As vivências e percepções dos actores na formação inicial de professores: a
figura do supervisor cooperante
INTRODUÇÃO
Há um reconhecimento amplo e consensual relativamente ao papel que os
formadores de professores em formação inicial exercem na determinação da
qualidade da mesma. De entre estes actores, salienta-se a figura do supervisor
cooperante, também apelidado de orientador cooperante, professor do ensino não
superior que exerce funções de supervisão na formação inicial de professores,
enquanto elemento facilitador da promoção dos processos de socialização numa
cultura profissional e consequente construção da identidade profissional que
ocorrem, privilegiadamente, em contextos de iniciação à prática pedagógica
(Alarcão, 1996a; Alarcão & Tavares, 2003; Caires, 2003; Flores, 2006;
Moreira, 2005; Ribeiro, 1996, 2006; Rodrigues & Esteves, 2003; Sá-Chaves,
2002; Vieira, 1993; Vieira, Moreira, Barbosa, Paiva & Fernandes, 2006). São
muitos e diversos os estudos que investigam a função que estes sujeitos
desempenham nos processos de desenvolvimento profissional, e que, mais
recentemente, se têm centrado na exploração do seu papel, discurso, ou na
relação estabelecida com o supervisor da instituição do Ensino Superior
(Abrantes, 2005; Albuquerque, Graça & Januário, 2005; Barbosa, 2003; Beck
& Kosnik, 2000; Crasborn, Hennisen, Brouwer, Korthagen & Bergen, 2008;
Feiman-Nemser, 2001; Guimarães, 2005; Moreira, 2005; Parker-Katz & Bay,
2008) e/ou com os estagiários (Galvão, 1996; Schmidt, 2008).
Reconhece-se, no panorama nacional, a ausência generalizada de formação
específica para o exercício da função supervisiva (Branquinho, 2004; Estrela,
Esteves & Rodrigues, 2002; Leal, 2001; Rodrigues & Esteves, 2003), não
obstante o investimento que as instituições de Ensino Superior têm vindo a
fazer nesta formação. Tal ausência pode ser explicada, em grande parte, pelo
estatuto menor que a prática pedagógica tem assumido no projecto de formação
inicial de professores (Alarcão, 1996b), aliado ao crescente panorama de
desemprego que se vive actualmente em Portugal na classe docente. Alguns
estudos têm sido, contudo, realizados, focando-se na análise das competências
do supervisor e das estratégias supervisivas estimuladoras da reflexividade e
da promoção de competências profissionais (Bennett, 1997; Moreira, 2005; Pajak,
1990; Parker-Katz & Bay, 2008; Ribeiro, 2006; Riordan, 1995). Porém, raros
são os que exploram as características pessoais e profissionais destes
formadores, as suas motivações para a prática supervisiva, as vivências daí
decorrentes ou os motivos dissuasores dessa prática. Atendendo à necessidade de
identificar os motivos que poderão mobilizar estes actores para os projectos de
formação inicial de professores, crê-se da maior premência a realização de
trabalhos sobre o modo como percepcionam e vivenciam esta actividade.
Os estudos desenvolvidos até à data evidenciam as percepções globalmente
positivas dos supervisores cooperantes relativamente aos ganhos decorrentes da
sua experiência supervisiva. Entre estas, destacam-se os ganhos na relação com
os estagiários, na colaboração estabelecida com a instituição de Ensino
Superior e seus docentes/supervisores, bem como na própria escola (Esteves,
2006, 2007; Esteves, Caires & Moreira, , 2007; King, 2004; Pacheco, 1995;
Parker-Katz & Bay, 2008). Tais ganhos reportam-se não só ao nível da
qualidade das interacções e "trocas" estabelecidas (e.g. de saberes,
de vivências, de materiais), mas também ao nível do desenvolvimento
profissional do supervisor cooperante (e.g. desenvolvimento de competências
reflexivas, pedagógicas e didácticas) ou dos benefícios decorrentes, para as
escolas, da presença de núcleos de estágio.
