Capital social: origens e aplicações na sociologia contemporânea
Introdução
Entre as exportações da teoria sociológica para a linguagem quotidiana o
conceito de capital social foi, nos últimos anos, uma das mais
utilizadas.1Disseminado por diversas publicações orientadas para a definição de
políticas e por revistas de grande circulação, o capital social evoluiu para
algo como uma panaceia para todas as enfermidades que afectam a sociedade, nos
Estados Unidos e no estrangeiro. Tal como outros conceitos sociológicos que
percorreram um caminho semelhante, o sentido original do termo e o seu valor
heurístico têm vindo a ser severamente postos à prova por estas aplicações cada
vez mais diversificadas. Como no caso desses conceitos anteriores, aproximamo-
nos do ponto em que o capital social acabará por ser aplicado a tantos eventos
e em contextos tão diferentes que perderá qualquer significado específico.
No entanto, apesar da sua vulgarização, o termo não incorpora qualquer ideia
verdadeiramente nova para os sociólogos: que o envolvimento e a participação em
grupos pode ter consequências positivas para o indivíduo e para a comunidade é
uma noção corrente, remontando a Durkheim e à sua insistência na vida em grupo
enquanto antídoto para a anomia e a autodestruição, e à distinção efectuada por
Marx entre uma classe em si atomizada e uma classe para si mobilizada e
eficaz. Neste sentido, o termo capital social limita-se a recuperar uma ideia
presente desde os primórdios da disciplina; reconstituir o contexto intelectual
do conceito até aos tempos clássicos equivaleria a fazer uma revisão das mais
importantes fontes da sociologia do século XIX. Semelhante exercício não
permitiria, contudo, revelar a razão de esta ideia ter vingado nos anos mais
recentes, nem por que motivo sobre ela se acumulou um vasto conjunto de
implicações políticas.
A originalidade e o poder heurístico da noção de capital social provêm de duas
fontes: em primeiro lugar, o conceito incide sobre as consequências positivas
da sociabilidade, pondo de lado as suas características menos atractivas; em
segundo lugar, enquadra essas consequências positivas numa discussão mais ampla
acerca do capital, chamando a atenção para o facto de que as formas não
monetárias podem ser fontes importantes de poder e influência, à semelhança do
volume da carteira de acções ou da conta bancária. A conversibilidade
potencial2 das diversas fontes de capital reduz a distância entre as
perspectivas sociológica e económica, e simultaneamente atrai a atenção dos
decisores políticos, que procuram soluções de ordem não económica e menos
onerosas para os problemas sociais.
No decorrer desta análise limito a discussão ao ressurgimento contemporâneo da
ideia, evitando assim um longo excurso sobre os seus precursores clássicos.
Para um público composto por sociólogos, será óbvio quais são estas fontes bem
como os paralelismos entre as discussões actuais sobre o capital social e
algumas passagens dos textos clássicos. Começo por passar em revista as
diferentes abordagens dos principais autores associados ao uso contemporâneo do
termo. Analisarei depois os mecanismos que levam ao surgimento de capital
social e as principais aplicações na investigação publicada. Em seguida,
examino as consequências menos desejáveis da sociabilidade, normalmente
deixadas na sombra pela bibliografia contemporânea sobre o assunto. Esta
discussão procura introduzir uma certa moderação no tom frequentemente
laudatório que rodeia o conceito, especialmente evidente nos estudos que
estenderam a sua aplicação de uma propriedade de indivíduos e famílias, até o
considerarem característica de comunidades, de cidades e mesmo de nações. A
atenção suscitada pelas aplicações do capital social a esta escala mais ampla
requer igualmente alguma discussão, sobretudo considerando as potenciais
armadilhas desse alargamento conceptual.
Definições
A primeira análise sistemática contemporânea do capital social foi produzida
por Pierre Bourdieu, que definiu o conceito como o agregado dos recursos
efectivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou
menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo (Bourdieu,
1985: 248; 1980). Este tratamento inicial do conceito surgiu numas breves
Notas provisórias publicadas nas Actes de la Recherche en Sciences Sociales,
em 1980. Por se encontrar em francês, o artigo não colheu uma atenção
generalizada no mundo de língua inglesa; nem, de resto, a obteve a primeira
tradução inglesa, escondida nas páginas de um compêndio sobre sociologia da
educação (Bourdieu, 1985).
Esta falta de visibilidade é lamentável, na medida em que a análise de Bourdieu
pode ser considerada como a que apresenta maior refinamento teórico entre
aquelas que introduziram o termo no discurso sociológico contemporâneo. O
tratamento que dá ao conceito é de índole instrumental, centrando-se nos
benefícios angariados pelos indivíduos em virtude da participação em grupos e,
na construção deliberada de sociabilidades tendo em vista a criação de capital
social. Na versão original, Bourdieu chegava mesmo a afirmar que os benefícios
angariados por virtude da pertença a um grupo são a própria base em que assenta
a solidariedade que os torna possíveis (Bourdieu, 1985: 249). As redes sociais
não são um dado natural, tendo de ser construídas através de estratégias de
investimento orientadas para a institucionalização das relações do grupo,
utilizáveis como fonte digna de confiança para aceder a outros benefícios. A
definição de Bourdieu torna claro que o capital social é decomponível em dois
elementos: em primeiro lugar, a própria relação social que permite aos
indivíduos reclamar o acesso a recursos na posse dos membros do grupo e, em
segundo lugar, a quantidade e a qualidade desses recursos.
Ao longo de toda a sua análise, Bourdieu acentua a conversibilidade das
diversas formas de capital e a redução, em última instância, de todas essas
formas a capital económico, definido como trabalho humano acumulado. Assim, os
actores podem alcançar, através do capital social, acesso directo a recursos
económicos (empréstimos subsidiados, informações de negócios, mercados
protegidos); podem aumentar o seu capital cultural através de contactos com
especialistas ou com pessoas cultas (i. e., capital cultural incorporado); ou,
em alternativa, podem filiar-se em instituições que conferem credenciais
valorizadas (i. e., capital cultural institucionalizado).
Por outro lado, a aquisição de capital social requer um investimento deliberado
de recursos tanto económicos como culturais. Apesar de Bourdieu insistir na
ideia de que os resultados da posse de capital social e cultural são sempre
redutíveis a capital económico, os processos que produzem estas diferentes
formas de capital não o são: cada uma possui a sua própria dinâmica e, em
relação à troca económica, caracterizam-se por menor transparência e maior
incerteza. Por exemplo, as transacções que envolvem capital social tendem a ser
caracterizadas por obrigações tácitas, por horizontes temporais incertos, e
pela possibilidade de violação das expectativas de reciprocidade. Contudo, pela
própria falta de clareza de que se revestem, estas transacções podem ajudar a
disfarçar aquilo que, de outra forma, seriam puras e simples transacções de
mercado (Bourdieu, 1979; 1980).
Uma segunda fonte contemporânea é o trabalho do economista Glen Loury (1977;
1981), que chegou ao conceito no contexto da sua crítica às teorias
neoclássicas da desigualdade racial de rendimentos e às suas implicações
políticas. Loury sustentou que as teorias económicas ortodoxas eram demasiado
individualistas, ao centrarem-se exclusivamente no capital humano individual e
na concepção de um campo nivelado para a competição assente nessas
competências. Para este autor, as proibições legais contra as preferências
raciais dos empregadores e a aplicação de programas para a igualdade de
oportunidades não bastariam para reduzir as desigualdades raciais. Segundo
Loury, estas poderiam permanecer para sempre, por duas razões: em primeiro
lugar, a pobreza herdada dos pais negros, transmitida para os seus filhos sob a
forma de recursos materiais reduzidos e oportunidades educativas inferiores; em
segundo lugar, as relações mais pobres dos jovens trabalhadores negros com o
mercado de trabalho e a sua falta de informação a respeito das oportunidades:
A noção meritocrática segundo a qual, numa sociedade livre, cada indivíduo
ascenderá ao nível definido pela sua competência entra em conflito com a
observação de que ninguém percorre esse caminho completamente só. O contexto
social em que ocorre a maturação individual condiciona fortemente aquilo que,
de outra forma, indivíduos de competências equivalentes poderiam alcançar. Isto
implica que a igualdade absoluta de oportunidades, é um ideal inalcançável.
