O Essencial sobre Política de Língua
Pinto, Paulo Feytor (2010), O Essencial sobre Política de Língua.
Lisboa: Imprensa Nacional ' Casa da Moeda. [98 páginas] ISBN 978-972-27-1874-5.
Henrique Barroso*
*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas
hbarroso@ilch.uminho.pt
1. Política de Língua?! Exatamente isso. Ou seja, um conjunto de tentativas
(medidas e/ou atividades), umas explícitas e outras implícitas, no sentido de
regular as práticas linguísticas de e numa comunidade como (respeitantes
exclusivamente à comunidade linguística em que nos inserimos) as relacionadas
com (i) o Acordo Ortográfico, (ii) o ensino do português no estrangeiro, (iii)
o estatuto do português na União Europeia, (iv) programas, manuais e exames de
português em Portugal, (v) a terminologia linguística.
2. Trata-se, obviamente, de um título bem-vindo à bibliografia portuguesa sobre
a matéria, que infelizmente não é assim tanta. Para além disso, num formato (de
bolso) e numa coleção (O Essencial Sobre) que são deveras convidativos para,
praticamente num relance, se ficar a saber por que linhas é que se tem andado a
coser a relação entre política e língua portuguesa, começando pela Cultura
linguística (pp. 17-31), continuando pelas Práticas linguísticas (pp. 33-
47), passando, depois, à Política de língua propriamente dita (pp. 49-77) e
terminando nos Eixos da política de língua do Portugal democrático (pp. 79-
92). Porém, para se entender o que aqui se diz, o A. fala, no primeiro capítulo
(pp. 11-15), da constituição de um modelo de análise, ou seja: é em 1959 que se
define pela primeira vez a planificação linguística como a atividade de
elaboração de uma norma ortográfica, descrições gramaticais e dicionários de
uma língua, para orientação de falantes e escreventes em comunidades
linguisticamente diversificadas; em 1969, estabelece-se a diferença entre
planificação do corpus' (regulação da forma das língua)s e planificação do
estatuto' (regulação das suas funções na sociedade); em 1986, introduz-se o
ensino de línguas, que viria a constituir a planificação da aprendizagem'; e,
por fim, em 2003, é a vez de se incluir a planificação do prestígio'. Porque a
planificação do corpus, da aprendizagem e do prestígio são uma questão de
estatuto, é pois natural que a planificação deste último seja primordial.
Registe-se, ainda, que uma política linguística pode não ser explicitada em
documentos legais. Por exemplo (não deixa de ser curioso), o português só em
2001 é que passou a ser oficialmente a língua oficial de Portugal.
3. No segundo capítulo, define-se o conceito de cultura linguística e
exemplifica-se com o caso da cultura linguística portuguesa do final do século
passado (séc. XX). Trata-se, pois, do conjunto de representações e atitudes dos
portugueses perante a própria língua (língua portuguesa) e as dos outros
(línguas europeias e asiáticas e as não-línguas). Por conseguinte, aqui pode
ler-se que o português se tornou a língua materna de praticamente toda a
população portuguesa, que é uma língua com tradição escrita e literária
seculares (8 e 7 séculos, respetivamente), com uma gramática publicada há 500
anos e dicionário monolingue há 200, que é falada por muitos milhões em todo o
mundo e que os portugueses têm dificuldade em aceitar a intervenção de outros
nas decisões acerca da língua que consideram primordialmente sua. Que as
línguas equiparáveis à língua materna, por serem também línguas oficiais, com
tradição literária escrita, eram, entre as línguas europeias, o francês, o
inglês e o castelhano e, entre as asiáticas, o chinês mandarim, o japonês e o
hindi. Que as não-línguas eram todas as variedades a que se não reconhecia
estatuto de língua por não terem tradição escrita consolidada e não serem
línguas nacionais oficiais. Entre estas, estavam os dialetos das línguas
europeias e asiáticas e os crioulos de base lexical europeia e todos os
dialetos isolados (as línguas da África subsariana).
4. No terceiro capítulo, identificam-se e caracterizam-se os constituintes das
práticas linguísticas, seguido de diagnóstico das variedades linguísticas, dos
falantes e das funções sociais de ambos, em Portugal, entre 1974 e 2004.