A literatura aponta, igualmente, a presença de algumas dificuldades, que
poderão ser o resultado de uma diversidade de factores de ordem interna e
externa. Entre estes factores, salienta-se o papel dos contextos e das tarefas
da prática supervisiva. Em relação aos contextos, Branquinho (2004) e Guimarães
(2005) identificam vários problemas, de entre os quais os de nível
organizacional (e.g. horários sobrepostos e excesso de serviço docente; parcas
condições físicas; falta de tempo útil para reunir e realizar tarefas de
reflexão e pesquisa), da cultura da escola (e.g. falta de apoio,
reconhecimento, abertura e/ou receptividade da escola aos núcleos de estágio),
e da articulação universidade-escola-supervisor (e.g. pouca cooperação entre os
actores envolvidos; escassez de formação dirigida aos orientadores; número
reduzido de visitas às escolas pelo supervisor da universidade; e algum
distanciamento e/ou desconhecimento da realidade das escolas).
No que toca às tarefas supervisivas, os obstáculos prendem-se com a gestão da
multiplicidade de responsabilidades e solicitações inerentes ao papel
supervisivo e ao desgaste (físico e emocional) associado (Alarcão &
Tavares, 2003; Blumberg, 1980; Duquette, 1994; Esteves, 2006; Caires, Martins
& Moreira, 2008; Mestre, 2002). A avaliação formativa e a classificação dos
estagiários surgem como as áreas de maior dificuldade, bem como a promoção da
reflexividade entre os estagiários, avaliada como pouco desenvolvida
(Branquinho, 2004; Casanova, 2001; Esteves, 2006; Leal, 2001). A estas
problemáticas somam-se a gestão das relações e das dinâmicas do núcleo de
estágio, entre as quais se destacam: a gestão dos conflitos e da competição
entre estagiários; a inadequada gestão das tarefas no seio do grupo; a baixa
motivação de alguns dos seus elementos; e o parco investimento na docência e
nas tarefas de estágio. A irresponsabilidade e/ou imaturidade de alguns dos
estagiários, um comportamento ético desadequado ou, ainda, as exigências
inerentes ao adequado acompanhamento da prática pedagógica dos estagiários são
igualmente evidenciadas na literatura (Duquette, 1994; Branquinho, 2004;
Sinclair, et al., 2006). Segundo Pfeiffer e Dunlap (1982), as dificuldades de
maior gravidade aparecem associadas às situações de rejeição, à atitude
defensiva e/ou à conflituosidade na comunicação supervisor-estagiário.
Refira-se, entretanto, que as dificuldades anteriormente elencadas emergem,
geralmente, em nível moderado, sendo superadas com relativa facilidade. Assim,
na generalidade, o balanço que os supervisores cooperantes fazem do seu
envolvimento nas funções supervisivas é globalmente positivo, sendo que as
contrapartidas desta experiência são avaliadas como maiores e mais
significativas (sob o ponto de vista profissional e pessoal) do que as
dificuldades experienciadas (Branquinho, 2004; Esteves, 2006, 2007; Esteves et
al., 2008). Todavia, e apesar da existência de estudos sobre esta problemática,
persistem dificuldades na transferabilidade e generalização das evidências
recolhidas e na definição de perfis adequados à função. Diferentes
metodologias, amostras pouco representativas ou muito diferenciadas (e.g.
tamanho, país, contexto formativo), bem como distintas abordagens do problema,
estão na origem de algumas das limitações existentes.
MÉTODO
Tendo como foco as vivências e percepções dos supervisores cooperantes
relativamente à sua experiência supervisiva, os investimentos dos autores ao
longo dos últimos cinco anos têm tido como objectivo caracterizar alguns dos
aspectos mais significativos desta experiência, explorando, especificamente, a
óptica dos supervisores de escola que têm vindo a colaborar com a Universidade
do Minho (Esteves, 2006, 2007; Esteves et al., 2008). No presente trabalho, dá-
se a conhecer um dos investimentos mais recentes, que considera não apenas este
contexto específico, mas também supervisores que colaboram com duas outras
instituições de Ensino Superior: a Universidade do Porto e a Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro. Tomando por base supervisores cooperantes de três
instituições distintas e de áreas científicas diversas (Educação Física,
História, Biologia-Geologia, Inglês, Português, Alemão, Francês, Matemática e
Física-Química), procurou-se averiguar (entre outros) em que medida aspectos
como o tempo de serviço, os anos de experiência supervisiva, a sua área
científica e a detenção (ou não) de uma formação especializada em supervisão
influenciam o modo como vivenciam a sua experiência supervisiva. Em seguida
apresentam-se alguns dos aspectos mais relevantes da metodologia adoptada.
