A liderança das escolas em três regiões portuguesas: uma visão a partir da
avaliação externa
Introdução
A avaliação dos estabelecimentos de Educação Pré-Escolar e dos do Ensinos
Básico e Secundário foi instituída pela Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro, e é
configurada por um sistema que engloba dois processos complementares: a
autoavaliação e a avaliação externa, que teve uma fase de experimentação em
20062. A autoavaliação é desenvolvida pela própria organização educativa, que
deverá produzir "um discurso constituído por juízos de valor que relacionam um
referido (algo que é observado, registado, apreendido acerca do objeto
avaliado) e um referente (algo que se apresenta como um ideal ou uma norma)"
(Figari, 1996). A avaliação externa, que foi atribuída à Inspeção-Geral da
Educação (IGE), conta com a colaboração de peritos externos pertencentes a
instituições de Ensino Superior e traduz-se na produção de um relatório que tem
por referentes vários domínios do desempenho das escolas, a análise documental
do relatório de avaliação interna das escolas e entrevistas em painel
realizadas a um conjunto muito diverso de atores. O relatório visa devolver à
escola avaliada uma imagem que a leve a definir os aspetos em que deve e quer
melhorar.
Num ciclo de quatro anos (entre 2006 e 2010), foram avaliadas todas as escolas
e agrupamentos de escolas do continente e, a partir de 2010, foi reiniciado um
segundo ciclo de avaliação externa. No primeiro ciclo de avaliação, os domínios
de análise eram cinco (resultados; prestação de serviço educativo; organização
e gestão escolar; liderança; capacidade de auto-regulação e melhoria), cada um
deles desdobrando-se num número variável de fatores, e no segundo ciclo,
atualmente em curso, o referencial compreende três domínios (resultados;
prestação do serviço educativo; liderança e gestão), igualmente desdobrados em
diversos fatores.
Contextualizado no projeto de investigação em que participámos3, o presente
estudo circunscreve-se à liderança que é desenvolvida nas escolas (um dos
domínios considerados), a partir da análise dos relatórios de avaliação
externa. Para o efeito, foram tomadas como objeto de análise, exclusivamente,
três regiões portuguesas (Algarve, Alentejo e Lisboa e Vale do Tejo), seleção
que se prendeu com a preocupação de contemplar territórios com características
distintas. O estudo tem como objetivos compreender como as organizações
educativas põem em prática a sua visão de escola e como implementam a partilha
e a circulação da informação para darem consecução a metas e propósito que
estabeleceram, dando assim corpo à linha hierárquica de exercício do poder.
Em termos metodológicos, a opção por nos centrarmos na análise dos relatórios
de avaliação externa constituiu uma via desafiante para a investigação, na
medida em que se parte de um registo realizado pelas equipas de avaliação a
partir da informação disponibilizada pelas escolas. Se, por um lado, esta
circunstância pode ser encarada como uma limitação, na medida em que é uma
informação mediada pelas representações dos agentes que avaliam, por outro,
estas tornam-se, em si, objeto de análise. Trata-se, assim, de ter presente que
estamos perante uma construção social, o que acontece, na realidade, mesmo
quando se trata de fontes primárias. Importa, ainda, acrescentar que o facto de
se propor uma análise a partir dos relatórios de avaliação externa permite, de
igual modo, constituir-se como uma base de análise de documentos que, numa
primeira leitura, têm outros objetivos.
A avaliação externa das escolas tem, certamente, contribuído para uma reflexão
acerca das condições organizacionais indispensáveis à promoção do sucesso
escolar, e o presente estudo integra-se neste propósito.
1. Avaliação e liderança das escolas
1.1. A avaliação
A avaliação organizacional no campo educativo pode assumir uma pluralidade de
formatos e uma diversidade de respostas e engloba a avaliação interna e a
avaliação externa das escolas. Estas modalidades avaliativas distinguem-se nos
propósitos que perseguem e nos protagonistas que as efetivam, devendo, contudo,
existir uma complementaridade entre ambas que concorra para o desenvolvimento e
para a melhoria da organização escolar (Alaiz, 2004; Afonso, 2000; Azevedo,
2002, 2007; McNamara & O'Hara, 2008; Sá, 2009; Simões, 2007).
A avaliação externa tem como principal função a prestação de contas, no sentido
de devolver um balanço sobre a qualidade das escolas, da educação e do ensino
que proporcionam, tendo em vista a sua melhoria. Nas palavras de Janssens e Van
Amselsvoort (2008), a avaliação externa assume uma dupla função, accountability
e improvement, enquanto a avaliação interna "é um mecanismo crucial para a
aquisição de qualquer tipo de desenvolvimento da escola" (McBeath, 1999, p.
40).
O conceito de empowerment (MacBeath, 1999) é frequentemente utilizado para
ilustrar o que se julga ser o objetivo último da avaliação das organizações
educativas, entendimento que vem reforçar o pressuposto da autonomia que as
escolas têm vindo a reclamar (Afonso, 2000; Barroso, 2004). Em muitos países,
os processos de avaliação respondem a esta realidade, funcionando como
instrumentos de monitorização externa e interna de práticas que as escolas
desenvolvem no exercício da sua autonomia (Schildkamp, 2007).
No espaço europeu, sobretudo nos países com uma experiência mais consolidada na
avaliação das escolas, como é o caso da Escócia, da Inglaterra e da Holanda, a
avaliação externa é da responsabilidade dos serviços da inspeção educativa.
