A integração europeia vista pelos economistas portugueses - uma perspectiva de
longo prazo
Pouco depois, Agostinho Albano da Silveira Pinto (1785-1852), no curso que
leccionou na Associação Comercial do Porto, embora sem citar explicitamente
Ricardo, retomou brevemente a teoria das vantagens comparativas (Pinto, 1837,
p. 177). No entanto, apesar destas referências, a reflexão teórica sobre esta
temática específica não progrediu significativamente. Tal como sucedeu com
muitos outros textos publicado ao longo do século, o primeiro manual de ensino
de economia política produzido na Universidade de Coimbra representava nesta
matéria um regresso a Smith ainda que filtrado pelas leituras de Say , com o
consequente retomar da teoria das vantagens absolutas: "da mesma forma que
o indivíduo interessa em adquirir pela troca de seus próprios produtos os
estranhos, que há mister, e que ou não pode absolutamente produzir, ou somente
com um dispêndio superior, cada uma das nações, importando mercadorias
estrangeiras [...] adquire com mais economia de seus rendimentos aquelas outras
que uma nação estrangeira lhe vende mais baratas, do que se ela própria as
produzira" (Sampaio, 1995 [1839], p. 37). Contudo, tal afirmação não
impedia este economista de, ainda sob a influência de Say, referir uma outra
explicação para a existência do comércio internacional: a chamada "regra
do século xviii" (Viner, 1937, p. 440). De acordo com esta regra, que
pressupunha serem diferentes os custos relativos nos países envolvidos na
troca, seria vantajoso para um país importar mercadorias sempre que estas
pudessem ser obtidas através de exportações cujo custo real fosse inferior ao
custo real da eventual produção interna das mercadorias importadas (Sampaio,
1995 [1853], p. 252).
Os manuais que se lhe seguiram ou ignoraram a problemática do comércio
internacional (Carneiro, 1850), ou referiram-se preferencialmente à teoria das
vantagens absolutas, de forma que o próprio José Marnoco e Sousa (1869-1916), o
mais informado dos economistas académicos portugueses até à Primeira Guerra
Mundial, ao resumir o contributo de David Ricardo para a ciência económica, e
sem para tal apresentar qualquer justificação, ignorou a teoria das vantagens
comparativas (Sousa, 1997 [1910], pp. 50-51). A causa desta postura teórica
residia, porventura, na aversão destes economistas de formação jurídica e
literária "a um método essencialmente matemático de compreender o
mundo" (Krugman, 1998, p. 23).
Os desenvolvimentos teóricos posteriores introduzidos por John Stuart Mill em
meados dos anos 40, nomeadamente a incorporação do lado da oferta na análise
dos valores internacionais e o conceito de procura recíproca, ainda que pontual
e superficialmente referidos, não foram verdadeiramente assimilados: "nas
trocas internacionais o valor dos produtos é não o do seu custo de produção no
país de origem, mais as despesas acessórias, mas um valor intermédio entre este
custo e o que eles têm ou teriam no país de destino, valor intermédio que pode
deixar um lucro relativo igual, maior, ou menor aos países que comerceiam
[...]" (Laranjo, 1997 [1891], p. 414).
Do mesmo modo, os efeitos de criação e de desvio de comércio a que já haviam
feito referência os economistas clássicos, especialmente John MacCulloch
(O'Brien, 1976, p. 546) pese a já citada inexistência ao tempo de uma teoria
das uniões aduaneiras , também não foram objecto de enunciado claro por parte
dos seus pares portugueses. Os precursores da análise neoclássica do comércio
internacional que permitiam suportar uma posição livre-cambista, maxime Hans
von Mangoldt (Gomes, 1990, p. 23), o qual estendeu a teoria dos custos
comparativos a um mundo com múltiplas mercadorias, tão-pouco foram referidos.
Entretanto, o pensamento livre-cambista que emergiu no debate com as correntes
proteccionistas não revelou densidade teórica. A referência fundamental, quando
existente, foi Smith, o que ainda assim não impedia o expressar pontual da
ideia de que não existia diferença significativa entre comércio interno e
comércio externo, com a consequente negação da relevância de uma teoria
autónoma do comércio internacional. Ilustra-o exemplarmente o político e
jornalista livre-cambista António de Serpa (1825-1900) ao notar que: "É a
economia internacional fundada nos mesmos princípios da economia interna"
(Serpa, 1850, p. 1).