Concretamente: língua materna e línguas estrangeiras, variedades internas
dessas línguas e eventuais variedades de transição, ou seja, todos os dialetos,
socioletos, interletos. A caracterização dos falantes tem que ver com a
caracterização sociolinguística de todas as variedades. Funções sociais das
variedades: administração pública e organismos oficiais, ensino, onomástica,
meios de comunicação e novas tecnologias, cultura e agentes económicos.
Práticas linguísticas em Portugal, de 1974 a 2004: fronteiras políticas no
território/ reorganização das práticas linguísticas; e também, claro, a
utilização dos sistemas de escrita. O reportório de cada falante pode incluir a
língua materna, língua(s) segunda(s) e língua(s) estrangeira(s); situações de
diglossia (característica mais da comunidade do que do indivíduo). Em 25 de
Abril de 1974, 99 % da população portuguesa tinha o português como língua
materna. Havia uma minoria que falava mirandês e outra, a L(íngua)G(estual)P
(ortuguesa). Só 0,4 % eram oriundos de outros países europeus. A partir de
1979, os africanos, sobretudo falantes de cabo-verdiano, passaram a ser a maior
presença de estrangeiros entre nós. E, entre os europeus, predominavam os
falantes de francês, castelhano e inglês. Para além da língua materna, em 1981,
só 74 % sabia ler e escrever e falavam francês e inglês. No início da década de
1990, havia um número relevante de falantes de outras 11 línguas. No início
deste século (séc. XXI), as línguas estrangeiras mais faladas pelos portugueses
eram o inglês (36 %), o francês (30 %), o espanhol (10 %), o alemão (5 %) e o
italiano (2 %). Apesar de ser uma língua importante no mundo e na Europa, a
percentagem de falantes portugueses de inglês era a mais baixa da UE. Depois
dos países nórdicos, Portugal era o país em que mais pessoas tinham aprendido
línguas estrangeiras enquanto trabalhavam lá, emigradas. O inglês era a língua
mais usada para ver filmes e televisão, ouvir rádio e navegar na internet. Era
o país onde havia mais trilingues e tetralingues, nos países da UE. Importância
relativa de outras línguas maternas faladas em Portugal: cabo-verdiano,
ucraniano, russo e, depois, francês, romeno, espanhol, inglês. Também o
mirandês e a LGP estavam acima das línguas asiáticas (wu e guzerate). O ensino
básico público em Portugal Continental, na viragem do século, confirma um
grande aumento de falantes de romeno, ucraniano, russo e búlgaro. Em 2001, a
língua materna maioritária, o português, era lido e escrito por 91 % da
população, e eram falados três grupos dominantes de variedades : as variedades
europeias maioritárias, as variedades brasileiras faladas por quase 1 % da
população residente e as variedades faladas pelos portugueses ciganos.
5. No quarto capítulo, delineia-se o quadro teórico que permite a
sistematização das medidas implícitas ou explícitas com que as autoridades
políticas podem tentar regular o uso de línguas. Análise de cerca de 4000
diplomas legais publicados na 1.ª série do Diário da República durante os 30
anos após o 25 de Abril de 1974, incluindo todos os que tinham a palavra língua
(s). As tentativas explícitas e implícitas de regulação das práticas
linguísticas de uma comunidade (nisto consiste a política de língua) podem
ser de nível macro (iniciativas do Estado), meso (de grupos ou organizações) e
micro (individuais). A explicitação da política linguística, a planificação
linguística, materializa-se em diplomas legais de caráter incitativo ou
imperativo que podem ter diferentes níveis de intervenção geográfica
(internacional, nacional, regional) e jurídica (lei constitucional, lei,
decreto-lei, decreto, decreto regulamentar, portaria, despacho normativo). A
política linguística explícita processa-se em quatro etapas: (i) preparação da
planificação, (ii) formalização das decisões tomadas, (iii) planificação do
desenvolvimento da política linguística e (iv) controlo da atividade de
planificação. A planificação linguística compreende a interligação de quatro
vertentes, a saber: (i) planificação do estatuto cujas decisões podem
resultar na oficialização, na nacionalização ou na proibição de uma ou mais
línguas e, ainda, conduzir à revitalização de línguas mortas ou em declínio, à
manutenção de línguas, à promoção da intercompreensão entre falantes de
diferentes línguas ou à difusão da língua junto de quem não a tem como língua
materna, especialmente no estrangeiro; (ii) planificação do corpus, que
consiste na padronização da estrutura e do funcionamento de cada língua
(normalização ortográfica, descrição gramatical da variedade linguística
adotada como padrão, regulação da onomástica, entre outros); (iii)
planificação da aprendizagem, que diz respeito ao leque de atividades
organizadas para a aprendizagem de línguas cujo objetivo é aumentar a qualidade
e a quantidade dos seus falantes; e (iv) planificação do prestígio, ou seja,
todas as atividades conducentes à promoção das medidas contempladas nas
vertentes acabadas de referir, especialmente a utilização da(s) língua(s) em
contextos formais de grande prestígio e visibilidade nacional e internacional.
