Comentário ao texto "nações, gerações e justiça climática", de Axel Gosseries
DISCUSSÃO - "NAÇÕES, GERAÇÕES E JUSTIÇA CLIMÁTICA", DE AXEL GOSSERIES:
COMENTÁRIOS E RESPOSTA AOS CRÍTICOS
Comentário ao texto "nações, gerações e justiça climática", de Axel Gosseries
José Colen*
*Universidade do Minho, CEHUM, Portugal.
jose.colen.pt@gmail.com
1. A actualidade da questão e o apelo aos direitos e deveres de uma justiça
cega
O texto suscita-nos questões perturbadas e perturbadoras porque nos força a
olhar para além do horizonte estreito, no espaço e no tempo, dos deveres e dos
direitos morais e políticos em que nos movemos habitualmente. É que, embora a
questão dos deveres para com as gerações futuras encha menos os escaparates das
livrarias ou as parangonas dos jornais do que a crise económica que
atravessamos, as oportunidades e os perigos da globalização (ou as catástrofes
climáticas que nos ameaçam no futuro, para o qual o texto busca uma
fundamentação moral), a questão está intimamente relacionado com todos eles e
possui portanto uma evidente actualidade e é difícil não sentir a sua natureza
perturbada senão angustiada.
O apelo à nossa intuição moral leva-nos imediatamente a uma resposta, ou melhor
a um conjunto de respostas: devemos às gerações vindouras um mundo sem guerra,
uma ordem internacional equilibrada e não dependente de nenhuma superpotência,
um planeta mais verde e limpo, recursos suficientes para uma vida decente, um
Estado (ou vários Estados) que providenciem algo mais que uma rede de segurança
para os mais desfavorecidos, as condições para o exercício do direito efectivo
ao direito trabalho. Em suma, um futuro pelo menos tão pacífico ou rico e mares
ou rios e ares tão limpos como aqueles que respirámos e em que nos banhámos
como aqueles que herdámos. Ou seja, tudo aquilo que sucessivas gerações de
declarações de direitos humanos bem-intencionadas nos asseguravam antes que nos
caberiam como herança a nós e às gerações futuras – e que agora parece estar em
causa.
A questão proposta está desta vez formulada em termos de deveres ou de justiça
e não de governo e é por isso também perturbadora, pois nunca aquelas
declarações identificaram claramente o sujeito desses deveres. Mas o ensaio
tão-pouco é perfeitamente claro – somos nós, individual e colectivamente o
sujeito dos deveres e das políticas, ou principalmente os velhos Estados-Nação,
talvez em concerto, ou uma sempre vaga ordem internacional justa?
Parece-nos que o problema, como conjunto de obrigações, morais e políticas –
uma vez que nenhum indivíduo por si só parece capaz de as assegurar – e não
apenas como políticas seria especialmente interessante, porque nos forçaria a
reflectir sobre o fundamento desses deveres para além da busca de um padrão
justo para avaliar as políticas. Porque estamos quase desprovidos de recursos
para lhe responder, uma vez que, ao menos implicitamente, as respostas do
passado a estas mesmas questões remetiam para algo mais antigo, ou mais elevado
que nós mesmos, algo pelo qual os indivíduos deveriam sacrificar-se, com a sua
própria vida e até, se necessário fosse, com suor e sangue. Mas hoje, não só já
ninguém parece acreditar que o homem seja um órgão do corpo social, ideia que
entretiveram ou consolaram pensadores do passado tão diferentes como
Aristóteles ou Augusto Comte, como estamos conscientes dos perigos e abusos a
que tais ideias conduziram em tempos menos remotos, em nome de amanhãs
radiosos, já ao virar da esquina, capazes de justificar as maiores opressões.
Todavia, mesmo numa versão mais benigna, como a de Burke[1] em que uma
sociedade se apresenta como alicerçada no contributo dos antepassados e
preparando no presente um legado para as próximas gerações"[2], a ideia desafia
a nossa credulidade. E aqueles que ousam defendê-la não fazem mais que revelar
pertencer a um mundo desaparecido.
