Valle-Inclán lusófilo: documentos (1900-1936)
MASCATO REY, Rosario (2012): Valle-Inclán lusófilo: documentos (1900-1936)
Lugo, Axac, 78 pp.
Carlos Pazos Justo*
*Departamento de Estudos Românicos, Universidade do Minho, Braga, Portugal.
carlospazos@ilch.uminho.pt
A relação de Ramón del Valle-Inclán, produtor central no sistema literário
espanhol (é bom lembrar), com Portugal tem sido o assunto de alguns, não
muitos, estudos; o caso das três polémicas traduções de Eça de Queiróz que
Valle-Inclán assinou entre 1901 e 1904 propiciou não pouca controvérsia e mais
literatura. Em Valle-Inclán lusófilo: documentos (1900-1936) Mascato Rey
pretende recuperar, reunir y dar a conocer datos, hechos y documentos
relacionados en su conjunto con la trayectoria de Ramón del Valle-Inclán y sus
posicionamientos respecto al mundo lusófono (p. 9), sem o propósito de esgotar
o assunto focado. Segundo se indica no próprio volume, os avanços agora
apresentados são resultado parcial do projeto de investigação Ramón del Valle-
Inclán: A prensa e o sistema editorial dirigido pelo Professor Javier Serrano
Alonso na Universidade de Santiago de Compostela, e vinculado ao Grupo de
Investigação Valle-Inclán da mesma Universidade, do qual a A. do presente livro
faz parte.
O trabalho proposto aproxima-se dos vínculos de Valle-Inclán com a cultura
Portuguesa através (i) da análise da biblioteca portuguesa do autor, (ii) da
substantivação de eventos hispano-portugueses de variado tipo com presença do
produtor em foco e, finalmente, (iii) de cinco entrevistas publicadas em
Portugal en que expone su pensamento sobre las relaciones luso-hispanas o
luso-galaicas (p. 19).
Em relação à biblioteca de Ramón del Valle-Inclán, a A. refere a presença de
numerosos volumes de Camilo Castello Branco, Eça de Queiroz ou Almeida Garret,
assim como de bibliografia passiva sobre os mesmos; de autores coetâneos como
Raul Brandão, Teixeira de Pascoaes, Lopes Vieira, Aquilino Ribeiro ou Alfredo
Pimenta, alguns autografados; de jovens escritores na altura como Norberto de
Araújo, António Ferro entre outros; igualmente, outras obras de conteúdo
português como o conhecido Por tierras de España y Portugal de Miguel de
Unamuno. Segundo Mascato Rey, a relevante presença de bibliografia portuguesa
ou sobre Portugal assim como as notícias de relações pessoais com alguns dos
autores citados seriam prova da fascinación de Valle-Inclán pela cultura
portuguesa (p. 13).
Sob a epígrafe Iniciativas culturales en pro de un hermanamiento luso-
hispano, a A. desenha um Valle-Inclán atento, protagonista inclusive,
relativamente aos eventos que, com especial destaque na década de 20, visam a
institucionalización de las relaciones entre las intelectualidades española y
portuguesa, [e] intensificar la difusión de la cultura lusófona en el Madrid de
su época (p. 21). Assim, a partir de dados levantados da imprensa periódica,
fundamentalmente, apresenta-se-nos um Valle-Inclán formando parte da madrilena
e efémera Sociedad de Amigos de Portugal (1922) ou com lugar destacado na
Exposición del Libro Portugués (Madrid, 1928), por exemplo.
Na terceira das partes que compõem este estudo, patenteando o interesse
português por Valle-Inclán (e, por sua vez, afirmando a sua centralidade no
campo literário espanhol), a A. analisa e recolhe cinco entrevistas portuguesas
publicadas entre 1916 e 1936 sobre diversos temas, com destaque para a
política, as relações hispano-portuguesas (também as galego-portuguesas) e a
literatura em geral. Assinam as entrevistas: Leal da Câmara, A Noite, 1916;
José Maria Ferreira de Castro, Ilustração, 1926; José Novais Teixeira, Diário
de Lisboa, 1928; António Ferro, especialmente interessado já na altura por
questões políticas, no Diário de Notícias, 1930; e, por fim, Armando
Boaventura, Diário de Notícias, 1936.
Além de evidenciar a lusofilia do produtor em foco, são várias as hipóteses e
interrogações que lança ou sugere o livro de investigadora Rosario Mascato no
que diz respeito aos reais contornos da lusofilia do autor ou acerca das
relações hispano-portuguesas e galego-portuguesas. Provavelmente o carácter
heterodoxo ou inovador deste estudo dentro do valleinclanismo resida na análise
da lusofilia de Valle-Inclán (oriundo da Galiza, lembre-se) a partir da sua
problemática relação com o galeguismo contemporâneo, substantivando de alguma
forma a origem galega e/ou galeguista de algumas das ideias ou crenças
(paisagem, atlantismo, passado, por exemplo) que presidem às tomadas de posição
do autor no relativo a Portugal, matérias que, como afirma a A., deverão
enformar novas linhas de pesquisa sobre a trajetória de Ramón del Valle-Inclán
assim como, dizemos nós, das relações literárias e culturais no espaço
peninsular.
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