Instrumento
O Inventário de Vivências e Percepções do Supervisor (IVPS - Esteves, Caires
& Moreira, 2007) surge como o instrumento de base do estudo realizado,
sendo composto por um total de 77 itens fechados, organizados em torno de uma
escala likert de 5 pontos (1 = totalmente em desacordo a 5 = totalmente de
acordo). O IVPS avalia três grandes domínios da experiência dos supervisores
cooperantes: o primeiro centrado nos benefícios ou contrapartidas
percepcionados pelos supervisores como resultantes do seu envolvimento na
supervisão de estágios; o segundo avaliando o impacto físico e emocional desta
experiência; e o terceiro mais focado na avaliação de eventuais dificuldades
decorrentes da adaptação às tarefas de supervisão.
Contendo um total de sete subescalas, o IVPS integra no seu primeiro domínio '
Ganhos ' cinco subescalas: (i) Ganhos gerais; (ii) Ganhos com os estagiários;
(iii) Ganhos ao nível da escola; (iv) Ganhos decorrentes da colaboração com a
universidade/Comissão de Estágio; e, finalmente, (v) Ganhos decorrentes da
parceria com o supervisor da instituição de Ensino Superior.
A primeira subescala do domínio "Ganhos" é constituída por 13 itens e
explora as percepções dos supervisores cooperantes relativamente aos ganhos
gerais que a prática supervisiva lhes proporcionou, de entre os quais são
exemplo o "Quebrar do isolamento profissional" ou o "Sentir-se
útil na formação de novos professores". A segunda subescala procura,
através de 9 itens, avaliar os ganhos decorrentes do trabalho desenvolvido com
os estagiários, quer na esfera pessoal quer na esfera profissional (e.g.
"Criar uma boa relação pessoal"; "Criar uma boa relação
profissional"; "Trabalhar colaborativamente"). Na terceira
subescala (7 itens), exploram-se as contrapartidas obtidas ao nível da escola
(e.g. "Desenvolver actividades pedagógicas/formativas com outros
Departamentos Curriculares" ou "Obter condições para desenvolver um
trabalho eficiente [e.g. espaços e materiais didácticos]). Os 10 itens da
quarta subescala avaliam os benefícios obtidos com a colaboração com a Comissão
de Estágio(e.g. "Formação na área disciplinar"; "Formação em
Metodologia de Ensino/Didáctica Específica"; "Formação em Supervisão
Pedagógica"). Por fim, a quinta subescala (9 itens) examina as percepções
dos supervisores cooperantes relativamente às mais-valias associadas à parceria
estabelecida com o supervisor da instituição formadora (e.g. "Apoio
científico-pedagógico"; "Cumplicidade").
A subescala que avalia o segundo domínio do IVPS "Impacto pessoal"
- é constituída por 10 itens, os quais procuram explorar as percepções dos
supervisores relativamente às repercussões da experiência supervisiva no seu
bem-estar físico e emocional (e.g. desgaste físico, níveis de stresse e
tensão).
A sétima subescala, centrada no terceiro domínio do IVPS ' "Adaptação às
tarefas de supervisão" (13 itens) ' analisa algumas das dificuldades
experienciadas no assumir das diferentes tarefas, funções e responsabilidades
inerentes ao papel supervisivo (e.g. dificuldades na orientação das actividades
lectivas dos estagiários: planificação, observação de aulas, etc.).
A par das sete subescalas anteriormente descritas, o IVPS contém, na parte
final, um apartado ("Em jeito de balanço final "), no qual é pedido
ao supervisor que reflicta globalmente (e em retrospectiva) sobre a experiência
supervisiva desenvolvida ao longo do ano lectivo em análise. Este apartado é
constituído por 6 itens (de entre os quais um é aberto) e, nele, o supervisor
procede à avaliação geral do seu desempenho e das mais-valias profissionais
(para ele e para os estagiários) decorrentes da actividade realizada. É-lhe
ainda solicitado que manifeste a sua intenção de continuar (ou não) a colaborar
na supervisão de estágios pedagógicos no ano seguinte, justificando a sua
opção.
Procedimentos
O IVPS foi administrado no final do ano lectivo de 2007/8 (entre Maio e Junho).