É certo que, na sequência de Rawls, diversos autores tentaram reabilitar o
apelo à nossa intuição moral e a um sentimento íntimo de justiça, convencendo-
nos a vestir a pele dos outros e colocando-nos numa posição inicial com a venda
de uma justiça cega ou, se preferimos, de um "véu de ignorância", recorrendo à
parafernália de uma nova ciência política formalizada e até susceptível de
representações matematizáveis, com o prestígio e o rigor que se encontravam
antes apenas nas novas ciências naturais ou económicas. E edifícios imponentes
como as catedrais do passado foram sucessivamente erguidos com a designação
genérica de "teorias da justiça", primeiro limitadas ao velho Estado-Nação e
depois alargadas ao mundo global da Justiça das Gentes ou da justiça inter-
geracional.
Esta intuição central parece, à primeira vista, capaz de iluminar não só
grandes panoramas na história humana, mas também a justiça entre as nações e
todos os grupos humanos. Não por acaso, o ensaio de Gosseries, na sua busca dos
fundamentos morais para as decisões políticas na questão ambiental colocou a
ênfase no problema da justiça inter-geracional[3]. Com efeito só nesse
horizonte mais amplo, no tempo e no espaço, muitas daquelas questões podem ter
resposta. E o mesmo autor fez encabeçar o seu trabalho com uma epígrafe de
Rawls[4]. Assim tentou chamar a atenção para a componente histórica e inter-
geracional dos problemas e das políticas globais relativas não só ao clima, mas
ao trabalho, à educação, à poluição, aos seguros sociais e à poupança.
2. O paralelo entre o tempo e o espaço e os limites e dúvidas desta via de
interrogação
Esta visão permite-lhe formular duas questões, a da reposição ou da correcção
das injustiças passadas. A primeira parece-nos, todavia, insuficientemente
clara – a correcção das injustiças passadas é uma questão de prolongamentos
indefinidos pois é difícil vislumbrar a última instância ou o momento
privilegiado da história a partir do qual devemos recomeçar. Em compensação, é
muito rica e potencialmente fecunda a questão dos direitos e deveres para com
as gerações futuras, com recurso ao paralelo entre o tempo e o espaço. O
paralelismo, muito sugestivo, entre as nações e as gerações, é todavia de
alcance limitado, mesmo assemelhando as gerações encravadas no tempo com as
populações limitadas por uma fronteira, pois como o ensaio reconhece as
gerações não podem atravessar fronteiras como as populações e o decurso (ou a
seta) da história é unidireccional, ou seja, é um rio que só corre para a foz,
pois o tempo só se move numa direcção que é a do futuro. E, no fundo,
insuficiente, pois a interrogação de base permanece e mesmo a nossa intuição
moral parece orientar-se em sentidos opostos: à primeira vista, ao menos,
parece justo deixar às gerações futuras um clima e um ambiente mais puros e
limpos, mesmo se, como lembrava Keynes, no longo prazo estejamos todos mortos
(e algumas mudanças climáticas, porventura as mais dramáticas não se darão nas
nossas vidas, pelo que o dito se aplica literalmente). Pelo contrário, no que
toca à poupança parece-nos injusto sacrificar a geração mais idosa, que já nada
pode fazer, às gerações mais novas que ainda estão a tempo de alterar e
melhorar o seu futuro.
E dificilmente podemos considerar uma negociação entre gerações, que aliás não
estão atravessadas por nenhuma fronteira, mas coexistem no mesmo tempo, como o
fundamento de um dever moral, excepto talvez no sentido restrito de um contrato
regulado por uma justiça comutativa. Mas, como o autor parece defender, embora
de modo pouco explícito, a justiça comutativa está ultimamente dependente de
uma distribuição inicial dos direitos, sem a qual é até difícil pensar sobre o
que é justo.
Se parece verosímil a sua crítica de Rawls, que sempre se recusou a aplicar o
princípio da diferença à justiça global e inter-geracionais, do mesmo modo que
excluiu do modelo os casos extremos de doença e miséria capazes de esgotar
todos os recursos, a questão merece mais aprofundamento. Pois é, de facto, esta
possibilidade extrema que detém não só Rawls mas muitas nações desenvolvidas,
de uma ajuda internacional mais forte. A incapacidade de um país desenvolvido,
digamos, um dos países nórdicos, de resolver a questão da poluição na China, ou
a pobreza em África é real, mesmo ignorando as perdas que resultam de
transferir riqueza com um recipiente que está cheio de fugas. Esta é a nossa
primeira objecção de fundo: como evitar que os casos extremos, dentro e fora do
estado nacional, esgotem todos os recursos? Talvez a mudança de posição de
Rawls na aplicação do princípio da diferença seja mais aparente que real.
