La présentation de soi: Ethos et identité verbale
Ruth Amossy, (2010). La présentation de soi ' Ethos et identité verbale,
Paris, Presses Universitaires de France, 235 páginas.
Micaela Aguiar
A investigação em torno do conceito de ethos não constitui uma questão nova. Da
Retórica à Sociologia, a noção de ethos tem sido continuamente objeto de
inúmeras discussões intradisciplinares e interdisciplinares.
O interesse linguístico no conceito de ethos só recentemente se manifestou. No
quadro da Análise Linguística do Discurso, Dominique Maingueneau (1984) é o
primeiro a desenvolver uma teoria em volta desta noção. Desde a década de 80,
os estudos sobre o ethos têm proliferado, com propostas de novas perspetivas e
abordagens teóricas; designadamente, D. Maingueneau (1991, 1993, 1999), R.
Amossy (1994, 1999), Rabatel (1997, 1998), Kerbrat-Orecchioni (1980), entre
outros, têm dado contributos indispensáveis para a consolidação do conceito de
ethos enquanto objeto de direito no âmbito da investigação linguística dos
discursos.
Com a publicação de La présentation de soi ' Ethos et identité verbale, em
2010, Ruth Amossy, Professora Emérita do Departamento de Estudos Franceses da
Universidade de Tel-Aviv, articula o conceito de ethos com a noção de
identidade verbal. O objetivo do estudo de R. Amossy centra-se na análise dos
mecanismos discursivos de que o locutor faz uso na construção de uma
identidade, no seu posicionamento social e no seu desejo de influenciar o
outro.
Esta obra distingue-se não só pelo seu contributo no quadro da investigação
sobre o ethos, mas, igualmente, pela apresentação de um panorama geral dos
estudos realizados em torno deste tema nas últimas décadas.
A obra estrutura-se em duas partes distintas: a primeira compreende os três
primeiros capítulos e apresenta os principais fundamentos teóricos em que irá
assentar a reflexão em torno do ethos; a segunda abarca os quatros últimos
capítulos e centra-se na análise dos mecanismos que contribuem para a
construção da imagem de si nas trocas verbais. Esta segunda parte encontra-se
organizada em torno do valor dos pronomes pessoais "je",
"tu", "il" e "nous" na construção da imagem
de si.
No primeiro capítulo, são articulados o conceito de ethos retórico, na herança
de Aristóteles, a noção de "présentation de soi" no âmbito da
microssociologia de Goffman e de "image de soi" perspetivada no
quadro da Análise do Discurso, nomeadamente, pela teoria desenvolvida por
Dominique Maingueneau. Considerando a divergência dos conceitos, mas,
sobretudo, a sua confluência, é proposta a assimilação da noção de ethos à de
"présentation de soi", na sua conceção alargada, ou seja, estendida
a todas as trocas verbais.
O segundo capítulo retoma os conceitos de estereótipo e estereotipização
desenvolvidos pela investigadora em trabalho anteriores, designadamente, Les
idées reçues. Sémiologie du stéréotype (1991), Stéréotypes et clichés. Langue,
discours, société (1997), em colaboração com Anne Herschberg Pierrot,
eL'argumentation dans le discours (2000). O estereótipo é definido como
"une représentation collective figée, un modèle culturel qui circule dans
le discours et dans les textes" (2010 :46). Estas representações
coletivas constituem uma parte integrante de um dado "imaginaire
sociodiscursif" e, nesta medida, encontram-se inseridas numa doxa. Estes
modelos culturais que preexistem no imaginário coletivo são analisados como uma
parte integrante da construção do ethos. Nesta conceção, o estereótipo é
entendido como uma construção de leitura, na medida em que o alocutário
reconstrói, tendo por base elementos díspares contidos no discurso, a imagem do
locutor em função de um modelo cultural preexistente e o seu próprio
conhecimento do mundo.
O terceiro capítulo aborda a questão do ethos pré-discursivo, introduzindo este
conceito na teoria desenvolvida em torno do estereótipo e relacionando-o com o
ethos discursivo. A imagem pré-discursiva é entendida como "l'ensemble
des donnés dont on dispose sur le locuteur au moment de sa présentation de
soi" (2010: 73). Neste sentido, o ethos discursivo é perspetivado como
uma reação ao ethos pré-discursivo: o ethos que o locutor constrói de si no
discurso inclui sempre a imagem que o interlocutor poderá fazer dele, tendo
como base a sua inserção numa representação coletiva, num estereótipo. Nesta
linha, a re-elaboração do ethos pré-discursivo ocupa um lugar de interesse,
especialmente no caso de figuras públicas. Esta problemática encontra-se
documentada com variados exemplos, desde o discurso político ao discurso
literário.
O quarto capítulo centra-se no pronome pessoal "je" e, como tal, a
questão da subjetividade na língua, introduzida no quadro linguístico por E.
Benveniste (1970) e, posteirormente, desenvolvida por Kerbrat-Orecchinoni
(1980), é retomada sob a perspetiva da construção do ethos. Segundo a autora, a
utilização da primeira pessoa do singular permite não só a manifestação da
subjetividade no discurso, mas também a de uma imagem de si, na medida em que
esta imagem emerge das marcas linguísticas da inscrição do sujeito no seu
enunciado.
No quinto capítulo, a construção do ethos é inserida na dinâmica interacional,
sendo, assim, perspetivado enquanto um fenómeno de gestão coletiva.
O sexto capítulo trata da problemática das identidades de grupo, da
legitimidade do locutor enquanto intermediário da manifestação da identidade de
um grupo de indivíduos e da construção de um ethos coletivo.
O último capítulo foca a questão do apagamento enunciativo e da
responsabilidade nos discursos de terceira pessoa, centrando-se, concretamente,
no discurso científico, filosófico e jornalístico.
La presentation de soi ' ethos et identité verbale é, sem dúvida, uma obra de
referência no âmbito dos estudos em torno do ethos. A apresentação sintética
dos conteúdos, a variada documentação de casos concretos e a riqueza de temas
abordados, tornam este estudo acessível, também, a não especialistas. Esta obra
constitui, assim, uma ferramenta indispensável a futuros investigadores na área
da Análise Linguística do Discurso.