Introdução à psicopatologia geral (1997)
Introdução à psicopatologia geral (1997) - Christian Scharfetter (356 pp.).
Lisboa: Climepsi Editores, Manuais Universitários, 1.
A tradução portuguesa da 4.ª edição deste livro de Christian
Scharfetterinaugurou em 1997 uma colecção de manuais universitários da
Climepsi, editora portuguesa dirigida por J. Cabral Fernandesque está a prestar
serviço de relevo para todos aquelas que nas áreas da psicologia, psiquiatria,
psicanálise e psicoterapias dão preferência a textos em língua portuguesa.
Ao pensar-se em publicar na actualidade uma edição portuguesa de um livro de
psicopatologia que interesse a estudantes de psicologia no âmbito do estudo da
psicopatologia geral e a estudantes de medicina no âmbito do estudo da
semiologia psiquiátrica a escolha deste manual é discutível. Haveria talvez
melhores opções. No entanto, não cabe aqui discutir isso mas tão somente
apresentar uma leitura crítica, em relação à qual estou particularmente à
vontade. A "Introdução à Psicopatologia Geral" de Christian
Scharfetter(numa edição anterior em castelhano) foi, juntamente com o manual de
Bernard & Trouvé, os textos de semiologia da Enciclopédia Médico-Cirúrgica
e, está claro, a "Psicopatologia Geral" de Karl Jaspers, um dos
pilares da minha formação inicial em psicopatologia descritiva na qual assentou
o aprofundamento ulterior do estudo da propedêutica e semiologia psiquiátricas.
O livro está dividido em vinte e um capítulos, vinte dos quais são dedicados ao
estudo das perturbações do funcionamento mental numa perspectiva clínico-
descritiva:
-Consciência
- Consciência do Eu
-Consciência de experiência e consciência de realidade
-Orientação
-Vivência do tempo
-Memória e recordação
-Atenção e concentração
-Pensamento, linguagem, fala
-Inteligência
-Afectividade
-Percepção
-Apercepção
-Delírio
-Energia vital
-Motricidade
-Agressão
-Obsessões e fobias
-Actos impulsivos
-Pulsões (funções conativas)
-Sexualidade
O que se pode dizer é que, como é próprio dos textos clássicos de
psicopatologia descritiva, há uma preocupação quase obsessiva em ser exaustivo,
não deixando nada por tratar. Este carácter quase exaustivo é, porventura, um
dos maiores méritos do livro de Christian Scharfetterque, todavia, nem sempre é
acompanhado por uma redacção clara e compreensível.
O enquadramento de base é, obviamente, o modelo biomédico e, em particular, o
desenvolvimento de uma psicopatolologia descritiva de orientação funcionalista.
Em quase todos esses capítulos, antes de passar à descrição da patologia, o
autor procura sempre realizar uma abordagem inicial das bases biológicas e
psicológicas do comportamento em causa. Neste último aspecto nem sempre o
consegue fazer de forma actualizada. Em certos casos procura também apresentar
as diferentes abordagens teóricas feitas em relação a perturbações específicas
(é o caso, por exemplo, do delírio e da agressividade). Não o faz, porém, em
relação a perturbações em que isso se justificaria de sobremaneira: ansiedade,
depressão, alucinações, etc.
No entanto, considerando que a finalidade principal do livro é mostrar qual a
forma de vivenciar e o comportamento patológico, isto é, uma psicopatologia
descritiva entendida como patologia do psicológico, pode afirmar-se que essa
finalidade é atingida de forma muito sistematizada. Ou seja, o leitor tem
acesso a uma descrição muito completa e organizada das vivências e dos
comportamentos que podem aparecer em diferentes estados de perturbação mental.
Inclusivamente, trata de aspectos que não é fácil encontrar sistematizados em
textos de psicopatologia geral, nomeadamente uma descrição detalhada das
perturbações da consciência do Eu, das perturbações da vivência do tempo e das
perturbações da energia vital. Porém, não esteja à espera de aceder a qualquer
conhecimento de psicopatologia compreensiva, uma vez que esta não fez parte dos
objectivos da obra.
A meu ver, um dos problemas deste livro é o primeiro capítulo, intitulado
"Para uma psicopatologia geral". Como o próprio autor já deixava
antever no prólogo, a redacção é confusa do ponto de vista conceptual e, por
vezes, mesmo praticamente incompreensível. É relativamente evidente que esse
problema tem a ver em parte com uma tradução e uma revisão técnica pouco
cuidadas, mas ao mesmo tempo também se verifica que esse primeiro capítulo é
pouco atraente para quem se inicia, uma vez que não apresenta com a clareza
desejável a delimitação do objecto de estudo da psicopatologia, os objectivos
da psicopatologia geral nem os diferentes níveis do discurso psicopatológico.
Ao mesmo tempo, a apresentação do problema da diferenciação do normal em
relação ao patológico é pouco interessante e as diferentes abordagens teóricas
que podem existir em psicopatologia não são tratadas de forma completa,
enquanto que as apresentadas o são geralmente de forma insuficiente
superficial.
Ou seja: como livro de psicopatologia descritiva é um bom livro. Contudo, o
primeiro capítulo dissuade qualquer leitor e há o perigo das primeiras
impressões ficarem e promoverem abandono rápido de novas leituras. Seja como
for, esta introdução à psicopatologia geral continua a ter utilidade para o
interno de psiquiatria em fase de formação inicial. Para o estudante de
psicologia não tem tanto interesse, uma vez que não contempla as abordagens
compreensivas e, mesmo em relação à psicopatologia descritiva está muito para
além do necessário. O que não quer dizer que não pos-sa ser usado como livro de
consulta.
José A. Carvalho Teixeira