Além disso, no ensaio, a definição mais rica de "nação" e de legado inter-
geracional prometidos fica rapidamente no oblívio, ignorando-se o património a
legar que é composto por muitas riquezas que não se esgotam com o seu uso. Não
temos que "poupar" igualmente ou do mesmo modo florestas e rios, conceitos
políticos, composições musicais e obras de arte, línguas e educação – e de modo
geral todos os bens públicos que não se consomem com o uso, mas pelo contrário
se enriquecem com a acumulação. Não se trata meramente de relembrar que existem
bens que são dificilmente avaliáveis ou irremediavelmente subjectivos. Nada nos
impede de construir indicadores sobre a qualidade do Estado de Direito ou da
literacia, que os tornem operativos, mesmo à custa de um certo empobrecimento
do discurso.
A objecção fundamental que desejamos levantar é que nos parece que uma teoria
da justiça intergeracional deve considerar que embora a conservação exija
recursos, estes não são da mesma natureza e dimensão que os requeridos pela sua
criação. A cultura musical dos alemães, ou individualmente uma composição de
Mozart, e.g., implicam um investimento secular e em vidas, mas também em bens
materiais e lazer, que não é da mesma natureza nem volume que o investimento
que exige hoje a sua difusão – no limite a reprodução de um DVD. A mesma
dificuldade se levanta em relação à educação, mesmo no sentido mais restrito da
instrução escolar. Ou, num tom mais clássico podemos lembrar a metáfora da
flauta que não deixou de ser usada de Platão a Amartya Sen. A flauta tem um
componente material em madeira, exaurível, e uma ideia de flauta, que pode ser
reproduzida ad infi itum. Uma teoria da justiça que ignore um dos componentes é
necessariamente incompleta.
O que desejamos sugerir é que talvez o "estado estacionário" seja uma
experiência mental tão pouco adequada como a de um progresso indefinido. Estes
bens "imaterais", tal como os bens cujo consumo públicos ou não-rivais podem e
devem, em nossa opinião ser tratados numa contabilidade intergeracional,
seguindo a mesma linha das propostas que, desde Samuelson e.g., tentaram
corrigir a contabilidade nacional com recurso a melhores indicadores como o Bem
Estar Líquido ou outros semelhantes. Talvez seja impraticável manter de forma
constante e consistente numa estatística tais indicadores, mas não deve ser
impossível usá-los para nos ajudar a pensar os problemas.
Uma objecção mais forte é o género de autoridade necessário para "proibir tanto
a poupança como a despoupança". Para proibir a poupança no (mítico) "estado
estacionário", talvez seja necessária uma autoridade absoluta, que não parece
desejável, e um critério infalível que estamos longe de possuir. A ideia
subjacente é que um critério de justiça que exija um padrão de resultados
finais (a igualdade estrita entre gerações), exige necessariamente um género de
instituição que não queremos ter.
Não julgamos que seja o caso de qualquer tipo de exigência de justiça. Não se
aplicaria a uma teoria da justiça que aceite diferenças de "riqueza" inter-
geracional, o que parece inevitável, em certa medida, se nos recordarmos de que
o passado não pode ser alterado. Não se trata tão pouco de baixar as exigências
da justiça como referência, pois a variação da riqueza inter-geracional, de
facto,está mais em consonância com o apelo à nossa intuição moral: não somos,
hoje, indiferentes ao destino e riqueza das próximas gerações. O cerne do
problema é o desenho das instituições capazes de as assegurar.