Previamente à sua aplicação, foram contactados os responsáveis pela coordenação
dos estágios pedagógicos das Universidades do Minho, Porto e Trás-os-Montes e
Alto Douro, aos quais foi solicitado o apoio na divulgação do estudo e na
distribuição dos questionários junto de todos os supervisores cooperantes, de
todas as disciplinas/áreas disciplinares, que cooperassem com estas três
instituições de Ensino Superior. Juntamente com cada questionário, seguia uma
carta, apresentando os objectivos do estudo, o pedido de colaboração e a
garantia da confidencialidade e anonimato das respostas. Uma vez preenchidos,
os questionários foram remetidos via correio à equipa de investigação.
Participantes
Os dados foram recolhidos junto de 141 supervisores cooperantes que, no ano
lectivo de 2007/08, colaboraram com as Universidades do Minho, Porto e Trás-os-
Montes e Alto Douro nas seguintes disciplinas: Educação Física, História,
Biologia-Geologia, Inglês, Português, Alemão, Francês, Matemática, Física-
Química algumas delas organizadas em licenciaturas bidisciplinares. Os
supervisores foram agrupados em três grandes áreas disciplinares. O quadro 1 dá
a conhecer em maior detalhe as principais características deste grupo.
Quadro 1
Características sócio-demográficas do grupo de participantes
O grupo é maioritariamente constituído por elementos do sexo feminino (cerca de
77,5%), com idades compreendidas entre os 25 e os 62 anos e uma média etária em
torno dos 44 anos. Quanto ao tempo de serviço, a média ronda os 21 anos,
oscilando entre os 10 e os 38 anos de experiência docente. Relativamente ao
tempo de experiência supervisiva, a média ronda os 7 anos, existindo 9
professores (6,8%) que pela primeira vez assumiram funções supervisivas. O
supervisor mais experiente já assume funções supervisivas há 22 anos (0,8%),
sendo que a moda se situa nos 2 anos (21 professores - 15,9%).
RESULTADOS
Os principais resultados do presente estudo serão apresentados, numa primeira
fase, considerando as respostas do grupo total nos três domínios do IVPS
(quadro 2). Num segundo momento, analisam-se as diferenças existentes ao nível
das vivências e percepções dos supervisores consoante as variáveis: i)
"Área científica"; ii) "Tempo de supervisão"; iii)
"Anos de serviço"; iv) "Formação pós-graduada em
supervisão".
Quadro 2
Vivências e percepções dos supervisores nos três domínios do IVPS
As vivências e percepções dos supervisores cooperantes
No quadro 2, apresentam-se a média, desvio-padrão e valores mínimo e máximo dos
scores totais das respostas dos supervisores nos três domínios do IVPS: I)
Ganhos (gerais; com os estagiários; com a escola; com a universidade; com o
supervisor da universidade); II) Impacto pessoal; e III) Dificuldades na
adaptação às tarefas de supervisão. Médias mais altas traduzem níveis de maior
satisfação/conquista. Refira-se que, de modo a permitir a comparação entre os
diferentes domínios/subescalas, as médias apresentadas consistem no somatório
das respostas aos itens dividido pelo número total de itens do respectivo
domínio/subescala.
Os dados apresentados no quadro 2 revelam satisfação dos participantes
relativamente aos benefícios decorrentes da experiência supervisiva, situando-
se estes a um nível médio/médio-elevado. Com efeito, a média das respostas dos
supervisores nestas dimensões gira em torno de 4, numa escala Likert de 5
pontos. Entre os benefícios destacam-se os ganhos reconhecidos ao nível do
trabalho e relação desenvolvidos com os estagiários (M=4.18), os ganhos
decorrentes da parceria estabelecida com o supervisor da universidade (M=4.08),
bem como os ganhos gerais percebidos como advindo desta experiência (M=3.91). A
um nível intermédio, surgem, em ex-aequo, os ganhos decorrentes da colaboração
com a universidade e as contrapartidas existentes ao nível de escola (M=3.16).
No que concerne ao impacto pessoal resultante da assunção das múltiplas tarefas
e responsabilidades inerentes às funções de supervisor, as respostas revelam um
impacto mediano (M=3.09). Quanto à adaptação às tarefas de supervisão, a média
das respostas dos participantes (M=3.79) parece revelar a ausência de
dificuldades expressivas no assumir destas tarefas, funções e
responsabilidades.