Esta prática tem contribuído para a interiorização de que a avaliação das
escolas é uma matéria da responsabilidade de uma entidade externa e,
consequentemente, tem dificultado processos que coloquem a avaliação como uma
tarefa da responsabilidade da própria escola e dos seus atores (McNamara &
O'Hara, 2005).
O longo caminho que tem vindo a ser percorrido aconselhou inflexões de percurso
e alterações nos propósitos. O clássico papel de "monitorização" e de
"controlo" que caracterizava a atuação dos serviços da inspeção está a ser
substituído por modalidades de apoio, como o trabalho em parceria com as
escolas e a disponibilização de modelos e de ferramentas para o
autoaperfeiçoamento. A tendência atual reserva à avaliação externa um papel
complementar e de apoio e dá primazia à avaliação interna enquanto contributo
para o desenvolvimento da escola. Trata-se, como afirmam Mcbeath e McGlym
(2002), de um modelo no qual a avaliação externa se centra, antes de mais, na
promoção da capacidade das escolas para se avaliarem.
Em Portugal, os processos de avaliação das escolas ainda têm uma curta
história, em relação a outros países do espaço europeu. Apesar de, ao longo das
duas últimas décadas, terem sido desenvolvidos diversos programas, projetos e
procedimentos de avaliação externa de escolas dos Ensinos Básico e Secundário,
tanto da iniciativa de instituições privadas (com destaque para a Fundação
Manuel Leão, responsável pelo Programa AVES ' Avaliação de Escolas
Secundárias), como de organismos da administração educativa (Inspeção-Geral da
Educação e Instituto de Inovação Educacional), as medidas de política educativa
no âmbito da avaliação das escolas só surgiram em 2002, com a aprovação do
sistema de avaliação da educação, que compreende a avaliação externa e a
avaliação interna, sendo esta última obrigatória.
A complementaridade que, como referimos anteriormente, deve caracterizar estas
duas modalidades de avaliação, ainda não é uma realidade nas escolas
portuguesas. Quanto à avaliação interna, que não fazia parte da cultura e das
práticas das escolas portuguesas, o seu emergir, por via legal, veio lançar um
desafio a que, de forma mais ou menos estruturada, as escolas têm vindo a
responder.
Correspondendo ao que está disposto no documento legal, mas também a processos
e a princípios em que assenta a avaliação de escolas que é realizada noutros
países que nos serviram de inspiração, o projeto de avaliação externa pretende
assumir-se como um contributo relevante para o desenvolvimento das escolas e
para a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos, numa perspetiva
reflexiva e de aperfeiçoamento contínuo (IGE, 2010), sendo seus objetivos:
promover o progresso das aprendizagens e dos resultados dos alunos,
identificando pontos fortes e áreas prioritárias para a melhoria do trabalho
das escolas; incrementar a responsabilização a todos os níveis, validando as
práticas de autoavaliação das escolas; fomentar a participação na escola da
comunidade educativa e da sociedade local, oferecendo um melhor conhecimento
público da qualidade do trabalho das escolas; e contribuir para a regulação da
educação, dotando os responsáveis pelas políticas educativas e pela
administração das escolas de informação pertinente.
A avaliação externa é realizada por uma equipa constituída por três elementos:
dois inspetores e um avaliador externo à IGE, na maioria docentes e
investigadores do Ensino Superior, que operam com o referencial que atrás
referimos. Em termos processuais, compreende três etapas, consideradas
fundamentais para o conhecimento aprofundado da escola avaliada, mas também
para a devolução à mesma de informação que a auxilie a implementar os
necessários processos de melhoria: 1) análise de documentos disponibilizados
pela escola e de dados recolhidos através de inquéritos de opinião aplicados a
alunos, pais, pessoal docente e não docente; 2) visita à escola, com a duração
de dois ou três dias consoante se trate de uma escola não agrupada ou de um
agrupamento de escolas; 3) redação de um relatório da escola/agrupamento, da
responsabilidade da equipa de avaliação externa, com base nas evidências
recolhidas. Após o envio do relatório, a escola avaliada dispõe de um prazo
para apresentar um contraditório. Os relatórios e os contraditórios são
publicados na página da Internet da IGE.
O balanço do primeiro ciclo de avaliação mostra que há dois aspetos que se
constituem como o cerne de todo o processo: um que tem a ver com a criação de
uma cultura de avaliação de escola e com a sua interiorização pela comunidade
educativa ' correndo-se o risco, caso não exista, de o mesmo não vir a ter
implicações significativas na melhoria real e efetiva da qualidade que é
oferecida pelo estabelecimento de ensino; outro que se prende com a relação
estreita que deverá existir entre a necessidade de se desenvolver essa cultura
de avaliação e uma nova forma de encarar a gestão e o planeamento estratégico.
A evolução que se tem vindo a observar nos modelos de gestão das organizações
escolares tende a valorizar a relação de sentido entre a orientação que é dada
à organização educativa ' à sua missão, visão e valores que defende ' e a
identidade de cada escola. Neste contexto, a avaliação da escola surge como um
instrumento fundamental para o seu conhecimento, caracterização e identificação
dos seus problemas, assim como para a conceção de planos de ação adequados e
que a escola pode desenvolver, o que, indubitavelmente, significa um
determinado exercício da(s) liderança(s).