À margem da ortodoxia teórica, o Sistema Nacional de Economia Política, de
Friedrich List, apesar de citado com alguma frequência, permaneceu mal
conhecido da generalidade dos economistas portugueses. A principal excepção foi
Oliveira Marreca (1805-1889), um economista que se aproximou muito das
concepções daquele economista alemão, designadamente quando se ocupou da
integração do espaço nacional. No entanto, Marreca diferiu de List na avaliação
do papel dos pequenos países no concerto internacional e, procurando preservar
tanto quanto possível a autonomia económica e estratégica de Portugal, opôs-se
à ideia de um possível zollverein ibérico (que de resto List, ainda que por
razões diversas das de Marreca, também não sustentou). Num plano estritamente
analítico, Marreca não só silenciou o que em List foi efectiva contribuição
para a teoria das relações económicas internacionais, como pouco se empenhou,
ele próprio, na crítica teórica da visão clássica (Bastien, 2002). Por seu
turno, o professor de Coimbra José Frederico Laranjo (1846-1910) revelou uma
discreta simpatia pelos pontos de vista de List, mas também ele ignorou o que
na obra deste autor poderia sustentar uma ideia de integração internacional
(Laranjo, 1997 [1891], pp. 425-426).
Esta situação não surpreende: se houve tópico da economia política que suscitou
pouco o interesse e a reflexão dos economistas portugueses, foi precisamente o
da teoria do comércio internacional. É provável que, à semelhança do que
sucedeu com boa parte dos economistas clássicos, também os seus congéneres
portugueses entendessem que o comércio externo perderia importância à medida
que a economia portuguesa se fosse desenvolvendo.
A integração comercial
A perspectiva de integração informal da economia europeia no dizer de
Agostinho Albano, "a permutação de produtos [que] liga entre si as nações
civilizadas pelas relações de mútuo interesse e [que] faz delas uma grande
sociedade" (Pinto, 1837, p. 177) teve, no decurso do século xix,
expressão privilegiada no livre-cambismo enquanto regra doutrinária orientadora
da política económica externa.
Em Portugal, no primeiro terço do século, tal perspectiva teve como defensores
qualificados os já citados Silva Lisboa (particularmente preocupado com a
liberalização do comércio brasileiro) e Ferreira Borges.
Antes deles, nos anos que antecederam a revolução liberal de 1820 e a
independência do Brasil, tal postura foi rara e mais restrita no seu alcance.
Então, a abertura da economia portuguesa, plasmada nos tratados de 1808
ede1810, significou sobretudo subordinação a interesses económicos ingleses.
Sousa Coutinho (1755-1812), leitor de Adam Smith e principal arquitecto dessa
política, via nela o caminho para o desenvolvimento da economia portuguesa (e
brasileira) e justificava-a nos seguintes termos: "Sua Alteza Real firmou
com a Grã-Bretanha não só um tratado de aliança mais explícito do que tudo o
que antes existia, mas um tratado de comércio que põe a navegação portuguesa em
perfeita igualdade com a inglesa, que tira todos os gravames que contra ela
existiam, e que quanto ao comércio não só não concede privilégio algum
exclusivo, mas renova o tratado de Methuen na parte em que tão favorável é aos
nossos vinhos, sem dar por isso equivalente algum, pois que a proibição dos
lanifícios das outras nações já não existe" (Coutinho, 1993 [1811], p.
399).
No próprio parlamento vintista, não obstante todo o entusiamo liberal que o
marcou, a protecção foi posição largamente dominante em matéria de política
económica externa. O economista e deputado João Rodrigues de Brito (1768-1835)
adoptou uma posição claramente favorável ao livre-câmbio, sustentada no
conhecimento do Traité de Say. Argumentou, por exemplo, que "a ciência da
economia política tem sido muito debatida: consultem-se esses autores e eles
dirão que o comércio alenta a agricultura. A importação dos géneros
estrangeiros provoca a importação dos nossos: a soma que importam os géneros
estrangeiros há-de ser paga com a nossa indústria, eles não podem levar senão
em géneros um valor igual" (Brito, 1821, p. 312), mas esta sua ideia
encontrou pouco eco entre os seus pares.
Antes ainda de meados do século, em 1844 e 1845, Portugal assinou tratados de
comércio com alguns dos estados da Confederação Germânica, mas foi no período
da Regeneração que a política económica externa portuguesa se revelou mais
fortemente influenciada pelo ideário livre-cambista, embora sem nunca atingir
no plano político e prático o patamar de uma liberalização radical (Fontoura e
Valério, 2000). Particularmente significativos deste período foram a redução
dos direitos de importação de cereais logo em 1852, assim como o tratado
comercial assinado com a França em 1866, na sequência do tratado Cobden-
Chevalier, e igualmente conforme ao que se tornou por essa época modelo de
regulação das relações económicas sob a égide da ideologia liberal: tratado
bilateral levantando proibições, reduzindo tarifas e acolhendo a cláusula de
nação mais favorecida.