Variáveis diferenciadoras da experiência supervisiva
Numa tentativa de averiguar em que medida as variáveis i) "Área
científica", ii) "Tempo de supervisão", iii) "Anos de
serviço" e iv) "Formação pós-graduada em supervisão" diferenciam
as vivências dos supervisores nas várias subescalas avaliadas pelo IVPS, foi
realizado um conjunto de análises recorrendo-se à estatística inferencial.
Influência dos anos de serviço docente e da prática supervisiva
Procurando explorar a relação existente entre as experiências dos participantes
' ao nível da docência e da supervisão ' e as suas vivências e percepções
relativamente aos benefícios, impacto pessoal e dificuldades na adaptação às
tarefas de supervisão, procedeu-se a uma análise de correlação entre estas duas
variáveis e as sete subescalas do IVPS. O mesmo tipo de análise foi feito com o
intuito de averiguar a correlação existente entre as diferentes dimensões desta
experiência. O quadro 3 apresenta os resultados obtidos.
Quadro 3
Correlações entre as subescalas do IVPS, tempo de serviço e anos de supervisão
Analisando os resultados do quadro 3, constata-se que o leque das correlações
entre as subescalas do IVPS relativas aos benefícios apresenta valores que
variam entre .18 e .68, sendo que todas as intercorrelações entre as sete
subescalas são moderadas ou elevadas, segundo os critérios propostos por Cohen
(1988). A excepção surge nas intercorrelações que incluem a subescala
"Ganhos Universidade", nas quais a magnitude das correlações é um
pouco menor. Por seu turno, as percepções de impacto pessoal associam-se
positivamente aos benefícios provenientes da experiência supervisiva (variando
as intercorrelações entre .20 e .37), excepto na dimensão "Ganhos
Universidade", cuja correlação não é significativa do ponto de vista
estatístico. Quanto à dimensão "Adaptação às Tarefas de Supervisão",
se, por um lado, se encontra uma correlação positiva com os "Ganhos
Estagiários" (r=.20), por outro, constata-se uma correlação negativa com o
"Impacto Pessoal" (r=-.38). Finalmente, nenhuma das dimensões do IVPS
evidencia correlações estatisticamente significativas nem com o tempo de
serviço nem com os anos de supervisão.
Influência da área científica dos supervisores de escola
Por forma a explorar em que medida a área científica dos supervisores é
diferenciadora das suas vivências e percepções, procedeu-se a uma análise
multivariada, tomando as sete subescalas do IVPS e os três grupos científicos
representados neste estudo: Educação Física, Humanidades e Ciências Exactas.
Testes multivariados revelaram a ausência de diferenças entre os supervisores
de Educação Física, Letras e Humanidades e Ciências Exactas nas subescalas
avaliadas [Pillai's Trace=.16, F(7,118)=1.48, p=.12]. Ao nível univariado,
verifica-se que os supervisores de Educação Física, Letras e Humanidades e
Ciências se distinguem apenas na subescala "Ganhos na escola" [F
(2,124)=3.25, p<.05]. Testes Scheffe indicam que as diferenças significativas
se registam entre os supervisores de Educação Física (EF) e os de Letras e
Humanidades (LH), sendo que os maiores ganhos se verificam entre os de Educação
Física (MEF= 3.40vs. MLH=3.02).
Quadro 4
Diferenças nas sete subescalas do IVPS consoante área científica dos
supervisores
Influência da detenção (ou não) de formação especializada em supervisão
Do grupo total, 51% (n=72) dos supervisores declararam possuir formação pós-
graduada. Numa tentativa de averiguar em que medida esta variável influencia as
suas vivências e percepções em torno dos três domínios em análise,
confrontaram-se as experiências dos supervisores cooperantes com formação
especializada na área da supervisão com as dos supervisores com formação pós-
graduada noutras áreas.
Um t-test entre os dois grupos revelou a presença de diferenças significativas
apenas quanto às contrapartidas da colaboração com a universidade [(t=2.92;
g.l.=70; p<0.01)], sendo estas percepcionadas como mais elevadas entre os
supervisores com formação especializada na área. Nenhuma outra diferença foi
encontrada ao nível das restantes subescalas.