1.2. A liderança
A liderança das organizações escolares deve ser entendida como um meio para o
desenvolvimento de uma ação educativa e pedagógica (Costa, 2000; Lima, 2002),
operativamente traduzida numa gestão partilhada (Sergiovanni, 1998, 2004), cujo
exercício e eficácia exigem, por um lado, efetividade e reconhecimento e, por
outro, o recurso a estratégias concertadas de ação e de promoção do
empenhamento individual e coletivo de toda a comunidade educativa na realização
de projetos de trabalho, visando a resolução dos problemas difíceis de
solucionar (Nóvoa, 1992; Fullan, 2001; English, 2008; Fontoura, 2008).
Para precisar o sentido substantivo do conceito, haverá que distinguir
liderança de gestão, embora uma e outra sejam complementares no exercício da
função de direção. Assim, enquanto a ação do gestor visa essencialmente fazer
funcionar a instituição no quadro dos normativos gerais e próprios (Ruzafa,
2003), assumindo o mesmo mais uma função de controlo, através do orçamento, da
planificação de atividades e de outros instrumentos de organização e
regulamentação da vida da escola, a do líder deve sobretudo estabelecer metas
de futuro, concitar compromissos e promover e orientar mudanças (Estêvão,
2000).
Deste modo, ao exercer a liderança, o diretor deve não apenas centrar-se na
atividade efetivamente desenvolvida na sua escola e promover um diálogo e um
intercâmbio permanentes entre os professores, de modo a que eles problematizem
as suas práticas e as circunstâncias em que as desenvolvem, visando a sua
melhoria (Ruzafa, 2003), mas também apostar na oferta educativa, no
desenvolvimento profissional dos professores e no desenvolvimento organizativo
da escola na sua totalidade (Gairín & Villa, 1999), num processo que,
segundo Bolívar (1997), se traduz num exercício múltiplo e dinâmico da
liderança. Este pressupõe um conjunto de competências de nível técnico,
instrumental, de ação moral e de transformação, que se constroem pela formação
e aprendizagem (Sanches, 1996; English, 2008), realiza-se em função de três
tipos de variáveis (as características pessoais do líder, as estruturas da
organização e a cultura de escola), e é influenciado por três dimensões: i) a
legal, no quadro do estatuto legal ou formal do cargo na organização-escola;
ii) a pessoal, como consequência das características pessoais do director; e
iii) a funcional, que tem por referente as características do grupo e o seu
grau de adequação a estas (Ciscar & Uria, 1986, cit. por Gairín &
Villa, 1999).
Na verdade, o exercício da liderança das organizações escolares compreende as
dimensões técnica, humana, pedagógica, simbólica, cultural e política (Gairín
& Villa, 1999) e, para que o mesmo seja eficaz, não pode descurar a
dimensão moral da educação, a natureza social e interpessoal das práticas
educativas, a dimensão instrucional e a natureza política da educação. Neste
contexto, o diretor, continuando a ser o gestor das tarefas administrativas,
assume-se como o animador da "mudança e da participação", o coordenador da ação
dos diversos órgãos (Fonseca, 2000) e, principalmente, como "comunicador", que
previne, gere e medeia os conflitos, promove e incentiva as boas relações entre
os elementos da comunidade escolar e toma decisões consentâneas com os
interesses e necessidades desta (Fullan, 2001).
Independentemente dos diferentes modelos que, diacronicamente, têm suportado o
exercício da liderança, desde os tradicionais (mecanicistas, burocráticos,
formais e hierárquicos) aos democráticos e participativos, aos políticos, aos
subjetivos, aos ambíguos, aos colaborativos e colegiais, ou até mesmo aos
educativos e pedagógicos (Costa, 2000; Sanches, 2000; Rocha, 2000), traduz-se o
mesmo numa pluralidade de práticas, que, na nossa opinião, deverão configurar
uma perspetiva "transformacional" (Burns, 1978) da escola, que se expresse em
abertura às novas ideias, tolerância para com a divergência de opiniões,
valorização do fracasso como fonte de aprendizagem, questionamento de
suposições de base, pensamento prospetivo especulativo e procura de relações e
de coerência sistemática (Glatter, 2007).
No sistema educativo português, os normativos que definem os órgãos e as áreas
de intervenção das lideranças escolares configuram um modelo em que existe uma
partilha de responsabilidades e em que os processos de tomada de decisão são
assumidos pelo coletivo dos órgãos (Conselho Executivo/Diretor, Conselho de
Escola/Conselho Geral e lideranças intermédias), o que se traduz numa
descentralização interna da gestão, que se exerce e manifesta de forma
dispersa, originando múltiplas lideranças que deverão funcionar de forma
articulada e complementar (Ainley & McKenzie, 2000). Prevalece, assim, um
modelo de liderança baseado em princípios de colegialidade (Sanches, 2000), que
possibilitam uma ação organizacional e pedagógica de reforço mútuo e
facilitadora da expressão individual. Esta prática de liderança assenta,
portanto, numa rotatividade de papéis, decorrente da possibilidade dos
professores exercerem diferentes funções dentro da organização educativa, o que
expande a sua perceção acerca da realidade e possibilitará a identificação de
uma voz e de uma identidade que permitem relações de segurança e de governo
partilhado, a aprendizagem a partir dos outros e com os outros e, ainda, a
criação de uma cultura de colaboração, de relação e de ligação com a comunidade
(Beatie, 2002; Gold, Evans, Earley, Halpin, & Callarbone, 2003; Leithwood
1994). Como consequência lógica, a liderança deverá rentabilizar a colaboração
e o compromisso para proporcionar estruturas e meios propícios ao diálogo.
Desta forma, serão criadas condições para que as múltiplas vozes (de
professores, alunos, famílias e outros agentes da comunidade), que expressam
diferentes ideias, sejam ouvidas nos processos de mudança e de desenvolvimento
organizacional (Ross & Gray, 2006; Robertson, 1999).