Foi também neste período que no plano doutrinal se intensificaram as tomadas de
posição favoráveis a uma orientação livre-cambista, mas, diversamente do que
sucedeu no plano político prático, com predomínio de uma visão que apontava
para a liberalização unilateral das relações económicas externas, sem
consideração pelo princípio da reciprocidade. Ilustra-o exemplarmente Forjaz de
Sampaio (1810-1874), ao sustentar que, "adoptada a liberdade comercial,
tornam-se escusados os tratados" e que "será porventura mais seguro
abandonar o comércio aos seus movimentos naturais" (Sampaio, 1852, p. 85).
Parte das tomadas de posição favoráveis ao aprofundamento da integração
comercial emergiu no âmbito de debates que, em particular no terceiro quartel
do século, opuseram partidários do livre-câmbio a partidários do
proteccionismo.
Foi o caso do já citado António de Serpa (1825-1900), ao afirmar em debates com
Lopes de Mendonça e com Ribeiro de Sá a sua convicção de que a liberdade de
comércio, para além de indispensável ao crescimento da economia portuguesa,
seria a breve prazo uma regra para a generalidade dos países europeus: "a
economia internacional [ ] é uma das múltiplas faces da emancipação pela qual
na Europa há mais de meio século se têm dado os mais violentos e decisivos
combates" (Serpa, 1850, p. 1). Foi também o caso de Duarte Nogueira Soares
(1831-1901), que, polemizando nas páginas de A Revolução de Setembro com
Fradesso da Silveira, pugnou e anteviu que "está próximo [em toda a
Europa] o dia do triunfo da liberdade comercial", que "o programa do
imperador Napoleão é a aurora desse dia é a inauguração de uma nova época de
paz" e que "o exemplo da França há-de esclarecer a razão e a
consciência de todos os povos e de todos os governos", congratulando-se
"por este acontecimento com todos aqueles que partilham a convicção de que
a liberdade das trocas é uma das condições mais essenciais da paz e civilização
dos povos" (Silveira, 1862, p. 83). Foi ainda o caso do empresário Eduardo
Moser (1816-1893), que, envolvido em polémica com outro empresário, o
proteccionista Pereira Magalhães, citava nas páginas do Diário Mercantil de
1865, em tom de aprovação, os exemplos da Suíça, da República de Hamburgo, de
Bremen e de outras cidades hanseáticas como exemplos de políticas externas
liberais bem sucedidas. Referindo-se especificamente a Portugal, e procurando
mais a avaliação política concreta do que a afirmação doutrinária genérica,
afirmou ainda que "o tratado de 1810 deu-nos consideráveis vantagens,
sobretudo à nossa agricultura, com o monopólio dos mercados britânicos para os
nossos vinhos; e nos direitos que percebíamos de um imenso trânsito de fazendas
de algodão e de lã, que iam pela raia seca, para Espanha" (Magalhães,
1871, pp. 63-64).
No entanto, a mais consequente tomada de posição a favor da doutrina livre-
cambista foi talvez a que José Luciano de Castro (1834-1914) expressou na
Questão das Subsistências. Defendia este político, à data ainda regenerador,
que "é na liberdade de comércio, que nós achamos o meio mais eficaz e
profícuo para incitar e desenvolver a produção, e aumentar as quantidades de
substâncias alimentares. É na liberdade de importação e exportação, que nós
vemos a mais vantajosa garantia de progresso industrial, e do engrandecimento e
produtividade do trabalho" (Castro, 1856, p. 113).
A associação que estabelecia entre o free trade, a paz e a prosperidade do
país, bem como a ideia de que esta dependia fundamentalmente do esforço interno
de desenvolvimento, aproximavam "este humilde soldado da gloriosa causa
[da liberdade de comércio]" (id.,ibid.,p. 125) das ideias de Richard
Cobden (da fase anterior aos tratados). Não obstante, é de crer que este
liberalismo radical tenha chegado aos economistas portugueses por via da
leitura de Bastiat, mais do que através do contacto directo com os escritos de
Cobden.
Em qualquer caso, este mesmo liberalismo revelou alguma capacidade de
influenciar a sociedade e o próprio sistema político. Foi combatido por
proteccionismos vários na generalidade sem apoio teórico ou doutrinário
sofisticado (v., por todos, Costa, 1861) , mas jamais foi confrontado com as
versões historicamente mais marcantes da doutrina socialista. As referências
críticas de Marx "à hipocrisia comum a todos os discursos livre-
cambistas" e à "exploração no seu estado cosmopolita" (Marx,
1965 [1848], pp. 151 e 154) passaram despercebidas mesmo entre aqueles
intelectuais que a partir de meados dos anos 70 se aproximaram da
Internacional.