(Loury, 1977: 176)
Loury citava com agrado a bibliografia sociológica sobre mobilidade
intergeracional e herança racial, como ilustração do seu argumento anti-
individualista. Contudo, não chegou a desenvolver o conceito de capital social
de modo minimamente pormenorizado. Loury parece ter-se cruzado com a ideia no
contexto da sua polémica contra a economia do trabalho ortodoxa, mas menciona-
a uma só vez no seu artigo original e apenas em termos muito incipientes
(Loury, 1977). O conceito visava captar as diferenças de acesso às
oportunidades observadas para a juventude minoritária e não minoritária em
função das respectivas ligações sociais; mas não se encontra aqui qualquer
tratamento sistemático das suas relações com outras formas de capital.
O trabalho de Loury abriu caminho, contudo, para uma análise mais refinada do
mesmo processo, levada a cabo por Coleman, nomeadamente no que respeita ao
papel do capital social na criação de capital humano. Na sua análise inicial do
conceito, Coleman acolhe a contribuição de Loury, tal como as do economista
Ben-Porath e dos sociólogos Nan Lin e Mark Granovetter. Curiosamente, Coleman
não menciona Bourdieu, apesar de a sua análise das utilizações possíveis do
capital social para a aquisição de credenciais educativas ser muito próxima da
originalmente avançada pelo sociólogo francês.3 Coleman definiu capital social
partindo da sua função, como uma variedade de entidades com dois elementos em
comum: todos elas consistem num certo aspecto das estruturas sociais e
facilitam determinadas acções dos actores pessoas ou actores colectivos no
interior da estrutura (Coleman, 1988a: S98; 1990: 302).
Esta definição algo vaga abriu caminho para que vários processos diferentes e
mesmo contraditórios passassem a ser designados pelo termo de capital social.
Coleman, ele próprio, deu início a essa proliferação, ao incluir sob a mesma
designação alguns dos mecanismos geradores de capital social (como as
expectativas de reciprocidade e as normas impostas pelo grupo); as
consequências da sua detenção (como o acesso privilegiado a informações); e a
organização social apropriável que fornece o contexto de realização tanto dos
primeiros como dos segundos. Os recursos obtidos através do capital social têm,
da perspectiva do receptor, o carácter de dádiva. Torna-se desta forma
importante distinguir os recursos em si mesmos da capacidade de os obter em
virtude da pertença a diferentes estruturas sociais, distinção explícita no
trabalho de Bourdieu mas obscurecida por Coleman. Não distinguir capital social
dos recursos adquiridos através dele pode facilmente levar a proposições
tautológicas.4
De igual importância é a distinção entre as motivações dos beneficiários e as
dos dadores em trocas mediadas por capital social. A ambição de aceder a
recursos valorizados por parte dos beneficiários é prontamente compreensível.
Mais complexas são as motivações dos dadores, a quem se requer que tornem estes
recursos disponíveis sem rendimento imediato. Estas motivações são várias e
merecem ser analisadas visto constituírem o processo central que o conceito de
capital social procura captar. Desta forma, um tratamento sistemático do
conceito tem de distinguir: (a) os possuidores de capital social (os que fazem
as solicitações); (b) as fontes do capital social (os que acedem às
solicitações); (c) os recursos propriamente ditos. Estes três elementos
encontram-se muitas vezes confundidos nas discussões em torno do conceito a
partir de Coleman, constituindo-se assim o cenário favorável à confusão nas
utilizações e no âmbito do termo.
Apesar destas limitações, os ensaios de Coleman possuem o inegável mérito de
introduzir e conferir visibilidade ao conceito na sociologia americana,
sublinhando a sua importância na aquisição de capital humano e identificando
alguns dos mecanismos através dos quais é gerado. A sua discussão da noção de
fechamento é, a este respeito, particularmente esclarecedora. Por fechamento
entende-se a existência, entre um certo número de pessoas, de laços suficientes
para garantir a observância de normas. Por exemplo, a possibilidade de
ocorrência de condutas ilícitas no interior da coesa comunidade dos negociantes
judeus de diamantes em Nova Iorque é minimizada pela densidade dos laços entre
os seus membros e pela pronta ameaça de ostracismo que os violadores enfrentam.
A existência de uma norma tão forte é então apropriável por todos os membros da
comunidade, facilitando as transacções sem recurso a incómodos contratos legais
(Coleman, 1988a: S99).
Depois de Bourdieu, Loury e Coleman, diversas outras análises do capital social
têm sido publicadas. Em 1990, W. E. Baker definiu o conceito como um recurso
que os actores fazem derivar de estruturas sociais específicas e usam depois
para a realização dos seus interesses; recurso esse criado por alterações na
relação entre actores (Baker, 1990: 619). De uma forma mais geral, M. Schiff
define o termo como o conjunto de elementos da estrutura social que afectam as
relações entre pessoas e que são inputs ou argumentos da função de produção e/
ou da função de utilidade (Schiff, 1992: 161). Burt vê o capital social como
os amigos, colegas e contactos mais gerais através dos quais acedemos a
oportunidades de utilização do próprio capital financeiro ou humano (Burt,
1992: 9). Enquanto Coleman e Loury enfatizavam a necessidade de redes densas
como condição para a emergência do capital social, Burt destaca a situação
oposta. Na sua perspectiva, é a relativa ausência de laços, a que chama
buracos estruturais, a facilitar a mobilidade individual, visto que redes
densas tendem a transmitir informação redundante, enquanto laços mais fracos se
podem revelar uma fonte de novos conhecimentos e recursos.
Apesar destas diferenças, os trabalhos publicados têm revelado um crescente
consenso em torno da utilização do termo capital social como a capacidade de os
actores garantirem benefícios em virtude da pertença a redes sociais ou a
outras estruturas sociais. É neste sentido que o conceito tem sido usado mais
regularmente na investigação publicada, apesar de variarem muito, como veremos,
as utilizações a que é sujeito.
Fontes de capital social
Tanto Coleman como Bourdieu sublinham a intangibilidade do capital social, em
comparação com outras formas. Enquanto o capital económico se encontra nas
contas bancárias e o capital humano dentro das cabeças das pessoas, o capital
social reside na estrutura das suas relações. Para possuir capital social, um
indivíduo precisa de se relacionar com outros, e são estes não o próprio a
verdadeira fonte dos seus benefícios. Como já foi referido, a motivação de
terceiros para tornar recursos disponíveis em termos concessionários não é
uniforme. A um nível mais geral, podemos distinguir entre motivações
altruístas5 e instrumentais.
Como exemplo do primeiro tipo, determinados indivíduos podem pagar as suas
dívidas no prazo estipulado, dar esmola com fins caritativos e obedecer ao
código de estrada por se sentirem na obrigação de se comportarem de tal forma.
As normas internalizadas que tornam possíveis estes comportamentos são então
apropriáveis, como recursos, por terceiros. Neste caso, aqueles que detêm
capital social são os restantes membros da comunidade, que podem alargar prazos
de amortizações sem receio de fuga ao pagamento, beneficiar de caridade
privada, ou permitir que os seus filhos brinquem na rua sem preocupações.
Coleman (1988a; S104) refere-se a esta fonte na sua análise de normas e
sanções: normas que inibam o crime de modo eficiente permitem que se caminhe
livremente na rua de uma cidade à noite e que os idosos saiam de casa sem
temerem pela sua segurança. Como é bem sabido, um excesso da importância
conferida a este processo de internalização de normas levou à concepção sobre-
socializada da acção humana em sociologia, tão vigorosamente criticada por
Wrong (1961).