A ação da liderança tem, portanto, de ser criativa e inovadora, e os líderes
devem estar preocupados com a criação e a recriação de comunidades de
aprendizagem que envolvam toda a vida democrática da comunidade educativa
(Barker, 2007), pelo que é fundamental a recolha e a circulação da informação.
Quanto a esta última, apesar dos condicionalismos a que está sujeita nas
organizações escolares, enquanto sistemas complexos, abertos e holísticos, a
difusão da informação entre os professores, sobre as várias dimensões do
funcionamento organizacional da escola, estimula o próprio fluxo da informação
e fomenta a mudança. Além disso, a intensidade e a qualidade da informação
dependem do nível de produção de conhecimento e do grau de interação entre as
estruturas, bem como da cultura de comunicação dentro do sistema (Fullan,
2001).
Em Portugal, a co-habitação, numa mesma unidade educativa, de docentes com
diferentes formações e que lecionam ciclos de ensino distintos, a par da
dispersão geográfica que caracteriza os agrupamentos de escolas, poderão,
também, constituir-se como fatores propícios à existência de bloqueios que
impedirão situações de diálogo e que dificultarão a circulação e a apropriação
da informação. Trata-se de uma situação que urge ponderar, tendo presente que,
como vários estudos demonstram, qualquer que seja o tipo de escola, o efetivo
uso da informação mostra-se eficaz para identificar expectativas e para
estimular processos de questionamento e de discussão que se traduzem em
desenvolvimento (Bert & Gerry, 2005; Coppieters, 2005). A manutenção de
circuitos de circulação da informação que garanta que o conhecimento sobre a
escola se estabelece é, pois, uma condição que as lideranças devem observar e
garantir. Desta forma, terão as mesmas que assegurar a circulação e a qualidade
da informação, bem como a variedade e a diversidade de meios e de formas
através dos quais ela circula. Têm ainda que garantir a eficácia dessa
circulação, através de um sistema claro de delegação de responsabilidades que
garanta que o conhecimento existente sobre os indicadores de desenvolvimento,
progresso e melhoria da escola é apropriado pela comunidade educativa.
2. Aspetos metodológicos
Tendo por objeto de estudo a liderança das escolas portuguesas dos Ensinos
Básico e Secundário, agrupadas e não agrupadas, o presente artigo apresenta,
numa abordagem própria e de acordo com uma perspetiva metodológica integradora
do qualitativo e do quantitativo (Shulman, 1986), dados obtidos no quadro do
projeto de investigação atrás referido.
Para o efeito, considerámos os dados resultantes da análise de conteúdo, de
natureza categorial (Bardin, 1979), dos 293 relatórios de avaliação externa
realizados pela Inspeção-Geral da Educação, respeitantes às regiões do Algarve,
Alentejo e Lisboa e Vale do Tejo, e elaborados nos anos letivos de 2006/2007,
2007/2008 e 2008/2009. Tomámos como objeto de análise, no domínio da liderança,
quatro grandes categorias: i) exercício da autoridade (Conselho Executivo/
Diretor4, Conselho de Escola/Conselho Geral e lideranças intermédias); ii)
visão; iii) processos de tomada de decisão; e iv) partilha e circulação da
informação, que compreendem diferentes subcategorias. Os dados das categorias
foram sistematizados em quadros, constituídos pelo número de relatórios e
respetivo valor percentual, por região, em que se encontram presentes as
diferentes subcategorias, bem como o respetivo somatório e valor percentual
relativo à totalidade dos 293 relatórios. Será com base nestes quadros que
procederemos à análise interpretativa dos dados.
A opção pela análise das referidas categorias justifica o objetivo principal a
que nos propusemos e que se traduz na caracterização da liderança nas três
regiões consideradas e, em função da natureza desta, compreender como as
organizações educativas põem em prática a sua visão de escola e como
implementam a partilha e a circulação da informação para darem consecução aos
seus objetivos, dando assim corpo à linha hierárquica de exercício do poder.
3. Apresentação e discussão dos resultados
A análise dos relatórios evidenciou uma linha hierárquica de exercício da
liderança, que vamos procurar caracterizar partindo dos dados relativos à
categoria exercício da autoridade', aos seus diversos níveis ' tendo em
consideração o anterior e o atual regime de administração e gestão das escolas
' (Conselho Executivo/Diretor, Conselho de Escola/Conselho Geral e lideranças
intermédias), que configura diferentes estilos de liderança, que se expressam
e, ao mesmo tempo, são conformados pela visão' de escola a que dão corpo,
pelos processos de tomada de decisão' que implementam e pela partilha e
circulação da informação' que usam e fomentam nos seus agentes.
3.1. Exercício da autoridade
Detenhamo-nos, então, na análise interpretativa dos dados relativos ao
exercício hieráquico da autoridade pelos órgãos da escola, que consubstancia a
respetiva liderança.
3.1.1. Conselho Executivo/Diretor
Nos relatórios de avaliação externa, a liderança do Conselho Executivo/Diretor
é caracterizada segundo diferentes perspetivas, de cuja análise emergiram as
seguintes dimensões: estilo de liderança; definição (ou indefinição) de
procedimentos; tipo de gestão (estratégica ou não estratégica); e capacidade de
mobilização dos demais órgãos e da comunidade escolar (Quadro_1) ' as quais
passamos de imediato a analisar.
Em termos globais, a liderança dos Conselhos Executivos/Diretores de escola,
considerado o conjunto das três regiões, caracteriza-se, de acordo com os
dados, pelo exercício de uma autoridade que se expressa, essencialmente: i)
pela abertura e disponibilidade, traduzida na aposta numa dimensão relacional/
afetiva, identificada em 92 relatórios (31,40% do total de 293), e na ação
educativa (89 relatórios, ou 30,38%); e ii) pela implementação de um processo
de gestão, que oscilará entre a definição (69 relatórios, isto é, 23,55% do seu
total) e a indefinição (61 relatórios, ou 20,82%), e cuja natureza será
essencialmente estratégica (aspeto referido em 98 relatórios, que representam
33,11% do respetivo total), embora a mesma tenha sido considerada como não
estratégica em 39 relatórios (13,31%). Ainda como traços caracterizadores do
exercício da autoridade pelos Conselhos Executivos/Diretores, mas com menor
peso relativo, poderemos referir a partilha da visão de escola, no sentido da
mobilização dos demais parceiros educativos (16,72%, correspondentes a 49
relatórios), e o ser a mesma ativa/empenhada/forte (12,29%).
Em termos mais específicos, poder-se-á afirmar que o exercício da liderança
pelos Conselhos Executivos/Diretores é tendencialmente mais forte na região de
Lisboa e Vale do Tejo, enquanto nas regiões do Alentejo e do Algarve assumirá
um caráter mais difuso. Na generalidade, nas três regiões, tem o mesmo como
características dominantes traduzir-se numa liderança aberta e disponível no
domínio da ação educativa, alicerçar-se muito na dimensão relacional/afetiva,
ser tendencialmente estratégico e mostrar alguma preocupação com a mobilização
dos diferentes agentes educativos e da comunidade para uma ação concertada.
3.1.2. Assembleia de Escola/Conselho Geral
A análise de conteúdo dos relatórios conduziu a que o exercício da autoridade
pela Assembleia de Escola/Conselho Geral fosse considerado em dois planos: o da
relação com o Conselho Executivo/Diretor e o das funções da/o própria/
o Assembleia de Escola/Conselho Geral, tendo os dados respetivos sido
sistematizados no Quadro_2.
A referência à relação da Assembleia de Escola/Conselho Geral com o Conselho
Executivo/Diretor foi apenas encontrada, para o conjunto das três regiões, em
25 relatórios (8,53% do total de 293). Parece-nos que estes resultados traduzem
algum divórcio, ou, pelo menos, uma não assumida complementaridade entre os
dois órgãos de cúpula da liderança das instituições escolares.
Por outro lado, no que às funções da Assembleia de Escola/Conselho Geral diz
respeito, definir-se-ão as mesmas, de acordo com o conteúdo dos relatórios
analisados, sobretudo como interventivas (69 relatórios, ou 23,55% do seu
total). Não deixa, porém, de ser significativo que, de acordo 31 relatórios
(10,58%), sejam tidas como formais, e que, em função de outros 5 (1,71%),
possam ser categorizadas como ausentes. Haverá casos, ainda, em que a ação
deste órgão terá como imagem a ação de alguns dos seus elementos, aspeto que se
deve a 19 relatórios, que representam 6,48% do seu total.
Genericamente, poder-se-á afirmar, como resultado da análise feita, que a
participação da Assembleia de Escola/Conselho Geral no exercício da autoridade
ou da liderança oscilará entre a intervenção e a formalidade. Contudo, em
qualquer das três regiões cujos relatórios de avaliação externa foram objeto de
análise, a função de intervenção é mais expressiva, sobrepondo-se à autoridade.
3.1.3. Lideranças intermédias
As lideranças intermédias são descritas, nos relatórios, nos planos da
qualidade da articulação entre estruturas, das formas de participação na gestão
escolar, do nível de reconhecimento e integração na organização-escola e dos
limites da sua atuação ' aspetos que, na análise de conteúdo efetuada, foram
globalmente considerados como definidores da "linha hierárquica" do exercício
do poder no que a este nível da liderança das escolas diz respeito (Quadro_3).
Considerando os dados em termos globais, para o conjunto das três regiões,
verificamos que a articulação entre estuturas é caracterizada como boa' em 96
relatórios, que representam 32,76% do total de 293, e que é o valor percentual
mais elevado de todos os parâmetros que compõem esta categoria de análise. Deve
notar-se, porém, que, em 18 relatórios (6,14%), esta articulação é reputada de
reduzida, o que não poderá deixar de ser levado em linha de conta. É também de
assinalar que apenas em 1 relatório (0,34%) as estruturas intermédias são tidas
como em submissão ao Conselho Executivo/Diretor.
Interpretando estes dados, no seu conjunto, poder-se-ia dizer que, nas escolas
e agrupamentos cujos relatórios foram analisados, as lideranças intermédias
exercem a sua ação de forma relativamente autónoma e, por certo, em
complementaridade com os demais órgãos das respetivas instituições. Tal
interpretação parece reforçar-se quando, em 89 relatórios (30,38% do seu
total), se afirma o reconhecimento e a integração das estruturas intermédias no
exercício da liderança, sendo, no entanto, mitigada pela constatação de que são
reconhecidos limites de atuação às mesmas em 60 relatórios (20,48%). Esta
relativização parece ainda tomar mais sentido quando atentamos nos baixos
valores percentuais das diferentes formas de participação das lideranças
intermédias, cujos valores oscilam ente 6,48% (19 relatórios) e 1,37% (4
relatórios). Destas formas de participação salientem-se, no entanto, as que se
referem à gestão do serviço pedagógico (19 relatórios, ou 6,48%), a da
monitorização da ação educativa (15 relatórios, isto é, 5,12% do total de 293)
e a da mobilização e corresponsabilização (13 relatórios, ou 4,44%).
Em síntese, parece poder afirmar-se que o exercício da autoridade pelas
estruturas intermédias se define, principalmente ' e por ordem decrescente de
peso relativo dos respetivos fatores, nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo,
Alentejo e Algarve ', por uma boa articulação entre elas, embora as escolas
desta última região assumam a primazia quanto ao reconhecimento e integração
das lideranças intermédias, bem como dos respetivos limites de atuação,
seguindo-se-lhe a região de Lisboa e Vale do Tejo e, por último, a do Alentejo.
No que às formas de participação respeita, as três regiões, com algumas
variações numéricas, apresentam idêntico padrão de resultados, sendo apenas de
salientar a ausência de referências à mobilização e corresponsabilização das
lideranças intermédias nos relatórios da região do Algarve.
3.2. Visão
Nos relatórios analisados, a "visão" é configurada pelos objetivos, metas e
estratégias que estão definidos pela escola ou agrupamento, nomeadamente pelas
áreas de intervenção prioritária e pelas estratégias utilizadas para os
alcançar, na oferta educativa que é disponibilizada, considerada adequada à
realidade social em que a escola se integra, e, ainda, pela visão estratégica
de desenvolvimento futuro (visão prospetiva/futuro/ oportunidades) (Quadro_4).
Os dados apurados para as três regiões permitem concluir que, para alcançarem
os objetivos, metas e estratégias a que se propõem, as escolas apostam,
preferencialmente, na identificação de áreas de intervenção prioritária. A
existência de 69 relatórios que o refere, num universo de 293, é elucidativa de
uma prática que parece ser usual. Contudo, e inesperadamente, só 7 relatórios,
que representam a reduzida percentagem de 2,39%, identificam estratégias que
são implementadas e que concorrerão para alcançar os objetivos que as escolas
se propuseram alcançar. Os resultados parecem sugerir que não existe uma
correspondência de ação estratégica que responda, operativamente, à execução do
que foi considerado como campo de intervenção prioritário. A disponibilização
de uma oferta educativa diversificada configura o propósito mais ilustrativo da
visão das escolas avaliadas. Em 157 dos relatórios analisados, a que
corresponde um valor percentual de 53,58%, é referida a avultada e a
diversificada resposta, em termos de cursos ou de respostas educativas
alternativas, que permitirão ir ao encontro de diversos públicos com distintas
necessidades educativas. Quanto à visão prospetiva, são 85 os relatórios que a
ela aludem (32,31% do total analisado), o que denota alguma limitação na
capacidade para perspetivar um eventual desenvolvimento e de lhe dar uma
resposta adequada.
Em termos globais, poder-se-á concluir que a visão das escolas analisadas se
caracteriza por uma intencionalidade que se apoia em áreas de intervenção
consideradas prioritárias, se traduz, abundantemente, na disponibilização de
uma oferta educativa rica e diversa, embora a referência a estratégias que as
tornem viáveis seja muito escassa. Quanto à capacidade das lideranças para
perspetivarem o futuro e para organizarem uma resposta que se lhe ajuste, os
resultados expressam, moderadamente, essa possibilidade. Na análise por região,
verifica-se que as diferenças são subtis e acompanham o perfil que caracteriza
a globalidade dos relatórios analisados. No Algarve, no Alentejo e na região de
Lisboa e Vale do Tejo, as escolas reconhecem as áreas onde devem investir, mas
a intencionalidade estratégica que garanta a capitalização desse investimento é
muito débil, e a enorme aposta na oferta educativa e formativa não parece
decorrer de uma capacidade consciente de antecipar o futuro. Prevalece,
portanto, uma dinâmica de liderança de cariz processual e não intencional.
3.3. Processos de tomada de decisão
No que respeita aos processos de tomada de decisão, o quadro de referência da
avaliação externa solicita a recolha de evidências sobre a forma como os atores
são envolvidos, bem como acerca dos processos que são mobilizados pelas
estruturas de liderança para a prossecução das metas que as escolas e os
agrupamentos se propuseram alcançar. Como consequência, os indicadores apurados
nos relatórios remetem, sobretudo, para o envolvimento nos processos de
decisão, mais especificamente para a lógica de encadeamento que transfere,
sucessivamente, para níveis distintos, a responsabilidade de dar cumprimento ao
que está estabelecido nos documentos estruturantes da escola ou do agrupamento.
No conjunto de perguntas ilustrativas que as equipas de avaliação externa
colocam aos painéis de entrevistados, surgem questões sobre a hierarquização e
a calendarização dos objetivos da escola ou agrupamento, sobre a forma como a
gestão promove a articulação entre órgãos, para que seja reconhecido tanto o
princípio de subsidiariedade como a valorização da complementaridade decorrente
da natureza das funções e responsabilidades, e ainda sobre o incentivo que lhes
é dado para que tomem decisões e para que se responsabilizem por elas. A
escassez de relatórios que contemplem estes aspetos, expressa no Quadro_5 ' que
mostra que, num universo de 293 relatórios, somente 64 sinalizam processos de
tomada de decisão (21,84% do total) ', permite concluir que os avaliadores não
encontraram muitas evidências sobre este campo de ação das lideranças. Contudo,
a característica mais marcante desta categoria foi a impossibilidade de
discriminar distintos ângulos de apreciação deste domínio no corpus analisado e
que permitisse a criação de subcategorias.
A análise discriminativa, por região, desoculta algumas discrepâncias. Na
região do Algarve, só 5 relatórios referem os processos de tomada de decisão
(12,20%); no Alentejo, o número de relatórios e a respetiva percentagem são
bastante mais elevados (17 relatórios, o que corresponde a um valor percentual
de 29,82%); e, finalmente, na região de Lisboa e Vale do Tejo, foram
encontradas referências a esta categoria de análise em 42 relatórios (21,54%).
Não encontramos outra justificação que explique esta desigualdade se não a
opção sobre o conteúdo a inserir nos relatórios, que terá sido tomada pelas
equipas de avaliação externa que intervieram nas respetivas escolas. O conteúdo
dos relatórios resulta de evidências que foram recolhidas em várias fontes e
existem restrições e constrangimentos na sua redação, tais como limitações de
espaço, mas também inerentes ao facto de serem diferentes equipas, em cada
região, que desenvolvem a avaliação externa. Estas circunstâncias terão ditado
opções sobre o conteúdo a incluir nos relatórios que, no que se refere aos
processos de tomada de decisão, terão contribuído para uma diferente
valorização entre regiões.
3.4. Partilha e circulação da informação
A presente categoria refere-se à comunicação, envolvimento e reconhecimento dos
atores do espaço educativo. Em termos globais, a partilha e a circulação da
informação expressam-se, predominantemente, ao nível da sua circulação entre a
escola e a comunidade, referida em 112 dos 293 relatórios analisados,
correspondendo a 38,23% do total, no plano interno (21 relatórios, ou 7,17%), e
noutros aspetos, nomeadamente dificuldades e fraquezas condicionantes de uma
circulação da informação mais eficaz (presente em 19 relatórios, 6,48% do
respetivo total) (Quadro_6).
Numa apreciação geral a estes resultados, surgem dois destaques que merecem
alguns comentários: em primeiro lugar, a valorização que foi atribuída pela
avaliação externa aos processos de comunicação de informação que as escolas
estabelecem com a comunidade envolvente; e, em segundo lugar, a reduzida
presença, nos relatórios, de texto que refira a circulação de informação a
nível interno. Se, por um lado, é interessante e positivo saber que existe uma
prática tão expressiva de articulação e de contacto entre a escola e a
comunidade (embora não sejam detalhados os conteúdos, objetivos e consequências
dessa passagem de informação), por outro, não era esperado que a circulação
interna fosse tão pouco referida. As causas desta fragilidade, no conteúdo dos
relatórios, escapam à análise efetuada, e, entre outras explicações que
poderiam ser avançadas, podemos admitir que a aceitação da informalidade, que
normalmente caracteriza os circuitos de passagem de informação nas escolas,
banalizou a sua existência ao ponto de não lhe ser dado relevo nos relatórios
produzidos.
Outro aspeto a destacar, e que recolhe um valor expressivo nos resultados
apurados, diz respeito às dificuldades e às fraquezas dos processos de
circulação da informação. Neste âmbito, o que é salientado, nos relatórios,
são, sobretudo, as falhas que decorrem das dificuldades dos atores na
utilização dos recursos tecnológicos. Constata-se, pois, que a existência de
recursos não é suficiente para que a circulação da informação se desencadeie e,
neste caso, as potencialidades que a tecnologia disponibiliza não são uma
garantia de que a informação que é divulgada seja apropriada pelos
destinatários.
Apreciados os resultados por região, genericamente, poder-se-á afirmar que, nas
três regiões, a circulação da informação que toma como destinatário a
comunidade é bem conseguida, não sucedendo o mesmo com os processos internos.
Este dado é preocupante se considerarmos que estamos em presença de
organizações muito complexas, com vários patamares de decisão, correspondendo,
a cada um deles, níveis distintos, mas complementares, de liderança. A fraca
referência a processos que sustentam uma passagem de informação que oriente a
prossecução das metas que devem ser comuns pode, em nosso entender, comprometer
uma liderança que, embora seja partilhada, deve integrar-se em propósitos
coletivos. Por outro lado, é sabido que a circulação de informação interna,
tanto pela interação que estabelece entre os professores, como pelo
fornecimento de informação acerca de problemas que podem ser comunicados (tais
como o desempenho dos alunos), é essencial na promoção do sucesso escolar. A
sinalização, que é comum às três regiões, de aspetos negativos que, como vimos,
referem dificuldades e fraquezas condicionantes de uma circulação da informação
mais eficaz, pode configurar a expressão da consciência que as escolas possuem
quanto às consequências das dificuldades na partilha e na circulação de
informação.
Conclusão
O artigo apresentado teve como principal objetivo analisar a visão que os
relatórios de avaliação externa das escolas consideradas expressam sobre o
exercício da liderança das escolas portuguesas dos Ensinos Básico e Secundário
' mais propriamente, as formas como as organizações educativas põem em prática
a sua visão de escola e como implementam a partilha e a circulação da
informação para darem consecução a metas e propósitos que estabeleceram, dando
assim corpo à linha hierárquica de exercício do poder.
Em termos globais, o modelo de liderança das escolas portuguesas tem de ser
perspetivado por referência aos normativos legais em vigor, os quais,
contrariando uma visão tradicional centralista de governo das escolas, preveem
uma partilha de visão e objetivos, de circulação efetiva da informação, de
responsabilidades e de processos de tomada de decisão, o que dá origem a
lideranças múltiplas que, para serem eficazes, devem funcionar, como dizem
Ainley e McKenzie (2000), de forma articulada e complementar. Este modo de
operar traduz-se no que Sergiovanni (2004) chama de "gestão partilhada", que é
exercida, em concreto, a três níveis: Conselho Executivo/Diretor; Assembleia de
Escola/Conselho Geral; e lideranças intermédias. Considerando estes três níveis
de exercício da liderança das escolas, e sem perdermos a sua visão de conjunto,
podemos afirmar que o nosso estudo nos autoriza, em termos conclusivos, à
afirmação de que o Conselho Executivo/Diretor ocupa uma posição determinante no
exercício da liderança e que a sua relação com a Assembleia de Escola/Conselho
Geral é reduzida. De acordo com o conteúdo dos relatórios analisados, a ação
deste órgão, apesar de ser a verdadeira estrutura de cúpula e de regulação do
funcionamento de uma organização educativa, é pouco expressiva. Por outro lado,
ao nível das lideranças intermédias, a linha hierárquica do exercício da
liderança não se configura com precisão, parecendo mesmo pouco afirmativa. Este
"estilo" de liderança conduz a que a visão de escola emergente dos relatórios
das três regiões consideradas se revele apostada, sobretudo, na oferta
educativa e na definição de áreas de intervenção prioritária. Nas regiões do
Alentejo e de Lisboa e Vale do Tejo, é igualmente evidenciada uma visão
prospetiva de escola.
Constata-se, portanto, que a dimensão estratégica da implementação da visão de
escola está praticamente ausente do conteúdo dos relatórios, pelo que se poderá
inferir um certo sentido de gestão mais processual do que verdadeiramente
prospetivo e mais reativo do que ativo. De acordo com vários autores (Estevão,
2000; Gairín &Villa, 1999), para o desenvolvimento de uma liderança
educativa e pedagógica é determinante uma visão de futuro/oportunidades da
escola, cuja definição passa pela seleção de áreas de intervenção prioritária,
mas que assenta, sobretudo, na promoção de estratégias concertadas de ação que
convoquem o empenhamento individual e coletivo dos diferentes atores educativos
no sentido do desenvolvimento organizacional da escola (Nóvoa, 1992).
Em síntese, e no que se refere à visão', os dados evidenciam que a liderança
das escolas consideradas se expressa caracterialmente pela definição de áreas
de intervenção prioritária. A esta não é alheia uma certa visão prospetiva da
sua ação, que as levará, porém, a um algo tímido processo de tomada de
decisões. Relativamente aos processos de tomada de decisão, o conteúdo deste
campo de análise remete para a articulação entre os órgãos de gestão, para a
complementaridade de funções e de responsabilidades e, consequentemente, para a
mobilização dos órgãos de liderança para o cumprimento das metas traçadas, no
sentido de alcançar o compromisso do coletivo da comunidade escolar (Glass,
2000; Leithwood, Day, Sammons, Harris, & Hopkins, 2009). A forma incipiente
como os processos de tomada de decisão são referidos nos relatórios analisados
denuncia alguma desvalorização que lhe poderá ser dada, sobretudo na capacidade
de afirmação individual de cada um dos órgãos de gestão da organização escolar
no âmbito das competências que lhes estão atribuídas. As referências apuradas
reportam, maioritariamente, uma visão normativa, salientando processos que
fidelizam as decisões que são tomadas com vista à consecução das metas e
objetivos contemplados nos documentos estruturantes das escolas ou
agrupamentos. Numa análise comparativa por regiões, verifica-se que o número de
relatórios em que esta categoria é mais referida é no Alentejo, seguindo-se a
região de Lisboa e Vale do Tejo e, por último, a região do Algarve.
No domínio da partilha e circulação da informação, expresso na relação escola/
comunidade, circulação interna e aspetos negativos, a análise por regiões
mostra que não há diferenças assinaláveis relativamente às duas primeiras
dimensões em análise. Já no que se refere à última (aspetos negativos
inibidores da circulação de informação), a região do Algarve surge como a que
mais os identifica. Genericamente, os dados recolhidos nesta categoria mostram
uma acentuada valorização das interações que as escolas estabelecem com a
comunidade envolvente, em detrimento da circulação interna da informação.
Embora se reconheça a importância daquele primeiro aspeto, a fraca alusão a
processos internos de partilha e de circulação de informação não é consentânea
com o espírito de permanente e eficaz processo de comunicação que deve
caracterizar as lideranças (Fullan, 2001).
A concluir, e em jeito de síntese, importa salientar que os resultados a que
este estudo chegou não permitem tirar conclusões que extrapolem o âmbito, que
não deixa de ser reduzido, do conteúdo dos relatórios de avaliação externa das
escolas e agrupamentos ' que, de facto, são uma representação da realidade
observada. O conteúdo destes relatórios resulta de evidências que foram
recolhidas em várias fontes, de que se destacam as entrevistas em painel que
são realizadas, e existem limitações na redação dos relatórios (sobretudo de
espaço), mas também inerentes ao facto de serem diferentes equipas, em cada
região, que desenvolvem a avaliação externa. Este conjunto de circunstâncias
terá contribuído para o caráter disperso que, como referimos, caracteriza,
globalmente, os relatórios analisados. Contudo, é de realçar que cada
relatório, per si, encerra um conteúdo próprio, que se refere a uma escola ou
agrupamento em particular, e, neste sentido, ao ser devolvido à escola, reporta
a visão da avaliação externa e apresenta um balanço sobre a qualidade da
educação e do ensino que aquela organização escolar proporciona, podendo
contribuir para a sua melhoria.