Quadro 5
Diferenças nas médias no IVPS dos supervisores com pós-graduação em supervisão
ou outras
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O estudo apresentado visou explorar e apresentar alguns dos aspectos mais
significativos da experiência supervisiva dos supervisores cooperantes a
trabalhar na formação inicial de professores de três universidades portuguesas.
Pretendeu averiguar o impacto desta experiência ao nível de três domínios
centrais ' benefícios, impacto pessoal e dificuldades na adaptação às tarefas
de supervisão', procurando, em cada um deles, responder à seguinte questão: Em
que medida as variáveis "Área científica", "Anos de
serviço", "Tempo de supervisão" e "Formação específica em
supervisão" diferenciam as vivências e percepções dos participantes?
Na base desta questão surgiram quatro hipóteses centrais: i) as vivências e
percepções dos supervisores cooperantes variam consoante a sua área científica;
ii) existem diferenças entre os supervisores mais e menos experientes na forma
como percepcionam os benefícios, impacto pessoal e dificuldades experienciadas
na adaptação às tarefas de supervisão; iii) existem diferenças entre os
supervisores na forma como percepcionam os benefícios, impacto pessoal e
dificuldades experienciadas na adaptação às tarefas de supervisão consoante a
longevidade da sua experiência docente; e iv) existem diferenças entre os
supervisores pós-graduados na forma como percepcionam os benefícios,
dificuldades e impacto pessoal da supervisão de estágios consoante detêm ou não
formação especializada na área.
Relativamente à primeira hipótese, verificou-se que a área científica não é um
factor diferenciador das vivências da experiência supervisiva, uma vez que não
se identificaram diferenças significativas, à excepção dos ganhos
percepcionados ao nível da escola. Nesta dimensão, os supervisores da Educação
Física revelam-se mais satisfeitos do que os seus colegas das Humanidades.
Refira-se que, muito embora não assumindo relevância estatística em termos das
diferenças observadas nas restantes seis subescalas do IVPS, é entre os
supervisores da Educação Física que as percepções, genericamente tomadas, são
mais positivas. De salientar que este grupo de supervisores advém de apenas uma
instituição, a Universidade do Porto, pelo que poderá espelhar uma avaliação
mais concreta e focalizada do seu próprio projecto de formação inicial de
professores e acompanhamento ao nível do estágio pedagógico, ao invés dos
outros grupos que pertencem a várias universidades. Isto é, pretendemos realçar
que os níveis de satisfação dos demais supervisores dizem respeito a uma maior
diversidade de projectos formativos, não permitindo associá-la a uma
instituição em particular.
No que diz respeito à segunda e terceira hipóteses, constatou-se que os anos de
serviço e os anos de experiência supervisiva não diferenciam as vivências e
percepções dos supervisores em nenhuma das subescalas avaliadas. Segundo
Albuquerque et al. (2005), a experiência de ensino marca distintos
posicionamentos face aos conceitos de ensinar e aprender, enquanto a
experiência de supervisão traz estilos mais directivos. Por sua vez, Esteves et
al. (2008), num estudo incidente nos supervisores da Universidade do Minho,
verificaram que, quanto maior a experiência de ensino, menores as dificuldades
de adaptação às tarefas supervisivas. Estes resultados pouco consonantes levam-
nos a salientar o papel crucial dos contextos de formação, bem como a
problematizar os indicadores de medida que são utilizados nos diferentes
estudos e que, como afirmamos na introdução, não permitem comparações rigorosas
entre eles.
Todavia, e neste estudo, as dificuldades experienciadas na adaptação às tarefas
de supervisão estão negativamente correlacionadas com os ganhos gerais, com os
decorrentes da colaboração com a universidade, com o supervisor da
universidade, bem como com o impacto pessoal desta experiência. Ou seja, os
supervisores que experienciaram menores dificuldades são aqueles que
percepcionam menos ganhos em grande parte dos aspectos avaliados (gerais,
pessoais, da universidade/CE e na interacção com o supervisor da universidade).
Cremos que tais percepções se poderão dever a uma maior proximidade e
cooperação, que se espera surgir quando há maiores dificuldades, entre os
próprios supervisores e entre os supervisores e as instituições de Ensino
Superior. Neste caso, a vivência da função assemelha-se a um percurso de
aprendizagem, de gestão das dificuldades e dos obstáculos, que, no balanço
final, surge como uma aprendizagem valiosa, sendo, neste percurso, o apoio da
universidade genericamente de natureza formativa.
