Retórica e Eloquência em Portugal na Época do Renascimento
Belmiro Fernandes Pereira, Retórica e Eloquência em Portugal na Época do
Renascimento.
Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012, pp. 988. ISBN: 978-972-27-1971-1
Virgínia Soares Pereira*
*Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos, Universidade do Minho, Braga,
Portugal.
virginia@ilch.uminho.pt
O presente livro é de leitura obrigatória para quem queira actualizar-se na
matéria dos estudos de Retórica em Portugal.- Assim termina o Prof. Américo da
Costa Ramalho o texto que prefacia a obra em referência. E com razão.
Dificilmente se encontra, reunido num só volume, que se estende por quase mil
páginas de grande densidade informativa e exegética (quer no corpo do texto,
quer nas suas abundantes notas de rodapé), um acervo de conhecimentos como o
que aqui se encontra. Para o comprovar, atente-se no conteúdo dos capítulos que
estruturam o volume.
A Introdução (pp. 21-84) comporta um conjunto de reflexões que vão do
descrédito da Retórica à sua recuperação e ao domínio avassalador que exerce
nos tempos modernos. Para o efeito, Belmiro Pereira elabora uma profunda
revisão dos mais importantes estudos e tendências no estudo desta disciplina,
assente numa criteriosa e abundante bibliografia. Neste capítulo introdutório,
procede-se em simultâneo a uma revisão de conceitos como os de Idade Média e
Renascimento, Humanismo e Renascimento, Humanismo Renascentista, Humanismo e
Reforma. Segundo uns autores, são conceitos sinónimos, segundo outros, opõem-se
ou nem sempre são cronologicamente coincidentes. No caso específico do
Renascimento em Portugal, Belmiro Pereira considera, com Luís de Matos, que
esse movimento literário se prolonga, aproximadamente, de meados do século XV
até finais do século XVI (p. 84).
O capítulo seguinte (pp. 87-212) dedica-se ao estudo de A Retórica na Idade
Média, quer como arte de persuadir (segundo Cícero), quer como arte literária
(segundo Quintiliano), mas igualmente, segundo os usos medievais, como ars
praedicandi(a retórica da homilia e do sermão), ars poetriae(arte poética) e
ars dictandi(a arte epistolar).Ao longo do capítulo, são recordados os
principais tratados elaborados sobre estas matérias, para mais tarde evocar o
extraordinário contributo dos humanistas que, em contacto com as cartas de
Cícero, elaboraram artes epistolandi e também novas formas de oratória, não já
cingida ao mundo eclesiástico, mas também ao renovado mundo profano e ao mundo
de corte.
Na segunda parte, Belmiro Pereira dedica-se ao estudo de A Retórica e a
introdução do Humanismo (pp. 215-451). Constituem este longo capítulo três
grandes secções: 1. A introdução do humanismo em Portugal; 2. O ensino da
retórica, de que me permito destacar o preciosíssimo elenco de instrumentos
bibliográficos então em uso, desde gramáticas e dicionários a retóricas
antigas, retóricas quatrocentistas e manuais de retórica (com um notável
registo de Retóricas em Portugal, de 1468 a 1536) (pp. 280-299); 3) a
eloquência, tratada segundo os ângulos da oratória sacra e da oratória profana
(abrangendo, neste caso, orações políticas, orações académicas, orações
fúnebres e a oração panegírica).
