Editorial
EDITORIAL
A investigação nas ciências sociais pode, no melhor sentido, combinar
elaboração teórica e actualidade social: a primeira inserida de modo exigente
na dinâmica cognitiva interna das áreas científicas; a segunda reportada a
questões que atravessam centralmente o debate público e, de maneira mais ampla,
as formas de consciência reflexiva socialmente prevalecentes ou emergentes.
Pode também e este segundo aspecto vai em geral a par do primeiro
desenvolver essa elaboração teórica de maneira profundamente articulada com uma
preocupação de análise empírica dos fenómenos sociais colocados no horizonte de
referência da reflexão, quer isso se faça, sobretudo, enquanto afinação de
orientações e instrumentos conceptuais para a pesquisa empírica, quer se
traduza, de maneira privilegiada, na proposta teórica integrada de quadros
analíticos ou de hipóteses explicativas e interpretativas, com apoio em bases
informativas sólidas resultantes de investigação empírica fiável.
É o que se passa, dos dois pontos de vista, com os artigos publicados neste
número de Sociologia, Problemas e Práticas.
Fernando Luís Machado aborda um tema com enorme importância e, também, com
grande melindre social: o debate sobre a problemática do racismo nas ciências
sociais actuais. Ao longo de uma análise minuciosa, examina as posições em
presença, caracteriza as modalidades e as implicações de uma tendência para a
inflação conceptual neste domínio, e procura recolocar, em moldes rigorosos, a
pertinência analítica do conceito para a investigação em ciências sociais.
João Ferrão apresenta um estimulante ensaio de síntese sobre outro tema de
grande actualidade analítica e social, o das relações em mutação entre o mundo
urbano e o mundo rural. Sistematizando as dimensões da ultrapassagem dessa
polaridade, pelo menos nas suas formas clássicas, o autor complementa a
teorização com um conjunto de propostas susceptíveis de orientar a intervenção
dos agentes sociais nessas transformações em curso.
Pelo seu lado, Pedro Moura Ferreira debruça-se sobre um tema não menos actual,
o da não conformidade dos jovens adolescentes. O autor examina os dois
principais modelos teóricos disponíveis para a análise do desvio juvenil, o do
"controlo" e o da "subcultura", propondo um novo modelo de
síntese e procedendo ao confronto entre estes modelos, quer no plano da
discussão teórica, quer no plano da verificação empírica, sustentada numa
pesquisa extensiva sobre jovens da região da Grande Lisboa.
O artigo de Eleutério Sampaio mostra como, tomando por objecto empírico
ilustrativo os actuais programas televisivos de exposição da intimidade, é
possível analisar vertentes fundamentais do relacionamento social de carácter
afectivo-emocional e processos decisivos de constituição das sociedades
contemporâneas nessa dimensão. Reelabora nesse sentido o conceito de
actividades miméticas e reteoriza os seus modos específicos de produção de
emoções.
Este número de Sociologia, Problemas e Práticas apresenta também dois
importantes contributos de dois destacados sociólogos estrangeiros, o francês
Jean Michel Berthelot e o norte-americano Alejandro Portes, contributos estes
que se julgam particularmente oportunos e que poderão ser de grande utilidade
para uma parte significativa da reflexão, da investigação e da formação em
sociologia que integram presentemente o desenvolvimento entre nós desta área
científica.
Jean Michel Berthelot equaciona os novos desafios epistemológicos da sociologia
actual. Inserindo a discussão no contexto das tendências de internacionalização
e de indigenização que hoje em dia atravessam as ciências sociais, discute
criticamente as posições relativistas e, no prosseguimento das propostas que
vem elaborando de uma epistemologia analítica, defende para a sociologia novos
modos de articulação entre pluralismo e racionalismo.
Quanto a Alejandro Portes, procede a um exame circunstanciado de um conceito
que ganhou recentemente curso alargado nas ciências sociais, o conceito de
capital social. Colocando reservas a algumas dessas utilizações, nomeadamente
quando o conceito é aplicado a colectivos amplos, examina cuidadosamente os
contributos dos principais autores neste domínio e sistematiza as dimensões
analíticas do conceito, evidenciando as modalidades mais importantes que ele
assume e as componentes a distinguir na respectiva análise.
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