Uma abordagem mais próxima da visão subsocializada da natureza humana na
economia moderna vê o capital social sobretudo como a acumulação de obrigações
para com terceiros, de acordo com a norma de reciprocidade. Nesta versão, os
dadores concedem acesso privilegiado a recursos na expectativa de virem a ser
totalmente ressarcidos no futuro. Esta acumulação de notas de dívida sociais
difere em dois aspectos da troca puramente económica. Em primeiro lugar, a
moeda em que são pagas as obrigações pode diferir daquela em que foram
contraídas e pode assumir formas tão intangíveis quanto a expressão de
aprovação ou de lealdade. Em segundo lugar, não é especificada uma
calendarização para o pagamento. Na verdade, se existir um calendário de
amortizações, a transacção é mais correctamente definida como sendo de mercado
do que como uma troca mediada por capital social. Este tratamento instrumental
do termo é bem familiar à sociologia, remontando à análise clássica da troca
social efectuada por Simmel [(1902) 1964], a obras mais recentes de Homans
(1961) e Blau (1964), e aos extensos trabalhos sobre as fontes e dinâmicas da
reciprocidade por autores da escola da acção racional (Schiff, 1992; Coleman,
1994).
Existem duas outras fontes de capital social que se ajustam à dicotomia
altruísta/instrumental, mas de um modo diferente. A primeira encontra as suas
referências teóricas na análise por Marx da emergência da consciência de classe
no proletariado industrial. Ao serem atirados para uma situação comum, os
trabalhadores aprendem a identificar-se uns com os outros e a apoiarem
mutuamente as suas iniciativas. Esta solidariedade não é o resultado da
introjecção de normas durante a infância, mas um produto emergente de um
destino comum [Marx, (1894) 1967; Marx & Engels, (1848) 1947]. Por esta
razão, as disposições altruístas dos actores nestas situações não são
universais, mas confinadas aos limites da sua comunidade. Outros membros da
mesma comunidade podem então apropriar-se dessas disposições e das acções delas
derivadas como a sua fonte de capital social.
Solidariedade confinada é o termo utilizado na bibliografia recente para
designar este mecanismo. É esta a fonte de capital social que leva membros
abastados de uma confissão religiosa a doar anonimamente fundos para escolas
religiosas e hospitais; membros de uma nacionalidade suprimida a associarem-se
voluntariamente, sob risco da própria vida, a actividades militares na defesa
da mesma; e proletários industriais a participarem em marchas de protesto ou
greves de solidariedade a companheiros seus. A identificação com o seu grupo de
pertença, seita ou comunidade pode ser uma força motivacional poderosa. Coleman
refere-se a formas extremas deste mecanismo como zelo e define-as como
antídoto efectivo ao free-riding6 por parte de terceiros nos movimentos
colectivos (Coleman, 1990, 273-82; Portes & Sensenbrenner, 1993).
A última fonte de capital social mergulha as suas raízes clássicas na teoria
durkheimiana da integração social e da capacidade de sancionamento pelos
rituais de grupos [(1893) 1984]. Como no caso das trocas assentes na
reciprocidade, a motivação dos dadores de ofertas socialmente mediadas é
instrumental, mas neste caso a expectativa de ressarcimento não assenta no
conhecimento do beneficiário, mas na inserção de ambos os actores numa
estrutura social comum. O encastramento de uma transacção numa dessas
estruturas tem duas consequências: em primeiro lugar, a recompensa do dador
pode não provir directamente do beneficiário, mas da colectividade no seu
conjunto, na forma de estatuto, de honra ou de aprovação; em segundo lugar, a
própria colectividade actua de forma a garantir que todas as dívidas contraídas
serão pagas.
Como exemplo da primeira consequência, o membro de um grupo étnico pode
conceder bolsas de estudo a jovens estudantes co-étnicos, esperando desta
forma, não o pagamento por parte dos beneficiários, mas antes a aprovação e o
estatuto no seio da colectividade. O capital social dos estudantes não depende
do conhecimento directo do seu benfeitor, mas da pertença ao mesmo grupo. Como
exemplo do segundo efeito, um banqueiro pode oferecer um empréstimo sem
garantias a um membro da mesma comunidade religiosa, na expectativa de
pagamento, garantida pela ameaça de sanções comunitárias e ostracismo. Por
outras palavras, existe confiança nesta situação precisamente porque as
obrigações são impostas, não através do recurso à lei ou à violência, mas
através do poder da comunidade.
Na prática, estes dois efeitos da confiança exigível encontram-se normalmente
confundidos, como no caso de alguém que presta um favor a outro membro da
comunidade na expectativa, tanto de pagamento garantido, como da aprovação do
grupo. Como fonte de capital social, a confiança exigível é assim apropriável
tanto por dadores como por beneficiários: para estes, facilita obviamente o
acesso a recursos; para os primeiros, gera a aprovação e facilita as
transacções, visto que as protege de condutas ilícitas. Não existe qualquer
necessidade de advogados para trocas comerciais subscritas por esta fonte de
capital social. O lado esquerdo da figura_1 sintetiza a discussão feita nesta
secção. É importante ter em mente estas distinções de forma a evitar confundir
motivações altruístas e instrumentais, ou misturar simples trocas diádicas com
outras encastradas em estruturas sociais mais vastas que garantem a sua
previsibilidade e o seu curso.
Figura 1 - Ganhos e perdas efectivas e potenciais em transacções mediadas pelo
capital social
Os efeitos do capital social: investigações recentes
Tal como as fontes, também as consequências do capital social são diversas. As
investigações publicadas incluem aplicações do conceito como variável
explicativa, entre outras coisas, do abandono escolar e do desempenho
académico, do desenvolvimento intelectual infantil, das modalidades de acesso
ao emprego e da mobilidade profissional, da delinquência juvenil e da sua
prevenção, e das iniciativas empresariais étnicas e de imigrantes.7A
diversidade de efeitos ultrapassa o vasto conjunto de variáveis dependentes
específicas a que o capital social tem sido associado; inclui também o tipo de
consequências esperadas e o seu significado. Uma recensão da bibliografia
permite distinguir três funções básicas do capital social, aplicáveis a uma
variedade de contextos: (a) como fonte de controlo social; (b) como fonte de
apoio familiar; (c) como fonte de benefícios através de redes extrafamiliares.
Como exemplos da primeira função, encontramos uma série de estudos que se
concentram na capacidade de fazer respeitar as regras. O capital social criado
por redes comunitárias apertadas é útil aos pais, aos professores e às
autoridades policiais ao procurarem manter a disciplina e promover a
conformidade às regras entre aqueles que estão sob sua alçada. Este tipo de
capital social encontra frequentemente as suas fontes na solidariedade
confinada e na confiança exigível, e tem como principal resultado tornar
inúteis os controlos formais ou explícitos. O processo é exemplificado por Zhou
e Bankston no seu estudo da coesa comunidade vietnamita de Nova Orleães:
Tanto os pais como as crianças estão constamente sob a observação de uma
espécie de microscópio vietnamita. Se uma criança é expulsa ou desiste da
escola, ou se um rapaz é atraído para um gang ou se uma rapariga fica grávida
sem que se case, ele ou ela fazem cair a vergonha, não só sobre eles próprios,
como também sobre a sua família. (Zhou e Bankston, 1996: 297)
Esta mesma função está patente no estudo de Hagan et al. (1995) sobre o
extremismo de direita entre a juventude da Alemanha de Leste. Rotulando a
extrema direita como uma tradição subterrânea na sociedade alemã, estes autores
procuram explicar a emergência dessa ideologia entre os adolescentes alemães,
normalmente acompanhada por aspirações anómicas de riqueza. Estas tendências
são particularmente fortes entre os jovens de estados ex-comunistas, o que se
explica como o resultado conjunto da supressão dos controlos sociais (baixo
capital social) e das longas privações sofridas pelos alemães de leste. A
incorporação no ocidente trouxe consigo novas incertezas e o enfraquecimento da
integração social, permitindo assim o ressurgimento de tradições culturais
subterrâneas da Alemanha.
