A organização neotaylorista do trabalho no fim do século XX
Introdução
No final do século XX, fruto da convergência de variáveis de ordem política,
económica e social e da consequente evolução das teorias organizacionais, o
contexto empresarial e os modelos de organização do trabalho sofrem profundas
alterações.1 A mecanização das tarefas e da produção torna-se progressivamente
mais ténue, a uniformização dá lugar à diversificação e a explosão tecnológica
e científica confere novos contornos às relações industriais. A globalização e
as consequentes novas exigências de mercado traduzem-se em reformas na
organização do trabalho.
A passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade pós-industrial, com
as tendências para uma terciarização maciça, não implicou que os modelos
organizacionais do início e de meados do século (tayloristas e neotayloristas)
fossem definitivamente abandonados pelas organizações. Pondo a tónica no
aperfeiçoamento tecnológico e na secundarização do recurso humano, a visão
tecnocêntrica aposta no factor técnico em detrimento do factor humano
contribuindo para a manutenção da polarização das qualificações e insistindo
numa gestão baseada no determinismo tecnológico. Não obstante, o surgimento
doutros modelos é visível. É o caso dos modelos antropocêntricos em que a
aposta na educação/formação e a implicação do recurso humano enquanto factor
estratégico são notórias. O seu desenvolvimento num curto/médio prazo poderá
ser determinante no ajustamento organizacional aos desafios do despontar do
novo século.
O contexto organizacional condicionado pela internacionalização da economia
No fim do século XX, economia e sociedade encontram-se numa nova fase de
transição. Stoffaes explica que "na revolução informática e
comunicacional, a tecnologia está sem dúvida no estado em que se encontrava a
máquina mecânica no início do século" (Stoffaes, 1992: 381). À escala
mundial, as políticas económicas encontram-se tendencialmente dependentes da
evolução tecnológica (embora também esta influenciada por agentes exteriores)
cada vez mais determinante nos modelos de produção e consumo, nas modificações
culturais, nas orientações políticas e nos comportamentos sociais. O delinear
do planeamento económico lida obrigatoriamente com um número crescente de
variáveis que se metamorfoseiam em ciclos curtos de tempo.
Nas organizações, modelos de produção e de organização, níveis de qualificação,
sectores de actividade e sectores da indústria deixaram de apresentar uma
configuração nítida. A outrora indiscutível divisão entre sectores secundário e
terciário foi dando lugar à mistura dos serviços na indústria (nomeadamente nas
áreas de gestão, de formação, de marketing, de assessoria técnica e
informática).
Este novo cenário, enquadrado pela diversidade das combinações tecnológicas,
encontra uma forte adversidade: a inexistência de uma preocupação suficiente em
acompanhar culturalmente a evolução tecnológica. Se, por um lado, a formação
dos recursos humanos (RH) ainda não ganhou um peso suficiente, por outro lado
mesmo os RH mais qualificados mantêm-se vergados à lógica da centralização de
poderes e do lucro imediatista. A importação europeia do modelo japonês da
lean-production constitui prova disso. Apesar da relevância de algumas
experiências-piloto e do carácter excepcional e peculiar de algumas empresas,
regra geral o poder das hierarquias piramidais teima ainda numa centralização
quando o contexto exige uma reformulação das mentalidades, para que se possa de
facto proceder a uma descentralização real do poder decisório. Se se assiste à
diversificação da produção, das profissões, dos valores, das estruturas e das
próprias aspirações individuais, tal ainda não alterou a filosofia do poder e
do controlo vigentes. A descentralização efectiva do poder decisório e a
participação, sejam elas ao nível ocupacional ou no âmbito da cidadania, mantêm
na generalidade dos casos um estatuto de ideal, por ora distante da sua
concretização.
Adepto fervoroso das "mentalidades pós-materialistas" interessadas já
não no bem material, mas antes com preocupações ambientalistas, Stoffaes não
esconde, porém, o seu receio de que a "nova sociedade" esteja minada
à partida pelo individualismo, fruto de uma desilusão colectiva e progressiva
provocada, entre outros, pelo falhanço das ideologias e pelos limites visíveis
do estado-providência da década de 70.
A crise dos anos 70 apresenta também uma faceta estratégica. As grandes
empresas que produziam segundo a filosofia das economias de escala padeceram,
segundo Butera, de quatro grandes tipos de disfunções (Butera, 1991: 22). Foram
elas, a rigidez de resposta ao mercado resultante da inadequação das
estratégias com as estruturas, o aumento dos custos estruturais, a diminuição
dos investimentos e os custos sociais elevados.
Para Butera, a crise da grande empresa caracterizava-se pela entropia (devido a
custos de gestão da máquina-organização extremamente elevados nas grandes
empresas centradas principalmente no seu funcionamento interno) e pelo
conservadorismo (em detrimento de uma filosofia de adaptação e de inovação).
Ambos levavam tendencialmente a uma perda de aderência ao mercado.
Nos anos 90, o potencial produtivo conferido pelas novas tecnologias
(robotização e informatização em particular) poderia funcionar como elemento
adjuvante principal na edificação de novas orientações no capítulo das
qualificações profissionais que poderiam seguramente adquirir um papel de
preponderância no saciamento das necessidades produtivas e humanas. Contudo,
mantém-se a ênfase no técnico em detrimento do humano, no lucro a curto prazo
em vez da criação de estruturas de produção mais sólidas e descentralizadas. A
passagem forçada de uma economia de escala para uma economia da flexibilidade
não fez com que se alterasse cabalmente a filosofia das classes gestoras.
Rectificam-se aspectos inerentes à capacidade produtiva no curto prazo, sem que
se repense o funcionamento organizacional na sua globalidade. Neste contexto,
emprego precário e desemprego adquirem estatuto cativo na nova sociedade.
Crozier constata que "o investimento continua a ser compreendido como um
investimento material, e mesmo a educação é concebida como um investimento
antes de mais quantitativo" (Crozier, 1991: 28). Ora, esta premissa
encontra-se em profundo desacordo com as necessidades evidenciadas pela actual
era informacional. As estruturas de poder persistem em ignorar o homem (e o seu
potencial qualitativo) como um recurso escasso e cada vez mais essencial na
transformação e na manipulação de todos os outros recursos.2 O conceito-chave
da aprendizagem e do investimento imaterial nas pessoas, cultura, relações,
aspirações individuais e colectivas continua num segundo plano de prioridades.
Para bem compreendermos a evolução organizacional importa percebermos o curso
da economia mundial. Como lembra Castells (1985: 119), "a crescente
internacionalização da economia é um elemento fundamental da reestruturação
económica em curso no sistema capitalista. ". Desde o pós-guerra (Segunda
Guerra Mundial), e mais recentemente desde a crise de 1974, governos e empresas
contribuem para um aumento de interdependência entre economias nacionais, uma
vez que todos seguem a filosofia segundo a qual para se fazer frente à
recessão, seja esta manifesta ou eventual, há que conquistar uma posição de
destaque relativamente aos outros estados ou empresas (e aqui pensamos estado
enquanto unidade económica). A evolução organizacional é um espelho da evolução
da economia: o prevalecer da concorrência em detrimento da cooperação, da
concentração do poder de escolha e decisão, em vez da implicação e participação
mais abrangente dos RH. Falando daquilo que designa por dependência
internacional,Castells é peremptório ao afirmar "sem acesso ao know-how,
qualquer que seja a rapidez na difusão das inovações, os países ou unidades
económicas estarão sempre à mercê da lógica estruturalmente prevalecente dos
pólos dominantes do sistema, enquanto continuarem a reger-se pelas normas
correntes da economia internacional" (idem).