Estas duas críticas possuem entre si uma certa ligação. Lembremos que
Aristóteles, que defendia que a cidade não devia ser um mero mercado protegido
pela autoridade, julgava que a felicidade era impossível sem um mínimo de bens,
das três espécies: bens externos, bens do corpo entre os quais o prazer, e bens
da psichê, os mais importantes. O que se lhe afigurava difícil era ajuizar
sobre a correcta proporção ou a justa medida em que cada um destes três bens
devia estar presente. Tal juízo exigiria contudo uma grande intrusão das
autoridades na vida dos cidadãos, que não fazia Aristóteles hesitar, mas que
nos tolhe hoje. Talvez a proibição da poupança e a obrigação de grandes
sacrifícios por gerações que ainda não nasceram esteja para além do que é
politicamente factível ou mesmo desejável e para além do que um homem prudente
pode ajuizar, para já não falar de absolutos.
4. O que devemos fazere que podemos fazer
Enfim, um princípio de ética política que, como Raymond Aron, devemos
subscrever é o de que só temos o dever de fazer o que podemos fazer. Assim
também o que devemos às gerações vindouras está, provavelmente, aquém da lista
de desejos que trocamos nas épocas festivas, incluindo a paz no mundo, a
coexistência pacífica de todas as culturas, a mudança democrática da China, um
mundo mais ecológico, igualitário e justo. Por isso talvez se deva dar mais
atenção às propostas que devem ser escritas em letra minúscula, e que não se
baseiam em nenhum dos "ismos" e que aborrecem todas as palavras que sentimos a
tentação de escrever com letras capitulares, para usar a expressão de Simone
Veil.
A maior parte de nós não pode fazer muito em nenhum destes domínios, excepto
talvez compreender melhor o nosso mundo como um "espectador comprometido",
despoluir o mundo começando por varrer o que está à nossa porta e militar em
movimentos que defendam as causas que consideramos justas, embora existam
certamente momentos em que o dever para com as gerações vindouras exija um
heroísmo, por palavras ou com actos, para o qual, nada infelizmente nos
prepara, pois costumam aparecer de surpresa no meio das tragédias pequenas e
grandes da história. Os cidadãos vulgares, entre os quais se contam a maioria
dos filósofos políticos partilham um sentimento de impotência que os leva a
esperar tudo do Estado, como se este não fosse humano, por vezes mesmo
demasiado humano, como de uma alavanca a precisar somente de um ponto de apoio
para elevar o mundo. Ou, pelo contrário, leva-os a lamentar a falta de
liderança, ou a sua baixa qualidade, que já existiu outrora, no pós-guerra, ou
na geração anterior de líderes europeus com visão, ou numa idade de ouro
qualquer, sempre fugidia.
Um filósofo político tem, é certo, como tarefa, dizer o que devemos fazer ou
falar sobre a melhor solução ou o "melhor regime" e depois trabalhar sobre um
caminho realista para atingir esse objectivo. Tal não implica renunciar a
identificar princípios e começar com o que as pessoas estão prontas a fazer,
mas o que é ideal, mesmo o que é utópico ou está de acordo com as nossas preces
é quase sempre formulado num contexto politico, seja uma república feita com
palavras ou uma ilha sem lugar. Ou seja, implica um certo arranjo institucional
e uma distribuição inicial de direitos. Provavelmente não há melhor solução em
termos absolutos, para todos os tempos e lugares.
Talvez se possa compreender melhor esta afirmação se dissermos que todas as
regras formuladas sem "ses", nem "mas" são necessariamente parciais ou falsas,
pois não temos capacidade de apreender todas as situações em simultâneo. O
melhor que podemos propor quanto à questão da justiça inter-geracional talvez
seja o que um homem prudente decidiria pesando os diferentes bens nas
circunstâncias em que se encontra. E a missão do filósofo político seria menos
apresentar um modelo acabado do regime ideal, sem imperfeições e em estado
estacionário, que propor claramente esses diversos bens, incluindo os bens
futuros, reconhecendo que estão por vezes em conflito e que a escolha é
necessariamente socialmente divisiva ou política e nem sempre consensual.
5. O estado estacionário e os homens do presente
A questão tem uma patente actualidade no momento em que se discute o equilíbrio
entre os direitos das gerações inactivas ou em vias de reformar e o futuro das
novas gerações, ou os perigos climáticos que parecem pesar sobre o planeta.