É também sobre o controlo social que se centram vários ensaios mais antigos de
Coleman, que lamenta o desaparecimento daquelas estruturas familiares e
comunitárias informais que produziam este tipo de capital social; Coleman apela
à criação de instituições formais que assumam o seu lugar. Foi esta a pedra de
toque do seu discurso presidencial à American Sociological Association, em que
traçava o declínio das instituições primordiais assentes na família e apelava à
sua substituição por organizações conscientemente construídas para esse fim. Na
sua opinião, a tarefa da sociologia consistiria na condução desse processo de
engenharia social que substituiria formas de controlo obsoletas baseadas em
laços primordiais por incentivos materiais e de status racionalmente criados
(Coleman, 1988b; 1993). A função desempenhada pelo capital social no controlo
social é também evidente sempre que o conceito é discutido em ligação com o
direito (Smart, 1993; Weede, 1992), bem como quando é definido enquanto
propriedade de colectividades, como as cidades ou as nações. Esta última
abordagem, associada sobretudo aos trabalhos dos cientistas políticos, será
discutida na próxima secção.
A influência de Coleman é também evidente na segunda função do capital social,
enquanto fonte de apoio paternal e familiar. As famílias intactas e aquelas em
que um dos progenitores tem como principal tarefa criar os filhos possuem em
maior quantidade esta forma de capital social do que as famílias monoparentais,
ou aquelas em que ambos os pais trabalham. Os principais beneficiários deste
recurso são, evidentemente, as crianças, cujo desenvolvimento educativo e da
personalidade é dessa forma enriquecido. Coleman (1988a: S110) refere-se assim
em tom elogioso à prática das mães imigrantes provenientes da Ásia, que não só
permanecem em casa como adquirem segundos exemplares dos manuais escolares para
ajudarem os seus filhos na execução dos trabalhos de casa.
Um segundo exemplo desta função é-nos apresentado pela monografia de McLanahan
e Sandefur, Growing Up with a Single Parent(1994), que examina as consequências
da monoparentalidade sobre o desempenho e o insucesso escolares, sobre a
gravidez na adolescência e sobre outras situações resultantes de certos
comportamentos juvenis. O capital social tende a ser inferior para as crianças
de famílias monoparentais, por não serem beneficiadas pela presença em casa do
segundo progenitor e por tenderem a mudar de residência mais frequentemente,
facto que acarreta a escassez relativa de laços que os unam a outros adultos da
comunidade. Este défice não é o único factor causal, mas desempenha, sem
dúvida, um papel importante na produção de resultados educativos e de traços de
personalidade menos desejáveis entre crianças de famílias monoparentais. No
mesmo seguimento, Parcel e Managhan (1994a, b) levaram a cabo extensas análises
quantitativas de sondagens à escala nacional para avaliar o efeito da ocupação
profissional dos pais no desenvolvimento cognitivo e social das crianças.
Concluíram que os recursos intelectuais e outros tipos de recursos detidos
pelos pais contribuíam para formas de capital familiar que facilitavam
resultados positivos por parte das crianças, mas que a crença comum acerca do
efeito negativo do trabalho materno durante a primeira infância era uma
generalização abusiva.
Um terceiro exemplo provém do estudo de Hao (1994) sobre apoio familiar e
maternidade extramatrimonial. Tal como o capital financeiro, o capital social
influencia as transferências efectuadas de pais para filhos e com resultados
comportamentais como a gravidez juvenil, o êxito escolar e a inserção na força
de trabalho. O capital social é maior em famílias com dois progenitores, em
famílias com menos crianças, e naquelas onde os pais possuem grandes aspirações
para os filhos. Estas condições propiciam uma maior atenção por parte dos pais,
maior número de horas passadas com as crianças e a emergência de uma orientação
para o êxito entre os adolescentes.
Dois últimos exemplos de grande interesse sublinham o papel do apoio familiar
como contrapeso da perda de laços comunitários. No seu estudo longitudinal
sobre os adolescentes de Toronto, Hagan et al.(1996) confirmam a descoberta de
Coleman acerca do efeito nocivo de deslocações múltiplas da família sobre a
adaptação emocional e o desempenho escolar das crianças. Deixar uma comunidade
tende a destruir os laços estabelecidos, privando assim a família e a criança
de uma importante fonte de capital social. Estes autores encontraram, contudo,
um efeito de interacção que potencia a perda entre crianças às quais os pais
prestem um fraco apoio, e uma neutralização parcial dessa perda entre aqueles
que se encontram na situação oposta. O apoio parental leva a desempenhos
escolares mais elevados, compensando, directa ou indirectamente, a perda da
comunidade entre os imigrantes.
No mesmo sentido, Gold (1995) sublinha a modificação nos papéis desempenhados
pelos pais entre as famílias imigrantes provenientes de Israel nos Estados
Unidos. Em Israel, os estreitos laços comunitários facilitam a supervisão e a
educação das crianças, visto que os restantes adultos conhecem os mais novos e
assumem a responsabilidade pelo seu bem-estar. No ambiente mais anómico dos
Estados Unidos, é atribuída às mães a tarefa de compensar a ausência de laços
comunitários, através da dedicação exclusiva às suas crianças. Desta forma, a
participação feminina na população activa é muito maior em Israel do que entre
os israelitas nos Estados Unidos, visto que as mães se empenham na preservação
de um ambiente cultural apropriado para os seus filhos. É de notar que em ambos
os exemplos a redução do capital social na sua primeira forma o controlo e os
laços sociais comunitários é parcialmente compensada por um acréscimo de
capital social na sua segunda forma, ou seja, a de apoio familiar.
Contudo, a função que se atribui de forma mais comum ao capital social é, sem
dúvida, a que este desempenha enquanto fonte de benefícios mediados por redes
exteriores à família mais próxima. Esta definição é a que mais se aproxima da
de Bourdieu (1979; 1980), para quem o apoio familiar ao desenvolvimento da
criança é uma fonte de capital cultural, ao passo que o capital social se
refere aos recursos a que se acede mediante a pertença a redes. Esta terceira
função encontra-se ilustrada na utilização por Anheier et al.(1995) de técnicas
de blockmodelling para cartografar os laços sociais entre artistas e
intelectuais na cidade alemã de Colónia. Os resultados das suas análises
revelam redes muito fortes entre os membros do núcleo da elite intelectual da
cidade ao qual o acesso é mais restrito para quem se dedica a actividades
periféricas e comerciais. De um ponto de vista metodológico, este artigo é uma
das aplicações mais sofisticadas das ideias de Bourdieu à sociologia da
cultura.
A utilização mais comum desta terceira forma de capital social encontra-se,
porém, no campo da estratificação social, onde é frequentemente invocado como
explicação do acesso a empregos, da mobilidade através de oportunidades
profissionais de ascensão social e do sucesso empresarial. A ideia de que os
laços pessoais são instrumentais na promoção da mobilidade individual é
central, como já vimos, na análise de Loury, podendo também ser encontrada
entre diversos outros autores que não os conceptualizam explicitamente como
capital social. Granovetter (1974), por exemplo, cunhou a expressão a força
dos laços fracos para se referir ao poder exercido por influências indirectas,
exteriores ao círculo imediato da família e dos amigos mais próximos, enquanto
sistema informal de referências de obtenção de emprego. A ideia revelou-se
original, visto que se opunha à noção do senso comum de que as redes densas,
como aquelas que estão disponíveis através dos círculos familiares, seriam mais
eficientes na procura de emprego. Quase duas décadas depois, Burt (1992)
desenvolveu a abordagem de Granovetter através do conceito de buracos
estruturais. Como vimos, Burt chegou a empregar o termo capital social, tal
como Bourdieu, definindo-o de forma instrumental. No caso de Burt, contudo, o
capital social assenta na escassez relativa de laços entretecidos em redes, e
não na sua densidade.
O trabalho de Nan Lin, Walter Ensel e John C. Vaughn (1981), Social resources
and strength of ties,trabalhoque aponta precisamente no sentido oposto, é um
outro esforço digno de registo. Apesar de Lin e dos seus colegas não terem
usado o termo capital social, Coleman (1988a) refere-se ao seu trabalho de
forma aprovadora por causa da tónica comum sobre as redes densas como recurso.