A perspectiva tecnocêntrica
Sistemas de educaçâo e modelos de organização do trabalho
"É verdadeiramente um milagre que os métodos actuais de educação não
tenham ainda destruído completamente a curiosidade e o espírito criador da
criança", (Albert Einstein in Modifiquemos a Escola, pp. 212)
Já na década de 90, Michael Apple (1992: 784) alerta para o carácter
sistemático e irreflectido com que no fim do século XX se continua a transpor o
modelo de organização industrial para a escola. Enquanto nos diversos sectores
de actividade se foram preconizando modelos organizacionais e profissionais,
baseados na distinção entre um pequeno núcleo responsável pela concepção e pelo
controlo da produção, e um vasto nível operacional com tarefas meramente
executivas, rotineiras e repetitivas, no capítulo do ensino foi-se concebendo
"uma produção intelectual" que podemos apelidar de
"tecnocrática", determinada e reproduzida por critérios de ordem
mecânica e não psicológica. Podemos comparar a "produção intelectual"
à produção industrial onde, antes de mais, importam os conjuntos de gestos, de
atitudes corporais e de deslocações no espaço. Como observa Michel Lobrot (s.
d.: 18), "o professor é alguém que fala, durante um certo tempo
cronometrável, sobre um assunto antecipadamente estabelecido, num certo lugar
do espaço, segundo um ritual em que nada há a inventar; os alunos, por sua vez,
tomam notas, isto é, registam o que se diz, sem poder na maior parte do tempo
acompanhar ou até mesmo compreender o que se diz. ". Neste contexto, o
aluno exibe uma dedicação à escola muitas vezes viciada pela ameaça dos exames
e pelo medo de não acatar normas e directivas que lhe podem valer o insucesso
social e profissional. Tal e qual como acontece frequentemente nas
organizações, à semelhança dos trabalhadores operacionais, também os alunos
desconhecem o verdadeiro fim, a utilidade prática daquilo que aprendem, não
percebendo na maioria das vezes a lógica de aprendizagem à qual são submetidos.
Vezes sem conta Taylor apontou a ociosidade inata dos operários como o motivo
principal para que a supervisão fosse reforçada. Sete décadas passadas, não só
os nossos modelos profissionais, mas também os de educação continuam a basear-
se num sentido agudo da disciplina, da desconfiança e da sanção. Regra geral,
faltas, atrasos, incompreensão da matéria ou trabalhos não entregues a tempo
são automaticamente sancionados. "Recusa-se deliberadamente a confiança
nos alunos, antes procura-se infantilizá-los" (Brissaud, Jacques et al.,
s. d.: 210). Desenvolve-se assim a "forma escolar" escolhida pelas
sociedades industriais. Esta não deve ser encarada como determinista, mas antes
como uma configuração histórica particular moldada e concebida
oportunisticamente por agentes sociais interessados na sua perpetuação. A forma
escolar vigente existe, pois, "como uma organização da educação
caracterizada pela constituição de um universo separado para as crianças, com
regras de aprendizagem, com uma organização racional do tempo, com a repetição
de exercícios sempre dentro da lógica das mesmas regras. "(Glasman, 1995:
112).
Bourdieu e Passeron esforçaram-se por mostrar que existia um sucesso escolar
mais elevado nas crianças da classe burguesa num sistema que exige acima de
tudo a utilização de uma certa linguagem e capacidades verbais ou de escrita.
Contudo, a questão não se pode pôr apenas neste nível, mas antes numa
perspectiva mais global, na qual ganham peso os aspectos exteriores da
aprendizagem que preparam e controlam do exterior as próprias actividades de
aprendizagem mantendo assim o seu carácter rotineiro e alienante como forma de
não pôr em perigo as bases estruturais de todo o sistema político, social,
económico, escolar/educacional, profissional, etc. Ainda, a educação constitui-
se tradicionalmente como uma actividade na qual a repartição dos poderes está
fortemente estruturada. "Os adultos de hoje, mais jovens ou mais idosos,
recordam frequentemente a escola ou a universidade como centros de autoridade e
de certezas intelectuais e sociais" (OCDE, 1979: 44).
Para Herbst, "se organizarmos o ensino fornecendo aos estudantes a
instrução necessária para que eles atinjam um resultado prefixado, estamos a
contribuir para a degradação daquilo que deveria ser uma tarefa de pesquisa,
transformando-a numa tarefa de produção" (OCDE, idem). Ainda, uma vez que
não prepara as pessoas para a generalidade, para a flexibilidade, para a
criatividade e para a resolução dos problemas, o tipo de ensino protagonizado
pelas escolas ocidentais não está em conformidade com o desenvolvimento das
novas tecnologias. Tal facto contribui para que se continue a proceder a uma
"utilização tecnocentrada das mesmas".3
Para que a educação seja efectiva há que impor "em nome da colectividade
como um todo, um conjunto racional de prioridades a um sistema que tinha
constituído uma vantagem irracional e anárquica da elite ( ) de um modo menos
quantificável mas igualmente palpável, a educação devia ser remodelada, com o
objectivo de passar a transmitir novas atitudes para com a ciência e a
tecnologia" (Gillette, 1977: 37). Ainda hoje, nas sociedades ocidentais,
um funcionário (seja ele bom ou mau profissional) detentor de um diploma de um
curso técnico-profissional muito raramente verá conferirem ao seu trabalho o
mesmo valor social que é atribuído ao de um licenciado (independentemente das
tarefas que desempenhe e da forma como as executa). Este tipo de depreciação de
certo género de trabalhos encontra-se latente em todo o processo educativo.
Como defende Gimeno Sacristan (1988: 15): "A metáfora industrial fornece
os valores e o modelo processual adequados aos esquemas teórico-práticos do
currículo". Com o passar do tempo, foi-se aperfeiçoando um modelo
pedagógico: os programas escolares eram cada vez mais concebidos por uns e
executados por outros; em termos de ensino concreto, uns conduziam, os outros
obedeciam.
É no seguimento deste processo que se chega aos dias de hoje em que,
contrariando muitas das mais recentes teorias de gestão e de organização que
insistem na necessidade de se fazer um esforço de adaptação à crescente
instabilidade do mundo moderno, os sistemas de ensino (apesar de em teoria
existirem já inúmeros modelos que incitam à democratização e à participação nas
estruturas de ensino) persistem em perpetuar modelos de educação que
privilegiam a repetição de respostas já dadas ou a resolução de problemas mil
vezes repetidos e solucionados, em detrimento de um sistema onde se levantem
questões com um carácter de novidade que possam potenciar o desenvolvimento da
criatividade, da cooperação, do pensamento divergente, da inovação e de uma
"inteligência viva", na futura vida (activa).
Existem conhecimentos que não podem ser dispensados, como sejam a leitura, a
escrita e a expressão verbal, contudo devemos questionar a aprendizagem que
lhes é subsequente e as atitudes e valores de que está imbuída. Por outro lado,
"o encorajamento à competição explica o culto dos diplomas e da carreira
pessoal. O único papel da escola é preparar o sucesso individual. Ela
recompensa os primeiros, castiga os últimos e estimula a emulação por todos os
meios possíveis" (Brissaud, s. d.: 211). Assim como o operário trabalhava
intensamente "ofuscado" pelo salário à peça, o aluno trabalha na
escola para conseguir uma boa nota e não uma satisfação pessoal.
A maioria das escolas apresenta muitas semelhanças com as organizações
industriais/empresariais mecanizadas, hierarquizadas e fragmentadas. Ainda que
não existam muitos autores que comparem modelos de ensino e modelos
profissionais, talvez pelo receio de caírem em análises imprecisas, facto é
que, tal como no mundo organizacional, onde existe uma enorme interdependência
entre o sistema técnico e o sistema social, também nas escolas existe esta
mesma interdependência entre a estrutura das várias disciplinas (o seu
entrosamento) e o sistema social. Não obstante, tal como na empresa, nas
escolas persiste-se no ensino específico e isolado de cada matéria, evitando-se
assim a aprendizagem interdisciplinar e a cooperação entre professores, e entre
alunos e professores.
