Envolvimento paterno e organização dos comportamentos de base segura das
crianças em famílias portuguesas
INTRODUÇÃO
Profundas transformações económicas, socio-demográficas e culturais ocorridas
nas últimas décadas (onde a entrada massiva da mulher no mercado de trabalho é
apontada como o factor mais saliente), conduziram a uma mudança na estrutura
tradicional da família e nas expectativas acerca dos papéis a desempenhar pelas
figuras parentais (Cabrera, Tamis-LeMonda, Lamb, & Boller, 1999; Parke,
1996; Torres, 2004). Seja por motivos económicos ou de desejo de autonomia e
realização pessoal, o número de mulheres com trabalho remunerado, em Portugal,
tem aumentado significativamente nas últimas décadas, em particular, a partir
dos anos 1970. Em 2006, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística
(2007), a taxa de actividade feminina foi de 55.8%, face a 69% dos homens, o
que comparativamente com os países da União Europeia coloca Portugal com uma
das percentagens mais elevadas de mulheres no mercado de trabalho, em
particular, no caso de mulheres com crianças em idade pré-escolar (Amâncio
& Wall, 2004). Este aumento foi acompanhado por um crescimento substancial
do número de crianças em cuidados não-maternos, durante várias horas por dia
(e.g., o número de crianças na educação pré-escolar subiu de 12,6% no final dos
anos 1970, para 77% em 2004/2005, Gabinete de Estatística e Planeamento da
Educação, 2007). Adicionalmente, o aumento do número de divórcios, de famílias
mono-parentais, de coabitações e de famílias resultantes de segundos
casamentos, tem contribuído, também, para a alteração da estrutura familiar
tradicional (ver INE, 2007).
UM NOVO IDEAL DE CO-PARENTALIDADE OU PARTILHA PARENTAL
A par da mudança na imagem da mulher que, no presente, assume, simultaneamente,
responsabilidades na esfera familiar e profissional, a imagem do homem tem
vindo a alterar-se, colocando-se a tónica num pai afectuoso e activamente
envolvido no quotidiano dos filhos. Em vez da atribuição de papéis específicos
e complementares, surge um novo ideal de co-parentalidade em que ambos os pais
partilham responsabilidades e tarefas nos domínios financeiro, doméstico e nos
cuidados das crianças de um modo mais igualitário, pelo que, a divisão baseada
no género é diluída (Deutsch, 2001; Cabrera et al., 1999; Cabrera, Tamis-
LeMonda, Bradley, Hofferth, & Lamb, 2000).
Numa análise acerca das representações da paternidade, de avós e pais
portugueses, Balancho (2004) verificou que as representações dos primeiros vão
ao encontro da imagem do pai como figura de autoridade e disciplinadora, pouco
envolvido emocionalmente e pouco presente na vida da criança. A actual geração,
por oposição, considera como mais importante a capacidade de ser sensível,
compreensivo e dialogante, de estar presente na vida da criança, partilhar a
autoridade, ser descontraído e lúdico, o que vai ao encontro da noção do
"novo pai". Neste sentido, Gouveia, Baptista, Lopes, Barreto e
Lacerda et al.(1991) verificaram, numa amostra de pais portugueses, que estes
tinham um elevado grau de participação nos cuidados prestados aos filhos no 1.º
ano de vida. No entanto, Monteiro, Veríssimo, Castro e Oliveira (2006),
constataram que, na perspectiva de mães e pais portugueses, com crianças entre
1 e 6 anos de idade, é quase sempre a mãe a responsável pelas actividades
relacionadas com as rotinas de cuidados à criança, assumindo o pai um papel de
suporte, de ajuda quando é necessário. Apesar da crescente atenção dada a este
"novo pai" os resultados parecem indicar que na prática as
diferenças tendem a permanecer.
A imagem cultural da mulher como primeira prestadora de cuidados e do pai como
figura substituta, ou apenas como companheiro de brincadeira parece ser, ainda,
uma crença bastante enraizada na sociedade Ocidental (Deutsch, 2001; Parke,
1996; Rohner & Veneziano, 2001). Na realidade, até há aproximadamente uma
década atrás, era visto como pouco masculino, para o homem, passar muito tempo
envolvido nos cuidados das crianças, com excepção do apoio temporário à mãe
(Rohner & Veneziano, 2001). Provavelmente, pais que optam por desempenhar
papéis desiguais acreditam que as crianças têm um laço afectivo especial com a
mãe e que não podem cuidar delas do mesmo modo (Beitel & Parke, 1998;
Russell, 1983). Por outro lado, as pressões sociais vão no sentido de não se
esperar que seja o homem, por exemplo, a ficar em casa quando os filhos estão
doentes, dado que dele se espera um investimento total no trabalho, enquanto
que, para a mulher as expectativas de desempenho são menores uma vez que,
socialmente, é assumido ser ela a responsável directa pela família (Torres,
2004).
A representação da paternidade parece, assim, alternar entre uma perspectiva
modernista e conservadora. Embora alguns pais desempenhem, no presente, um
papel mais activo na vida dos filhos, comparativamente com os seus próprios
pais, ou com os seus pares, no global poucas mudanças se verificaram. Este tem
sido um processo de mudança lento, porém, contínuo, nomeadamente, nas famílias
em que ambos os pais trabalham. A mudança é, contudo, mais modesta do que as
crenças populares poderiam eventualmente indicar (Lamb & Tamis-Lemonda,
2004; Parke, 1996; Pleck & Masciadrelli, 2004).
ENVOLVIMENTO NAS ACTIVIDADES RELACIONADAS COM A CRIANÇA:COMPLEMENTARIDADE OU
PARTILHA
De acordo com o modelo de Lamb, Pleck, Charnov e Levine (ver Lamb, 1987; Pleck
& Masciadrelli, 2004) distinguem-se três componentes do envolvimento: (1) a
participação, interacção directa com a criança no contexto da prestação de
cuidados e de actividades partilhadas; (2) a acessibilidade à criança, quer
ocorra ou não interacção, os pais estão vigilantes de modo a responder se e
quando for necessário; (3) a responsabilidade que cada progenitor assume pelo
bem-estar da criança, o que envolve lembrar-se, planear e marcar por exemplo,
uma consulta médica, o que não implica a presença da criança.
Segundo Parke (1996) duas distinções devem, ainda, ser claramente efectuadas. A
primeira, ao nível do envolvimento nas tarefas de cuidados à criança e nas
actividades de brincadeira/lazer diferenciando, deste modo, os contextos e
tipos de interacção. Tal distinção possibilita uma análise mais específica dos
papéis parentais e dos seus efeitos no desenvolvimento da criança. A segunda,
ao nível do envolvimento absoluto e relativo, considerando que famílias onde o
envolvimento relativo de mães e pais é semelhante, constituem ambientes muito
distintos para as crianças, comparativamente com aquelas em que o nível
relativo de envolvimento é muito desigual.
Estudos comparativos entre mães e pais são consistentes quanto às diferenças
nos estilos parentais, nomeadamente, no facto da componente mais saliente nas
interacções mãe/criança ser a dos cuidados, enquanto que, nas interacções com
os pais a componente mais saliente é a da brincadeira. Desde os primeiros meses
de vida, os estilos comunicativos e de brincadeira apresentam características
distintas, com as mães, por exemplo, a terem maior tendência a pegar ao colo
dos seus bebés no decurso da realização dos cuidados diários e os pais a fazê-
lo quando solicitados ou no decurso das brincadeiras. Estas são mais
imprevisíveis e estimulantes do ponto de vista físico com os pais, e mais
tranquilas e mediadas por objectos com as mães. As diferenças existem, mesmo
quando os pais consideram que devem partilhar responsabilidade e participação
nos cuidados à criança, tendendo a adoptar um estilo de interacção baseado na
brincadeira, contudo, são mais salientes, quando a divisão de tarefas é
tradicional (ver revisão Lamb & Lewis, 2004; Lewis & Lamb, 2003).
Porém, estas diferenças não são tão claras noutras culturas, nomeadamente, nos
Aka Pigmeus da República Central Africana (Hewlett, 1987), nos Kibbutzim
israelitas (Sagi, Lamb, Shoham, Vira, & Lewkowicz, 1985), ou na Suécia
(Lamb, Frodi, Hwang, & Frodi, 1983). Ao salientar as características
específicas dever-se-á, também, reconhecer a existência de semelhanças nos
padrões de interacção das figuras parentais, por exemplo, o facto de ambos
serem sensíveis às características e competências dos filhos, ajustando os seus
comportamentos nas interacções com os mesmos (Lewis & Lamb, 2003).
No entanto, quando os pais participam nas actividades relacionadas com as
crianças, fazem-no, com maior probabilidade, nas de brincadeira e lazer (e.g.,
Lamb, 1987; Parke, 1996; Russell, 1983). Estas são mais flexíveis em termos de
rotinas e horários (Craig, 2003) e são, provavelmente, onde os pais se sentem
mais à vontade, dado que, a componente dos cuidados parece ser, culturalmente,
menos bem definida para os pais (Peitz, Fthenakis, & Kalicki, 2001). Neste
sentido, Monteiro et al.(2006) observaram a existência de diferentes padrões de
responsabilidade e participação paterna, consoante o tipo de actividade. Assim,
é quase sempre a mãe que realiza as tarefas de organização/cuidados (Práticas),
enquanto que, nas actividades de brincadeira/lazer (Lúdicas), existe uma
participação igualitária de ambos os pais, o que vai ao encontro de outros
resultados obtidos com amostras de crianças em idade pré-escolar (e.g., Bailey,
1994; Peitz et al., 2001).
ENVOLVIMENTO PATERNO E ORGANIZAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DE BASE SEGURA DA CRIANÇA
A construção de relações de vinculação na infância é tida como uma tarefa
normativa no desenvolvimento sócio-emocional. Durante o segundo e terceiro ano
de vida, o uso das figuras vinculativas mantém-se central na organização dos
comportamentos da criança, num mundo físico e social em rápida expansão
(Bowlby, 1969/1982; Marvin & Britner, 1999). Embora a criança organize os
seus comportamentos em torno das figuras que com ela interagem regularmente,
independentemente do seu envolvimento nos cuidados físicos (Schaffer &
Emerson, 1964), quanto mais experiências de interacção social, a criança tiver
com estas, mais salientes elas se tornam (Bowlby, 1969/1982). A composição
tradicional da família implica que, para além da mãe e do pai, irmãos mais
velhos ou avós possam funcionar como base segura da criança, porém, estas
figuras não são todas tratadas do mesmo modo. Na cultura ocidental, esse papel
é, tradicionalmente, assumido pela mãe, sendo o pai, essencialmente, tido como
um companheiro de brincadeira ao qual as crianças dirigem, preferencialmente,
comportamentos de carácter afiliativo. Embora não se possa assumir que os pais
são menos capazes de cuidar dos seus filhos, esta não parece ser a componente
mais saliente do seu comportamento (e.g., Bowlby, 1969/1982; Lamb, 1987; Parke,
2006).
As diferenças individuais na organização dos comportamentos de base segura
estão, de acordo com a teoria da vinculação, fortemente relacionadas com os
comportamentos maternos, nomeadamente, com a sua sensibilidade, aceitação,
cooperação e acessibilidade nas interacções diárias com as crianças (Ainsworth,
Blehar, Waters, & Wall, 1978). Apesar das crianças se encontrarem
vinculadas aos pais (e.g., Bowlby, 1969/1982; Main & Weston, 1981;
Monteiro, Veríssimo, Vaughn, Santos, & Fernandes, no prelo), a meta-análise
de van IJzendoorn e De Wolff (1997) revela que a sensibilidade paterna tem um
efeito médio de 0.13, cerca de 50% inferior ao efeito encontrado nas amostras
maternas (0.24). Pelo que, alguns autores (e.g., Cox, Owen, Henderson, &
Margand, 1992; Goossens & van IJzendoorn, 1990) sugerem que as origens da
segurança da vinculação pai/criança podem residir em diferentes tipos de
interacção e contextos. Segundo Grossmann, Grossmann, Fremmer-Bombik, Kindler,
Scheuerer-Englisch e Zimmermann (2002), a sensibilidade no contexto de
brincadeira, por parte do pai, será central na relação de vinculação criança/
pai, do mesmo modo que a sensibilidade na prestação de cuidados é central na
relação criança/mãe, uma vez que parece ser nestes domínios que estas figuras
são mais salientes e onde interagem preferencialmente.
Um aumento da participação do pai, nas actividades diárias relacionadas com as
crianças, parece fortalecer a relação de base segura com o progenitor,
indicando que a experiência nos cuidados poderá facilitar o modo como os pais
interpretam e respondem aos sinais das crianças. Embora o pai possa ter
capacidade para ser sensível aos sinais comunicativos do filho(a), se a criança
e o pai têm pouca experiência de interacção, esta capacidade poderá fazer pouca
diferença (Cox et al., 1992). No entanto, quando a mãe assume o principal papel
nos cuidados à criança é, com maior probabilidade, preferida como figura de
vinculação, independentemente das crianças estarem vinculadas a ambos os pais
(Lamb & Lewis, 2004).
Lamb et al.(1983) sugerem que a qualidade da relação criança/pai poderá não
estar associada com a quantidade global do envolvimento, mas com um tipo
particular de envolvimento, nomeadamente, a brincadeira. Sugerindo, ainda, que
estas interacções poderão tornar os pais mais salientes, do ponto de vista
afectivo e, assim, facilitar o desenvolvimento destas relações diádicas, mesmo
quando os pais não passam muito tempo com os filhos ou participam pouco nas
tarefas de cuidados. Easterbrooks e Goldberg (1984) verificaram que a
participação paterna nas actividades de cuidados não se encontra relacionada
com a qualidade da vinculação estabelecida com o progenitor, contrariamente, ao
tempo passado sozinho com a criança e em brincadeira. Porém, Caldera (2004)
verificou que pais com maior nível de participação nos cuidados (e.g., mudar
fraldas, dar banho) tinham crianças com valores mais elevados na segurança
(AQS), o mesmo não se observando para a participação nas actividades de
brincadeira/leitura.
OBJECTIVOS
Este estudo tem como objectivo analisar o envolvimento parental, centrando a
sua análise no tipo de actividades realizadas por pais e mães (organização/
cuidados e brincadeira/lazer), numa perspectiva relativa. Dado que esta
informação foi obtida de modo independente, é possível analisar o nível de
concordância entre as respostas parentais, o que será indicador de uma
percepção partilhada ou divergente das suas responsabilidades e participação
nas diferentes actividades relacionadas com a criança.
Estudos com famílias portuguesas (Monteiro et al., 2006; Torres, 2004) indicam
que, mesmo quando as mulheres trabalham são elas quem continua a assegurar o
essencial dos cuidados físicos (Práticas) às crianças, sendo a divisão destas
tarefas, ainda, baseada no género. Um padrão distinto surge nas actividades de
brincadeira/lazer (Lúdicas), onde a participação dos pais é mais expressiva ou
mesmo partilhada. Assim, analisa-se, numa amostra de famílias bi-parentais, em
que as mães trabalham e as crianças frequentam cuidados não-maternos várias
horas por dia, se existe uma partilha parental (co-parentalidade), ou uma
divisão tradicional, baseada no género, nas Actividades Práticas e nas Lúdicas.
Diversos factores estão relacionados com o envolvimento paterno. Neste estudo,
são analisadas variáveis socio-demográficas como: a idade e habilitações
literárias de ambos os pais, o género da criança, a sua posição na fratria, a
idade de entrada para Creche/ Jardim-de-Infância e o número de horas que passam
na escola.
Segundo Lamb e Lewis (2004), nos últimos trinta anos os investigadores têm
demonstrado que, não só os pais têm um impacto directo nas crianças ao
interagirem com elas como, também, indirecto, pelo impacto que têm, por
exemplo, nas mães. Centrando-nos nas relações de base segura, no contexto
familiar, este estudo surge na continuidade dos trabalhos de Monteiro et al.(no
prelo) e Monteiro, Veríssimo, Vaughn e Bost (2008). Na análise das díades
criança/mãe e criança/pai, Monteiro et al. (no prelo) verificaram que as
crianças organizam os seus comportamentos de base segura em torno de ambas as
figuras parentais, e em magnitudes semelhantes. Apesar de não existirem
diferenças significativas entre os valores de segurança à mãe e ao pai, os
autores encontraram algumas características específicas nos estilos de
interacção das díades, em particular, ao nível da Proximidade e Contacto Físico
que parecem ser comportamentos mais salientes na relação com a mãe, embora
estejam, também, presentes na relação com o pai. Encontrou-se, ainda, uma
associação significativa, mas modesta, entre os valores de segurança da criança
nestas duas relações (Monteiro et al., no prelo), considerando-se que a
segurança não está, substancialmente, generalizada às diferentes relações
dentro do sistema familiar (van IJzendoorn & De Wolff, 1997). Verifica-se,
ainda, que a relação entre o papel do pai e o valor de segurança da criança,
não é mediada ou suprimida pelo papel materno, e análises ao nível do casal
indicam a existência de uma concordância entre os papéis de base segura materno
e paterno, o que explica (pelo menos em parte) a concordância encontrada entre
os valores AQS da criança, para ambos os pais (Monteiro et al., 2008). Os
resultados vão, assim, no sentido de uma organização das relações como únicas e
específicas no contexto familiar.
A análise de alguns aspectos da ecologia familiar poderá contribuir para uma
melhor compreensão da natureza da organização das relações de vinculação da
criança, neste micro-sistema. Deste modo, analisa-se se um maior envolvimento,
isto é, uma maior participação paterna nas Tarefas Práticas e nas Actividades
Lúdicas, está associado à qualidade da organização dos comportamentos de base
segura da criança com o progenitor, ao nível do valor de segurança e das
escalas do AQS(benefícios directos do envolvimento). Segundo Bowlby (2002), o
pai exerce, também, um papel de apoio emocional e instrumental à mãe, ajudando-
a a manter um clima harmonioso e propício ao desenvolvimento da criança. Tendo
em consideração que, nesta amostra, as relações criança/mãe e criança/pai são
específicas e únicas, explora-se se uma maior participação paterna, nos
cuidados e nas brincadeiras, estará relacionada com a organização dos
comportamentos de base segura da criança com a mãe, estando, assim, o pai a
funcionar como suporte à figura materna (benefícios indirectos).
MÉTODO
Participantes
Os participantes são 44 díades mãe/criança e pai/criança. À data das
observações AQS, as crianças tinham idades compreendidas entre os 29 e os 38
meses (M=31.75, DP=2.56), sendo 23 do sexo feminino e 21 do sexo masculino.
Destas, 24 são filhos primogénitos e 31 têm irmãos. As idades de entrada na
Creche/Jardim-de-Infância variam entre os 4 e os 30 meses (M=8.63, DP=6.22),
passando entre 3 a 10 horas/dia (M=7.47, DP=1.50) neste contexto. As mães
tinham idades entre os 26 e 48 anos (M=34.95, DP=4.33) e os pais entre os 28 e
os 63 anos (M=37.32, DP=6.08). As habilitações literárias maternas variam entre
os 7 e os 23 anos de escolaridade (M=15.48, DP=3.45) e as paternas entre os 7 e
os 23 anos (M=14.61, DP=3.29). Todas as mães e pais trabalham a tempo inteiro.
As famílias pertencem a um nível socio-económico médio/médio alto, tendo sido
recrutadas para o projecto através das Creches/Jardins-de-infância de ensino
particular que as crianças frequentam. Estas famílias participam num projecto
longitudinal que analisa o desenvolvimento sócio-emocional de crianças entre os
dois anos e meio e os cinco anos.
INSTRUMENTOS
Envolvimento parental
O envolvimento parental é avaliado como a participação na organização e
realização de diferentes actividades, relacionadas com as crianças, que ocorrem
no contexto das vivências familiares. O questionário, elaborado por Monteiro e
Veríssimo (Monteiro et al., 2006), é constituído por 17 itens, organizados em
duas dimensões: Actividades Práticas, composta por 11 itens (1, 2, 3, 4, 5, 6,
7, 14, 15, 16, 17), relacionados com a organização e realização de cuidados à
criança (e.g., "Quem fica em casa quando o seu filho está doente"
ou "Quem dá banho ao seu filho"). A dimensão das Actividades
Lúdicas é composta por 6 itens (8, 9, 10, 11, 12, 13), relacionados com a
brincadeira e o lazer (e.g., "Quem lê histórias ao seu filho" ou
"Quem leva o seu filho ao parque infantil"). O Alfa de Cronbachpara
as Actividades Práticas, na perspectiva das mães é de .68 e, na dos pais de
.70; para as Actividades Lúdicas, os Alfas são .84 e .70 para mães e pais,
respectivamente. Valores que indicam níveis aceitáveis de fiabilidade e que se
encontram dentro dos valores apresentados por Monteiro et al.(2006).
O envolvimento é avaliado numa perspectiva relativa, ou seja, como é que as
actividades são divididas ou partilhadas em relação à o utra figura parental. É
pedido aos pais que respondam a cada item numa escala de 5 pontos: Sempre a mãe
(1); Quase sempre a mãe (2); Tanto a mãe como o pai (3); Quase sempre o pai
(4); Sempre o pai (5), apenas para a criança alvo e não para todas as crianças
do agregado familiar. Não existe, assim, uma medida separada de envolvimento
per se, para o pai e para a mãe, sendo o envolvimento da mãe (pai) a porção de
envolvimento que não é atribuída ao pai (mãe). Por exemplo, se o pai realiza
usualmente uma actividade, a mãe quase nunca realiza essa mesma actividade, ou
se a mãe realiza sempre essa tarefa, o pai nunca o faz (Bailey, 1994). Os
valores mais elevados representam uma maior participação do pai.
ATTACHMENT BEHAVIOR Q-SET (AQS): VERSÃO 3.0 DE WATERS (1995)
O AQSavalia a organização do comportamento de base segura da criança, definido
como a organização harmoniosa e o equilíbrio adequado entre a procura de
proximidade e a exploração do meio (Posada, Goa, Wu, Posada, Tascon et al.,
1995), face à mãe ou a outras figuras, em contexto ecologicamente válido. Este
é um instrumento de classificação e observação sistemática, baseada na
metodologia do Q-Sort, sendo preenchido através da atribuição de itens a
categorias, utilizando uma distribuição fixa. A validade do AQS, realizado por
observadores, foi claramente confirmada na meta-análise de van IJzendoorn,
Vereijken, Bakermans-Kranenburg e Riksen-Walraven (2004), assim como, em
amostras portuguesas com crianças, em idade pré-escolar (e.g. Veríssimo et al.,
2005; Veríssimo et al., 2006).
As quatro escalas criadas por Posada e Waters (Posada, Waters, Crowell, &
Lay, 1995), derivadas do AQSsão: Interacção Suave com a Mãe/Pai; Proximidade
com a Mãe/Pai; Contacto Físico com a Mãe/Pai e Interacção com Outros Adultos
(ver Monteiro et al., no prelo, para uma descrição das escalas). Os Alfas de
Cronbachobtidos nas escalas para a mãe são de 0.87, 0.90, 0.83, 0.78,
respectivamente, e para o pai de 0.86, 0.92, 0.84, 0.78. Valores que traduzem
níveis aceitáveis de fiabilidade das escalas, para ambos os pais, e são
comparáveis aos obtidos por Posada, Waters et al.(1995).
PROCEDIMENTO
Questionário
Os questionários foram entregues a mães e pais em dois momentos distintos e
preenchidos independentemente por estes, tendo sido devolvidos aos
investigadores que realizaram as observações do AQSe, ocasionalmente, às
educadoras das salas que as crianças frequentavam.
Observações doAQS
As visitas domiciliárias, com duração de duas a três horas, foram combinadas
com a mãe e o pai, separadamente, de modo a observar as interacções da criança
com cada progenitor. Estas obedeceram ao princípio de contra-balanceamento, com
um intervalo médio de um mês. Cerca de 82% das observações realizadas com as
mães e 64% das realizadas com os pais ocorreram durante a semana, após os pais
terem ido buscar as crianças à escola, tendo as restantes sido efectuadas no
fim-de-semana.
Foi dito aos pais que o objectivo da visita era conhecer a criança e a mãe/pai
nas suas rotinas e experiências diárias, pelo que lhes foi pedido que
mantivessem as suas actividades do dia-a-dia inalteradas. As observações foram
realizadas por duas equipas de observadores independentes que se comportaram
como se de visitas sociais da casa se tratassem, procurando não interferir nas
interacções em curso, mas participando nas brincadeiras da criança quando
solicitados e conversando informalmente com a mãe/pai. Quando se tornava
oportuno, e na sequência da conversa com a mãe/pai, foram colocadas questões
acerca de itens que não se podem observar ou que não foram observados na
visita.
No final, os observadores realizaram a distribuição dos itens do AQSrelativos
ao sujeito, de modo totalmente independente. Os 90 itens foram distribuídos por
uma escala de nove pontos (10 itens em cada categoria), em que os itens mais
característicos da criança são colocados nas categorias mais elevadas
(9-7) e os itens menos característicos, ou os que não são como a criança
observada são colocados nas categorias inferiores (3-1). Os itens que não
são, nem característicos, nem incaracterísticos e/ou os itens que não foram
observados são colocados no centro da distribuição (6-4). O perfil do
sujeito observado é, então, correlacionado com o critério de segurança (Waters,
1995), obtendo-se um valor que reflecte o lugar ocupado pela criança num
contínuo de segurança (ver Monteiro et al., no prelo, descrição mais
pormenorizada do procedimento). A média das correlações inter-observadores para
as díades mãe/criança f oi de 0.72 e de 0.73 para as díades pai/criança. O Q-
Sortde cada criança é o compósito (média) das duas descrições-Q realizadas
pelos observadores.
RESULTADOS
Análise das representações de mães e pais sobre o envolvimento: participação
Numa primeira análise descritiva obteve-se a Moda para cada item do
questionário, separadamente para a mãe e pai, como se pode observar na Tabela
1.
TABELA_1
Análise dos 17 itens, como base na Moda, na perspectiva da mãe e do pai
_________________________________________________________________________________________
| _______________________________________________|________Mãe_______|________Pai________|
|1_Quem_dá_as_refeições_ao_seu_filho___________|Quase_sempre_a_mãe|Quase_sempre_a_mãe|
|2_Quem_dá_banho_ao_seu_filho____________________|Quase_sempre_a_mãe|Quase_sempre_a_mãe|
|3 Quem veste o seu filho |Quase sempre a mãe|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|___________________|________pai________|
|4 Quem vai deitar o seu filho |Quase sempre a mãe|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|___________________|________pai________|
|5 Quem é responsável pela ida ao médico do seu|Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|filho____________________________________________|________pai________|________pai________|
|6 Quem fica em casa quando o seu filho está |Quase sempre a mãe| Sempre a mãe |
|doente___________________________________________|___________________|___________________|
|7_Quem_costuma_comprar_as_roupas_do_seu_filho____|___Sempre_a_mãe___|___Sempre_a_mãe___|
|8 Quem costuma comprar os brinquedos do seu filho|Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|________pai________|________pai________|
|9 Quem leva o seu filho às actividades, por e.g.|Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|natação________________________________________|________pai________|________pai________|
|10 Quem leva o seu filho às festas de anos |Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|________pai________|________pai________|
|11 Quem brinca com o seu filho |Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|________pai________|________pai________|
|12 Quem lê histórias ao seu filho |Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|________pai________|________pai________|
|13 Quem leva o seu filho ao parque infantil |Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|________pai________|________pai________|
|14 Quem escolheu a escola que o seu filho |Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|frequenta________________________________________|________pai________|________pai________|
|15 Quem leva e traz o seu filho da escola |Tanto a mãe como o|Tanto a mãe como o|
|_________________________________________________|________pai________|________pai________|
|16 A quem telefona a escola se algo se passar com| Sempre a mãe | Sempre a mãe |
|o_seu_filho______________________________________|___________________|___________________|
|17 Quem costuma ir às reuniões de escola do seu| Sempre a mãe |Quase sempre a mãe|
|filho____________________________________________|___________________|___________________|
De acordo com as mães, nove das actividades descritas são realizadas tanto a
mãe como o pai, cinco são quase sempre a mãe, e três são sempre a mãe. Na
perspectiva dos pais, dez das actividades são tanto a mãe como o paia realizá-
las, quatro são quase sempre a mãee, três são sempre a mãea realizá-las. A
discordância entre os pais e as mães situa-se nos itens 3 (Quem veste o seu
filho) e 4 (Quem vai deitar o seu filho) que os pais consideram ser tanto a mãe
como o paia realizá-los, enquanto que, as mães consideram ser quase sempre a
mãe. No item 6 (Quem fica em casa quando o seu filho está doente) os pais
consideram ser sempre a mãee, as mães ser quase sempre a mãe; no item 17 (Quem
costuma ir às reuniões de escola do seu filho) os pais indicam ser quase sempre
a mãee, as mães, sempre a mãe.
Concordância entre as representações parentais
A análise da concordância entre as respostas maternas e paternas, para as duas
dimensões do questionário, é apresentada na Tabela_2.
TABELA_2
Concordância entre mãe e pai nas Actividades Práticas e Lúdicas
Actividades Práticas Actividades Lúdicas
1(M) 2 (M) 3 (M) 1 (M) 2 (M) 3 (M)
1 (P) 4 0 0 0 0 0
2 (P) 0 26 0 0 11 0
3 (P) 0 0 14 0 0 33
Legenda: M=mãe; P=pai; 1=Sempre a mãe; 2=Quase sempre a mãe; 3=Tanto a mãe como
o pai
O valor do Kappa= 1, para as Actividades Práticas e Lúdicas, significa que os
pais não subestimam ou sobrestimam o seu envolvimento nas diferentes
actividades. Do ponto de vista estatístico, a concordância entre ambos é
perfeita, tendo-se optado por realizar um compósito (média) dos valores de
envolvimento das mães e pais para as Tarefas Práticas e para as Actividades
Lúdicas, utilizados nas análises seguintes.
Análise da participação com base no tipo de actividades
A análise das duas dimensões do questionário indica que é quase sempre a mãea
realizar as tarefas de organização/cuidados (M=2.18, DP=0.39) e que tanto a mãe
como o pai(M=2.70, DP=0.32) participam nas actividades de brincadeira/lazer.
Uma análise T de Student, para amostras emparelhadas, indica que as figuras
parentais partilham significativamente mais as Actividades Lúdicas, do que as
Práticas (t (42)=-10.1, p<0.01).
Factores associados com o envolvimento: variáveis socio-demográficas
As relações entre variáveis socio-demográficas e os valores de envolvimento nas
Actividades Práticas e Lúdicas são analisadas utilizando o Coeficiente de
Correlação de Pearson. Os resultados são apresentados na Tabela_3.
Como se pode observar na Tabela_3, apenas foi encontrada uma correlação
positiva e significativa entre as habilitações literárias do pai e o valor de
participação nas Actividades Lúdicas, ou seja, quanto mais elevadas as
habilitações literárias do pai, maior a sua participação nas actividades de
brincadeira/lazer.
TABELA_3
Correlações entre variáveis socio-demográficas e valores de participação
___________________________________________________________________________
|_____________________________|Actividades_Práticas|__Actividades_Lúdicas_|
|Idade_da_criança____________|________0.07_________|_________-0.11_________|
|Idade_da_mãe________________|________0.14_________|_________-0.12_________|
|Idade_do_pai_________________|________0.16_________|_________-0.12_________|
|Habilitações Literárias da| 0.17 | 0.18 |
|mãe_________________________|_____________________|_______________________|
|Habilitações Literárias do| 0.12 | 0.40** |
|pai__________________________|_____________________|_______________________|
|Idade entrada/cuidados não | -0.12 | 0.04 |
|maternos_____________________|_____________________|_______________________|
|Número_de_horas_na_escola___|________0.32_________|_________0.02__________|
Legenda: ** p< .01
Com base em análises de Variância não foram encontradas diferenças
significativas entre os valores de participação dos pais nas Actividades
Práticas para as raparigas (M=2.23, DP=0.35) e rapazes (M=2.14, DP=0.45), (F
(42,1)=0.57, p>0.05) e nas Actividades Lúdicas para raparigas (M=2.76, DP=0.31)
e rapazes (M=2.67, DP=0.33), (F(42,1)=0.57, p>0.05). O mesmo verificou-se para
a ordem de nascimento das crianças, ou seja, não existem diferenças
significativas entre os valores de participação para as crianças primogénitas
(M=2.25, DP=0.37) e não primogénitas (M=2.09, DP=0.42) (F(41,1)=1.68, p>0.05)
nas Tarefas Práticas, nem entre os valores de participação nas Actividades
Lúdicas para primogénitos (M=2.72, DP=0.32) e não primogénitos (M=2.07,
DP=0.33), (F(41,1)= 0.02, p>0.05).
Participação paterna e organização dos comportamentos de base segura na díade
criança/pai
Utilizando o Coeficiente de Correlação de Pearson, verificou-se que a
participação dos pais nas Tarefas Práticas está positiva e significativamente
correlacionada com o modo como a criança organiza os seus comportamentos de
base segura na relação com o progenitor (r=0.44, p<0.01), enquanto que, nas
Actividades Lúdicas este valor é marginalmente significativo (r=0.26, p<0.08).
Assim, quanto maior a participação dos pais nas tarefas de organização/
cuidados à criança mais elevado o valor de segurança da criança na relação com
o pai.
Correlacionaram-se, ainda, os valores de participação nos dois tipos de
actividades com os valores das quatro escalas AQS/pai. Os resultados são
apresentados na Tabela_4.
TABELA_4
Correlações entre as Actividades Práticas e Lúdicas e as escalas do AQS/Pai
____________________________________________________________________________
| | Interacção| Proximidade | Contacto | Interacção Outros|
|______________|____Suave_____|_____________|__Físico__|______Adultos_______|
| Actividades | 0.26 | 0.37** | 0.45** | 0.07 |
|___Práticas__|______________|_____________|___________|____________________|
| Actividades | 0.06 | 0.36* | 0.35* | -0.09 |
|___Lúdicas___|______________|_____________|___________|____________________|
Legenda: * p< 0.05; ** p< 0.01
As escalas de Proximidade e Contacto Físico encontram-se positiva e
significativamente correlacionadas com a participação dos pais nas Actividades
Práticas e Lúdicas. Na Interacção Suave e, apenas para as Actividades Práticas,
o valor é marginalmente significativo p<0.08.
Participação paterna e organização dos comportamentos de base segura na díade
criança/mãe
O valor da participação paterna, nas Tarefas Práticas, não se encontra
significativamente correlacionado com o valor de segurança da criança, na
relação com a mãe (r=0.12, p>0.45). Enquanto que, nas Actividades Lúdicas há
uma correlação positiva e significativa com o valor de segurança (r=0.32,
p<0.05).
Correlacionaram-se, ainda, os valores de participação nos dois tipos de
actividades com os valores das escalas AQS/mães. Nenhuma das escalas:
Interacção Suave, Proximidade, Contacto Físico e Interacção com Outros Adultos,
se encontra significativamente correlacionada com os valores de participação
nas Tarefas Práticas (0.03; 0.13; 0.07; 0.07, respectivamente) e nas
Actividades Lúdicas (0.22; 0.19; 0.12; -0.06, respectivamente).
DISCUSSÃO
Analisou-se o envolvimento com base na participação nas tarefas de organização/
cuidados (Práticas), e nas actividades de brincadeira/lazer (Lúdicas), uma vez
que estudos anteriores indicam que o envolvimento do pai varia consoante o
contexto e as actividades (e.g., Bailey, 1994; Monteiro et al., 2006; Parke,
1996). Embora um elevado número de trabalhos utilize a mãe como fonte de
informação acerca do pai, a visão que este tem da sua própria responsabilidade
e participação é tão importante como a da figura materna (Beitel & Parke,
1998). Assim, pediu-se que, mães e pais descrevessem, de modo independente, o
seu nível de participação relativamente à outra figura parental. A concordância
obtida nas respostas é de Kappa= 1, tanto nas Actividades Práticas, como nas
Lúdicas, o que do ponto de vista metodológico confirma a validade da informação
obtida via auto-relato (Pleck & Masciadrelli, 2004). É, ainda, indicador
que ambos os pais têm uma percepção partilhada da sua responsabilidade e
participação nas actividades analisadas, o que é particularmente importante, se
considerarmos que vivem e cuidam juntos da criança.
Mas, até que ponto este novo ideal de partilha parental corresponde a um maior
envolvimento real do pai, em particular, nas famílias bi-parentais, onde a mãe,
também, trabalha? Os resultados obtidos replicam os de outras amostras (e.g.,
Bailey, 1994; Peitz et al., 2001), nomeadamente, portuguesas, com crianças em
idade de Creche/Jardim-de-Infância (Monteiro et al., 2006). Embora a mulher
acumule responsabilidades na esfera familiar e profissional, continua a ser a
principal responsável (M=2.18, quase sempre a mãe) pela r ealização das Tarefas
Práticas, assumindo o pai um papel de suporte, ajudando quando necessário, pelo
que neste domínio assiste-se, ainda, a uma divisão tradicional de papéis.
Contrariamente, nas Actividades Lúdicas existe uma participação igualitária
(M=2.70, tanto a mãe como o pai), pelo que, a brincadeira/lazer surge como a
dimensão mais saliente nas interacções pai/criança, embora não a única. Assim,
apesar de, na sociedade portuguesa, as representações do papel paterno, face a
gerações anteriores, parecerem estar a mudar (Balancho, 2004), os dados obtidos
vão no sentido de existir, ainda, num padrão específico, baseado no género.
Embora alguns pais desempenhem, no presente, um papel mais activo na vida dos
filhos, poucas mudanças se verificaram, nomeadamente, na área de cuidados. Este
tem sido um processo de mudança lento, porém contínuo, em particular nas
famílias em que ambos os pais trabalham (Lamb & Tamis-Lemonda, 2004; Parke,
1996; Pleck & Masciadrelli, 2004).
Contudo, mesmo com um número reduzido de participantes (n=44) é possível
encontrar alguma diversidade no modo como a divisão e partilha das actividades
é realizada nos diferentes contextos familiares. Existem pais que assumem uma
co-parentalidade, partilhando as diversas actividades com as mães, enquanto
que, outros têm uma participação limitada na vida das crianças (nas actividades
analisadas), enquadrando-se no estereótipo do "pai não envolvido".
No entanto, cerca de metade dos pais assume um papel temporário ou de ajuda às
mães nas tarefas de organização/cuidados, partilhando as de brincadeira/lazer
indo, assim, ao encontro da imagem de pai, essencialmente, como companheiro de
brincadeira (e.g., Lamb, 1987; Parke, 1996; Russel, 1983). Este tipo de
actividades tem horários mais flexíveis, e podem ser adequadas à
disponibilidade dos pais e intervaladas com outras, contrariamente às
actividades definidas como práticas que são rotineiras e orientadas pelas
necessidades imediatas das crianças. Deste modo, as mães terão de gerir o seu
tempo e disponibilidade entre as diversas actividades, realizando com maior
frequência tarefas em simultâneo, de modo a preservar o tempo passado em
actividades mais valorizadas, como por exemplo, conversar, brincar ou ler,
enquanto que, os pais passam mais tempo a realizar estas actividades em
exclusivo (Craig, 2003, 2006).
Os resultados obtidos são, ainda, indicadores de que, em famílias onde ambos os
pais trabalham a tempo inteiro e as crianças frequentam Creche/ Jardim-de-
Infância várias horas por dia, o emprego, per se, poderá não ser uma explicação
suficiente para o grau e tipo de participação paterno (e.g., Manlove &
Vernon-Feagans, 2002). Diversos autores (e.g., Cabrera et al., 2000; Lamb &
Tamis-Lemonda, 2004; Levy-Shiff & Israelashvili, 1988; Parke, 1996)
salientam, entre outros aspectos, a importância das atitudes e representações
que mães e pais têm acerca d os seus papéis e competências, em particular, nos
cuidados à criança, que do ponto de vista cultural, têm um papel menos bem
definido, para o pai, comparativamente com as brincadeiras (Peitz et al.,
2001). Na realidade, os pais poderão preferir ajudar as mães quando estas
necessitam, por considerarem que elas desempenham melhor as tarefas de
cuidados, optando por ser mais activos noutros domínios. Ou, as próprias mães
poderão incentivar pouco a sua participação, uma vez que percepcionam estas
tarefas como sendo da sua responsabilidade, podendo, inclusivamente, considerar
que os maridos têm menos competências para as realizar (e.g., Beitel &
Parke, 1998; Russell, 1983). Assim, apesar de trabalharem, as mães podem estar
pouco disponíveis para abdicar da sua posição no contexto familiar, agindo com
gatekeepers, na gestão que fazem das actividades e tempos em que esperam que o
pai participe. Ainda, do ponto de vista social e institucional, o local de
trabalho parece manter-se organizado para uma estrutura familiar mais
tradicional, parecendo haver maior intolerância quando as responsabilidades
familiares interferem no desempenho profissional dos homens, do que no das
mulheres (Lamb et al., 1988).
Diversas variáveis socio-demográficas têm sido empiricamente relacionadas com o
envolvimento do pai, contudo, os resultados obtidos indicam que apenas as
habilitações literárias paternas se encontram positiva e significativamente
correlacionadas com a sua participação nas actividades de brincadeira/ lazer.
Estas são vistas, cultural e socialmente, como mais características dos
comportamentos paternos, sendo este o contexto em que os pais, eventualmente,
se sentem mais à vontade para estarem próximos e dar suporte afectivo, bem
como, estimularem as aprendizagens cognitivas e sociais dos seus filhos. Não
foram, ainda, encontradas diferenças na participação, em função do tipo de
actividades para as raparigas e rapazes, nem para a ordem de nascimento, o que
confirma os resultados de estudos anteriores (e.g., Bailey, 1994; Monteiro et
al., 2006; Russell, 1983). De acordo com Pleck e Masciadrelli (2004),
actualmente, o género exerce menor influência sobre o envolvimento paterno, do
que em décadas passadas.
Um maior envolvimento do pai está associado a benefícios directos e indirectos
para a criança (ver Lamb, 2004; Parke, 1996), neste trabalho, centramo-nos nas
relações de base segura estabelecidas com o pai e a mãe. Os resultados indicam
que, quanto maior o valor de participação paterna nas Tarefas Práticas, mais
elevado o valor de segurança da criança na relação com o pai. Nas Lúdicas, o
valor é marginalmente significativo (p<.08), ou seja, existe uma tendência para
que quanto maior a participação dos pais nestas tarefas, mais elevado o valor
de segurança da criança. No único estudo encontrado que utiliza o AQS, mas sob
a forma de auto-relato, Caldera (2004) verificou que os pais que participavam
com maior regularidade, nas tarefas de cuidados, tinham crianças com valores de
segurança superiores, às crianças de pais menos envolvidos. Nenhuma correlação
foi obtida para a participação na brincadeira/leitura.
Considerando domínios mais específicos dos comportamentos (escalas do AQS),
verifica-se que as escalas de Contacto Físico e Proximidade encontram-se
positiva e significativamente associadas com a participação do pai, nas tarefas
de organização/ cuidados e nas actividades de brincadeira/lazer. Apenas para as
primeiras, e na escala de Interacção Suave, se encontra uma correlação
marginalmente significativa. Assim, os resultados sugerem que uma maior
participação nos cuidados à criança parece facilitar uma comunicação harmoniosa
entre os elementos da díade, as crianças aceitam sugestões, participam num dar
e receber marcado por um tom emocional positivo. Associados com a participação,
nos dois tipos de actividades analisadas, encontram-se comportamentos
relacionados com manter a noção da localização do pai, e com o regressar para
junto deste quando arreliada, aborrecida ou a necessitar de ajuda. Estas
relações são, ainda, caracterizadas pela satisfação da criança no contacto
físico com a figura paterna e pela capacidade deste a reconfortar, numa
situação de aflição ou ansiedade, sendo marcadas por uma partilha afectiva
entre a díade, aspectos que são centrais numa relação de base segura.
Os resultados vão no sentido dos pais serem tão capazes, como as mães, de
cuidar dos seus filhos, sendo competentes e sensíveis nas interacções com os
mesmos, parecendo que à medida que as crianças se desenvolvem, e os pais se
tornam mais experientes, estes sentem-se mais à vontade no seu papel (Belsky,
Gilstrap, & Rovine, 1984). Contrariando a crença popular, de que as mães
estão instintivamente predispostas para cuidar melhor dos filhos, tanto as
mães, como os pais, parecem adquirir as suas competências "on the
job" (Lamb, 1987; Parke, 1996).
Os resultados indicam, também, a importância do contexto de brincadeira/lazer
nas relações criança/ pai (e.g., Cox et al., 1992; Grossmann et al., 2002).
Lamb et al.(1983) consideram que a brincadeira poderá servir para aumentar a
saliência dos pais, nomeadamente, através de um estilo e tipo de brincadeira
activo e diferenciado da mãe. Neste estudo não são analisados os comportamentos
das figuras parentais, contudo, uma análise a nível dos itens do AQSrealizada
por Monteiro et al.(no prelo), indica que os comportamentos das crianças nas
interacções com a mãe sugerem um estilo mais verbal, tranquilo e mediado por
brinquedos. Enquanto que, alguns comportamentos nas interacções criança/pai
estão associados com o contacto físico relacionado com a brincadeira,
tendencialmente, física e estimulante (e.g., o trepar pelo pai enquanto
brincam, o aceitar e gostar de sons barulhentos ou ser balanceada). As crianças
poderão beneficiar de interacções com dois pais envolvidos, com diferentes
estilos de comportamentos (Cabrera et al., 2000) e em que ambos parecem ser
sensíveis às suas competências e mudanças comportamentais, resultado das
diferentes fases de desenvolvimento (Belsky et al., 1984). Na realidade, quando
mães e pais utilizam cuidados não maternos passam menos tempo nas tarefas de
cuidados físicos, mas parecem manter o seu tempo em actividades como conversar,
ler ou brincar com as crianças, o que é indicativo do valor atribuído, por
ambos, a este tipo de actividades (Bittman, Craig, & Folbre, 2004).
O pai poderá, ainda, desempenhar um importante papel de apoio emocional e
instrumental à mãe (e.g., Bowlby, 2002; Lamb & Tamis-Lemonda, 2004; Parke,
1996). Deste modo, analisou-se se uma maior participação nas tarefas de
organização/ cuidados e de brincadeiras/lazer, poderia funcionar como suporte à
figura materna, permitindo que esta estivesse mais disponível nas interacções
com a criança, o que se reflectiria na qualidade desta relação. Não foi
encontrada nenhuma associação entre a participação nas Tarefas Práticas e o
valor de segurança com a mãe ou com as escalas/AQS. Estas poderão ser vistas
pelas mães como, essencialmente, da sua responsabilidade, esperando que o pai
apenas ajude, quando necessário. Na realidade, alguns estudos (e.g.,
Hochschild, 1995) indicam que um elevado número de mulheres parece estar
satisfeita, não só com a extensão do envolvimento como, também, com o tipo de
actividades nas quais os pais participam. Nas Actividades Lúdicas encontrou-se
uma correlação significativamente positiva, mas apenas para o valor de
segurança. Um maior envolvimento do pai, nestas actividades, poderá permitir
que ambas as figuras parentais façam o que para elas é recompensador e as
realiza, possibilitando ao pai satisfazer os seus desejos de maior proximidade
com a criança e às mães manter, simultaneamente, relações harmoniosas com os
seus filhos e satisfazer os seus objectivos pessoais (Lamb & Tamis-Lemonda,
2004).
Será, contudo, um erro assumir que um maior envolvimento tenha sempre
consequências positivas para a criança (Lamb, 1987). Há pais que se vêem
forçados a assumir a responsabilidade pelos cuidados dos filhos (e.g., quando o
pai perde o emprego e a mãe o mantém), sem que isso seja desejado por si, ou
pela sua mulher, não resultando daí benefícios para a criança, podendo
inclusivamente, ter consequências negativas (Russell, 1983). Cox et al.(1992)
encontraram uma relação negativa entre o tempo passado com a criança e a
segurança da vinculação ao pai (controlando variáveis relacionadas com as
atitudes e interacção), sugerindo que os pais poderão passar mais tempo com as
crianças devido a pressões do contexto familiar, podendo este ser um indicador
de stress familiar. Outros estudos (e.g., Grossman et al., 1988) não
encontraram qualquer associação entre quantidade e qualidade do envolvimento.
Contudo, nas famílias analisadas, neste estudo, uma maior participação do pai
está relacionada com a qualidade das relações de base segura da criança, pelo
que se sugere que os pais, provavelmente, consideram importante e optaram por
estar mais envolvidos com os filhos, apresentando características
comportamentais positivas nas interacções com os mesmos.
Segundo Easterbrooks e Goldberg (1984) é a interacção entre um maior
envolvimento e as características positivas do pai que explicam a maior parte
da variância no desenvolvimento da criança, nomeadamente, da vinculação (embora
a qualidade, per se, tenha um peso maior). Deste modo, em estudos futuros será
importante não só analisar o modo como as diferentes actividades são divididas/
partilhadas entre mães e pais como, também, as representações dos pais acerca
dos seus papéis e o suporte materno, incluindo uma medida da qualidade dos
comportamentos parentais. Uma análise em contexto ecologicamente válido, por
exemplo, em casa e/ou no parque, poderá permitir observar o estilo e qualidade
dos comportamentos dos pais, na interacção com os seus filhos, em diferentes
contextos.
A definição do papel do pai e do que deste se espera, em termos do seu
envolvimento, é claramente menos definida, do ponto de vista cultural, do que o
da mãe, não existindo uma norma que defina o que este envolvimento deverá ser.
Assim, os novos papéis dos pais estão aptos a ser negociados, em vez de
prontamente adoptados (Manlove & Veron-Feagans, 2002; Parke, 1996). O mais
importante, é que as famílias tenham oportunidade de tomar as decisões que
melhor se acomodem aos seus valores, necessidades e objectivos (Lamb, 1996),
devendo essa diversidade ser reconhecida, quer social, quer cientificamente.