Esta visão alternativa que, por oposição a Granovetter e a Burt, pode ser
categorizada como a a força dos laços fortes, é também evidente noutras áreas
dos estudos sobre redes sociais e mobilidade. Entre estes sobressai o estudo
das iniciativas empresariais de imigrantes ou de grupos étnicos, em que as
redes e o capital social que flui no seu interior são consistentemente
identificados como um recurso chave para a criação de pequenas empresas. Light,
por exemplo, sublinhou a importância das associações de crédito rotativo (ACR)
para a capitalização de firmas de imigrantes asiáticos nos Estados Unidos. As
ACR são constituídas por grupos informais que se encontram periodicamente,
contribuindo todos os membros com uma dada quantia para um fundo comum, que é
recebido por cada um à vez. O capital social provém, neste caso, da confiança
que cada participante tem na contribuição contínua dos restantes, mesmo depois
de receberem os fundos reunidos. Sem essa confiança ninguém contribuiria e
todos ficariam privados destes meios eficazes para aceder a capital financeiro
(Light, 1984; Light e Bonacich, 1988).
O papel desempenhado pelas redes sociais é igualmente importante nos estudos
sobre os enclaves empresariais étnicos e sobre os nichos étnicos. Os enclaves
são concentrações densas de empresas étnicas ou de imigrantes que empregam uma
proporção significativa da força de trabalho co-étnica e que desenvolvem uma
presença física distinta no espaço urbano. Os estudos existentes sobre a
Chinatown de Nova Iorque (Zhou, 1992), sobre a Little Havana de Miami (Portes,
1987; Portes e Stepick, 1993; Perez, 1992) e sobre a Koreatown de Los Angeles
(Light e Bonacich, 1988; Nee et al., 1994) destacam de modo consistente o papel
das redes comunitárias como fonte de recursos vitais para estas empresas
étnicas. Estes recursos incluem capital inicial, mas também informações acerca
de oportunidades de negócio, acesso a mercados e uma força de trabalho dócil e
disciplinada.
Os nichos étnicos emergem quando um grupo é capaz de colonizar um sector de
emprego particular, de modo a que os seus membros possuam acesso privilegiado a
novas oportunidades de trabalho, restringindo do mesmo passo as oportunidades
dos que lhe são exteriores. A bibliografia sobre esta matéria documenta
exemplos que vão do trabalho em restaurantes e em fábricas de vestuário até ao
acesso a esquadras de polícia e a quartéis de bombeiros e certos ramos dos
serviços públicos de Nova Iorque e Miami (Waters, 1994; Doeringer e Moss, 1986;
Bailey e Waldinger, 1991; Waldinger, 1996; Stepick, 1989). Tal como no caso dos
enclaves, as oportunidades de mobilidade através dos nichos são inteiramente
orientadas pelas redes. Os membros encontram oportunidades para terceiros,
ensinam-lhes as competências necessárias e supervisionam o seu desempenho. O
poder das cadeias da rede é tal que as vagas que se abrem são frequentemente
preenchidas através do contacto com residentes em locais remotos no
estrangeiro, em vez de se recorrer a trabalhadores disponíveis localmente
(Sassen, 1995).
A situação oposta é a penúria de contactos sociais em certas comunidades
empobrecidas ou o seu carácter truncado. Desde a publicação de All Our Kin, por
Carol Stack (1974), que os sociólogos sabem que a sobrevivência quotidiana em
comunidades urbanas pobres depende frequentemente da estreita interacção com
familiares e amigos em situações semelhantes. O problema é que estes laços
raramente possuem um alcance exterior à inner-city, privando desta forma os
seus habitantes de fontes de informação acerca de oportunidades de emprego
noutros locais e dos modos de as alcançar. Wacquant e Wilson (1989) e Wilson
(1987; 1996) relevam também o modo como a saída tanto do emprego industrial
como das famílias de classe média das zonas negras da inner-city deixou a
restante população destituída de capital social, situação que levou a níveis
extremamente elevados de desemprego e de dependência da segurança social.
Este mesmo ponto é central nos estudos etnográficos efectuados por Mercer
Sullivan (1989) comparando jovens porto-riquenhos, negros e brancos de classe
operária em três comunidades nova-iorquinas. Sullivan põe em causa as
afirmações generalistas que atribuem às subculturas juvenis a responsabilidade
por comportamentos desviantes, mostrando que tanto o acesso a empregos estáveis
como a participação em actividades desviantes são mediados por redes. Como
Granovetter (1974) tinha já feito notar, os adolescentes raramente encontram
empregos; pelo contrário os empregos chegam-lhes através da mediação dos pais e
de outros adultos pertencentes à comunidade circundante. Sullivan mostra como,
no caso da juventude negra, essas redes são muito mais fracas, visto que na
geração adulta são raros aqueles que ocupam posições influentes. Abandonados
aos seus próprios recursos, os adolescentes negros raramente conseguem competir
com sucesso por bons empregos estáveis, ficando desta forma disponíveis para
formas alternativas de angariação de rendimentos.
Na seu estudo sobre a gravidez durante a adolescência no gueto de Baltimore,
Fernandez-Kelly (1995) mostra como as redes densas mas truncadas das famílias
negras da inner-city não só isolam os seus membros da informação acerca do
mundo exterior, como sustentam simultaneamente estilos culturais alternativos
que tornam ainda mais difícil o acesso a empregos da economia formal. Neste
contexto de isolamento, a gravidez adolescente não releva de um desleixo
desmedido ou de uma sexualidade excessiva mas, na maior parte dos casos, de uma
estratégia deliberada para aceder ao estatuto de adulto e a um certo grau de
independência.
De modo semelhante, Stanton-Salazar e Dornbush (1995) investigaram a relação
entre a existência de redes sociais ligadas ao exterior e o desempenho e as
aspirações académicas entre estudantes mexicanos do ensino secundário na área
de São Francisco. Encontraram correlações positivas entre estas variáveis,
embora as associações mais fortes se verifiquem com o bilinguismo, sugerindo o
papel desempenhado pelo capital cultural na mobilidade social.8 Num artigo
relacionado, Valenzuela e Dornbush (1994) sublinham a importância das redes
familiares e de uma orientação para a família no desempenho académico dos
estudantes de origem mexicana. Paralelamente aos estudos de Hagan et al.(1996)
e Gold (1995), estes artigos sugerem que as famílias de imigrantes compensam a
ausência do terceiro modo de capital social as redes sociais ligadas ao
exterior com a acentuação do capital social sob a forma de apoio familiar,
incluindo a preservação das orientações culturais do país de origem.
Como no caso das diversas fontes de capital social referenciadas na secção
anterior, é igualmente importante não esquecer as diferentes funções do
conceito, de modo a evitar confusões e a facilitar o estudo das suas
interrelações. É possível, por exemplo, que o capital social na forma de
controlo social colida com o capital social na forma de benefícios mediados por
redes, se estes consistirem precisamente na capacidade de evitar as normas
existentes. A capacidade das autoridades para fazer cumprir as regras (controlo
social) pode assim ser ameaçada pela existência de redes coesas cuja função é
precisamente facilitar a violação dessas regras para benefício privado. Estes
resultados paradoxais apontam para a necessidade de se efectuar uma observação
mais próxima dos ganhadores e perdedores, efectivos e potenciais, das
transacções mediadas por capital social. O lado direito da figura_1 (ganhos e
perdas efectivas e potenciais em transacções mediadas pelo capital social)
sintetiza esta discussão e a da próxima secção.
Capital social negativo
A investigação publicada sobre o capital social acentua fortemente as suas
consequências positivas.9 De facto, é característica do nosso enviesamento
sociológico a tendência para ver emergir da sociabilidade coisas boas; as más
são mais comummente associadas ao comportamento do homo oeconomicus. Contudo,
os próprios mecanismos apropriáveis por indivíduos e grupos como capital social
podem produzir consequências menos desejáveis. É importante chamar a atenção
para elas por duas razões: em primeiro lugar, procurando evitar o logro de
apresentar as redes comunitárias, o controlo social e as sanções colectivas
como pura benção; em segundo lugar, de forma a manter o seu estudo nos limites
da investigação sociológica séria, evitando afirmações moralistas. Estudos
recentes identificaram pelo menos quatro consequências negativas do capital
social: exclusão dos não membros, exigências excessivas a membros do grupo,
restrições à liberdade individual e normas de nivelação descendente. Apresento-
os em seguida de forma sintética.