Segundo um estudo efectuado por Jon Frode Blichfeld nos meados dos anos 70,
numa amostra de escolas norueguesas (OCDE, 1975: 87), na sua larga maioria as
disciplinas ensinadas estavam estruturadas por uma lógica semelhante à
utilizada na estruturação e concepção das tarefas de produção. Alunos e
professores ocupavam-se com actividades que pouco ou nada apelavam à
imaginação, a tentativas de inovação, à criatividade e a propostas diversas de
alternativas, uma vez que perguntas e respostas se encontravam predefinidas em
manuais ou livros técnicos concebidos para o efeito. Esta constituiu apenas
mais uma prova de que a predominância das estruturas de tarefas fechadas e
minuciosamente preparadas, e a segmentação exacerbada das diferentes
disciplinas existe, e em nada contribui para que se manifeste uma
democratização de processos na escola e, por conseguinte, na organização
profissional. Senão vejamos (idem):
- os processos de ensino resultantes dum tipo de estruturas fechadas
privilegiam a docilidade e inibem as aptidões de pesquisa. Isto reflecte-se na
vida activa, onde poucos são os que procuram novas respostas, novos modelos,
mas onde abunda a mão-de-obra pouco qualificada empurrada sistematicamente para
a execução repetida de tarefas desinteressantes e alienantes;
- as tarefas escolares preprogramadas e os exames individuais inibem o
sentimento cooperativo, o que dificulta que este venha a ser bem aceite e bem
compreendido pelo aluno (futuro trabalhador);
- os programas de estudo tendem a ser estáticos enquanto novos problemas e
novos conhecimentos surgem num ritmo exponencial fora do meio escolar.
- a estrutura de tarefas fechada dificulta a criação de projectos
interdisciplinares e o tratamento de problemas e de situações espontâneos que
apareçam dentro ou fora da escola.
A caracterização de um processo de aprendizagem deste tipo produzirá uma massa
de futuros trabalhadores obedientes mas adormecidos, incapazes de levantarem
questões oportunas ou de participarem na tomada de decisões e na resolução de
problemas. Como o demonstraram as supracitadas experiências de Blichfeldt
(OCDE, 1975: 87), só a diversificação dos problemas a nível académico e a
liberdade de pesquisa concedida aos alunos poderão levar a mudanças na
aprendizagem que consequentemente contribuirão para uma abertura na sociedade e
nas profissões. Uma modificação real da estrutura do trabalho escolar deveria
levar a alterações na hierarquia dos papéis: a responsabilização dos alunos
faria do professor não um chefe que impõe tarefas e tempos padrão para os
exames e os exercícios, mas antes um coordenador, ciente das suas fraquezas e
imperfeições, que por isso partilharia projectos de equipa com outros colegas.
Não obstante, regra geral, a classe docente opta por fazer valer o seu poder
formal, confundindo não raras vezes este conceito com o de autoridade (e aqui
entendemos autoridade como a possibilidade de exercer influência numa outra
pessoa em nome de uma experiência e de um saber, e não de uma posição
privilegiada). Por fim, a administração escolar deveria propiciar boas
condições para o trabalho autónomo em vez de prescrever e controlar
sistematicamente o trabalho dos alunos. Por ora, as experiências-piloto que se
têm efectuado nesta área não foram suficientemente incisivas e abrangentes para
que se verificassem transformações consideráveis em escolas e organizações.
Está, pois, por ultrapassar o conceito (infelizmente bastante actualizado) de
escola sugerido por Fernando Augusto Machado: "A escola organiza-se de
forma ousada e pretensamente científica, à imagem da fábrica e da sociedade
hierarquizada, e prossegue fins rigorosamente preestabelecidos de forma a
cumprir as exigências de um mundo mecanizado e da utilidade social; o seu
produto será o de homens próprios para uma sociedade cientificamente
construída'" (Machado, 1995: 32).
Uma utilização parcial das novas tecnologias de produção
Inúmeros investigadores têm alertado para o carácter dúbio das novas
tecnologias flexíveis implantadas nas décadas de 70 e de 80. Empresários do
sector terciário e industriais insistem frequentemente no erro de introduzirem
novos equipamentos mantendo a organização do trabalho (OT) e a estratégia de
produção nas suas formas mais anacrónicas. Daqui resulta o não aproveitamento
da totalidade das potencialidades dos novos equipamentos, o que leva a que, não
raras vezes, os custos de investimento sejam amortizados muito lentamente. Como
explica Ilona Kovács, "o insucesso tende então a ser atribuído à mão-de-
obra, a ponto de esta ser considerada como o principal obstáculo à
racionalização da produção" (Kovács, et al., 1994: 6). Dá-se a
secundarização do papel do recurso humano, encarado como um empecilho nos
processos de automatização. Contudo, se bem que muitos ainda procurem a fábrica
sem homens, conforme explica Hirschhorn (1989: 51), "a imagem cibernética
da máquina perfeita é utópica".
A utilização de extensas redes informáticas, técnicas de processamento de
texto, bases de dados e inteligência artificial, indispensáveis para se atingir
uma integração completa dos processos de automatização (computer integrated
manufacturing CIM), contribui para que exista uma considerável margem de erro
latente em todo o processo de "produção automática", não controlável
pela própria máquina, e que por isso leva com maior ou menor frequência a
tempos de paragem que inevitavelmente afectam de forma negativa a
rendibilidade. Paradoxalmente, e seguindo tenazmente os ensinamentos
tayloristas, em vez de apostar numa alta qualificação para o factor humano,
utilizando-o como colmatador e regulador das falhas técnicas, a perspectiva
tecnocêntrica menospreza a capacidade tipicamente humana de reacção e de busca
de soluções alternativas, insistindo na ideia de substituição do homem pela
máquina, tentando dotar esta última de técnicas e "conhecimentos" tão
vastos e profundos quanto possível. Segundo a tese de Zuscovitch (1984), tenta-
se através da produção tecnocentrada levar a automação ao extremo,
"algoritmizando-se" as acções humanas, progredindo-se do mais
simples, ou seja, do repetitivo facilmente formalizável, ao mais complexo, isto
é, ao instável, com base em "processos cognitivos vagos".
Neste quadro, os "gestores tecnocêntricos" pensam responder
adequadamente à necessidade de diversificação da produção imposta pelo mercado,
através da atribuição de um carácter de multifuncionalidade às máquinas e da
criação de células flexíveis de produção (nomeadamente para a produção em
pequena série), sem se preocuparem com o necessário entrosamento entre as
práticas e as estratégias de produção entre elas, nem com o modelo de OT.
A solução tecnocentrada, manifesto plágio do taylorismo dos anos 20, continua a
perseguir o mesmo objectivo redutor, "a redução dos custos imediatos e
directos do trabalho e a melhoria do controlo do processo de produção"
(Sigismund, 1982). A sua única novidade consiste na passagem de um processo de
automatização rígida, ideal para uma produção que se queria em massa, para uma
automatização flexível, como já referimos, imposta pelas alterações contextuais
dos mercados. Mesmo assim, como observa Jaikumar, por exemplo, nos EUA, onde a
"doutrina" taylorista continua a ter um papel proeminente, "as
empresas utilizam os flexible manufacturing system de modo errado, isto é usam-
nos para grandes volumes de produção de pouco número de componentes em vez de
para grande variedade de produtos de muitas partes com baixos custos por
unidade" (Jaikumar, 1986: 69).