Contudo, e inversamente, no que respeita à subescala dos ganhos com os
estagiários e com a escola, os supervisores que tiveram menos dificuldade na
adaptação às tarefas de supervisão foram também aqueles que percepcionaram mais
ganhos com os estagiários e com a escola. Aqui parece-nos que o suporte da
escola e a boa relação pessoal e de trabalho estabelecida com os estagiários
poderá atenuar eventuais dificuldades associadas às tarefas inerentes às
funções supervisivas, salientando novamente o papel crucial desempenhado pelos
contextos na facilitação ou inibição de processos favoráveis ao desenvolvimento
profissional. Por outro lado, cremos ainda que a facilidade de adaptação às
tarefas de supervisão cria um espaço/tempo maior para o desenvolvimento de
outros contextos favoráveis; isto é, se o esforço e empenho não se situarem ao
nível da adaptação às tarefas, por já estarem devidamente interiorizadas e
executadas, resta mais tempo e disponibilidade para o desenvolvimento das
relações com os estagiários e com a escola, destas resultando maiores ganhos/
benefícios.
Quanto à quarta hipótese do estudo, verificou-se que a detenção de uma pós-
graduação em supervisão diferencia as percepções dos supervisores ao nível dos
ganhos decorrentes da interacção com a universidade/CE. De facto, os
supervisores com especialização em supervisão percepcionam mais ganhos na sua
parceria com a universidade, possivelmente porque essa formação terá sido
adquirida na universidade com a qual colaboram na supervisão dos estágios. No
caso de algumas universidades (entre elas a Universidade do Minho), esta
formação é incentivada (através de redução da propina e prioridade no acesso a
estes cursos, por exemplo) e valorizada na selecção dos supervisores
cooperantes. Adicionalmente, a formação especializada em supervisão promove
saberes e competências específicos para o exercício da actividade, fomentando
percepções mais positivas do supervisor relativamente à sua capacidade de
confronto, gestão e resolução das exigências e desafios inerentes às suas
práticas supervisivas. Por outro lado, maiores ganhos e satisfação
percepcionados poderão decorrer também da maior motivação (logo à partida)
destes supervisores para este tipo de tarefa, ao ponto de terem investido numa
pós-graduação na área. A necessidade de possuir formação específica para o
desempenho de funções especializadas não é apenas reconhecida formalmente (pela
existência de um perfil de formação especializada em supervisão pedagógica e
formação de formadores - Despacho Conjunto nº 198/99, de 15 de Fevereiro), mas
também em estudos que a classificam como determinante para a melhoria do
processo de formação inicial (Crasborn et al., 2008; Esteves, 2006; Parker-Katz
& Bay, 2008; Rodrigues & Esteves, 2003).
Apresentados os resultados do estudo que tecemos, pretendemos ainda formular
algumas reflexões acerca do contexto actual no qual se movem os supervisores
pedagógicos. De facto, desde a aplicação da Portaria 1097/2005, os supervisores
viram a sua condição de "formador" alterada, assumindo a supervisão
pedagógica como mais uma tarefa acrescida às demais funções que assumem como
docentes (às quais podem ainda somar-se a de directores de turma,
representantes disciplinares, ou outras). Tal, associado aos resultados
positivos que o estudo apresenta quanto à avaliação da experiência, por parte
dos supervisores, leva-nos a reflectir sobre as motivações que estes
profissionais têm para o desempenho das funções supervisivas. Esteves (2006),
relativamente a um contexto formativo anterior ao da referida portaria, apontou
motivações maioritariamente do foro desenvolvimentista para a prática da
supervisão, para além de outras que distinguiu como pessoais e profissionais.
De entre aquelas, salientamos o "querer conhecer outras pessoas" e
"manter o seu lugar de colocação na escola"; de entre as motivações
profissionais, o "querer experienciar novos desafios" assumia a
primeira posição. Face à alteração substancial das "condições de
trabalho", seria interessante averiguar, na presente conjectura, quais as
razões que movem os supervisores que actualmente colaboram com as
universidades, bem como eventuais flutuações ocorridas no seu perfil (pessoal e
sócio-demográfico).