No primeiro caso, os próprios laços fortes que produzem benefícios para os
membros de um grupo permitem-lhe normalmente barrar o acesso a terceiros.
Waldinger (1995) descreve o estreito controlo exercido por indivíduos de etnia
branca descendentes de imigrantes italianos, irlandeses e polacos sobre os
ofícios da construção civil e os sindicatos dos bombeiros e da polícia de Nova
Iorque. Outros casos são o crescente controlo do comércio de frutas e legumes
por imigrantes coreanos em várias cidades da Costa Leste, o tradicional
monopólio detido pelos comerciantes judeus sobre o comércio de diamantes em
Nova Iorque e o domínio por parte de cubanos sobre numerosos sectores da
economia de Miami. Em cada um destes casos, o capital social gerado pela
solidariedade e pela confiança confinadas é o motor da progressão económica do
grupo. Mas, como Waldinger (1995: 557) faz notar, as mesmas relações sociais
que reforçam a facilidade e a eficiência das trocas económicas no seio da
comunidade restringem implicitamente aqueles que lhe são estranhos.
Os grupos étnicos não são os únicos a utilizar o capital social para obter
vantagens económicas. Há dois séculos, Adam Smith ([1776] 1979: 232) queixava-
se de que os encontros entre comerciantes se tornavam numa conspiração contra o
público. O público, evidentemente, eram todos os que se encontravam excluídos
das redes e do conhecimento mútuo que ligava os grupos conluiados. Se
substituirmos comerciantes por empreiteiros de etnia branca, por chefes de
sindicatos étnicos ou por empresários imigrantes, torna-se então evidente a
relevância contemporânea da afirmação de Smith.
O segundo efeito negativo do capital social é o reverso do primeiro, na medida
em que o fechamento de grupo ou da comunidade pode, em certas circunstâncias,
impedir o êxito de iniciativas empresariais dos seus membros. No seu estudo
acerca da criação de empresas de comércio no Bali, Geertz observou que os
empresários de maior sucesso eram constantemente assediados por familiares que
procuravam um emprego ou um empréstimo. Estas exigências escoravam-se em fortes
normas que impunham a assistência mútua no interior da família alargada e entre
os membros da comunidade em geral (Geertz, 1963). Daqui resultava a
transformação de empresas promissoras em hotéis assistenciais, entravando a sua
expansão económica.
Granovetter (1995), que chama a atenção para este exemplo, faz notar que se
trata de uma situação que a teoria clássica do desenvolvimento económico
apontou como um problema com que se defrontam as empresas tradicionais. Weber
[1992 (1965)] usou o mesmo argumento, insistindo na importância das transacções
económicas impessoais, guiadas pelo princípio do universalismo, como uma das
razões mais importantes do êxito empresarial dos puritanos. Assim, relações
intergrupais estreitas, do tipo encontrado em comunidades altamente solidárias,
podem dar origem a um problema gigantesco de free-riding, na medida em que os
membros menos diligentes consigam impor aos mais bem sucedidos todo o tipo de
exigências apoiadas por uma estrutura normativa partilhada. O capital social
dos que efectuam as exigências é constituído precisamente pelo acesso
privilegiado a recursos dos outros membros do grupo. Desta forma são dissipadas
as oportunidades de acumulação e de êxito empresarial.10
Em terceiro lugar, a participação em comunidades ou em grupos cria
necessariamente exigências de conformidade. Numa pequena cidade ou numa vila,
onde todos os vizinhos se conhecem, podem-se comprar provisões a crédito na
loja da esquina e as crianças brincam livremente nas ruas sob o olhar atento de
outros adultos. O nível de controlo social nestes contextos é forte e altamente
restritivo quanto às liberdades individuais, razão pela qual os jovens e os
indivíduos de espírito mais independente acabam sempre por partir. Boissevain
(1974) dá conta de uma situação deste tipo no seu estudo da vida de aldeia da
ilha de Malta. As densas redes multiplex que ligam os habitantes produziram o
terreno propício a uma intensa vida comunitária e à imposição das normas
locais.11 A privacidade e a autonomia dos indivíduos viram-se reduzidas na
mesma medida.
Esta é uma expressão do dilema ancestral entre a solidariedade comunitária e a
liberdade individual, analisado por Simmel [(1902) 1964 ] no seu ensaio
clássico sobre The Metropolis and the Mental Life. Nesse ensaio, Simmel saía em
defesa da autonomia e da responsabilidade pessoal. Presentemente, o pêndulo
oscilou no sentido oposto e diversos autores reclamam redes comunitárias mais
fortes e maior observância das normas de modo a restabelecer o controlo social.
Isto pode ser desejável em muitas situações, mas o reverso desta função do
capital social não deve ser esquecido.
Os constrangimentos à liberdade individual podem ser responsáveis pela
associação negativa, estabelecida por Rumbaut, entre os elevados níveis de
solidariedade familiar dos estudantes imigrantes recém-chegados e quatro tipos
de resultados educativos, incluindo as notas escolares e os resultados de
testes estandardizados. De acordo com este autor, os laços familiares unem,
mas por vezes constrangem em vez de facilitarem resultados específicos
(Rumbaut, 1977: 39).
Em quarto lugar, existem situações em que a solidariedade do grupo é cimentada
pela experiência comum da adversidade e pela oposição às tendências dominantes
da sociedade. Nestes casos, as histórias de sucesso individual minam a coesão
do grupo, na medida em que este último se encontra fundado, precisamente, na
suposta impossibilidade de tais ocorrências. Daqui resultam normas de nivelação
descendente que funcionam de modo a manter os membros de um grupo oprimido no
seu lugar e forçam os mais ambiciosos a fugir da alçada do grupo. Na sua
investigação etnográfica entre os traficantes de crack porto-riquenhos do
Bronx, Bourgois (1991, 1995) chama a atenção para a versão local deste
processo, em que são tomados como alvos a atacar os indivíduos que procuram
juntar-se à classe média. O autor relata a visão de um dos seus informadores:
Quando se vê alguém ir à baixa arranjar um bom emprego, se são porto-riquenhos,
vêmo-los arranjar o cabelo e pôr umas lentes de contacto nos olhos. Então são
aceites, e fazem-no! Já tenho visto! Repare em todas as pessoas daquele
edifício, são todos vira-casacas. São pessoas que querem ser brancos. Meu, se
chamares por eles em espanhol acabas por provocar um problema. O que eu quero
dizer é pegue no nome Pedro estou só a dar um exemplo o Pedro diria
(imitando o sotaque de branco) My name is Peter. Onde é se vai buscar Peter a
Pedro?. (Bourgois, 1991: 32)
Exemplos semelhantes são relatados por Stepick (1992) no seu estudo sobre a
juventude haitiana-americana de Miami, por Suarez-Orozco (1987) e por Matute-
Bianchi (1986, 1991) sobre os adolescentes mexicanos-americanos no sul da
Califórnia. Em cada um destes casos, o surgimento de normas de nivelação
descendente foi precedido por longos períodos, muitas vezes durante gerações,
em que a mobilidade de um grupo particular foi bloqueada pela discriminação
exterior. Esta experiência histórica sublinha a emergência de um posicionamento
de oposição à sociedade e de uma solidariedade assente numa experiência comum
de subordinação. Depois de activada, esta perspectiva normativa ajuda a
perpetuar a própria situação que denuncia.