Segundo Peter Brodner, a perspectiva tecnocentrada da organização será
permanentemente minada por duas adversidades. A primeira prende-se com o facto
de as despesas e riscos serem extremamente elevados, sobretudo devido à
necessidade de uma acentuada especificidade de software, a qual não está em
consonância com as possibilidades financeiras de um grande número de pequenas e
médias empresas. A segunda dificuldade decorre do facto de as empresas
seguidoras de uma estratégia tecnocentrada virem a sofrer um processo de
inflexibilidade relativa num curto-médio prazo. Este resultará de que cada
alteração de uma encomenda, ou de parte do equipamento de produção, deva ser
antes de mais alterada informaticamente. Tal poderá levar à criação de
"uma nova era de burocratização informática". A perda da experiência
e da capacidade de análise humana na produção fará com que haja um
empobrecimento da mesma e assim se perca a autoridade crítica e inovadora no
sector produtivo, o que se repercutirá sob forma de uma ausência de capacidade
de acompanhamento das modificações do mercado (Brodner, 1987: 38).
A minimização do peso do factor humano na organização
Associada à perspectiva tecnocêntrica de gestão dos RH está a flexibilidade
quantitativa do emprego, talvez por questões de "conveniência",
frequentemente conotada com a flexibilidade organizativa e a flexibilidade
profissional. Contudo, enquanto a primeira revela uma despreocupação total no
que concerne a qualificação dos trabalhadores e os níveis de emprego, as outras
visam uma qualificação e valorização crescentes da empresa e dos RH,
modificando a lógica de especialização e de hierarquia. Infelizmente a gestão
tecnocentrada preocupa-se predominantemente com a flexibilização quantitativa
do emprego.
A tão utilizada figura de "flexibilidade do emprego" revela-se na
prática contrária aos interesses das próprias empresas. Uma flexibilidade
profícua deve fundar-se no poder de reacção comportamental (individual e
colectivo) e não na mobilidade "forçada" dos trabalhadores. Para que
se possa responder atempadamente às novas necessidades de mercado, para que
possa existir um reajustamento (cada vez mais imperativo) contínuo e efectivo,
a organização tem de apoiar-se numa filosofia, numa linguagem, numa
cumplicidade e sobretudo em esquemas de comunicação e de acção complexos
partilhados internamente, impossíveis de se construírem num quadro de
permanente rotação de RH.
Contrapondo à noção de "flexibilidade" dos novos modelos
organizacionais, a noção de "sistematismo", Veltz e Zarifian (1992:
57), ao contrário de uma grande maioria de autores que consideram o taylorismo
como um modelo 100% rígido, encaram esse modelo como tendo sido (e ainda sendo)
algo flexível. Hoje, como no início do século, as organizações tayloristas
demarcam-se evidentemente da flexibilidade de inovação, mas trabalham outro
tipo de flexibilidade. Na opinião dos supracitados autores, a
"flexibilidade taylorista" poderá ser mais bem compreendida se
tivermos em conta alguns princípios morfológicos compatíveis com o taylorismo.
É disto exemplo o princípio da focalização, que consiste numa repartição das
actividades em unidades tão homogéneas quanto possível. A simplificação dos
processos constitui em si um modo de flexibilização, assim como o princípio de
diferenciação retardada (no qual os elementos de diferenciação apenas são
introduzidos no fim de um processo de cadeia simplificado).
A gestão tecnocêntrica, pactuando com a flexibilidade quantitativa do emprego,
tem uma responsabilidade pesada no aumento que tem vindo a verificar-se daquilo
que podemos designar por desemprego tecnológico (ou por motivos económicos),
assim como no recurso ao emprego precário e periférico donde se destacam
otrabalho a prazo (e aqui importa referir que a nível comunitário existe um
limite para a sua duração máxima em apenas cinco países: são eles, Portugal,
Espanha, França, Itália e Luxemburgo), o trabalho temporário (trata-se de um
contrato tripartido em que a empresa locadora, que funciona como intermediária,
aluga a mão-de-obra a outra empresa) e o trabalho a tempo parcial.
Durante a década de 70, julgou-se que as relações de trabalho atípico poderiam
não passar de um fenómeno conjuntural ligado à crise económica. Hoje, as novas
formas de emprego precário assumiram definitivamente um carácter estrutural.
Sobre esta matéria, Córdoba adianta: "As relações de emprego atípico são
algo de importante, de profundo, que afecta os próprios fundamentos da
actividade produtora. Num certo sentido, podemos considerá-las como sinal de
alarme ou como índice de uma mudança de atitude perante o contrato de trabalho
tradicional. Elas são testemunho do facto de se estarem a pôr em dúvida os
fundamentos do direito do trabalho, ou seja "a base socioeconómica que
serviu de modelo para se afinar a regulamentação do trabalho".4 "A OIT não
emite convenções ou recomendações sobre as relações de trabalho atípicas no seu
espirito actual, uma vez que as considera como formas de relação de trabalho a
evitar" (idem: 3). Boyer alerta para o facto de que, de certa forma, a
flexibilidade pode ser "medida" através do estudo e identificação da
fraqueza dos constrangimentos jurídicos que regem o contrato de trabalho e, em
particular, as decisões de despedimento. Segundo o mesmo autor, a flexibilidade
vista sobre este ponto de vista aponta para "um ideal-tipo onde o contrato
de trabalho deixaria de ter um carácter de continuidade para passar a poder ser
revisto e renegociado diariamente" (Boyer, 1986: 237 e seguintes). Um
contrato de trabalho deste tipo, sem vínculos nem obrigações de parte a parte,
representa não só a perda de praticamente todos os direitos conquistados pelos
trabalhadores ao longo do século, como também contribui para a formação de
processos de rotação de mão-de-obra rápidos de mais, que vão constituir-se como
um obstáculo à polivalência e à adesão dos RH aos objectivos da empresa, assim
como manifestar-se por uma despreocupação no que concerne aos seus resultados.
De acordo com o ventilado pela Direcção-Geral do Emprego, Relações e Assuntos
Sociais da Comissão das Comunidades Europeias num estudo sobre o emprego na UE
em 1993, ainda que as restrições legislativas para as empresas admitirem e
despedirem mão-de-obra variem significativamente de país para país, existe de
facto uma regulamentação de protecção ao emprego a um nível europeu. Contudo,
no mesmo documento argumenta-se que, se a regulamentação for muito rígida,
"as empresas tendem a sentir-se desencorajadas em admitir mais pessoal e a
recorrer com mais tendência a trabalhadores eventuais, bem como a preterir
trabalhadores do sexo feminino, deficientes ou idosos, que poderão beneficiar
de protecção especial contra o despedimento ( ) a regulamentação poderá assim
reduzir a mobilidade dos trabalhadores, intensificar a segmentação do mercado
de trabalho entre abrangidos e não abrangidos pela protecção e prolongar a
duração média de desemprego".5 Zelando as entidades comunitárias pelo
desenvolvimento económico global harmonioso, no capítulo da protecção do
emprego, continuamos a assistir a um desfasamento entre o que se passa no nível
teórico e no nível prático nas regulamentações e programas desenvolvidos no
seio da UE.
Ainda no que concerne ao desemprego, Martine Gilson, referindo o caso francês
como sendo paradigmático, explica: "Num momento em que o desemprego volta
a ultrapassar os três milhões de pessoas, prevê-se mais 110 000 candidatos a um
emprego até ao fim de 1996, num país que totaliza entre 250 e 260 milhões de
horas suplementares, ou seja o equivalente a 140 000 empregos a tempo
inteiro" (Gilson, 1996: 5).