A integração económica formal
Outras abordagens da problemática europeia supunham o aprofundamento da
integração das diversas economias nacionais então existentes na Europa,
designadamente por admitirem de forma mais ou menos clara a supressão das
discriminações entre as unidades económicas dos diferentes estados, a
mobilidade internacional dos factores produtivos, e por preconizarem arranjos
institucionais formais de âmbito geral, e não apenas sectorial, como sucedia
com a generalidade dos tratados de comércio celebrados à época.
Assim, em 1846, quando em Portugal se desenhava pela primeira vez uma política
moderna de transportes, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) apresentou
publicamente as suas ideias sobre a problemática da integração europeia e em
termos avessos ao nacionalismo característico da época. Ao contrário do que
sucedeu com outros economistas, as suas considerações sobre o futuro da Europa
deixavam provisoriamente de lado os aspectos institucionais ligados às
políticas económicas e aos tratados e tomavam antes como base a revolução do
caminho-de-ferro então em curso, vendo na difusão dessa inovação tecnológica a
origem de uma irresistível força integradora que conduziria a Europa a uma
divisão em apenas dois blocos (o oriental e o ocidental), ambos com
características de economias nacionais.
Nessa sua antevisão, expressa em artigo publicado postumamente, Ferreira
admitia que "a multiplicação das transacções diárias" viabilizada
pela rede ferroviária resultaria na "fusão dos países limítrofes num só
Estado, não se podendo consentir alfândegas internas" (Ferreira, 1996
[1851], p. 309). Quanto aos termos concretos desse processo unificador, apenas
indicava como provável a ligação inicial entre a França, a Bélgica e a Holanda
e um período de cerca de cinquenta anos para superação da diversidade
linguística, o que, em sua opinião, deveria ocorrer por generalização da língua
alemã. Isto pela circustância de esta língua estar mais difundida do que a
francesa na Europa da época e por ser a mais rica em expressões e a mais
adequada à criação de novos termos.
Este projecto de Ferreira tinha, evidentemente, implícita a consideração de
casos de integração formal ocorridos ou em curso na Europa, não só o projecto
da união aduaneira entre a França e a Bélgica esboçado em 1835, mas sobretudo o
zollverein alemão, então em construção. Ferreira não referiu explicitamente a
possível atitude a assumir por Portugal, designadamente a hipótese de criação
de uma união aduaneira ibérica. No entanto, a ideia de que o caminho para a
Europa poderia ou deveria passar por uma Ibéria unificada não deixou de ser
considerada por outros intelectuais e políticos portugueses.
Almeida Garrett (1799-1854) foi quem de certa forma iniciou o longo ciclo de
reflexões sobre o papel de Portugal no quadro político europeu posterior à
Conferência de Viena de 1815, que desembocavam na aceitação da integração de
Portugal em Espanha "talvez uma federação" (Garrett, s. d. [1830],
p. 220) enquanto solução alternativa e preferível à monarquia absoluta.
À semelhança do que sucedeu com esta figura cimeira do romantismo, muitos dos
intelectuais portugueses que aceitaram ou pugnaram pela ideia iberista
privilegiaram a dimensão política do problema. Em geral, deram pouca atenção
aos aspectos económicos, ainda que compartilhassem a convicção de que a união
ibérica era a via possível para libertar a economia portuguesa da relação de
dependência tutelar que mantinha com a Grã-Bretanha e, simultaneamente, a via
mais eficiente para a superação do atraso económico nacional.
Os projectos propriamente económicos resultaram, assim, em considerações algo
genéricas, sem grande detalhe e sem apreciável dimensão técnica, não raro
expressos em cartas, artigos de jornal ou meros opúsculos publicados na sua
esmagadora maioria entre os anos 50 e os anos 90 do século xix. Em nenhum deles
houve a tentativa conseguida de avaliação dos efeitos económicos e financeiros
decorrentes da eventual aplicação dos projectos, desde logo porque os seus
autores tomavam as respectivas vantagens sobretudo o alargamento dos mercados
por evidentes. Cláudio Adriano da Costa (1795-1866) foi quem mais se acercou
de uma avaliação daquele tipo, mas o seu propósito foi em parte frustrado pela
circunstância de a imprensa ser, no seu dizer, "inimiga jurada das letras
de conta" (Costa, 1856, p. 198).
Em qualquer caso, o ponto de partida desta literatura foi justamente um artigo
não assinado publicado ainda em finais da década de 40, no qual o autor anónimo
começava por invocar "o princípio fundamental da religião de Cristo [...]
a conversão do mundo numa vasta e universal fraternidade" (id.,ibid.,
1847, p. 1) para acabar propondo a criação por etapas de uma união aduaneira
entre Portugal e a Espanha.