Note-se que o capital social, sob a forma de controlo social, se encontra
também presente nestas situações, mas os seus efeitos são exactamente opostos
aos que são normalmente louvados na bibliografia. Se a solidariedade confinada
e a confiança fornecem as fontes para a ascensão socioeconómica e para o
desenvolvimento empresarial entre certos grupos, entre outros produzem o efeito
exactamente oposto. A sociabilidade é uma faca de dois gumes. Se pode ser fonte
de bens públicos, como os celebrados por Coleman, Loury e outros, pode também
levar a males públicos. Famílias da Máfia, círculos de jogo e de
prostituição, e gangs juvenis oferecem muitos exemplos de como o encastramento
em estruturas sociais pode ser transformado em resultados socialmente
indesejáveis. Este ponto é de particular importância na abordagem às versões
mais recentes e mais laudatórias do capital social.
O capital social como característica de comunidades e de nações
Como vimos nas secções precedentes, as análises sociológicas do capital social
têm assentado nas relações entre actores ou entre um actor individual e um
grupo.12 Todas essas análises têm incidido nos potenciais benefícios
disponibilizados aos actores em virtude da sua inserção em redes ou estruturas
sociais mais vastas. Os cientistas políticos introduziram uma viragem
conceptual interessante ao fazerem equivaler o capital social ao nível de
civismo em comunidades como vilas, cidades, ou mesmo países inteiros. Para
Robert Putnam, o mais proeminente defensor desta abordagem, capital social
significa características de organizações sociais, como as redes, as normas e
a confiança, que facilitam a acção e a cooperação com vista a um mútuo
benefício. O carácter colectivo desta versão do conceito é evidente na
seguinte frase: trabalhar em conjunto é mais fácil numa comunidade abençoada
por um volume substancial de capital social (Putnam, 1993: 35-36).
Na prática, este volume é identificado com o nível de envolvimento associativo
e de comportamento participativo numa comunidade, sendo medido por indicadores
como a leitura de jornais, a participação em associações voluntárias e a
expressão de confiança nas autoridades políticas. Putnam não é modesto quanto
ao alcance potencial e ao significado da sua versão do capital social:
Esta perspectiva acaba por ter poderosas implicações práticas em diversos
assuntos da agenda nacional americana: na forma de ultrapassarmos a pobreza e a
violência em South Central Los Angeles ou de ampararmos as titubeantes
democracias do antigo império soviético. (Putnam, 1993: 36; 1996)
A perspectiva de um diagnóstico simples dos problemas do país e da sua pronta
solução atraiu uma larga atenção pública. O artigo de Putnam, Bowling alone:
America's declining social capital, publicado no Journal of Democracy em
1995, fez sensação, proporcionando ao seu autor um tête-à-tête com o presidente
Clinton e a publicação do seu perfil na revista People. A imagem nostálgica
invocada pelo solitário jogador de bowling teve ressonâncias em muitos membros
poderosos do establishment americano e chegou mesmo a inspirar passagens do
discurso State of the Union proferido por Clinton em 1995 (Pollitt, 1996;
Lemann, 1996). Putnam escorou o seu caso em números que mostravam o rápido
decréscimo dos níveis de votantes e de participação em grupos como as PTA,13 o
Elks Club, a Liga das Mulheres Votantes e a Cruz Vermelha. Identificou de
seguida as determinantes imediatas do decréscimo do volume nacional de capital
social, nomeadamente a saída de cena de uma geração cívica, activa durante as
décadas de 20 e 30, a que se seguiu a geração não cívica os baby boomers
nascidos e criados depois da II guerra mundial:
essas décadas em que se assistiu a uma deterioração no capital social são as
mesmas em que o domínio numérico de uma geração confiante e cívica foi
substituído pelo domínio de coortes post-cívicas Desta forma, uma análise
geracional leva quase inevitavelmente à conclusão de que é provável que
continue essa quebra nacional da confiança e do comprometimento. (Putnam, 1996:
45-46)
Os críticos centraram-se na discussão sobre se o voluntarismo e o espírito
cívico decresceram realmente ou não na América e no enviesamento de classe
implícito na tese de Putnam. Críticos leigos, como Lemann no Atlantic Monthly e
Pollitt no The Nation,perguntaram se a virtude cívica americana está de facto
em declínio ou se tomou simplesmente novas formas, diferentes das organizações
de tipo antigo citadas no artigo de Putnam. Fizeram também notar o tom elitista
da argumentação, em que se atribui directamente a responsabilidade pelo alegado
declínio do capital social aos comportamentos de lazer das massas, e não às
alterações económicas e políticas produzidas pelo establishment empresarial e
político. Na sua crítica mordaz da tese de Putnam, Skocpol (1996: 25) sublinha
também este ponto:
Quão irónico seria se, depois de deixarem as associações de cariz local, as
mesmas elites empresariais e profissionais, que traçaram o caminho para o
descomprometimento cívico local, se virassem agora para trás e argumentassem
com sucesso que deveriam ser os americanos menos privilegiados, que elas
abandonaram, a restaurar a interligação social da nação
Estas críticas são válidas, mas não atingem o problema fundamental da tese de
Putnam: a sua circularidade lógica. Enquanto propriedade de comunidades e de
nações, em vez de indivíduos, o capital social é simultaneamente uma causa e um
efeito. Leva, por um lado, a resultados positivos, tais como ao desenvolvimento
económico e a uma menor incidência criminal, mas a sua existência é inferida
desses mesmos resultados. As cidades bem governadas e em progresso económico
conseguem-no por deterem um elevado capital social; as cidades mais pobres não
possuem esta virtude cívica. Esta circularidade encontra-se bem ilustrada em
passagens como as seguintes:
Algumas regiões de Itália possuem muitas organizações comunitárias activas
Estas comunidades cívicas valorizam a solidariedade, a participação cívica e
a integridade. Aqui a democracia funciona. No extremo oposto encontram-se as
regiões não cívicas, como a Calábria e a Sicília, correctamente
caracterizadas pelo termo francês incivisme. O próprio conceito de cidadania
encontra-se aqui algo estiolado. (Putnam, 1993: 36)
Por outras palavras, se a sua cidade é cívica, faz coisas cívicas; se é não
cívica não as faz.
A tautologia presente nesta definição de capital social resulta de duas
decisões analíticas: primeiro, começando pelo efeito (i. e. cidades bem
sucedidas contra cidades mal sucedidas), trabalhando depois regressivamente, de
forma a descobrir aquilo que as distingue; segundo, procurando explicar todas
as diferenças observadas. Por princípio, o exercício de identificar post-factum
as causas de eventos é legítimo, desde que sejam consideradas explicações
alternativas. Fazendo justiça a Putnam, ele procede desta forma na sua
investigação das diferenças entre as cidades bem governadas do norte de Itália
e as mal governadas do sul (Putnam, 1993; Lemann, 1996). Contudo, estas
explicações retroactivas não podem ser mais que aproximativas, visto que o
investigador não pode pôr nunca de parte outras causas potenciais, e que estas
explicações não foram sujeitas a teste em casos diversos dos que aqui são
considerados.
Mais insidiosa, contudo, é a procura de explicação absoluta para todas as
diferenças observadas, visto que tentar alcançar esta determinante principal
acaba muitas vezes por levar a uma reformulação do problema original que se
pretendia explicar. Isto acontece à medida que a eliminação de excepções reduz
o espaço lógico entre a alegada causa e o efeito, de tal forma que a proposição
explicativa final acaba por ser ou um truísmo, ou circular.14 No estudo de
Putnam sobre as cidades italianas, factores como os diferenciais nos níveis de
desenvolvimento económico, na educação ou as preferências políticas revelaram-
se variáveis independentes imperfeitas. Desta forma, a procura de uma
determinante principal foi sendo reduzida a algo denominado (na esteira de
Machiavelli) a vertu civile, presente nas cidades em que os habitantes votam,
obedecem à lei e cooperam entre si, e cujos dirigentes são honestos e
empenhados no bem comum (Putnam, 1993; 1995).
A teoria acaba por afirmar que a virtude cívica é o factor que diferencia as
comunidades bem governadas das que são mal governadas. Dificilmente poderia ser
de outro modo, dada a definição da variável causal. Desta forma, as cidades em
que todos cooperam na manutenção de uma boa governação são bem governadas.