Defendemos que há boas razões para sua teimosa persistência entre as questões
genuinamente filosóficas, nem empíricas, nem a priori, para usar as palavras
que Isaiah Berlin gostava de repetir. Apesar de parecermos desprovidos de
recursos intelectuais e morais para lhes responder devido ao individualismo das
nossas sociedades liberais, não somos por isso forçados a recuar a soluções
antigas como as diversas formas de organicismo ou de nacionalismo. Mas é
possível igualmente argumentar que as soluções formais que fazem apelo à nossa
intuição moral mas assentam numa negociação desenhada sobre a matriz de um
mercado são, no fundo, insuficientes e por vezes mesmo contraditórias, ainda
quando parecem muito verosímeis.
A via que desejamos propor à guisa de conclusão é outra, ainda que a sua
exploração exija muito mais que um ensaio. Uma tradição de reflexão filosófica
sobre a natureza do tempo, desde Heráclito ou Agostinho a Heidegger, acentua a
sua dimensão fugidia e as dificuldades de conceptualização. Um quadro kantiano
e liberal, todavia, pode ser suficiente para sabermos ao menos como obter a
resposta que a questão pede, ou que método nos permitiria desvendá-la.
É que os homens presentes são os únicos sujeitos possíveis de direitos e
deveres[5]. A proposta de defender que as gerações futuras podem ter direitos
futuros e que tal é suficiente para justificar deveres presentes, tem certa
plausibilidade, mas não atribui suficiente importância às diferenças no tempo.
Ou seja, a inexistência de autênticos deveres para com as gerações passadas,
excepto talvez o da gratidão emocionalmente sentida, e a indesejabilidade de
sacrificar os homens reais a amanhãs que cantam.
Tal não exclui que os homens, hoje e agora, se interessem e estejam dispostos a
grandes sacrifícios pelo que recordam e pelo que desejam preservar, interesse
que não termina sequer com a sua própria morte, sem necessidade de recorrer a
valores impessoais hipostasiados num mundo ideal qualquer. Onde está a canção
antes de ser cantada? O problema poderia ser apenas um ponto metodológico sobre
a maneira de filosofar, que é finalmente, na nossa opinião, secundário ou penas
preliminar e não susbtantivo, ou uma questão metafísica, a da realidade
ontológica do "eu" dos homens no futuro. Mas a dificuldade em generalizar as
nossas intuições fundamentais sobre o que devemos uns aos outros tem, neste
caso, consequências práticas imediatas. Pode implicar, por exemplo, que nem
todas as gerações, já existentes e do futuro estejam em situações exactamente
iguais, pois o modo como os homens do presente encaram essas diferentes
gerações é diverso: a dos seus filhos ou netos e a dos longinquos habitantes de
Burma em 2100.
Enfim, o sonho de um estado estacionário parece-nos enganador. Porque a
democracia a que devemos aspirar não tem necessariamente que ser uma forma de
cortar as árvores mais altas e limitar aquilo que desejamos, com instituições
baixas mas sólidas mas um melhor regime – que não deve de modo algum confundir-
se com a politeia de Aristóteles, mesmo que nesta não existissem escravos
naturais ou convencionais. A nossa democracia implica concessões e trade offs,
mas não nos obriga a esquecer que os instrumentos musicais pertencem de forma
justa, não ao que tem um título de propriedade, nem a quem fabrica as flautas,
mas ao flautista que as usa hoje, ou aos flautistas que, nas gerações futuras,
nós homens do presente desejamos que delas venham a dispor, no quadro de uma
decisão que é no fundo política no sentido mais nobre da expressão.
Notas
[1]Burke, The Works of the Right Honorable Edmund Burke, Vols. I–XII, Revised
Edition, Boston, Little, Brown, and Company, 1866, p. 95.
[2]Cf. Ivone Moreira, A Filosofia políticade Edmund Burke, Lisboa, Aster, 2012,
p. 34.
[3]Cf. Working paper "Nações, gerações e justiça climática" baseado
em Gosseries, A. (2013), ‘Nations et générations’, in R. Chung & J.-B.
Jeangène Vilmer (eds.),Ethique des relations internationales. Problématiques
contemporaines, Paris, PUF, pp. 331-354.
[4]Recolhido de Rawls, The law of Peoples,p.107.
Campus de Gualtar
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