No entanto, o primeiro momento verdadeiramente importante do corpus do iberismo
económico só surgiu cerca de três anos mais tarde. Então Henriques Nogueira
(1823-1858), um representante qualificado da primeira geração socialista, um
homem imbuído do espírito de 1848, que "via a Europa já não como um
equilíbrio de poderes mas como uma federação de nações" (Boer, 2005, p.
74), sugeriu no Almanaque Democrático um programa económico para a Federação
Ibérica, contemplando a livre circulação de mercadorias entre Portugal e a
Espanha e uma pauta exterior comum, "ao modo da zollverein", que
asseguraria temporariamente o equilíbrio entre "as forças produtivas da
indústria estrangeira e as da nacional". Tomando o alargamento do mercado
como um factor de progresso dos vários sectores da economia portuguesa, notava
que "as nossas fábricas que melhor produzissem, teriam a vantagem de
oferecer os seus artefactos a um mercado de mais de 17 milhões de habitantes. A
nossa agricultura ainda interessaria no consumo dos vinhos que pudesse exportar
para o continente e colónias da Espanha" (Nogueira, 1976 [1853], p. 207).
Este programa previa também a construção ou melhoramento das vias terrestres e
fluviais dirigidas à fronteira, de forma a permitir não só uma maior integração
do espaço ibérico, como a intensificação das ligações com a restante Europa, e
previa ainda a redução dos gastos públicos mediante a extinção das alfândegas
entre Portugal e a Espanha e a "eliminação dos dispêndios de uma corte
faustosa, de uma diplomacia inútil e de um exército devorador" (id.,ibid.,
p. 208).
Outras versões do programa económico iberista surgiram neste período com poucas
diferenças entre si, independentemente da preferência política pelo iberismo
unitário ou pelo iberismo federalista que revelavam.
Excepção parcial, porque um pouco mais detalhado, foi o projecto apresentado em
1854 pelo médico e político portuense José Barbosa Leão (1818-1888), justamente
no ano em que Joaquim Maria da Silva (1830-?) deu à estampa um primeiro esboço
de constituição dos Estados Unidos da Ibéria (Silva, 1854). O projecto de Leão
retomava a ideia de criação a curto prazo de uma união aduaneira, de eliminação
de barreiras alfandegárias e não alfandegárias ao comércio peninsular,
precisando a este respeito a necessidade de uniformização da legislação
comercial, da lei de navegação e do sistema de pesos e medidas. O projecto
previa também, pioneiramente, a adopção de um sistema monetário comum e, embora
em momento diferido no tempo, a completa liberdade de circulação de pessoas.
Destas medidas resultaria uma união económica e monetária ibérica. Como era
omisso em matéria fiscal e orçamental e evitava a problemática da unificação
política "a união económica dos dois reinos de Portugal e da Espanha
pode muito bem realizar-se, sem que se toque em coisa nenhuma na sua
organização política" (Leão, 1854, p. 2) , este projecto não era
inteiramente claro a respeito do tempo e do modo da eventual fusão das duas
economias.
Menos ambicioso, mais extenso e em alguns aspectos mais detalhado era o
projecto apresentado por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (1809-1884).
Este deputado e futuro reitor da Universidade de Coimbra defendia também o
estabelecimento de uma união aduaneira entre os dois países, mas deixava claro
que isso deveria acontecer "sem prejuízo da sua mútua independência em
matéria de governo e de administração interior" (Pimentel, 1860, p. 42).
Mais uma vez, este projecto era sobretudo pormenorizado no que diz respeito às
medidas de ordem fiscal e financeira, nomeadamente o nivelamento da tarifa
exterior comum pela tarifa mais baixa, e ainda uma outra norma segundo a qual
as receitas das alfândegas da união pertenceriam ao país onde a alfândega se
situasse, não havendo, pois, lugar a redistribuição proporcional das receitas
(id.,ibid., pp. 289-290).
Diverso nos seus termos foi o projecto apresentado, um pouco mais tarde, por
Oliveira Martins (1845-1894), sobretudo porque nele se concebia a integração
ibérica como resultado de uma dupla revolução. Uma revolução política,
conducente à instauração de uma república federativa ibérica, e uma revolução
económica, inspiradas nos princípios proudhonianos da mutualidade e da
regulação por meio de contratos. Na prática, Oliveira Martins idealizava uma
economia de agricultores proprietários, de cooperativas de produção industrial
e de profissionais liberais assente na mais ampla divisão possível do trabalho
e na troca livre das respectivas produções no mercado. Em resultado da
tendência imanente "para o trabalho organizado pela federação das
funções" (Martins, 1974 [1872], p. 319), aqueles agentes económicos
agrupar-se-iam em federações de fábricas, de agricultores e em grémios
profissionais, sendo que este modelo organizativo deveria cobrir todo o espaço
ibérico.