6. Por fim, no último capítulo, tendo presente a cultura linguística dos
portugueses, as suas práticas linguísticas e a legislação aprovada, apresentam-
se seis eixos fundamentais de política de língua do Portugal democrático, que
são: (i) consolidação do português, língua nacional e oficial (desde a
fundação de Portugal, no séc. XII, e com exceção do período entre 1450 e 1650,
em que o português cedeu a dianteira ao castelhano, a língua de Camões foi aos
poucos assumindo as funções que o latim tivera até aí nos domínios da cultura,
religião, administração, comércio, ensino e justiça; instituição, em 2001, do
português como língua não materna no ensino básico e reconhecimento
constitucional do português como língua oficial); (ii) restrições onomásticas
ancestrais (manutenção formal de uma política onomástica multissecular: o
modelo de regulação dos nomes próprios dos portugueses ainda em vigor remonta a
1496); (iii) gestão desigual da diversidade linguística (apenas no âmbito da
administração da justiça estava consagrado o direito à língua materna; nos
demais, a política linguística portuguesa havia marginalizado de todo todas as
línguas maternas minoritárias faladas em Portugal); (iv) sucessos e insucessos
do ensino de línguas estrangeiras europeias (com a finalidade de se promover a
intercompreensão, o maior sucesso da política de aprendizagem de línguas
observou-se na aprendizagem de línguas estrangeiras quase exclusivamente
europeias); (v) estrutura institucional confusa, instável e fragmentada
(foram muitos os centros de decisão da política linguística, nas primeiras
décadas de democracia: 9 instâncias legislativas e 14 diferentes organismos);
(vi) influências externas: União Europeia e Lusofonia (dois fatores externos
influenciaram enormemente a política de língua nas primeiras três décadas do
regime democrático em Portugal: a adesão à UE em 1986 e o facto de a língua
maioritária e oficial ser também língua oficial noutros países do mundo:
Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e,
mais tarde, Timor-Leste; dimensão internacional da língua, portanto).
7. Termina o volume com um Glossário (pp. 93-96), de termos linguísticos ou
sociolinguísticos usados ao longo da exposição, apresentando uma definição só
para aqueles cujos conceitos não foram explicitados no corpo do texto ' o que
não deixa de ser uma boa síntese: por um lado, define-se o que não foi
explicado e, por outro, remete-se para a(s) páginas(s) onde certos outros foram
devidamente tratados.
8. Seguem-se (terminando o volume) duas páginas de referências bibliográficas
(97-98), umas citadas e outras não, a que o leitor poderá recorrer, caso esteja
com dúvidas e/ou queira saber mais. Destaco, do próprio autor, Como pensamos a
nossa língua e as línguas dos outros (2001) e Política de língua na democracia
portuguesa (2008) e, ainda, por tratarem exclusivamente do assunto em questão,
Mateus (coord.) (2002), Uma política de língua para o português, Felipe (2005),
Promoção da língua portuguesa no mundo: hipótese de modelo estratégico e
Salomão (2007), Línguas e culturas nas comunicações de exportação. Para uma
política de línguas estrangeiras ao serviço da internacionalização da economia
portuguesa. Estas leituras podem ser complementadas com estas outras: Vários
(1983), Estão a assassinar o português!(17 depoimentos). Lisboa: Imprensa
Nacional - Casa da Moeda; Vários (2005), A língua portuguesa: presente e
futuro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Gama, M. (Org.) (2007), A
política da língua portuguesa. Braga: Centro de Estudos Lusíadas / Universidade
do Minho; e Mateus, M.ª H. Mira & Pereira, D. & Fischer, G. (Coord.)
(2008), Diversidade linguística na escola portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
9. Está bem escrito. Bem estruturado. Bem fundamentado. Por isso, adquiri-lo e
proceder à sua leitura reflexiva é uma decisão mais do que oportuna.
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