Com efeito, no capítulo da perpetuação do modelo neotaylorista pecam também as
legislações (e mais precisamente a legislação do trabalho) que progressivamente
engendram novos artifícios legais, nomeadamente para que os despedimentos por
inadaptação e os novos "contratos precários" de trabalho sejam
firmados sem qualquer intervenção do trabalhador no processo, desempenhando
este mais uma vez o papel de peça de uma máquina. Como observamos no caso
português, o surgimento de textos normativos como o D-L 400/91, de 16-10 (que
regula o despedimento por inadaptação) e/ou a aprovação recente da Lei n.º 21/
96, de 23 de Julho (que estabelece a redução dos períodos normais de trabalho
superiores a 40 horas por semana) serve para reforçar a hegemonia do poder dos
empresários, que, assim desresponsabilizados legalmente, recorrem aos supra-
referidos "contratos precários" (contratos a prazo, falsos contratos
de prestação de serviços, contratos de trabalho temporário, contratos de
trabalho no domicílio doméstico), reduzindo a condição do recurso humano à do
mais básico utensílio e utilizando-o como tal, como preconizava Taylor (ainda
que escamoteando a sua verdadeira intenção) há já 90 anos. Esta postura será
sempre contrária ao consenso, à democracia empresarial, à aposta efectiva na
formação como variável estrutural do processo produtivo e, como tal, a um
quadro empresarial globalmente participativo.
No capítulo da formação, a lógica tecnocêntrica nega a possibilidade de se
conferir às pessoas uma capacidade multidisciplinar que resultaria da
"qualificação polivalente (capacidade de exercer várias funções
pertencentes a várias profissões) e da qualificação multivalente (realização de
várias subfunções dentro do mesmo domínio)" através das quais se
constituiriam novos perfis profissionais mais amplos, a nível pessoal e
organizacional (Kovács, 1994: 8). Com efeito, numa filosofia tecnocêntrica, a
introdução de uma lógica de produção flexível em nada tem de contribuir para
uma melhoria do trabalho humano, nem para um processo de democratização da
organização. Esta perspectiva estabelece, pois, um pressuposto de
incompatibilidade e de distanciamento entre a valorização do capital e a
valorização dos RH. Esta posição vem contrariar a opinião de Kern e de Schuman
segundo os quais o alcançar dos objectivos de valorização do capital estaria
parcialmente dependente da "reintrodução da inteligência produtiva, ( )
donde se destacam o know-how e a experiência operária, não mais considerados
como algo de residual, mas antes como um componente indispensável da força
produtiva nas fábricas" (Kern e Shumann, 1984: 402) convém lembrar que
dez anos antes, e com base num estudo feito na indústria alemã em 1972, estes
autores consideravam a automatização como um sinónimo de desqualificação. Outro
estudo recente, conduzido por Graham e Rosenthal (1985), incide sobre modelos
de avaliação dos efectivos em sistemas de produção flexíveis e conclui que
existe uma nítida vantagem em recorrer-se a uma organização em equipas, com
operários qualificados e que beneficiem de uma formação geral, fundamental na
minimização das custosas perdas de tempo. Outros autores, estudiosos da
contextualização industrial das novas tecnologias flexíveis, chegam a um mesmo
tipo de conclusões (Schultz-Wild e Kohler, 1985: 231-243).
Contudo, como refere Brodner, a realidade dos anos 90 evidencia ainda o facto
de "a maior parte do trabalho humano, com excepção do dos peritos
altamente qualificados, estar reduzido a funções inferiores" (Brodner,
1987: 38). Dá-se cada vez mais marcadamente uma polarização das qualificações:
os que concebem e preparam e, tal como determinou Taylor há 80 anos, os que
executam sem nada terem para perceber ou opinar. Confirmando a ideia de que a
perspectiva tecnocentrada, e consequentemente a polarização das qualificações,
está profundamente implantada nas sociedades ocidentais, as estatísticas
apresentadas pela Eurostat em 1994 dão conta de que dentro da globalidade dos
países pertencentes à CE, um terço dos operários do sector industrial continua
a desempenhar tarefas para as quais não necessita de qualquer tipo de
qualificação (neste capítulo convém não esquecer que os operários
semiqualificados e mesmo os qualificados desempenham tarefas normalmente muito
especializadas e com um carácter extremamente rotineiro).
Apesar da crescente vaga de desaires resultantes da inadequação das tecnologias
flexíveis a modelos organizacionais neotayloristas, apesar da inerente
desvalorização do capital, uma considerável parte dos empresários continua a
seguir este tipo de estratégia. Wobbe fornece vários exemplos de
disfuncionalidades dos sistemas tecnocêntricos (Wobbe, 1991: 3-7). Segundo o
mesmo, em 1987, as estimativas da OIT apontavam para um abandono da ordem dos
30% dos sistemas CAP/CAM (computer aided production/computer aided
manufacturing) durante o primeiro ano de instalação. Igualmente no Reino Unido
foram dadas indicações de elevados níveis de fracasso dos sistemas flexíveis de
fabrico (SFF). Ainda, na Alemanha, fabricantes de sistemas flexíveis de fabrico
recusaram-se a vendê-los a clientes que não oferecessem garantias de ministrar
uma formação adequada ao seu efectivo e que não dispusessem de uma OT adequada,
sob pretexto de não quererem adquirir uma má fama por erros gestionários e
organizativos típicos de muitas empresas compradoras de novas tecnologias.
Ainda que, como salientam Jones e Wood (1984: 409), "mesmo numa
perspectiva marxista ortodoxa, o controlo sobre os trabalhadores e sobre a
produção constitua apenas um meio para a realização de um proveito e não um fim
em si mesmo", o fenómeno da ainda vigente "dominação
tecnocêntrica" só parece poder explicar-se pelo predomínio de uma
mentalidade entre as classes dirigentes que baseia o seu poder na edificação
das pirâmides hierárquicas e na manutenção da sua rigidez.
O receio da perda dos privilégios por parte do topo manifesta-se através da
"protecção" conferida a uma nova classe de tecnocratas, essenciais
numa estratégia tecnocentrada, modernamente justificada pela especificidade das
novas técnicas e pelo considerável montante nelas investido. Dentre estes
destacam-se os analistas de sistemas, os informáticos, os especialistas de
software e da automação e os telemáticos. Como escreve Wobbe (1987: 4), "O
lado social ou socioorganizador da tarefa destes especialistas não foi
considerado na sua formação. O fracasso de pessoas e de sistemas ao procurar-se
a implantação, mas também o carácter não adequado das evoluções do sistema, é
testemunho desta lacuna". Kovács reforça esta ideia, explicando que
"a formação tecnocêntrica destes especialistas não os capacita para a
aplicação de conhecimentos relativos ao sistema social quando concebem ou
adaptam um sistema técnico" (Kovács, 1993: 7).
O sentimento de perda de uma posição de privilégio por parte dos gestores
reflecte-se ainda na dificuldade demonstrada em aceitar que os trabalhadores
operacionais passem a desempenhar progressivamente funções mais próximas das
deles, porventura com um carácter mais intelectual e abstracto. Segundo estudos
efectuados por Zuboff, "ao mesmo tempo que tentam que os operadores
acreditem e se familiarizem com sistemas computadorizados, os gestores têm
dificuldade em aceitar que estes estejam a trabalhar, quando estes finalmente
conseguem adaptar-se ao sistema" (Zuboff, 1988: 291). Ou seja, muitas
vezes, existe uma falsa preocupação em implicar a maioria dos trabalhadores nas
transformações ocorridas nas empresas, ainda que isso os afecte directamente,
implicando inclusivamente alterações nos postos de trabalho e nos sistemas
globais da produção e organização. O trabalho abstracto (para a larga maioria
de trabalhadores) é, pois, pregado e ao mesmo tempo reprimido. Decorre também
deste processo uma persistência em se continuarem a delinear descrições de
funções e matrizes de avaliação de desempenho por vezes totalmente inadequadas.