Volvidas duas décadas, este economista da geração de 70 apresentaria uma visão
diferente sobre a integração económica ibérica. Descrendo então do federalismo,
mostrou-se ainda favorável a uma economia ibérica integrada mas "como na
Alemanha, presidida e enfaixada pelo cesarismo forte" (Martins, 1924, p.
237). No entanto, este projecto, mais ainda do que o anterior, era apresentado
de forma muito genérica e com pouco conteúdo prático. Não havia nele, nem nos
demais projectos, clareza na definição dos mecanismos de regulação económica e
política do conjunto nem tão-pouco um esboço da afectação de competências no
seio da União então proposta.
De um modo geral, e para além dos entraves de natureza política, a prevalência
em todo este período de uma visão livre-cambista ampla _ ainda que só
parcialmente praticada _ limitou o aprofundamento e a afirmação da hipótese
económica iberista.
A integração monetária
Os economistas portugueses que se ocuparam da integração económica neste
período foram, em geral, parcimoniosos na abordagem da integração monetária,
desde logo quando estava em causa a questão ibérica. Porque julgassem a questão
difícil, ou adiável, ou porque a tomassem por demasiado sensível politicamente,
tendo em atenção a ligação entre moeda e soberania, o facto é que raramente
foram além de alusões vagas a uma eventual moeda única ou outra solução afim.
Como acima se referiu, José Barbosa Leão propunha pioneiramente a adopção de um
sistema monetário único na Península Ibérica, embora sem esclarecer os termos
em que tal se realizaria (Leão, 1854).
Um pouco mais definida, mas igualmente sem suporte teórico claro, foi a
proposta de união monetária apresentada por um autor que apenas se identificava
como C. P. A sua ideia inicial era também a criação de uma união monetária sem
união política, de tal forma que todas as moedas portuguesas e espanholas
circulariam livremente no espaço ibérico. Embora nas condições concretas da
época, a proposta cumpria aproximativamente as condições que definem uma união
monetária: a convertibilidade das moedas dos dois países, embora a Espanha
estivesse então fora do padrão-ouro; a fixidez da taxa de câmbio, expressa numa
tabela de equivalência do valor das várias moedas; a liberdade de movimentos de
capital, condição que talvez pelo pouco significado que esses movimentos então
assumiam não era explicitamente enunciada. Apesar da aparente simplicidade, o
próprio autor admitia que a solução proposta poderia revelar-se difícil de
executar. Não só porque as tabelas já então publicadas na Gazeta oficial de
Madrid continham omissões e erros (nomeadamente em relação aos toques das
diversas moedas), como também porque, não sendo estes sistemas monetários
decimais, seria difícil para a população dos dois países "compreender a
relação entre o real espanhol e o real português". Ponderadas estas
dificuldades, C. P. acabou, sem mais justificações, por adiantar uma solução
alternativa que consistia na adopção do "franco como moeda comum a ambas
as nações ibéricas" (C. P., 1855, p. 1).
Mais prático foi o lançamento do padrão-ouro, um regime monetário internacional
que de alguma forma veio a unificar monetariamente a Europa mediante a
utilização de uma mesma moeda: o ouro.
Nascido em Inglaterra a partir de um acontecimento algo fortuito a fixação de
um valor inadequado para a relação monetária do ouro com a prata na Casa da
Moeda de Londres o padrão-ouro começou por ser um sistema monometalista de
facto, vindo a ser formalizado apenas em 1816. Quase quatro décadas mais tarde,
em 1854, ele foi também adoptado por Portugal.
O que então conduziu Portugal a esta solução foi sobretudo a forte ligação com
a Inglaterra, sendo que o padrão-ouro significava nesse contexto facilidade e
estabilidade nas relações comerciais e financeiras. Acrescia a ideia, aduzida
ao longo do debate parlamentar que concluiu pela introdução deste regime
monetário, que tal regime poderia dar confiança e atrair investidores
estrangeiros (Sousa, 2004, p. 80). O facto de haver grande quantidade de moedas
de ouro em circulação em Portugal, pelo menos desde 1850, era outro factor que
aconselhava a introdução de tal regime monetário. Foram, pois, razões de ordem
prática, avaliadas no plano da decisão política, e não projectos apoiados em
reflexões teóricas ou doutrinárias aprofundadas que, de resto, também só
adquiriram relevo nos demais países europeus após a Conferência de Paris de
1867 , a determinar aquela opção. Note-se, em qualquer caso, que a teoria de
David Hume acerca do preço-fluxo de metais preciosos, que constituiu a
referência fundamental deste sistema monetário, não foi claramente entendida
nem debatida pelos economistas portugueses. Ferreira Borges dedicou-lhe algumas
breves observações, mas não foi além da consideração dos aspectos estritamente
monetários dos mecanismos envolvidos no processo de equilíbrio da balança de
pagamentos (Borges, 1995 [1831], p. 277).
