nação”,
Portugal e o seu império, através de uma análise política da ideologia da
“saudade” que é vista como a produção política de um sentimento de nostalgia
pela perda do “império”. Também analisa o papel da “cultura popular” e o
contributo dos antropólogos nesse questionar da nação e do império.
Brian O’Neill traz para debate um contexto ex-colonial, Malaca, e a forma como
uma minoria, a comunidade Kristang, recria uma identidade hiperportuguesa para
marcar uma diferença social e cultural. Sem terem contacto com Portugal, os
Kristang estabelecem várias identificações nacionais extraterritoriais que
fazem lembrar os processos de afirmação das identidades de muitos grupos
migrantes.
António Medeiros retoma um tema que conhece muito bem: a ideologia imperialista
do Estado Novo e o seu aparelho de produção de imagens visuais. Tomando como
caso de estudo a primeira exposição colonial portuguesa, celebrada no Porto em
1934, reflecte sobre os modelos de representação identitária das colónias e do
espaço rural português, reproduzidos ao nível folclórico local.
Na segunda parte desta publicação problematiza-se o modo como as pessoas que
viveram o fascismo, as ditaduras e o exílio partilham memórias do espaço e da
cultura. Nos três capítulos que a compõem vemos que as memórias sociais do
passado estão bem presentes na actualidade e são consideradas expressivas da
construção de identidades colectivas. No capítulo escrito por Susan M.
DiGiacomo, a educação republicana e a franquista são abordadas enquanto espaços
metonímicos de construção de memórias, analisando-se ainda a forma como a
sátira e o humor contra a ditadura franquista construíram uma memória social da
resistência face à dominação.
Sharon Roseman analisa o papel da “Sección Femenina” durante a ditadura
franquista e a sua penetração num espaço rural da Galiza, a Costa da Morte (A
Corunha). O labor destas mulheres voluntárias ao serviço do ideal fascista
contribuiu para a modernização do rural, mas também para dominar o campo e as
mulheres, em particular.
Oriol Pi-Sunyer apresenta dados da sua autobiografia no seio de uma família
republicana catalã que se viu obrigada ao exílio, em Londres, durante a Guerra
Civil Espanhola. Nesta diáspora transnacional, a recomposição da sua vida e da
sua identidade nacional catalã, no contexto espacial do exílio, é apresentada
como um processo através do qual se articula uma pluralidade de identidades que
integram novas práticas e padrões britânicos sem assimilação ou resistência
face a essas novas práticas.
A terceira parte do livro centra-se nos contextos regionais ibéricos, nos seus
usos, nas suas práticas e representações.
María Cátedra trata da distinção urbano/rural, explorando o culto da Virgem de
Sonsoles em Ávila (Espanha) numa análise das práticas religiosas dos seus
devotos.
José Manuel Sobral estuda a história intelectual da divisão portuguesa entre
Norte/Sul no pós-25 de Abril. A construção de estereótipos, a presença de
argumentos raciais, já presentes no século XIX, e as relações entre o centro
geopolítico (Lisboa) e a periferia geopolítica (Norte) são elementos
fundamentais na sua análise.
Shawn Parkhurst, por seu lado, centra-se nas retóricas e representações dos
jornais regionais do Alto Douro e no seu contributo para a criação de uma
homogeneidade simbólica regional. A coluna jornalística de Onésimo Azevedo
serve-lhe de pretexto para analisar a criação de hierarquias espaciais e
culturais, destacando-se no seu argumento a tensão entre os diferentes níveis
espaciais das identidades colectivas (local, regional, nacional, global) nas
representações jornalísticas.
Na quarta parte, dedicada às culturas políticas e ao global, Jacqueline Urla
aborda as transformações nos usos e significados do espaço urbano, no caso de
Bilbao, no País Basco. O encontro entre os discursos globais (por exemplo, o
ambientalismo) e a sua interacção com o local cria uma nova cidadania não
isenta de pluralismo, conexões, mas também de limites e novas fronteiras
(linguísticas, territoriais e identitárias) vividas por cidadãos mais
cosmopolitas. A autora compara com profundidade antropológica o cosmopolitismo
urbano do Kafe Antzokia com o global localizado do Gugenheim Bilbao, mas foca a
atenção em como o local (por exemplo, a língua basca) se espacializa e se
articula no que procura ser uma globalização desde a base.
No posfácio, James Fernandez estabelece um diálogo frutífero com os ensaios
anteriores. Começa por diferenciar “espaço” e “sítio” (lugar). Equaciona
“espaço” como algo limitado e como objecto de pensamento. O “sítio” é algo mais
do que isso, é um lugar construído culturalmente e investido de significados
particulares. James Fernandez enuncia uma etnologia das suas experiências de
trabalho de campo em África e na Europa com base em categorias também
analisadas nos textos anteriores (por exemplo, a ideologia racial do Norte/
Sul). Este autor afirma que essas categorias, mais do que simples oposições
dicotómicas, devem ser vistas como integradas, em interacção com algo em comum,
com um dinamismo particular. É através delas que aprendemos a viver e a
compreender os nossos mundos. O autor acaba por concluir, citando Bachelard (A
Poética do Espaço, que uma boa etnografia deve ter em conta a “kinestética” e a
“sinestesia”.
Em resumo, esta é uma colecção de estudos de caso, na qual os autores analisam
a criação de espaços: de conflito em Portugal e Espanha, de exílio ou
colonização ibérica. No seu conjunto, os textos são um magnífico pré-texto para
debate sobre se existe ou não uma antropologia ibérica. Do mesmo modo, podemos
afirmar que é um contributo relevante para a antropologia do espaço e do poder
como mediação. Em síntese, é uma leitura obrigatória para todos os cientistas
sociais que trabalham na Ibéria ou Ibérica.
Xerardo Pereiro
CETRAD, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro