Sucesso ou insucesso na matemáticano final da escolaridade obrigatória, eis a
questão!
INTRODUÇÃO
O insucesso escolar (não concretização das competências definidas) continua a
afectar muitos jovens em Portugal. Os resultados da matemática são o principal
factor do insucesso escolar, pois são os piores entre todas as disciplinas
(Coelho, 2007). A média dos 84987 alunos no exame nacional de matemática do 9º
ano de escolaridade em 2005 foi de 2,17 (s=.904) numa escala de 1-5. Portugal é
um dos cinco países da OCDE com uma percentagem superior a 25% de alunos que
não possuem pelo menos um nível básico de competências em Matemática
1
, constituindo um indicador dos alunos que apresentarão problemas sérios ao
utilizarem a matemática no futuro (OCDE, 2005). Os maus resultados na
matemática, estão na origem do insucesso e do abandono escolar, da orientação
para profissões não requeridas pelos empregadores e/ou mal remuneradas e
consequentemente para disfunções pessoais e sociais subsequentes.
A investigação tem revelado que os fracos resultados dos alunos nos seus
estudos e, em particular, na matemática, são influenciados, para além das
características próprias do aluno, por factores contextuais como o ambiente
escolar e o ambiente e apoio familiar (e.g., Gregory & Weinstein, 2004; Ma,
1997) e moderados e mediados por múltiplas variáveis.
As diferenças no sucesso da matemática consoante o género têm sido
intensivamente estudadas nas últimas décadas (Hyde, Fennema, & Lamon,
1990). Porém, os resultados da investigação não são concludentes.
Tradicionalmente, existe a ideia de que os rapazes têm melhores resultados do
que as raparigas. Alguns autores defendem que essa diferença (gender bias) pode
ser, pelo menos parcialmente, justificada por diferentes atitudes face à
matemática (Fennema & Sherman, 1976; Fennema, Carpenter, Jacobs, Franke,
& Levi, 1998) por parte dos alunos, pais e professores. Especificamente, as
raparigas considerarem-se menos capazes para aprenderem a matemática, os pais
terem fracas expectativas para o sucesso das suas filhas nesta disciplina
considerado-as menos talentosas e os professores acompanharem este e outros
estereótipos dos pais.
Embora, existindo teorias contraditórias, a amplitude deste gapno género parece
variar com a idade. Alguns autores postulam que as diferenças são mais
importantes nos primeiros tempos de escolaridade e decrescem com o tempo à
medida que os alunos desenvolvem atitudes mais flexíveis (Ruble & Martin,
1998), enquanto outros defendem que essas diferenças se intensificam no início
da adolescência como resultado das pressões sociais associadas ao género
(Eccles, 1987). Hyde et al.(1990) na sua meta-análise encontrou suporte para
teorias igualitárias no desempenho na matemática consoante o género. Segundo
esta autora, o gapnão é estatisticamente significativo para alguns conteúdos da
matemática, mas parece favorecer os rapazes, à medida que a idade aumenta,
quando se trata da resolução de problemas, o que condiciona as futuras
carreiras. Constatou, ainda a autora que a grandeza da diferença de resultados
entre os dois sexos tem diminuído nas últimas décadas, o que poderá estar
associado a um tratamento mais igualitário na escola e/ou na família.
Também as causas do insucesso académico, e em particular na matemática, dos
alunos imigrantes ocupa uma posição de relevo na literatura deste domínio.
Abedi e Lord (2001) s alientam as dificuldades linguísticas dos pais. Hovey
(2000) destaca que os comportamentos, crenças e valores associados ao país de
origem criam fracos laços com a comunidade circundante. Keith e Lichtman (1994)
relevam a incapacidade dos pais apoiarem os seus filhos nas actividades
escolares e de se relacionarem com os professores. Além disso, o facto dum
aluno estrangeiro frequentar uma escola pública encontra-se frequentemente
associado ao facto de pertencer a uma família pobre, o que constitui, para a
generalidade dos alunos, uma das causas mais frequentemente apontadas para os
escassos resultados escolares.
Vários autores (Ainsworth, 2002; Ainsworth & Roscigno, 2005; Becker &
Luthar, 2002; Eamon, 2002, 2005; Guo, 1998; Jencks & Phillips, 1999;
Korenman, Miler, & Sjaastad, 1995; Roscigno, 2000; Smith, Brooks-Gun, &
Klebanov, 1997) têm revelado que a pobreza, afectando os comportamentos dos
pais negativamente e expondo os adolescentes a ambientes de elevado risco
caracterizados pelo desemprego, pela violência e por um fraco apoio social, tem
efeitos negativos sobre o sucesso académico. Também o nível de vida familiar
anda frequentemente associado ao nível de educação, o que origina que os pais
com baixos recursos não sejam um modelo adequado para elevadas expectativas de
carreira dos seus filhos e tenham dificuldades em proporcionar-lhes as
ferramentas, designadamente tecnológicas, que estimulem e desenvolvam as
capacidades (Teachman, 1987). As escassas oportunidades de emprego e de
carreira que se oferecem no ambiente que rodeia o aluno pobre explicam,
igualmente, o seu fraco sucesso académico (Ainsworth, 2002).
Também, estudos longitudinais revelaram que ser mais velho do que os colegas
interage com o nível de vida familiar influenciando a rapidez do sucesso na
aprendizagem da matemática (Ma, 2005). A investigação empírica indica que os
alunos mais velhos provenientes de famílias mais favorecidas crescem a uma taxa
mais baixa em matemática, enquanto os alunos mais jovens provenientes de
famílias mais desfavorecidas podem crescer a uma taxa mais elevada.
É principalmente na adolescência que as expectativas quanto ao futuro,
designadamente a sua vontade de continuar os estudos e de atingir a
universidade, se tornam vitais. Muitos estudos revelam uma correlação positiva
entre as expectativas de carreira e o subsequente sucesso educacional e
ocupacional (Sewell & Hauser, 1972; Wilson, Peterson, & Wilson, 1993).
A investigação empírica tem proporcionado suporte para a existência de relação
entre o ambiente familiar dos jovens e o seu comporta-mento na escola
(Forehand, Long, Brody, & Fauber, 1986; Guo, 1998; Korenman et al., 1995;
Roscigno, 2000; Smith et al., 1997). O envolvimento dos pais tem um efeito
positivo fundamental nas expectativas de carreira e no sucesso académico dos
alunos na matemática, independentemente do seu nível sócio-económico ou
cultural (Maertens & Johnston, 1972). Também a violência e o conflito
familiar não são propícios ao sucesso académico dos filhos, sendo que as
famílias em que um dos pais é migrante e o outro é nativo têm níveis mais
baixos de conflito que as famílias em que ambos os pais são migrantes ou
nacionais (Miranda, Estrada, & Firpo-Jimenez, 2000). Igualmente, quanto
mais tempo os pais passam com os filhos depois da escola, melhores são os seus
resultados escolares e menores os problemas por eles criados (Duncan, Duncan,
& Strycker, 2000). A implementação de práticas que encorajam as famílias a
apoiarem os seus filhos no estudo, em particular na matemática, está associado
a percentagens mais elevadas de competências e sucesso dos alunos nesta
disciplina (Sheldon & Epstein, 2005).
Na adolescência o envolvimento dos alunos com os colegas aumenta tendo, muitas
vezes, os colegas maior influência nos comportamentos e atitudes dos jovens na
escola e fora dela que os próprios pais (Hartup, 1983; Steinberg, 1990). Os
colegas são modelos ou agentes de reforço para os jovens (Hartup, 1983). Os
estudos efec-tuados não são convincentes sobre o papel dos colegas na
motivação, ajustamento e sucesso no final da escolaridade obrigatória,
sugerindo que as relações com os colegas originam resultados escolares
positivos apenas quando estes últimos são também adeptos da escola (Hymel,
Confort, Schonert-Reichl, & McDougall, 1996).
A violência e a intimidação entre colegas (bullying)são, há muito, um problema
que afecta pessoas, grupos e o ambiente escolar. No contexto deste estudo
interessa, sobretudo, a intimidação entre pares por ser caracterizada por um
desejo obstinado e consciente de magoar o outro e de o colocar sob stress
(Tattum, 1993), enquanto a violência, embora possa ser mais agressiva, ocorre
esporadicamente. Os resultados da investigação empírica sobre as relações entre
intimidação entre pares e sucesso escolar apresentam-se inconsistentes.
Wilkins-Shurmer et al.(2003) encontraram uma tendência para os alunos vítimas,
e sobretudo as raparigas, terem um desempenho escolar fraco. Por seu lado,
Yang, Chung, e Kim (2003) verificaram uma associação entre agressores e níveis
de desempenho fracos. Kokkinos e Panayiotou (2004) e Woods e Wolke (2004) não
encontraram relação entre comportamentos de intimidação com pares e sucesso
escolar.
Segundo Finn (1989) a identificação do adolescente com a escola envolve os
aspectos afectivos do empenho escolar, tais como os sentimentos de pertença à
escola e a identificação com os outros na escola. A investigação tem vindo a
demonstrar que a identificação dos alunos com a escola tem diversas
consequências sobre os seus comportamentos e resultados. Os alunos que
apresentam forte ligação emocional com a escola têm melhores resultados
académicos, enquanto a fraca identificação com a escola se encontra na origem
do insucesso, assumindo-se muitas vezes como a causa principal do abandono
escolar (Finn & Rock, 1997). Ademais, os alunos que melhor se identificam
com a escola têm melhores atitudes face aos colegas, aos professores e à
própria escola (Osterman, 2000). Samdal, Nutbeam, Wold, & Kannas (1998)
encontraram evidências empíricas de que o ser tratado com justiça, ser apoiado
pelos professores e o sentimento de segurança na escola são preditores da
satisfação do aluno com a escola.
Particularmente, determinante dos sentimentos que os alunos sentem pela escola
parece ser a qualidade da sua relação com os professores nas aulas. Segundo
Covington e Berry (1976) uma relação professor/aluno em que o professor mostra
respeito pelo esforço dos alunos e em que estes se sentem valorizados como
indivíduos independentemente do seu desempenho escolar tem um efeito positivo
na sua motivação, auto-estima e sucesso académico. Para Aiken (1970), os alunos
que são considerados e encorajados pelos professores aprendem mais do que os
alunos cujos professores enfatizam a crítica e as punições.
À luz destes resultados, este estudo procura compreender como é que algumas
características socio-demográficas do adolescente (género, idade, estatuto de
migrante), as suas expectativas de carreira, o nível de vida da sua família e
as relações dos alunos com os colegas (incluindo o seu envolvimento em
comportamentos de intimidação), com os professores e com os seus pais
contribuem para predizer os resultados na matemática no ciclo final da
escolaridade obrigatória. Esse estudo conduziu à construção de um modelo
simples permitindo predizer com eficácia o sucesso na matemática dos
adolescentes. No entanto, os factores pessoais e os factores contextuais do
ambiente e de suporte estabelecem múltiplas e complexas interacções entre eles
e com as variáveis que predizem, dificilmente traduzidas num modelo simples.
MÉTODO
Participantes e procedimentos
Selecção_e_caracterização_da_amostra
Os dados utilizados nesta amostra foram recolhidos entre Março e Julho de 2003
através de dois questionários: um adaptado do Health Behavior in School-Aged
Children (HBSC) da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002) e outro adaptado
por Seixas (2005) de Schwartz et al.(1997). O HBSC é um questionário utilizado,
de quatro em quatro anos pela Organização Mundial de Saúde, em estudos
transnacionais, para avaliar as atitudes e os comportamentos relacionados com a
saúde dos jovens. O questionário desenvolvido por Schwartz, Dodg, Pettit, e
Bates (1997) visa identificar o estatuto dos respondentes perante a intimidação
como agressores, vítimas, vítimas-agressivas ou não envolvidos.
Os dados foram recolhidos através duma amostragem por conglomerados em três
etapas, em que os concelhos do distrito de Lisboa constituíram a primeira
unidade de amostragem, onze escolas foram-no na segunda etapa e as turmas do 3º
ciclo (7º, 8º e 9º ano) do ensino básico foram-no na terceira etapa. Esta
recolha de dados foi anónima e foi assegurado que ninguém saberia quem
respondeu. A dimensão total da amostra recolhida é de 675 alunos: 238 no 7º,
234 no 8º, 203 no 9º ano de escolaridade com idades entre os doze e os
dezassete anos (M=13.92; DP=1.38).
Medidas
Variáveis_independentes
As características dos adolescentes são descritas pelo género (masculino,
feminino), ser mais velho que os colegas aquando da resposta ao questionário
(anos de idade completados), nacionalidade (se o aluno é português ou
estrangeiro, incluindo indivíduos da África do Sul, Alemanha, Angola, Brasil,
Camarões, Cabo Verde, Canadá, Congo, Espanha, França, Guiné Bissau, Índia,
Irlanda, Moçambique, S. Tomé, Timor Leste, Ucrânia e Zaire), expectativas de
carreira no final da escolaridade obrigatória (não saber, ir trabalhar, ir
aprender um ofício, ir para uma escola técnica ou profissional, continuar os
estudos para entrar na universidade) e pelo nível de vida da respectiva família
(não sei, nada bom, não muito bom, médio, bom, muito bom).
O questionário HBSC incluiu itens visando recolher informação sobre domínios
tão diferentes como a expectativa de carreira, a higiene, a alimentação, o
consumo de substâncias (tabaco, álcool e drogas ilegais), o corpo, a saúde, a
confiança em si, as relações com o meio, o desporto, a televisão e jogos
electrónicos, os colegas, a escola e a família dos jovens. Nem toda esta
informação é utilizada no presente estudo, inserindo-se num projecto mais
vasto. Após a preparação e análise exploratória dos dados, numa primeira fase,
começou-se por eliminar os itens que a teoria não indica como preditores do
sucesso da matemática e, por razões de parcimónia, mesmo aqueles itens que,
embora tenham sido já objecto de investigação empírica neste âmbito (ex.:
alimentação, saúde, tempo despendido com a televisão e jogos...), revelaram
correlações insignificantes com os resultados de matemática dos alunos
respondentes.
Reteve-se 49 itens do HBSC, respeitantes às percepções dos alunos sobre a sua
relação com o ambiente familiar e escolar e com o apoio que deles recebem, e em
seguida efectuou-se uma análise de componentes principais com rotação varimax.
Esta análise permitiu encontrar oito dimensões. Dezanove itens ambíguos e/ou
com pesos de regressão baixos foram eliminados, pelo que foram seleccionados 30
itens para definir os constructos.
Constructos do suporte familiar.A "relação afectuosa com a mãe" f
oi medida por uma nota compósita da percepção do aluno sobre seis itens (com
amplitude de 6 a 30 e alfa de Cronbach= .80): como te sentes com a tua mãe (de
1=absolutamente nada bem a 5=absolutamente muito bem); falar dos problemas com
(de 1=não falo a 5=muito fácil), falar das preocupações com (de 1=nunca a
5=todos os dias), brincar (de 1=nunca a 5=todos os dias), partilhar passatempos
e tempos livres (de 1=nunca a 5=todos os dias) e faz-me carinhos (de 1=nunca a
5=todos os dias). A "relação afectuosa com o pai" foi mensurada por
uma nota compósita do aluno de seis itens correspondentes àqueles usados para
caracterizar a relação afectuosa com a mãe (com amplitude de 6 a 30 e alfa de
Cronbach=.85). O "conflito com a mãe" foi definido por uma nota
compósita da percepção do aluno em dois itens (com amplitude de 2 a 10 e alfa
de Cronbach=.71): ralha comigo e discuto com ela (ambos variando de 1=nunca a
5=todos os dias). O "conflito com o pai" foi definido por uma nota
compósita de dois itens correspondentes aqueles usados para caracterizar o
conflito com a mãe (com amplitude de 2 a 10 e alfa de Cronbach=.69). O
"envolvimento dos pais nas actividades escolares" foi mensurado
pela percepção do aluno em três itens (com amplitude de 3 a 15 e alfa de
Cronbach=.83): se tenho problemas na escola os meus pais estão prontos a
ajudar-me; estão dispostos a vir à escola falar com o(s) professor(es); e
encorajam-me a ter bons resultados na escola (os três itens variando de 1=nunca
a 5=sempre).
Constructos do ambiente escolar.A "identificação do aluno" com a
escola foi definida por uma nota compósita da percepção do aluno sobre quatro
itens (com amplitude de 4 a 20 e alfa de Cronbach=.78): a escola tem em
consideração as propostas dos alunos; as regras são justas; é agradável e gosto
dela; e defendo a minha escola (os quatro itens variando de 1=nunca a
5=sempre). A qualidade da "relação estimulante com os professores"
foi definida por uma nota compósita da percepção dos alunos sobre quatro itens
(com amplitude de 4 a 20 e alfa de Cronbach=.78): encorajam-me a expressar a
minha opinião na aula; tratam-me com justiça; ajudam-me quando preciso; e
interessam-se por mim como pessoa (os quatro itens variando de 1=nunca a
5=sempre). A qualidade da "aceitação dos/pelos colegas" foi
definida por uma nota compósita da percepção do aluno sobre três itens (com
amplitude de 3 a 15 e alfa de Cronbach=.78): gostam de estar juntos; são
simpáticos e prestáveis; e aceitam-me como eu sou (os três itens variando de
1=nunca a 5=sempre).
Num outro questionário, visando conhecer o "estatuto perante a
intimidação" entre alunos (Seixas, 2005; Schwartz et al., 1997),
solicitou-se aos alunos para nomearem até três colegas da sua turma que fossem
perpetradores e alvos de formas específicas de abuso físico e verbal segundo
três descritores de comportamentos agressivos ("começar brigas",
"dizer coisas desagradáveis" ou "zangar-se facilmente")
e três outros de comportamentos de vitimização ("ser provocado",
"ser gozado" ou "ser agredido ou empurrado") podendo os
respondentes autonomearem-se. A pontuação obtida por cada aluno pelas nomeações
dos colegas, tanto quanto à agressão como quanto à vitimização, permitiu
classificar os alunos, seguindo a metodologia recomendada por Bastin (1980)
para um teste sociométrico, nas seguintes categorias: agressor, vítima, vítima-
agressiva, e não envolvido. Os que apresentaram um estatuto ambíguo foram
designados medianos. Esta variável foi integrada no grupo das que caracterizam
o ambiente escolar.
Variável_dependente
A avaliação das disciplinas no 3ª ciclo do ensino básico é expressa numa escala
de cinco pontos (de 1=mau a 5=excelente). As notas obtidas pelos alunos no
final do ano lectivo 2002-2003 em matemática foram dicotomizadas. Para evitar a
ambiguidade da classificação em insucesso ou sucesso, não foram considerados os
respondentes com nota mediana (e modal). Assim, as pontuações 1 ou 2 foram
consideradas "insucesso" e as pontuações 4 e 5 foram consideradas
"sucesso".
Análise dos dados
Para processar os dados foi utilizado o software Statistical Package for the
Social Sciences(SPSS 14.0).
Para avaliar a capacidade das variáveis independentes predizerem o sucesso na
matemática foi executada uma regressão logística binária (Tabachnick &
Fidell, 2001) já que a variável dependente é uma dicotomia e as variáveis
independentes são variáveis contínuas ou categoriais. Além disso, a utilização
desta forma de regressão justifica-se devido às variáveis não se distribuírem
normalmente e por não existir linearidade entre algumas das variáveis
independentes e a variável dependente.
O método de estimação utilizado na regressão logística, visando predizer o
sucesso na matemá-tica, é o da máxima verosimilhança (maximum likelihood
estimation, em siglas MLE) que procura maximizar o logaritmo da verosimilhança
(log likelihood,em siglas LL). Este reflecte a verosimilhança das chances
(odds), isto é, a probabilidade dos valores observados da variável dependente
serem preditos pelos valores observados das variáveis independentes dividida
pela probabilidade do acontecimento contrário.
As variáveis independentes género, nacionalidade, expectativas de carreira e
estatuto perante a intimidação entre alunos foram introduzidas no modelo
declarando-as no SPSS como "Categorical", dado tratarem-se de
variáveis de design. As categorias escolhidas como referência foram:
"mulher" para o género, "estrangeiro" para a
nacionalidade, "não sei" para as expectativas de carreira e
"não envolvido" para o estatuto perante a intimidação.
Os modelos de regressão logística foram gerados fazendo entrar as variáveis em
três blocos, utilizando o método "Enter". No bloco 1 considerou-se
apenas como variáveis independentes as características sócio-demográficas do
aluno (género sexual, ser mais velho, ser estrangeiro ou não), bem como as
expectativas de carreira e o nível de vida da família de modo a verificar se
elas teriam um efeito directo sobre o sucesso na matemática. As variáveis do
ambiente escolar entraram no modelo no bloco 2 (a identificação do aluno com a
escola, a relação estimulante com os professores, a aceitação dos/pelos colegas
e o estatuto perante a intimi-dação entre alunos) antes das variáveis do
suporte familiar, porque os efeitos do ambiente escolar no sucesso académico
pode ser mediado pelos efeitos mais vastos do suporte familiar. Finalmente, no
bloco 3 foram introduzidas as variáveis do suporte familiar (a relação
afectuosa com a mãe, a relação afectuosa com o pai, o conflito com a mãe, o
conflito com o pai e o envolvimento dos pais nas actividades escolares).
A não consideração da pontuação 3 da variável dependente provocou a eliminação
de 316 participantes. No entanto, a amostra original e a amostra estudada têm
características substantivamente iguais no que se refere às médias e desvios-
padrão das variáveis quantitativas e às proporções de cada uma das categorias
das variáveis qualitativas. Foram, ainda, retirados 4 casos por serem
considerados aberrantes em relação aos restantes, pelo que a amostra estudada
ficou reduzida a 355 casos. As estatísticas descritivas são apresentadas na
Tabela 1.
Para analisar a mediação entre as variáveis independentes e dependentes usou-se
o critério de Baron e Kenny (1986): relação significativa entre a variável
independente e a variável mediadora, efeito estatisticamente significativo da
variável mediadora sobre a variável dependente, e a introdução da variável
mediadora no modelo reduz a importância da variável independente.
RESULTADOS
No bloco 1, o modelo de regressão linear converge à quinta interacção porque a
convergência foi alcançada, i.e., a alteração do LL passou a ser inferior a
.001. O teste do ratio de verosimilhança global (teste de significância da
diferença entre o -2LL do modelo em estudo e o -2LL do modelo de base, i.e., só
com a constante) a este bloco 1 de variáveis, constituído apenas pelo género
sexual, ser mais velho, pela nacionalidade, pelas expectativas de carreira e
pelo nível de vida da família do aluno, é estatisticamente significativo
(χ2=115.946, df=8, 2=.000), explicando entre 27.9% (Cox & Snell RSquare) e
37.8% (Nagelkerke R Square) da variância da variável dependente. O teste de
Hosmer e Lemeshow, que compara as frequências observadas e esperadas nos decis,
não revelou diferenças significativas entre os resultados, mas o ajustamento é
fraco dada a subespecificação do modelo (χ2=13.938, df=8, p=.083). Verificou-se
que 76.6% das predições foram correctas: 72.2% para o insucesso e 83.5% para o
sucesso na matemática.
No bloco 2 acrescentaram-se ao modelo as variáveis do ambiente escolar. O
modelo converge à sexta interacção. O teste do ratio de verosi-milhança às
variáveis do ambiente escolar (teste de significância da diferença entre o -2LL
do modelo do bloco 1 e o -2LL do modelo do bloco 2) é estatisticamente
significativo (χ2=30.218, df=7, p=.000). O novo modelo é globalmente
estatisticamente significativo (χ2=146.164, df=15, p=.000), explicando entre
33.7% (Cox & Snell RSquare) e 45.7% (Nagelkerke RSquare) da variância da
variável dependente. O teste de Hosmer e Lemeshow não revelou diferenças
significativas entre os resultados observados e os esperados (χ2=12.118, df=8,
p=.146). 79.2 % das predições foram correctas mas, enquanto que o modelo do
bloco 1 previa melhor o sucesso, este novo modelo prevê melhor o insucesso na
matemática: 83.3% para o insucesso e 72.7% para o sucesso.
TABELA 1
Comparação das percentagens ou médias e desvios-padrão dos factores para a
amostra recolhida e para a amostra estudada com a regressão logística
No bloco 3 acrescentaram-se as variáveis do suporte familiar àquelas já
consideradas no bloco anterior. A estimação do modelo em estudo para o sucesso
dos adolescentes terminou à sexta interacção. O teste do ratio de
verosimilhança & agrave;s variáveis do suporte familiar (teste de
significância da diferença entre o -2LL do modelo do bloco 2 e o -2LL do modelo
do bloco 3) é estatisticamente significativo (χ2=20.949, df=5, p=.001). O
modelo global revelou-se significativamente fiável (χ2=167.113, gl=20, p<0,000)
explicando entre 37.5% (Cox & Snell RSquare) e 50.9% (Nagelkerke RSquare)
da variância do insucesso/sucesso na matemática, pelo que as variáveis
independentes consideradas são globalmente relevantes para predizer o sucesso
na matemática. O teste de Hosmer e Lemeshow revelou um ajustamento bastante
satisfatório entre os resultados observados e os esperados através do modelo
(χ2=4.683, df=8, p=.791), como pode ser constatado na Tabela_2. A introdução
das variáveis do suporte familiar melhora, globalmente, as predições (80.6% das
predições foram correctas): 84.3% para o insucesso e 74.8% para o sucesso na
matemática. No entanto, o modelo dos efeitos directos das variáveis
demográficas do aluno das suas expectativas de carreira e do nível de vida da
sua família é aquele que melhor prevê o sucesso na matemática. A Figura_1
apresenta o gráfico dos grupos observados e das probabilidades preditas
(classplot). A sua forma em U indica que as predições são bem diferenciadas,
apesar de se verificar uma melhor predição do insucesso do que do sucesso na
matemática.
TABELA_2
Tabela de contingência para o teste de Hosmer e Lemeshow
____________________________________________________________________________
| ___|________Insucesso_________|___________Sucesso____________| __________|
| ___|_Observada_|___Esperada___|___Observada___|___Esperada___|___Total____|
|Step1|____36_____|____35,513____|_______0_______|_____,487_____|_____36_____|
|2____|____24_____|____34,347____|_______2_______|____1,653_____|_____36_____|
|3____|____32_____|____32,787____|_______4_______|____3,213_____|_____36_____|
|4____|____30_____|____29,904____|_______6_______|____6,096_____|_____36_____|
|5____|____25_____|____25,725____|______11_______|____10,275____|_____36_____|
|6____|____21_____|____21,060____|______15_______|____14,940____|_____36_____|
|7____|____19_____|____15,488____|______17_______|____20,512____|_____36_____|
|8____|_____9_____|____10,548____|______27_______|____25,452____|_____36_____|
|9____|_____6_____|____6,888_____|______30_______|____29,112____|_____36_____|
|10___|_____4_____|____3,740_____|______27_______|____27,260____|_____31_____|
FIGURA_1
Histograma das probabilidades preditas
Nota:Probabilidade predita é a de sucesso; o valor de corte é .50. Símbolos: N
- Não sucesso; A - Sucesso; cada símbolo representa 2 casos.
A Tabela_3 mostra os coeficientes não estandardizados (B) e o seu erro padrão,
a estatística Wald e os seus graus de liberdade e probabilidades e os ratios de
chances (oddsratio) ou Exp (B) para cada variável preditora da regressão
logística. Os coeficientes não estandardizados são logits(logaritmos naturais)
da variável preditora que entram na equação da regressão logística para estimar
o log das chances da variável dependente ser igual a 1. A estatística Wald é
utilizada para testar a significância de cada um dos coeficientes de regressão
logística das variáveis independentes. O Exp=eb, em que "e" é a
base do logaritmo natural e "b" o logitestimado.
TABELA_3
Sumário da regressão logística binária por blocos (n=355)
Variáveis B S.E. Wald df p Exp (B)
Bloco 1
Masculino -.440 .263 2.792 1 .095 .644
Cidadão Português 1.715 .529 10.488 1 .001 5.555
Ser mais velho -.241 .109 4.880 1 .027 .786
Expectativas de carreira 50.746 4 .000
Universidade 1.932 .406 22.610 1 .000 6.901
Escola profissional -.572 .610 .880 1 .348 .564
Formação no posto de trabalho -.504 1.131 .199 1 .656 .604
Trabalhar -.988 1.108 .796 1 .372 .372
Nível de vida familiar .065 .150 .186 1 .666 1.067
Bloco 2
Masculino .107 .310 .119 1 .730 1.113
Cidadão Português 1.947 .550 12.534 1 .000 7.008
Ser mais velho -.256 .121 4.509 1 .034 .774
Expectativas de carreira 48.298 4 .000
Universidade 1.959 .435 20.231 1 .000 7.089
Escola profissional -.718 .630 1.299 1 .254 .488
Formação no posto de trabalho -.436 1.152 .143 1 .705 .647
Trabalhar -1.025 1.136 .815 1 .367 .359
Nível de vida familiar .076 .165 .211 1 .646 1.079
Identificação com a escola -.002 .049 .001 1 .973 .998
Relação com o(s) professor(es) .123 .056 4.787 1 .029 1.131
Aceitação dos/pelos colegas -.060 .065 .847 1 .357 .942
Intimidação entre colegas (Bullying) 21.761 4 .000
Provocador -1.115 .436 6.530 1 .011 .328
Vítima -1.929 .460 17.582 1 .000 .145
Vítima-provocadora -1.358 .704 3.716 1 .054 .257
Mediano -.481 .414 1.349 1 .246 .618
Bloco 3
Masculino .180 .330 .298 1 .585 1.198
Cidadão Português 1.489 .565 6.942 1 .008 4.432
Ser mais velho -.300 .126 5.636 1 .018 .741
Expectativas de carreira 42.906 4 .000
Universidade 1.952 .450 18.837 1 .000 7.043
Escola profissional -.711 .649 1.200 1 .273 .491
Formação no posto de trabalho -.368 1.188 .096 1 .757 .692
Trabalhar -.487 1.141 .182 1 .670 .615
Nível de vida familiar .121 .177 .464 1 .496 1.128
Identificação com a escola -.021 .052 .162 1 .687 .979
Relação com o(s) professor(es) .113 .061 3.461 1 .063 1.120
Aceitação dos/pelos colegas -.106 .070 2.302 1 .129 .900
Intimidação entre colegas (Bullying) 21.381 4 .000
Provocador -1.147 .452 6.451 1 .011 .318
Vítima -2.065 .491 17.684 1 .000 .127
Vítima-provocadora -1.229 .769 2.557 1 .110 .293
Mediano -.394 .439 .804 1 .370 .674
Envolvimento dos pais .066 .065 1.035 1 .309 1.069
Afecto maternal .084 .036 5.425 1 .020 1.088
Afecto paternal .021 .032 .431 1 .512 1.021
Conflito com a mãe -.238 .088 7.406 1 .007 .788
Conflito com o pai .055 .089 .376 1 .539 1.056
No bloco 1, os coeficientes da nacionalidade, ser mais velho e expectativas de
carreira são estatisticamente significativos revelando um efeito directo sobre
o sucesso na matemática. No bloco 2 a relação estimulante com os professores,
bem como o ser-se agressor ou ser-se vítima revelam-se estatisticamente
significativos, para além dos coeficientes significativos do bloco 1. No bloco
3 revelam-se estatisticamente significativos a relação afectuosa com a mãe, e a
relação de conflito com a mãe, mas a relação estimulante com os professores
deixa de sê-lo.
Atendendo ao sinal do B e à significância da estatística Wald, pode-se concluir
que as seguintes variáveis contribuem significativamente, de modo positivo,
para o sucesso na matemática: a forte expectativa de alcançarem a universidade,
o ser cidadão no país (português) e a relação afectuosa com a mãe. O
envolvimento do aluno na intimidação entre pares na escola como vítima ou como
agressor, ser mais velho que os colegas e uma maior frequência das discussões
com a mãe contribuem, significativamente, para o fraco sucesso na matemática.
O ratio de chances é uma medida do tamanho do efeito da variável independente
sobre a variável dependente, e é vulgarmente utilizado para interpretar um
logit. O ratio de chances superior a 1 indica as chances da variável dependente
ser igual a 1. Quanto mais o Exp (B) está próximo de 1, tanto mais o preditor é
independente da variável dependente. No modelo estudado, as chances dum aluno
que tem a expectativa de alcançar a universidade ter sucesso na matemática são
7 vezes superiores a um aluno que não tem expectativas de carreira, as chances
dum aluno que seja cidadão do país ter sucesso em matemática são 4 vezes
superiores à de um estrangeiro e cada unidade de acréscimo na relação afectuosa
com a mãe aumenta as chances de ser bem sucedido na matemática em cerca de 9%,
estando as outras variáveis controladas. Por cada ano extra na idade normal de
frequência do terceiro ciclo de escolaridade as chances dum aluno ser bem
sucedido na matemática diminuem por um factor de .74. As chances dum aluno
vítima e de um aluno agressor ter sucesso na matemática em relação a um não
envolvido em situações de intimidação entre colegas na escola, diminuem por um
factor de .13 e .32 respectivamente, mostrando, em especial, a relevância do
estatuto de vítima. Por cada unidade de acréscimo na relação conflituosa com a
mãe as chances dum aluno ser bem sucedido na matemática decrescem por um factor
de .79, estando as outras variáveis controladas.
TABELA 4
Correlações entre a relação afável com o professor e as variáveis do suporte
familiar
Variáveis (1) (2) (3) (4) (5) (6)
Relação com o professor (1) 1
Envolvimento dos pais (2) .340 1
Relação afável com a mãe (3) .232** .417** 1
Relação afável com o pai (4) .193** .322** .574** 1
Relação conflituosa com a mãe (.150** .115** .158** .151** 1
Relação conflituosa com o pai (6.121** .055 -.013 -.036 .435** 1
Nota:**Correlação significativa ao nível de .01 (teste bilateral).
A relação estimulante do aluno com o(s) professor(es) revelou-se significativa
ao ser introduzida no bloco 2 (p=.029). No entanto, verificando-se uma relação
s ignificativa entre aquela variável da relação professor(es)/aluno e as
variáveis do suporte familiar; um efeito estatisticamente significativo das
variáveis relação afectuosa e a relação de conflito com a mãe sobre a variável
dependente; e, ainda, o facto de ao se introduzirem as variáveis do apoio
familiar, aquela relação professor(es)/aluno tornar-se não significativa
(p=.063) conduz a afirmar que as variáveis relação afectuosa e a relação de
conflito com a mãe são parcialmente mediadoras da relação professor(es)/aluno
com o sucesso na matemática (Baron & Kenny, 1986).
Neste estudo, o género sexual, o estatuto socioeconómico, a identificação do
aluno com a escola, o envolvimento dos pais nas actividades escolares, a
relação de aceitação dos/pelos colegas, a relação afectuosa e a relação
conflitual com o pai não se revelaram factores estatisticamente significativos
para predizer o sucesso na matemática.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
O sucesso na matemática não está desligado do sucesso académico em geral sendo
esta a sua característica mais notória (Coelho, 2007). No entanto, a matemática
permanece como um aspecto distinto e importante das competências dos alunos que
compromete a carreira dos jovens, filtrando a entrada num vasto leque de
profissões científicas e técnicas que apresentam níveis elevados de
empregabilidade e de remuneração. Neste estudo investigou-se se, e em que
medida, os factores pessoais, o ambiente escolar e o apoio familiar poderão
predizer o sucesso na matemática. Apesar dos inúmeros estudos realizados sobre
o sucesso na matemática, são muito raros aqueles que abrangem, em simultâneo,
estas três dimensões. Não é do conhecimento do autor qualquer modelo, no
domínio considerado por este estudo, envolvendo um número tão elevado de
variáveis como o aqui relatado. Esta metodologia de estudo para um fenómeno tão
complexo, envolve necessariamente um nível de abstracção mais elevado do que é
corrente na generalidade dos estudos mas, para além das suas melhores
capacidades preditivas, é extremamente frutuosa desbravando caminhos relevantes
para a investigação futura.
A presença de expectativas de entrar na universidade revelou-se o principal
preditor do sucesso na matemática no final da escolaridade obrigatória, em
conformidade com os resultados da investigação empírica sobre a relação entre
as expectativas de carreira e o sucesso académico (Sewell & Hauser, 1972;
Wilson et al., 1993). Estas expectativas encontram-se frequentemente associadas
à educação dos pais, a qual é uma dimensão do nível socioeconómico. O papel dos
pais como modelo para os seus filhos, bem como os maiores recursos disponíveis
pela evolução tecnológica para a aprendizagem, diminuem as chances dos alunos
provenientes de famílias mais pobres serem bem sucedidos nos seus estudos.
No entanto, contrariamente à generalidade da investigação empírica (Ainsworth,
2002; Ainsworth & Roscigno, 2005; Becker & Luthar, 2002; Eamon, 2002,
2005; Guo, 1998; Jencks & Phillips, 1999; Korenman et al., 1995; Roscigno,
2000; Smith et al., 1997), o presente estudo não revela o nível de vida das
famílias como um adequado preditor d o sucesso na matemática. Os resultados
obtidos no presente estudo poderão estar condicionados por a nossa amostra
apresentar uma forte homogeneidade na percepção do nível de vida familiar à
volta da mediana. De facto, os alunos que declararam níveis de vida familiares
"não muito bons" e "nada bons" foram apenas 9.8% e 3.3%
dos inquiridos respectivamente.
Os resultados revelaram que ser cidadão do país em que se estuda é também um
importante preditor de um maior sucesso na matemática, o que, de acordo com a
teoria e a investigação empírica, poderá dever-se às dificuldades linguísticas
dos estrangeiros (Abedi & Lord, 2001). De facto, em Portugal existe uma
forte correlação entre as notas de matemática e as de português (Coelho, 2007)
que é a língua de comunicação utilizada pelos professores na aula em ambas as
disciplinas. Outros factores de inadaptação parecem também conduzir os
imigrantes para o insucesso, tais como os exíguos laços de apoio na escola
(Keith & Lichtman, 1994) e na comunidade em geral (Hovey, 2000).
Ser mais velho do que os colegas é uma das variáveis que contribui
significativamente para predizer os fracos resultados na matemática, o que
expressa a incapacidade que os alunos reprovados têm em ser bem sucedidos nos
anos subsequentes. De facto, no âmbito da OCDE, Portugal é o terceiro país,
depois do México e da Turquia, em que os jovens adultos têm maiores
dificuldades em concluir o ensino médio (OCDE, 2005). A taxa de retenção, isto
é, a percentagem dos efectivos escolares que permanecem, por razões de
insucesso ou de tentativa voluntária de melhoria de qualificações, no 3º ciclo
do ensino básico em relação à totalidade de alunos que iniciaram esse mesmo
ensino, foi em 2004 de 17.8% (GIASE, n.d.), o que traduz a gravidade da
situação.
Uma das revelações importantes deste estudo é que as relações maternais, quer
afectuosas quer conflituosas, constituem os melhores factores de tipo familiar
preditivo do sucesso na matemática, o que vem suportar as conclusões da
investigação anterior que aponta para um papel mais importante da mãe
relativamente ao papel do pai (Forehand et al., 1986; Turner, Steward, &
Lapan, 2004). O presente estudo revela ainda que pior para os resultados do
aluno que a ausência de apoio maternal afectuoso é mesmo o conflito com a mãe,
o qual é profundamente pernicioso por quebrar mesmo as expectativas do suporte
familiar.
A escola deve procurar construir um interface positivo com a família e não
limitar-se a intervenções tradicionais como reuniões entre o director e os
pais, convocatórias dos pais para conversar com os professores e informações
escritas nos cadernos diários, sobretudo quando há problemas. Marques (1991)
indica, especificadamente, como causas do divórcio entre a escola e a família,
a tradição centralista do sistema educativo, o excesso de alunos e a escassez
de espaços físicos nas escolas, a falta de estabilidade do corpo docente na
escola que permita uma relação contínua e a fraca prepa-ração dos professores
para estabelecerem uma relação escola-família.
Os resultados do modelo em estudo mostram que os professores estão numa posição
privilegiada para contribuírem para o sucesso dos seus alunos na matemática,
validando os seus resultados académicos e dando-lhes apoio emocional e
cognitivo. Para isso, os professores devem procurar conhecer as características
dos seus alunos, estabelecendo, designadamente, feed-backcom eles sobre
expectativas, esforços e desempenho escolar, encorajando-os a darem a sua
opinião sobre as actividades, técnicas e instrumentos de ensino, identificando
e ajudando-os nas matérias que necessitam de maior estudo e prática, explicando
os critérios de avaliação, tratando-os com justiça, e interessando-se por eles
como pessoas.
Ovando (1992) sugere que uma relação estimulante entre alunos e professores
pressupõe que os professores proporcionem aos alunos informação envolvendo
designadamente: expectativas claras sobre a sua aprendizagem e desempenho,
critérios específicos de avaliação, informação sobre o seu progresso,
conhecimentos alcançados e também sobre as suas potencialidades, identificação
das áreas que necessitam de mais estudo e prática, reconhecimento do esforço
através de metas e objectivos, sugerindo actividades, fornecendo instrumentos e
técnicas de aprendizagem para estudo suplementar e encorajando-os para
aumentarem o seu esforço. A cooperação em pequenos grupos em que os alunos
desempenham vários papéis e abertamente expõem, discutem, reflectem e lideram,
aumenta consideravelmente a aprendizagem (Slavin, 1995).
O facto da contribuição positiva de uma boa relação entre o adolescente e o(s)
professor(es) para o sucesso ser mediada pelo suporte familiar não surpreende.
Há muito que a influência das atitudes dos professores sobre os resultados de
matemática dos alunos é referida como sendo superior à influência que é
exercida pelas atitudes dos próprios pais sobre esses resultados (Aiken, 1970).
Porém, esses resultados não parecem consistentes (Castillo & Perez, 1988).
No presente estudo, a influência positiva das atitudes dos professores torna-se
não significativa quando se introduz as variáveis da qualidade do suporte
familiar. Não se nega a óbvia influência que as atitudes e as relações dos
professores têm sobre o sucesso académico dos alunos, mas sugere-se que, nas
idades consideradas, no final da escolaridade obrigatória, em que as
expectativas dos alunos deixam de se centrar unicamente na escola e se alargam
a um contexto mais vasto que é, pela primeira vez, o da sua carreira
profissional, a relação com os pais ganha uma nova importância para o sucesso
académico podendo ser superior à exercida pelos professores.
Segundo o modelo em estudo, a importância da identificação dos alunos com a
escola para predizer o sucesso elevado da matemática é quase nula, não
confirmando o resultado de alguns estudos (Finn, 1989; Finn & Rock, 1997;
Osterman, 2000; Samdal et al., 1998). O resultado, obtido neste estudo deverá
estar associado a uma perda de importância da escola nos interesses dos jovens
nas idades em que terminam a escolaridade obrigatória e se abrem mais
intensamente para os horizontes extra-escolares. Alguns autores (e.g., Jules,
1991) referem igualmente que, em geral, à medida que o jovem progride no
ensino, desde os primeiros anos de escolaridade até ao final da escolaridade
obrigatória, a escola torna-se mais impessoal e, consequentemente, promove cada
vez menos o sentimento de pertença.
Também um outro factor da identificação dos alunos com a escola, como é a
aceitação dos/pelos colegas, não se mostrou uma variável estatisticamente
significativa para a predição do sucesso na matemática, diversamente aos
resultados obtidos designadamente por Hartup (1983) e Steinberg, (1990). Os
resultados revelam, no entanto, alguns indícios de que as duas variáveis
evoluem em sentidos opostos. Tal facto poderá ser j ustificado pelas poucas
oportunidades que os alunos têm de interagir na escola, estabelecendo-se os
laços de amizade com os colegas cada vez mais fora da escola em circunstâncias,
de maior ou menor risco, que influenciam negativamente o estudo. Os limites
deste estudo não permitiram, também, averiguar se este resultado é função dos
colegas identicamente não apreciarem a escola, como sugere Hymel et al.(1996).
Os resultados mostram a importância que a intimidação (bullying) entre pares
tem na predição do sucesso na matemática suportando os resultados dos estudos
sobre o sucesso académico em geral (Wilkins-Shurmer et al., 2003; Yang, Chung,
& Kim, 2003). O efeito negativo sobre os resultados de matemática é
sobretudo nefasto nas vítimas. A importância dos comportamentos de intimidação
entre pares na predição d os resultados da matemática, e no sucesso escolar em
geral, merece cada vez mais a atenção dos educadores. As experiências
realizadas revelam, em vários países, bons resultados na diminuição da
violência e da intimidação entre pares através de estratégias de cooperação dos
professores e dos alunos na formulação, responsabilidade e controlo de
comportamentos pro-sociais. A eficácia destas medidas assenta na f ormulação e
monitorização de normas comportamentais positivas pelos próprios alunos,
ancorando estas normas no contexto do curriculumescolar, agrupando os alunos de
modo flexível e estimulando socialmente processos de trabalho durante as aulas
(Mooij, 2005). A escola deve, ainda, conjugar os seus esforços com as famílias
e a comunidade para resolver os problemas graves de intimidação entre pares.
Embora os resultados da investigação empírica não sejam muito consistentes,
vários estudos indicam, noutros países, que os rapazes têm melhores resultados
em matemática do que as raparigas (Guo, 1998; Keith & Lichtman, 1994).
Contrariamente, os resultados encontrados neste estudo não revelaram diferenças
significativas de acordo com o género sexual, o que poderá dever-se a
diferenças nas atitudes, interesses e motivações do género em culturas
diversas. O tratamento cada vez mais igualitário na escola e na família em
Portugal deve estar na base dos resultados. Aliás, na nossa amostra, as
raparigas têm melhores r esultados em matemática do que os rapazes, o que
igualmente acontece na generalidade das disciplinas (Coelho, 2007).
Os resultados obtidos devem ser considerados levando em conta as limitações do
presente estudo, as quais também sugerem outros caminhos para a investigação
futura. Uma limitação deste estudo é a fraca sensibilidade da medida utilizada
para caracterizar o nível de vida das famílias, o que deverá ser corrigido em
futuros estudos envolvendo não só escolas públicas de distritos diferenciados
socioeconomicamente, mas também neles incluindo as escolas privadas
caracterizadas, designadamente, por serem frequentadas por alunos provenientes
de famílias em média mais abastadas. Igualmente, poder-se-á pesquisar
informação mais fiável do que a percepção dos adolescentes sobre o nível de
vida das famílias.
As explanações sobre o sucesso na matemática do presente estudo basearam-se em
correlações encontradas numa análise estática num distrito urbano e
desenvolvido do país. Um novo exame destes factores é necessário que seja
realizado longitudinalmente para este distrito, bem como para outros distritos
com diferentes níveis de equilíbrio urbano/rural, permitindo o exame mais
aprofundado da validade nomológica dos constructos. Uma análise longitudinal
pode permitir analisar as interacções entre os diferentes factores numa
perspectiva diferente da que aqui foi adoptada, como é a de analisar os
factores que permitem o desenvolvimento do sucesso na matemática.
Uma análise mais detalhada dos diferentes subgrupos de adolescentes, acima
mencionados, é também necessária. Nomeadamente, é importante controlar as
diferenças nos subgrupos de migrantes em qualquer análise (Marin & Marín,
1991), pois os imigrantes podem diferir nas suas experiências, estrutura
familiar, suporte familiar, educação e rendimento. É conhecido que muitos
imigrantes são provenientes de países de expressão portuguesa e que os
imigrantes da Europa de Leste, para além duma educação superior à generalidade
dos imigrantes residentes em Portugal, têm uma extraordinária capacidade para
aprender o português. Uma das limitações deste estudo é, pois, não discriminar
a nacionalidade dos imigrantes na análise dos dados.
Enfim, neste estudo deu-se particular relevo aos factores contextuais, como o
ambiente escolar e o apoio familiar que permitem orientar políticas visando
consciencializar pais e professores sobre o seu relacionamento com os
adolescentes. Futuros estudos deverão centrar-se mais nos factores específicos
do principal protagonista do sucesso ou insucesso na matemática que é, afinal,
o aluno.