De um modo geral, a discussão havida entre os economistas académicos
portugueses acerca do padrão monetário foi pouco profunda e tardia. José
Frederico Laranjo defendeu o bimetalismo para Portugal, embora admitisse que
qualquer acordo para a sua adopção como padrão internacional seria muito
difícil de alcançar (Laranjo, 1997 [1891], pp. 187 e segs.) e Marnoco e Sousa,
entre outros, defendeu o monometalismo ouro pensando ser esse o sistema mais
estável e mais adequado ao regular funcionamento da economia internacional
(Sousa, 1997, pp. 287-289). No entanto, nenhum dos intervenientes neste debate
aprofundou a análise das implicações internacionais do padrão monetário para
Portugal nem para o processo de integração europeia no seu conjunto.
Estranhamente, parece que nenhum deles se apercebeu verdadeiramente de que o
equilíbrio externo automático prometido pela teoria se revelava, afinal,
desequilíbrio permanente e instrumento fundamental da expansão financeira da
Grã-Bretanha.
Surgiram ainda neste período algumas sugestões breves de integração monetária
europeia formal. O mais original e pensado projecto de criação de uma moeda
simultaneamente europeia e nacional foi apresentado por Carlos Morato Roma
(1798-1862) no âmbito de um estudo teórico sobre a moeda editado quase em
simultâneo em Portugal e em França (Roma, 1861a e 1861b). Este financeiro
lisboeta admitia, que a estabilidade monetária, as facilidades comerciais e a
clareza contabilística resultantes da maior transparência dos preços dos
produtos eram razões suficientes para justificar a criação de uma moeda de ouro
comum. Admitia também que a França, pela sua relevância no cenário económico e
político europeu, não obstante a sua permanência, à data, no sistema
bimetalista, poderia ter um papel motor em todo o processo de criação da união
monetária e ser depois secundada pela Itália, pela Espanha e por Portugal.
Antevia ainda que posteriores adesões levariam rapidamente à criação de uma
moeda única europeia.
Na sombra ficava uma série de aspectos técnicos e práticos, desde logo o nome a
atribuir a uma tal moeda. Ainda assim, Morato Roma preconizava que "a peça
principal se compusesse de 10 gramas de ouro [...] e que haveria também peças
de 5 gramas e de 2 gramas. Poderia a unidade monetária ser o centésimo do
grama. A peça de 10 gramas teria 1000 unidades 1000 centigramas" (Roma,
1861a, p. 80). O projecto previa também que em cada nação deveria haver moeda
auxiliar de prata, ainda que definida por cada autoridade nacional à margem do
acordo internacional. Quanto à cunhagem e ao controlo da circulação monetária,
sustentava que tais funções deveriam ficar a cargo das autoridades dos vários
países aderentes ao sistema, pelo que este configuraria uma união monetária
descentralizada.
Alinhando com os pontos de vista expressos por uma parte da elite liberal
francesa a quem expressamente apresentou este seu projecto , Morato Roma
obteve uma audiência invulgar. Apesar de não terem tido sequência histórica nos
exactos termos em que estavam formuladas, as suas ideias não deixaram de
anteceder alguns projectos afins apresentados em França, designadamente por
Felix Parieu, Charles Le Touzé e Michel Chevalier (Cardoso, 2004, p. 287), e,
porventura, de influenciar algumas realizações concretas, maxime a União
Latina.
Com efeito, esta união monetária foi efectivamente criada em 1865, antecedendo
em alguns anos à semelhança do que também sucedeu com a União Austro-Alemã,
em 1857, e com União Escandinava, em 1873 a generalização do sistema
monetário do padrão-ouro.
A União Latina foi formada por iniciativa da França, que reuniu à sua volta
países com os quais mantinha relações monetárias fortes a Bélgica, a Itália,
a Suíça e mais tarde a Grécia , constituindo uma união monetária bimetalista,
descentralizada e imperfeita.