Dois estudos levados a cabo nos EUA pelo National Research Council e citados
por Zuboff (idem: 308) convergem para uma mesma conclusão: as novas variáveis
necessárias ao efectivo aproveitamento das novas tecnologias são bem conhecidas
pelos gestores, mas por vezes mal compreendidas e quase sempre mal geridas. Ao
ignorarem as necessidades de mudanças organizacionais, de alterações
atitudinais e culturais, de cooperação, do envolvimento global, de integração,
de "desmontagem" e flexibilização das cadeias hierárquicas,
necessidades essas decorrentes de uma correcta aplicação das tecnologias,
gestores e administradores contribuem para transformar aquilo que poderia ser
um privilégio tecnológico em autênticas disfunções profundas e por vezes de
difícil superação. Porém, para uma nova estratégia produtiva e organizativa não
basta ir tentando influenciar aqueles que detêm o poder decisório, importa que
se repense a distribuição deste poder ou, melhor dizendo, da autoridade. Neste
capítulo Zuboff é peremptório: "Para uma nova estratégia é necessária uma
redefinição dos sistemas de autoridade que continuam a manter-se nos nossos
dias pela mão da tradicional divisão industrial do trabalho" (ibidem,
310).
O desenvolvimento dos processos de mudança tecnológica, que se caracterizam por
representar novas formas de produção baseadas sobretudo nos fluxos de conteúdos
informacionais, realiza-se, não obstante, dentrodos actuais modos de produção e
da actual lógica organizacional, tendendo mesmo a reforçá-la. "As
actividades de alta tecnologia são em grande parte determinadas pelo seu papel
no processo de reestruturação económica que decorre em todos os países
capitalistas " (Castells: 1985: 112). A alta tecnologia enquanto processo,
enquanto forma específica de produzir baseada na informação, vem eliminar
(tendo em conta o papel que lhe é conferido pelo capitalismo na reestruturação
produtiva e económica) maciçamente o trabalho. Com efeito, se bem que, por um
lado, ela impulsione a alta qualificação profissional, por outro, não apresenta
qualquer solução quantitativa e qualitativa para a grande maioria de postos de
trabalho eliminados. A polarização de qualificações leva também, regra geral, a
uma polarização de rendimentos, o que permite sustentar as bases (em termos de
investimento e de procura) das actividades de consumo não raras vezes
alimentado pelo resultado do trabalho deslocado de outros países de mão-de-obra
mais barata. Para além da polarização intra-urbana, tem vindo a operar-se uma
divisão internacional e inter-regional do trabalho. As novas tecnologias
aceleram este processo, mantendo zonas bem estanques para o desenvolvimento da
pesquisa e dos projectos, mas permitindo a disjunção e consequente
redistribuição das operações produtivas por diversas regiões distantes,
voltando-se no fim do processo a articular aquilo que foi produzido pelas
diferentes unidades de produção. O mesmo acontece já também no sector dos
serviços.
Como explica Castells, "os dois processos reforçam-se e um não pode
existir sem o outro. A polarização da força de trabalho é um processo
necessário e fundamental para o modo de desenvolvimento capitalista baseado na
informação" (idem, 113).
A lean-production: o exemplo oriental de uma actualização reflectida
da organização científica do trabalho (OCT)
Independentemente da tecnologia utilizada, praticando a gestão de uma tradição
cultural secular que reduz quase à nulidade os comportamentos desviantes, a
estratégia da lean-production apostou em aspectos tão variados como a criação
de grupos de trabalho homogéneos com possibilidade de rotação dos RH, a
qualidade total e global (e neste campo são indispensáveis os círculos de
qualidade), o envolvimento e responsabilização reais do efectivo (na produção
são os próprios operativos a proporem alternativas para as disfunções
produtivas), a flexibilidade e a polivalência da força do trabalho tão
abrangentes quanto possível (como forma de suprir falhas e de colmatar lacunas
no aparelho produtivo), a erradicação dos erros de produção e dos desperdícios
(ao nível dos tempos e movimentos das pessoas e materiais, mas também ao nível
da gestão dos stocks através do método do just-in-time (JIT). Este método é
importante para o estabelecimento de uma relação óptima com os clientes,
satisfazendo as suas necessidades e vontades quantitativas e qualitativas com o
mínimo custo possível. Integrados neste contexto, contrariamente ao que se
passa na globalidade das sociedades ocidentais, os processos de automatização
flexível vêm ajudar a potenciar, uma maior facilidade na adaptação à mudança.
Ainda no que se refere ao método do JIT, e para que este possa funcionar,
privilegia-se a relação empresa/fornecedores, sem a qual as lean-production
poderiam perder toda a sua eficácia. Os fornecedores constituem-se como
empresas subcontratadas, com as quais se cultiva também uma base relacional de
longo prazo e que são impelidas a gerir o seu processo produtivo segundo as
mesmas regras-base e obtendo o mesmo grau de eficácia da "empresa-
mãe", sob pena de serem preteridos em relação a outro fornecedor
concorrente. Referindo-se às práticas da empresa nuclear, Carvalho Ferreira
(1994: 46) esclarece: "Esta não só as obriga a produzir bem e depressa,
como as obriga a enveredar por um processo de concorrência sistemática."
A lean-production, embora revele mais que objectivamente a partilha de muitos
dos valores e princípios tayloristas, fá-lo de uma forma mais subtil e
proveitosa do que o tecido empresarial do Ocidente. Wood (1992: 114-115)
ilustra esta ideia de modo exemplar: "Em vez de abandonarem o princípio da
tentativa de substituir o juízo individual pela ciência, os gestores japoneses
compreendem os limites de uma substituição completa nunca tratam a ciência
como absoluta, nem a concepção como perfeita". Se, por um lado, o sistema
de lean-production contraria a visão tecnocêntrica, através do aproveitamento
intensivo das capacidades tipicamente humanas para a resolução de problemas
complexos e para a resposta atempada às vicissitudes de um mundo organizacional
em permanente mudança, é igualmente correcta a proposição que sugere que existe
latente em todo o processo de produção uma coerção dissimulada, apoiada na
tipicidade cultural e social japonesa. Por esta razão, apesar de encontrar
adeptos incondicionais na Europa e Estados Unidos, este modelo não vinga com a
mesma naturalidade nas sociedades ocidentais. Por exemplo, na indústria
automóvel, quando por qualquer motivo tem de se fazer parar a linha de
montagem, os gestores, se necessário, dão uma formação acrescida aos operários
e deixam-nos discutir entre eles a resolução do problema. Este processo
constitui um meio para que se possa recolocar em andamento a cadeia de
montagem, se possível numa cadência superior. Como lembra Kovács, "alguns
estudos alertam para a degradação da qualidade de vida no trabalho como
consequência da japonização das empresas americanas e europeias" (Kovács,
1994: 17).
Dentro do próprio Japão, talvez fruto de um afastamento significativo dos ritos
e costumes culturais de base e de um maior conhecimento dos valores emodus
vivendi ocidentais, assiste-se a um crescendo de ameaças que fazem perigar a
sobrevivência do sistema. Como adverte Kuniyasu Sakai, "avizinha-se uma
queda do padrão de devoção dos empregados às empresas. Uma mudança sensível dos
padrões culturais e comportamentais, o surgimento de novas atitudes e
expectativas em relação à vida e ao trabalho complementariam um quadro
potencialmente perigoso" (Sakai, 1999: 38-40). Não obstante, até à
presente data, o sucesso da "fórmula" japonesa está centrado na
gestão da produção e não no enfatizar da questão laboral ou mesmo da descoberta
tecnológica. Aproveitando-se das especificidades culturais, a gestão japonesa
consegue que homens e organização produtiva sejam geridos conjunta e
coerentemente, levando a que os operários participem activamente nos sistemas
de controlo de produção, poupando trabalho à administração.
