A esmeralda perdida: a informação ao doente com cancro da mama
A esmeralda perdida: a informação ao doente com cancro da mama(1997) - Maria do
Rosário Dias. Lisboa: ISPA, Estudos 5.
No panorama da saúde em Portugal este livro não poderia ter sido publicado em
melhor altura, uma vez que as questões da informação em saúde não só são
geralmente pouco investigadas entre nós, como se constituem como uma dimensão
fundamental no âmbito da promoção da qualidade dos cuidados de saúde que são
prestados. Os programas de melhoria de qualidade em saúde, quer relacionados
com a qualidade dos serviços quer com a qualidade dos cuidados começam a ter
importância crescente nos serviços de saúde portugueses. Finalmente, dimensões
psicológicas (tais como, por exemplo, os comportamentos de adesão a exames de
rastreio e os processos de confronto e adaptação à doença) associadas às mais
frequentes doenças cancerosas da Mulher estão a ser cada vez mais investigadas
em diferentes países.
A transmissão de informação em saúde é, portanto, uma questão de grande
actualidade e, ao mesmo tempo, assume particular relevância e significado nas
doenças cancerosas, colocando com frequência dilemas éticos à consciência
profissional dos técnicos de saúde, aspectos que ainda acentuam mais a
importância deste trabalho agora publicado a propósito da informação em
contexto hospitalar à doente com cancro da mama.
A autora, psicóloga clínica e psicoterapeuta, apresenta neste livro o trabalho
de investigação que constituiu a sua dissertação de Mestrado em Ciências da
Educação e que se divide em duas partes.
Na primeira parterevê questões históricas e teóricas relacionadas com a
informação ao doente com cancro, apresenta o referencial teórico que orientou o
seu estudo, bem como a metodologia de investigação que desenvolveu.
Assim, o primeiro capítulo desta parte é dedicado a uma revisão da história e
da evolução das políticas de informação ao doente oncológico, com destaque para
as tendências actuais desenvolvidas em diferentes países. São revistos estudos
fundamentais realizados neste âmbito, o que dá ao leitor a possibilidade de se
inteirar de forma praticamente completa sobre os antecedentes e a situação
actual da problemática em estudo.
No segundo capítulo desta primeira parte a autora desenvolve o referencial
teórico do seu estudo, que se situa no campo sociológico, delimita o problema
sobre o qual incidiu o seu estudo e formula as questões a investigar. Termina
com a apresentação detalhada da metodologia de investigação que adoptou.
Na segunda parte, apresenta e discute os resultados, enquadrando-os ao longo da
cadeia processual médica em contexto hospitalar e estudando o seu impacto no
sujeito doente.
A pesquisa implicou uma análise longitudinal da questão da informação ao longo
da cadeia processual médica associada ao modo como os cuidados estão
organizados no contexto hospitalar específico onde o estudo foi realizado. Essa
análise longitudinal definiu 3 sub-unidades sociais que correspondem a três
capítulos.
Deste modo, no primeiro capítulo desta parte incide sobre a caracterização
sociológica da estrutura técnica e social daquela cadeia, com referência
especial à organização dos espaços físicos e ao modelo de produção de cuidados
médicos.
No segundo capítulo aborda os processos de negociação entre os intervenientes
em diferentes fases da cadeia processual médica a propósito da informação
prestada às mulheres com cancro da mama e analisa os processo informais que
emergem aos lado da comunicação formal.
Finalmente, no terceiro capítulo, a que se seguem as conclusões do estudo,
procura identificar traços de perfis psicossociológicos que caracterizam as
categorias de "doente informado" e de "doente
desinformado". Este aspecto da investigação representa um resultado muito
interessante e original deste estudo, que tal como a autora refere, sugere a
necessidade de um aprofundamento da caracterização dessas categorias de
doentes.
Este trabalho valioso da Drª Maria do Rosário Dias, quer pelo referencial
teórico que optou para enquadrar a sua investigação, quer pela metodologia de
investigação e orientação escolhidas é uma investigação de índole sociológica
(no quadro do que habitualmente se entende por sociologia da saúde), não é uma
investigação em psicologia da saúde, embora os seus resultados interessem
inequivocamente a quem se movimenta no quadro da intervenção da psicologia
clínica em contextos hospitalares que lidem com cancro da mama nas mulheres.
Porém, isto não retira alguma ambiguidade que, a meu ver, resulta directamente
de um campo dito psicossociológico cuja relação precisa com a Psicologia e com
a Sociologia é frequentemente nebuloso.
Uma abordagem multidisciplinar exigiria a valorização desses resultados no
âmbito de dimensões psicológicos individuais, designadamente características
individuais das estratégias de confronto usadas pelos sujeitos para lidarem com
a doença, a fase do processo de adaptação psicológica à doença e ao seu
tratamento em que se encontrem, o tipo de estratégias de influência usadas
pelos médicos nos seus comportamentos prescritores, o grau de satisfação dos
sujeitos em relação aos cuidados de saúde que lhes são prestados e, em
particular, a satisfação com a informação que recebem sobre a sua doença e o
seu tratamento por parte dos técnicos de saúde, aspecto que, como se sabe,
aparece frequentemente relacionado com o próprio estado de saúde e com os
comportamentos de adesão. De resto, é bem sabido como os conhecimentos de
sociologia da saúde podem ser relevantes para enquadrar a compreensão
psicológica dos processos de informação e comunicação em saúde, em particular
quando estão em jogo doenças percepcionadas como ameaçadoras.
Este trabalho deixa, portanto, vários resultados de grande interesse e, ao
mesmo tempo, uma abertura significativa para a colocação de várias questões a
investigar ulteriormente no plano psicológico.
Na área específica das problemáticas associadas ao cancro da mama, este livro é
praticamente de leitura obrigatória para os técnicos de saúde em geral e,
particularmente, para quem se interessa pela investigação focalizada na
informação em saúde, quer do ponto de vista sociológico quer psicológico.
José A. Carvalho Teixeira