Portugal nunca participou nela. À data em que esta União se constituiu,
Portugal tinha já adoptado o regime do padrão-ouro e, não obstante as promessas
de apoio por parte do governo francês, eram poucos os que admitiam ser
vantajosa a passagem a um sistema bimetalista. Acrescia que as enormes
dificuldades financeiras que culminaram na bancarrota parcial de 1892 e a
consequente adopção do sistema de curso forçado retiravam ao país as condições
mínimas para integrar qualquer união monetária.
Ainda que tardiamente, Portugal esboçou uma aproximação à União Latina. Em 1904
Rodrigo Afonso Pequito (1849-1931), professor do Instituto Industrial e
Comercial de Lisboa e à data ministro da Fazenda, apresentou ao parlamento um
projecto de reforma monetária dominado pela ideia de aprofundar a integração da
economia portuguesa na europeia. Esse projecto assentava na expectativa de
rápido regresso de Portugal ao padrão-ouro a própria União Latina havia-se
convertido de facto a este padrão monetário em 1878 e previa a alteração da
unidade monetária portuguesa (entretanto renomeada luso, em vez do tradicional
real), a divisão decimal desta até aos centésimos e a definição do toque das
moedas de forma que todo o sistema coincidisse com o dos países membros daquela
União (Pequito, 1904, pp. 42-44 e 53-54).
A queda do governo impediu a discussão parlamentar deste projecto, que também
não entusiasmou a opinião pública, nem mesmo a mais especializada. De entre os
economistas portugueses, só Marnoco e Sousa se lhe referiu com algum detalhe,
revelando concordar apenas com a alteração do toque das moedas portuguesas
(Sousa, 1997, pp. 295-297). A generalização e o bom funcionamento do padrão-
ouro até à Primeira Guerra Mundial fizeram decrescer a oportunidade e o
interesse pelas uniões regionais.
Notas conclusivas
A generalidade dos projectos aqui reportoriados, que não esgotam o universo da
literatura económica europeísta, revelam que existiu em Portugal, ao longo de
séculos, uma reflexão económica sobre a problemática europeia. Nem a longa
vigência dos projectos coloniais nem a posição semi-periférica do país na
Europa da economia, da política e dos saberes inviabilizaram tal reflexão.
Na sua maioria, os diversos projectos, mais do que revelarem uma afirmação de
cosmopolitismo, partilhavam uma ideia desenvolvimentista para Portugal que
tinha no aprofundar da integração europeia um pilar fundamental.
Para além disso, dispersos por mais de um século, tudo ou quase tudo foi
heterogeneidade entre eles, sendo que as principais clivagens resultavam
sobretudo da circunstância de uns se reportarem ao espaço ibérico, enquanto
outros tomavam por referência a Europa no seu conjunto (ou pelo menos vastas
porções dela), e ainda o facto de uns procurarem articular as dimensões
económica, monetária e política do processo de integração, enquanto outros
tinham um alcance meramente sectorial.
Em qualquer caso, existiram dois outros tipos de projectos que não foram aqui
considerados. Os que, revelando pouca consciência da precedência do factor
económico, tomaram uma feição exclusivamente política (v., por todos, António
Enes, 1870) e aqueles que se referiram preferencialmente aos aspectos técnico-
institucionais dos processos de integração, designadamente à unificação de
pesos e medidas, à organização dos serviços de correio e de telégrafo, à
nomenclatura das pautas aduaneiras e à criação de novos meios de pagamento
internacional. Embora Portugal tenha acompanhado a generalidade destas
inovações e participado em muitas das organizações intergovernamentais
entretanto criadas, não produziu reflexões ou propostas notáveis a tal
respeito. Tomás Cabreira (1865-1918), adaptando ideias de Luigi Luzzati,
propôs, em 1917, a criação de "uma nota internacional emitida em
Londres" para facilitar os pagamentos interaliados (Cabreira, 1917, p.
29), mas permaneceu uma excepção.
De um modo geral, o impacto destes projectos no sistema político foi muito
limitado. É sintomático que os governos nunca tenham manifestado grandes
opiniões a este respeito e que próprio parlamento da monarquia constitucional
nunca tenha debatido abertamente qualquer destes projectos (com excepção do
relativo ao padrão-ouro), não obstante muitos dos seus autores e promotores
terem sido deputados. Aliás, a política económica externa foi frequentemente
implementada à margem dos debates e decisões parlamentares.
Contudo, esta situação não foi inteiramente original no quadro europeu. Como
notou Sidney Pollard, "não houve falta de iniciativa para a criação de
uniões aduaneiras supranacionais [ ] [mas] nada disto foi levado a sério pelos
governos da Europa, excepto em 1915-17 sob a forma distorcida das ambições
expansionistas alemãs para incorporar os Balcãs, a Turquia e talvez mesmo a
Ucrânia num império económico dominado pela Alemanha" (Pollard, 1974,
pp.119-120).