A difusão de um sistema antropocêntrico
Busca de uma inovação organizacional
Para além das tradicionais exigências da sociedade de consumo, relacionadas
fundamentalmente com o abaixamento dos preços e com o controlo de qualidade,6
vêm juntar-se-lhes a preocupação dos clientes com a redução dos prazos de
entrega e com a diversidade dos produtos e consequente possibilidade acrescida
de escolha. Passou a existir uma exigência latente de uma produção
individualizada (one-of-a-kind). Assistimos a uma expansão da segmentação dos
mercados, a uma redução na repetição de encomendas e na dimensão dos lotes de
fabrico e a uma diminuição dos ciclos de vida dos produtos, que acarretam
incondicionalmente uma flexibilização da produção capaz de assegurar uma
velocidade acrescida de reacção à mudança. Coriat é bem claro ao referir-se a
este assunto: "Podemos dizer que a emergência das novas formas de consumo
fazem nascer novas normas de concorrência" (Coriat, 1987: 31).
Como é óbvio, não podemos de forma alguma dissociar a evolução dos próprios
modos de fabrico e sistemas organizacionais deste "panorama global"
de crescimento dos mercados.
Nesta perspectiva, Bjorn Gustavsen (1992: 89-94) cita as experiências
sociotécnicas como factor de rompimento com a organização científica do
trabalho e relembra que foi através destas que se reintegraram várias tarefas
num só posto de trabalho, abrindo assim a possibilidade de se introduzirem
alterações nas mentalidades operárias, desde há muito "atrofiadas"
pelos métodos de produção em massa.
O mesmo Gustavsen refere que: "Um outro passo deu-se nos anos 70, com a
emergência de uma concepção participativa. Aqui, os operários participam na
concepção do seu próprio local de trabalho. Numa primeira fase, esta área de
participação consistiu geralmente numa concertação de esforços a realizar antes
de a fábrica ser construída e de se iniciar a produção. " (idem).
Segundo o autor, estamos hoje mais do que nunca perante a emergência de que
surjam novas concepções da OT, nomeadamente ao nível da participação.
Como evoca Peter Brodner (1987: 33-42), os EUA talvez não estejam a saber
desenvolver capacidades específicas de adaptação dos seus produtos a uma gama
cada vez mais variada de consumidores devido à prolongada experiência de
organização taylorista e produção fordista. Assim, torna-se tanto mais
dificultada, senão impossibilitada, a incrementação de novos processos de
fabrico mais flexíveis. Associado a este problema está o facto de nos EUA
globalmente os RH terem uma baixa qualificação, à excepção dos RH empregados
das indústrias com tecnologias de ponta, o que em nada ajuda num processo de
reconversão industrial.
Embora também na Europa a produção em série se encontrasse (e ainda se
encontre) bastante enraizada, houve a necessidade de também se apostar na
produção em pequena série (utilizando tecnologias avançadas) para responder às
necessidades de mercado, sendo determinante para este tipo de produção uma mão-
de-obra mais qualificada, tendencialmente adaptável às evoluções conjunturais.
O limitado aproveitamento de um modelo com uma "essência" alternativa
"É por causa de deficiências organizacionais e falta de RH adequados que
muitas empresas não conseguem rentabilizar o investimento em equipamentos caros
(atrasos na exploração, subaproveitamento, funcionamento com interrupções e
avarias frequentes causando estrangulamentos, aumento de stocks, cadências
prolongadas, não cumprimento de prazos de entrega )" (Kovács, Ilona, 1993:
4). Como explicam Majchrzak e Davis (1990: 38), a decisão e a resolução de
problemas complexos, que se apresentam de forma não estruturada, são variáveis
não maquinizáveis, pelo que dependem de um tipo de capacidade analítica
exclusivamente humana.: para que um processo de automação possa resultar, a
formação dos RH só poderá ser tratada como variável estratégica e não como
factor secundário, de mero ajustamento ao posto de trabalho.
Corroborando as observações de Zuboff (1988), os supracitados autores insistem
na necessidade das flexible factory automation se fazerem obrigatoriamente
acompanhar por uma flexibilização e redistribuição da autoridade, para tomada
de decisões, e por uma revisão das formas de coordenação dos RH, sob pena de
poderem falhar.
De acordo com Kovács (1994), surge assim um modelo que "assenta em
tecnologias avançadas adaptadas às necessidades de RH qualificados e de uma
organização descentralizada e participativa": o modelo antropocêntrico de
produção. Este sistema encara as qualificações como uma variável estratégica,
postula a organização como uma "organização de aprendizagem", implica
uma alteração cabal de toda a filosofia das organizações que vigorou até aos
nossos dias, ou seja, através deste modelo não se tenta uma adaptação das
teorias anteriores a um novo contexto. Trata-se, antes, de uma vontade real
(senão de uma necessidade) de romper com o autoritarismo com que sempre se
lidou com as hierarquias mais baixas das empresas, apostando em princípios já
enunciados no passado, mas raramente aplicados, tais como o trabalho em grupo
(ou em ilhas de produção), a inovação, a criatividade das pessoas, a
descentralização do poder estatutário, a consulta dos níveis operacionais na
adopção das novas tecnologias e na escolha do modelo de organização do
trabalho, a integração da concepção e da execução do trabalho, a cooperação
intra e interníveis de qualificação e departamentos (em detrimento da
competição tacitamente tão incentivada pela "administração
científica") e a qualificação crescente dos RH (o alargamento e
enriquecimento, vertical e horizontal, do trabalho). Pretende-se atingir uma
organização inteligente, onde se promova a responsabilização humana em
detrimento do paternalismo, a qualificação em vez do seguidismo ignorante.
Os sistemas antropocêntricos devem ser perspectivados numa dimensão
organizacional em que o nível de reflexão (procura e tratamento informacional)
se passa a confundir com o nível reflexo (acção e decisão de urgência) de forma
a estarem à altura de lidar atempadamente com os fenómenos de gestão por
excepção. Para tal, tão importante é a formação específica (técnica) como o
saber geral empírico. Como explica D'Iribarne (1987: 9), "a rapidez de
interacção convergente para resolver um problema torna-se num elemento de
competência essencial". Por outro lado, não importa já só a reacção
oportuna e atempada aos problemas, mas também a sua prevenção, sendo para tal
necessária a formulação e correcto manuseamento de instrumentos de diagnóstico
para análise e reflexão. Neste processo evolutivo, pesa a importância da
associação entre concepção e investigação, afigurando-se a última como
fundamental nas políticas de inovação-reformulação.
A qualificação não deve ser encarada apenas como o resultado de uma formação
ministrada dentro das próprias empresas (que devem sem dúvida estar atentas e
actualizar atempadamente os trabalhadores, assim como o conteúdo dos seus
postos de trabalho), mas também como algo de dependente de todo um percurso
escolar e educacional alternativo ao actual sistema. Isto é, pretende-se uma
qualificação que permita conhecer, raciocinar, sintetizar, ter um espírito
analítico e crítico, ter flexibilidade mental e adaptabilidade à mudança,
argumentar e decidir, e que, por isso, implique a recorrência a novos
paradigmas de ensino. Para Adler, hoje mais do que nunca importa perceber que
"a automatização modificou por completo a noção de qualificação"
(Adler, 1987: 297). Se esta premissa está correcta, não é menos verdade que,
numa visão antropocêntrica, deverão ser as próprias qualificações e a OT a
ditarem a evolução dos processos automáticos, buscando-se a melhor adequação
sistémica homem-máquina.
Apologista da descentralização do poder, ao nível da escolha das formas
alternativas da OT por parte dos níveis operacionais, a via antropocêntrica
exige uma reformulação das estruturas (mental e social) quase total. Nesta
filosofia, os postos de trabalho são realmente concebidos tendo em conta as
qualificações de forma a potenciá-las ao máximo. Os grupos de trabalho,
responsáveis pelo planeamento, controlo e lucro do seu próprio trabalho,
orientam a sua produção para uma organização assente nos produtos e não nas
funções. A selecção e a utilização de tecnologia levam em consideração as
necessidades e qualificações dos utilizadores.