A terceira parte é dedicada a A retórica em Portugal na época do Renascimento
(pp. 455-874), distribuída em grandes subcapítulos: 1) Retórica e ensino; como
diz o autor a dado passo (p. 455): É a evidência da utilidade da retórica que
a coloca no centro das artes do discurso como uia, como método de disciplina
intelectual, essencial na formação do homem douto, fosse ele cortesão ou alto
funcionário, nobre ou eclesiástico, professasse artes, teologia, medicina ou os
dois direitos (p. 457); neste subcapítulo é possível acompanhar de perto a
evolução do ensino universitário, reforçado com o envio de estudantes para
Paris e Lovaina e com a criação de colégios universitários em Lisboa, Braga,
Guimarães e Évora, nas duas primeira décadas do século XVI; a estes segue-se a
abertura dos estudos públicos de Santa Cruz de Coimbra em 1534-35, segundo o
modelo trilingue de Paris e Alcalá e com grande preponderância do ensino da
retórica; observa-se que o movimento de reforma dos estudos é imparável e
muitos outros colégios são fundados, de que se destacam o de Santa Marinha da
Costa, em Guimarães, e o de S. Paulo em Braga e, mais tarde, o Colégio das
Artes, em Coimbra; nas páginas 498-501 elencam-se catorze orações académicas
proferidas em Coimbra entre 1548-1555; na parte final do capítulo, é
apresentada uma lista dos mais difundidos Instrumentos bibliográficos
utilizados no ensino; 2) Neste segundo subcapítulo, aborda-se a recepção da
retórica antiga, com uma exposição sobre o acesso à Retórica de Aristóteles
mediante as traduções humanistas de Trebizonda e Ermolao Barbaro, e ainda com
referência ao renovado interesse por Cícero ' o orador modelo; são aqui objeto
de grande desenvolvimento as reflexões em torno das traduções e comentários da
obra do Arpinate, que revelam de forma clara o domínio que Cícero exerceu entre
nós e na Europa; segue-se o tratamento da inevitável questão do ciceronianismo
e do Tullianus stilus, em páginas recheadas de motivos de interesse, por
fazerem desfilar diante o leitor as figuras que mais sobressaíram no
desenvolvimento da questão, como Pompónio Leto, Sadoleto, Pietro Bembo,
Longueil, Erasmo de Roterdão, Melanchton, e, entre os humanistas portugueses,
Gaspar Barreiros, André de Resende, Jorge Coelho, o bispo D. Jerónimo Osório,
entre muitos outros; analisa-se, a seguir, a influência exercida pela
Institutio Oratoria deCícero, sendo ainda largamente comentados os Commentarii
de António Pinheiro em torno da obra de Quintiliano; 3) Recepção da retórica
humanista, com particular relevo para o papel de Jorge de Trebizonda na
divulgação da retórica grega, com os seus Rhetoricorum libri V, que deram a
conhecer as doutrinas estilísticas de Hermógenes e de Dionísio de Halicarnasso;
também Erasmo é convocado, sendo referidas e comentadas obras de tão grande
influência entre nós como o De copia uerborum et rerum,o Ciceronianuse o
Ecclesiastes siue concionator euangelicus; estudam-se, finalmente, as retóricas
dos flamengos João Vaseu (de Bruges) e de Joaquim Ringelberg (de Antuérpia) e a
sua utilização nas escolas de Braga, de Évora e no Colégio das Artes, em
Coimbra; 4) A retórica jesuítica, que acabará por ficar programaticamente
fixada na Ratio studiorum, sendo dado particular e justificado relevo ao
magistério dos Padres Pedro Perpinhão e Cipriano Soares, dois dos jesuítas que
em Portugal, e em toda a Companhia, mais contribuíram para a configuração do
ensino retórico ministrado pela nova ordem religiosa e para uma concepção que
sem dúvida se repercutirá na Ratio studiorumde 1586 e 1599. (p. 752); 5) Entre
Ramus e Lipsius: o De eloquentiade Tomé Correia. A obra deste humanista
(Coimbra, 1536 ' Bolonha, 1595) constitui, no dizer de Belmiro Pereira (p.
810), um dos melhores testemunhos da evolução dos estudos retóricos ao longo
de todo o período do Renascimento. Tomé Correia dará particular relevo à
elocutio, assim acentuando o teor literáriodo seu tratado retórico; 6)
Conclusão.
Uma breve Conclusão Geral(pp. 874-879) encerra o estudo.
Numa obra de tão grande fôlego, não causa estranheza que a