Procurando evitar dizer duas vezes a mesma coisa, o investigador do capital
social tem de cumprir algumas precauções lógicas: em primeiro lugar, separar a
definição do conceito, teórica e empiricamente, dos seus alegados efeitos; em
segundo lugar, estabelecer alguns controlos do sentido da relação, de forma a
que se demonstre que a presença de capital social é anterior aos resultados que
se espera que produza; em terceiro lugar, controlar a presença de outros
factores que podem explicar tanto o capital social como os seus alegados
efeitos; em quarto lugar, identificar as origens históricas do capital social
da comunidade de um modo sistemático.
Esta tarefa é viável, mas demorada. Em seu lugar, o percurso intelectual que
transformou o capital social de uma propriedade individual numa característica
de cidades e de países tendeu a ignorar estes critérios lógicos. Este percurso
foi rápido, explicando grandes efeitos sociais pela sua nomeação com um novo
termo, e empregando depois esse mesmo termo na formulação de arrojadas receitas
políticas. Apesar de acreditar que a maior promessa teórica do capital social
se encontra ao nível individual exemplificado pelas investigações de Bourdieu
e de Coleman , nada existe de intrinsecamente errado em redefini-lo como
propriedade estrutural de grandes agregados. Este ponto de partida conceptual
requer, contudo, maior cuidado e refinamento teórico do que o que tem sido
demonstrado até aqui.15
Conclusão
Não é provável que o entusiasmo granjeado pelo conceito revisto neste artigo e
pelas suas cada vez mais diversas aplicações a diferentes problemas e processos
sociais venha a desaparecer tão cedo. Esta popularidade é parcialmente
merecida, visto que o conceito chama a atenção para fenómenos reais e
importantes. Contudo, ela é também parcialmente exagerada, por duas razões. Em
primeiro lugar, os processos que o conceito abarca não são novos e foram já
estudados no passado sob outros nomes. Chamar-lhes capital social é, em grande
medida, um modo de os apresentar sob uma aparência mais sedutora. Em segundo
lugar, há poucos fundamentos para acreditar que o capital social se revelará um
remédio imediato para grandes problemas sociais, tal como é prometido pelos
seus mais ousados proponentes. As proclamações recentes nesse sentido limitam-
se a reformular os problemas originais e não têm sido acompanhadas, até agora,
por nenhuma proposta convincente sobre como criar os tão desejados stocks de
civilidade pública.
Ao nível individual, os processos a que o conceito se refere revelam-se facas
de dois gumes. Os laços sociais podem produzir um maior controlo sobre
comportamentos desviantes e fornecer acesso privilegiado a recursos; podem
também restringir as liberdades individuais e vedar a terceiros o acesso aos
mesmo recursos através de preferências particularistas. Por esta razão, parece
preferível abordar estes processos multifacetados como factos sociais que devem
ser estudados em toda a sua complexidade, e não como exemplos de um determinado
valor. Uma visão mais desapaixonada permitirá aos investigadores considerar
todas as facetas do evento em questão e evitar transformar a bibliografia
subsequente numa celebração sem restrições da comunidade. Sair em defesa do
comunitarismo é legítimo enquanto posição política; não constitui boa ciência
social. Como rótulo para os efeitos positivos da sociabilidade, o capital
social detém, na minha perspectiva, um lugar assegurado na teoria e na
investigação empírica, desde que sejam reconhecidas as suas diferentes fontes e
os seus diferentes efeitos, e que os seus aspectos negativos sejam examinados
com a mesma atenção.
[Tradução de Frederico Ágoas. Revisão técnica por Rui Santos e Maria Margarida
Marques]
Notas
1Uma primeira versão deste artigo foi publicada em 1998, com o título Social
capital: its origins and applications in modern sociology, pela Annual Review
of Sociology. Agradeço a assistência de Patricia Landolt e de Clemencia
Cosentino na preparação do artigo e os comentários efectuados sobre uma versão
anterior por John Logan e Robert K. Merton. Os conteúdos são da minha exclusiva
responsabilidade.
2 Tradução do autor para fungibility, no original. (N. do T.)
3 O equivalente mais próximo de capital humano na análise de Bourdieu é o
conceito de capital cultural incorporado, definido como habitus de práticas
culturais, conhecimento e modos de conduta apreendidos através da exposição a
modelos (role models) na família e noutros ambientes (Bourdieu, 1979).
4 Se afirmarmos, por exemplo, que o estudante A possui capital social porque
teve acesso através dos pais a um volumoso empréstimo para pagamento de
propinas e que a estudante B não o possui porque não conseguiu aceder ao mesmo
tipo de benefício, negligenciamos a possibilidade de a rede familiar de B se
encontrar tão ou mais motivada para a auxiliar, mas faltarem-lhe simplesmente
os meios para o fazer. Definir capital social como o equivalente dos recursos
assim obtidos é o mesmo que afirmar que os bem sucedidos alcançaram o sucesso.
Esta circularidade é mais evidente em aplicações do capital social que o
definem como propriedade de colectividades, versões que são revistas adiante.
5 Tradução do autor para consummatory, no original. (N. do T.)
6 Aproveitamento parasitário de bens colectivos. (N. do T.)
7 A revisão que se segue não pretende cobrir exaustivamente a investigação
publicada. Tal tarefa tornou-se obsoleta com o advento das pesquisas
informatizadas por tópicos. Em vez disso, procurarei documentar os principais
tipos de aplicação do conceito encontrados na bibliografia e evidenciar as suas
interrelações.
8 Status attainment, no original. (N. do T.)
9 Esta secção é parcialmente baseada em Portes e Sensenbrenner (1993) e Portes
e Landolt (1996).
10 Um problema relacionado tem sido observado em bairros da inner-city onde as
redes familiares formam um recurso crucial de sobrevivência através da
assistência mútua e do acesso imediato a favores e a pequenos empréstimos. Na
mesma medida, a norma que obriga à partilha dos recursos adquiridos (como um
prémio em dinheiro) entre os familiares e os amigos impede efectivamente
qualquer acumulação sustentada ou investimento empresarial por parte dos
indivíduos. Aqueles que pretenderem seguir este caminho terão de se distanciar
dos seus antigos parceiros (ver: Uehara, 1990; Fernandez-Kelly, 1995; Stack,
1974).
11 A multiplexidade refere-se à sobreposição de redes sociais onde as mesmas
pessoas estão ligadas através de diferentes papéis. Em pequenas vilas, por
exemplo, os mesmos indivíduos podem ser simultaneamente familiares, vizinhos e
colegas de trabalho, aumentando desta forma a intensidade e a capacidade de
controlo mútuo dos seus laços (Boissevain, 1974: 31-33).
12 Esta secção é parcialmente baseada em Portes e Landolt (1996).
13 Sigla de Parents and Teachers Associations. (N. do T.)
14 O método de indução analítica, comum na sociologia americana nas décadas de
40 e de 50, consistia precisamente no processo de procurar explicar todos os
casos, eliminando gradualmente todas as excepções. A sua popularidade decresceu
rapidamente quando se descobriu que, de um modo geral, dava origem a
tautologias, redefinindo as origens do fenómeno que se pretendia explicar. A
única forma de garantir o fechamento do modelo ou a ausência de excepções acaba
por ser uma explicação que é corolário lógico do efeito que se pretende
explicar. Sobre a indução analítica, ver Turner (1953) e Robinson (1951).
15 Woolcock (1997) fez um esforço promissor nesta direcção, procurando aplicar
o conceito de capital social ao estudo do desenvolvimento nacional e
comunitário nos países de terceiro mundo. Depois de uma revisão extensiva da
bibliografia, o autor afirma que as definições de capital social deveriam
incidir em primeiro lugar nas suas fontes e não nas consequências, visto que os
benefícios a longo prazo, se e quando ocorrem, são o resultado de uma
combinação de diferentes tipos de relações sociais, combinações cuja
importância relativa se verá, com toda a probabilidade, alterada com o decorrer
do tempo (Woolcock, 1997: 35).