A utilização da tecnologia informática serve não para um "controlo
coercivo" dos trabalhadores, nem para uma redução gradual da intervenção
humana na produção, mas antes para descentralizar a informação, para facilitar
a comunicação interdepartamental e a comunicação entre os níveis hierárquicos
cada vez mais reduzidos, para ajudar a desenvolver sistemas de apoio aos
diferentes postos de trabalho, assim como para incrementar uma facilitação de
planeamento, programação e controlo e melhorar as condições de trabalho a nível
global. A ligação em rede deve potenciar a utilização dos dados em qualquer
altura, por qualquer pessoa, em qualquer fase dos processos de fabrico. Como
explica Kidd (1992: 37), "a versatilidade dos equipamentos deve, pois,
encontrar uma correspondência efectiva nos seus operadores".
Kalleberg (1992: 129), lembra que "a nova tecnologia tende frequentemente
a criar possibilidades de valorizar o ambiente de trabalho se esse for um
objectivo importante para os agentes que o desenvolvem e implementam". As
intenções dos agentes que intervêm no processo e que nele detêm uma parcela de
poder decisório constituem um factor de importância primordial. Segundo o
supracitado autor, as numerosas experiências escandinavas, levadas a cabo
durante as duas últimas décadas, têm demonstrado que existem mais
possibilidades de opções organizativas e tecnológicas do que geralmente se crê.
Não obstante, como demonstra a actualidade organizacional (nomeadamente na
própria Europa ocidental), por questões de "conveniência" ou de
verdadeira crença, o fantasma do determinismo tecnológico não foi posto
definitivamente de lado.
A nível comunitário existem alguns projectos englobados em programas de
investigação técnica, tais como o Esprit-Cim, o Eurotecnet II e o Brite-Euram
nos quais são investigados e desenvolvidos os princípios propostos pela
perspectiva antropocêntrica. O mesmo se passa em programas de ensino-formação
tais como o COMETT ou o FORCE. Nestes projectos, cooperam tecnólogos e
cientistas sociais, fomentando-se a interdisciplinaridade e
pluridisciplinaridade das suas actividades de investigação.
Antes da aplicação de princípios antropocêntricos, é imprescindível uma
revolução mental em quem gere mas também em quem trabalha. Nesta matéria nunca
é de mais reforçar a ideia de que ensino e formação deverão ter um papel
decisivo.
Mesmo que se possa afirmar que já existem inúmeras empresas pioneiras na
aplicação dos princípios antropocêntricos, a globalidade do tecido empresarial
continua a render-se aos falsos benefícios da organização científica do
trabalho, sem dúvida responsável secular pela não aplicação de uma filosofia de
produção/gestão centrada nas pessoas. Se bem que a utilização das tecnologias e
as práticas organizacionais divirjam consideravelmente consoante o contexto
económico, país, região, sector de actividade ou empresa, os indicadores da
maioria dos países europeus mostram que: os orçamentos públicos perpetuam a
tónica de investigação em factores técnicos e não humanos; as estratégias de
produção e de gestão baseiam-se quase só na dimensão tecnológica; existe uma
continuação da aplicação da produção em massa; as relações industriais
continuam a ter uma forte componente de competitividade e uma componente quase
inexistente de cooperação; existe uma falta de entrosamento entre os sistemas
de ensino e as qualificações necessárias ao desenvolvimento de um modelo
antropocêntrico; continua a haver uma persistência do topo hierárquico em
definir regras e modelos organizacionais sem consultar os níveis operacionais
(principais responsáveis pelo trabalho "directamente produtivo");
continua a existir uma falta de participação na mudança (que assim é mais
dificilmente compreendida pelos trabalhadores e sindicatos).
Conclusões
Tendo em atenção a evolução da conjuntura económica e social, economistas e
sociólogos de empresa procuram demonstrar que um projecto de reformulação das
estratégias empresariais, visando essencialmente uma adaptação à crescente
velocidade da mudança, deve passar obrigatoriamente por uma revisão, tão
exaustiva quanto possível, dos moldes de enquadramento do ser humano (enquanto
ser produtivo) no mundo empresarial. Não obstante, e apesar de, como referiram
Kern e Schumann, a própria valorização do capital depender de uma reintrodução
da inteligência produtiva, continuamos a assistir ao preterimento da
flexibilidade organizativa e profissional (que podem verdadeiramente ajudar o
meio empresarial a responder atempadamente à velocidade e à diversidade das
necessidades do mercado) em favor de uma cada vez mais utilizada
"flexibilidade quantitativa de emprego". Associada à vontade da
manutenção de status e privilégios, a naturalmente humana resistência à mudança
contribui para que as hierarquias detentoras do poder decisório façam tardar a
aposta numa formação maciça e multidisciplinar da globalidade dos RH o que
impossibilita uma correcta descentralização da autoridade. Em todo este
processo existe uma forte correspondência entre o que se passa nos sistemas de
ensino e na organização do trabalho.
Mantém-se inalterada (ainda que tendo adquirido novos contornos) a premissa
taylorista de que a "concepção" deverá estar demarcada da
"execução". Por outro lado, a utilização das tecnologias de
informação encontra-se reduzida (tendo em conta as suas potencialidades) em
razão da ainda incipiente formação e sensibilização dos RH para as mesmas.
No que concerne à diversidade dos modelos organizacionais, com peso na
actualidade, os novos modelos, tais como os sistemas antropocêntricos na Europa
ou a lean-production no Japão (embora esta não se possa dissociar totalmente da
filosofia taylorista), são a prova evidente de que muitos estudiosos da
organização já se aperceberam da obsolescência funcional do sistema
tecnocêntrico. Contudo, a secular implantação deste sistema (nomeadamente nos
EUA) e a precariedade de certos mercados de trabalho (sobretudo em períodos de
recessão económica) ajudam a perpetuar essa visão obsoleta, do homem e da
organização.
Não obstante, contextos e variáveis modificam-se, fazendo evoluir os modelos de
organização do trabalho. A capacidade de percepção, de mudança, de adaptação,
de resolução de problemas não estruturados e não maquinizáveis (gestão por
excepção), essa, manter-se-á tipicamente humana. Talvez a percepção gradual
desta questão seja o ponto de partida para um projecto antropocêntrico global,
de aposta no recurso humano enquanto variável estratégica, determinante na
correcta aplicação e gestão das novas tecnologias.
Notas
1 A redacção deste artigo teve por base a tese de mestrado de Sistemas
Sociorganizacionais da Actividade Económica do ISEG (ano de 1997).
2 Importa levar em consideração que o homem deveria hoje trabalhar em tarefas
de elevada complexidade não "maquinizáveis". Estas tarefas, por mais
que o factor técnico se venha a desenvolver nunca poderão dispensar as
capacidades genuinamente humanas.
3 Neste capítulo a OCDE alerta para a importância da transformação dos sistemas
de ensino, sob pena de se poder operar um volt-face nos processos de
desenvolvimento tecnológico. Sobre este assunto ver OCDE 1988, op. cit, p. 16.
4 Córdoba, Efren (1987) citado emNouvelles Formes de Travail: Aspects de Droit
du Travail et de Sécurité Sociale dans la Communauté Europénne, Fondation
Européenne pour l'amélioration des conditions de vie et de travail", Dublin, p.
2.
5 Emprego na Europa 1993, p. 174.
6 No que respeita à qualidade existem ainda autores que defendem que o conceito
de qualidade pode e deve ser potenciado pelos príncipios tayloristas de
organização. Sobre este assunto pode ler-se em Laine, P. (1988), "Qualité
et taylorisme", Travail et méthodes, n.º 467, pp. 21-24.